Tema 3 Silveira Cap 1

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Das experiéncias de assoctagoes a descoberta dos complexos Assim que concluiu 0 curso médico, na Universi- dade de Basilgia, Jung, com 25 anos, veio para Zurique ‘ocupar o posto de segundo assistente no hospital psi quidtrico dessa cidade, 0 famoso Burgholzli (10 de de- zembro de 1900). Teremos de fazer pequena incursio no campo da psiquiatria, pois foi num hospital de alie- nados que Jung iniciou sua carreira cientifica e deu as primeiras medidas da forca de seu génio. O diretor do Burgholzli era o grande Eugen Bleu- Jer. Naqueles primeiros anos do século, estava ele ela- borando sua monografia revolucionaria, Dementia prae- cox_ou_o grupo das esquizofrenias, publicada em 1911. Bleuer nio se contentava com a descri¢io dos sintomas das doencas mentais. Quis dar & psiquiatria uma base ppsicoldgica, do mesmo modo que a medicina interna Sinha seus fundamentos na fisiologia. Com esse intento, Fecorreu ao associacionismo, teoria que entio dominava a psicologia. Segundo 0 associacionismo, a vida psiquica explicar-se-a pelas combinagdes e recombinagdes dos ele- Mentos mentais, que entrariam em conexio segundo de- terminadas leis (leis de contigitidade, se traste etc). De acordo com o per Bleuler escrevia: melhanga, con- nsamento de sua época, Toda a existéncia psiquica do passado € do presente com todas as 5 experiéncias e lutas re- flete-se na atividade associativa, Essa atividade & por- ; indice de i ae ae: ae de todos ©S processos psiquicos que neces- Namos decifrar a fim de conhecer © homem total 25 Era, pois, pereitament de associag6es fossem consi no Burgholzi. Q, to na execusio dessas experiéncias € 0 mais prdxi solsborsdor de Bleuler na procura do distrbio ps ico que as experi las muito importan dusio ingless do Mannal de psiquiatria de Bleuler). F fundamentado num imenso acervo de observasdes nicas © nas pesquisas ex gen ler propés a substituigio da denominasio de recoce pela de esquizofrenia (do grego: wa, fended Vejamos em que consistiam as experiéncias de as sociagies, tas como Jung as pra ‘O experimentador organizava uma lista de pala vras isoladas, desprovidas de qualquer relasio significa tiva entre si. Sio as palavras indutoras. O inc 10 €xa- ‘minado é solicitado a reagir a cada palavra indutora pronunciando uma Gnica palavra, a primeira que Ihe ocorra. Essa palavra é denominada palavra indwzids. O experimentador mede 0 tempo decorrido entre uma € outra com um cronémetro que indica quintos de segun- do. © crondmetro é posto em movimento quando 0 experimentador pronuncia a iltima silaba da palavra in- dutora e é detido logo que 0 examinando profere a pri- meira silaba da palavra induzida, O tempo escoado en- tre uma palavra e outra é 0 tempo de reagio. Em média provocam-se cingiienta reagdes, ou pouco mais. Se conveniente prolongar excessivamente a exper fim de evitar cansago, © experimentador permanece sempre atento 40s iris incidentes que possam ocorrer no curso da expe 26 ritncia. Os tempos de reagio variam muito, ora do bre- vves, ora longos. O examinando, em vez de responder por uma x6 palavra responde com uma frase, ou repete 1 palavea indutora, hesta, ri, reage com a mesma palae -vraa diferentes palavras indutoras, enrubesce, ranspira atc. Essas diversas perturbasSes que eram desprezadas pelos experimentadores da psicologia cli fac inca sm mor imports, arse par Teor icheors inate engi oe eames ovoid ‘oculto no {ntimo do examinando, no inconsciente. Esses ‘conteiidos seriam “complexos de idéias dotadas de forte ‘carga afetiva”. Jung denominou-os “complexos afetivos” ‘ou simplesmente Ycomplexos". Ficava assim demonstrada experimentalmente a existéncia do psiquismo inconsciente. caso trata-se de uma mulher de 30 anos, © marido @ protestante. Ambos afir © bom entendimento entre o easal. Mas a paz domésti- ca era perturbada por constantes e violentas cenas de citimes por parte da esposa, que fazia descabidas acusa- 8es de infidelidade a0 marido. A prova das associagSes, por intermédio das palavras induzidas — rezar, separar, casar, disputar, familia, felicidade, falso, beijr, escolher, contente — que se mostraram criticas em meio a nume- rosas outras palavras indutoras, revelou que a situacio daquele lar caminhava para a decomposicio. A diferen- sa de religido criava um clima extremamente tenso. E, sobretudo, ela vivia aguilhoada por desejos eréticos em relagio a outros homens, enquanto o marido era um modelo de fidelidade, Exemplo trigico é o caso de uma 7 caminho para aque a confisso fose fit: quando soltera ela havia ama. ein rapaz rico, de situagio social superior & sua e que pareca nio Ihe dar nenhuma atensio. Casouse com ov. fro e teve dois filhos. Recentemente soubera que aquele rapaz também a havia amado e sofrera quando ela se ex- fou. Iso a perturbou, absorveu seus pensamentos. Acon- teceu entio que, dando banko na filha, a menina chu- pou Sgua da esponja embebida. O menino mais novo Sprosimouse e também bebeu agua da banheira onde se banhava a irmi. A mie nada fez para impedir o gesto ‘Giéncia do seu desejo inconsciente de libertar-se das crian- as para ir 20 encontro do antigo amado, a doente cu rou-se e dentro de pouco tempo deixou o hospital. ‘Mas, quando o psiquismo j se achava com suas Sticos), as experién- Lavras in- bais dos doentes. Gragas a esse habil recurso e por meio de labor infinitamente paciente, conscguiu descobrir nos dementes precoces (esquizofrénicos) complexos semelhan- individuos normai so; Mesmi6 a8 mais absurdas de suas manifestagdes si0 28 ‘bolos de pensamentos que nio so podem ser com: preendidos em termos humanos mas também existe fe cada homem”. Estavam langadas as bases da ‘Se de uma parte Bleuler permanecia preso 20 2s50- ia adotada pela psicologia clissica, de wveis no Burgholzli, descreve 0 verdadeiro fervor {que empolgava o grupo de colaboradores de Bleuler, quando todos queriam pér & prova as idéias recém-lan- gadas por Freud, buscando verificar se, de fato, era pos- sivel descobrir elos causais para fendmenos tio dispares ‘como lapsos, sonhos, sintomas neuré nio s6 por meio va Freud, mas também por intermédio de experiéncias de associagSes induzidas, “Todos os assistentes, além de seus trabalhos despendiam virias horas por dia realizando ias de associagSes, tanto em individuos nor- mais quanto em insanos” (A. A. Brill) Jung publicou, em 1906, seu livro Estudos sobre associagées. Em 1907 aparece Psicologia da_deméncia fo das psicoses, rabs- thos que im que todos os sintomas psicdticos cencerram significasdes. 6s emprego na pritica; gracas a esses métodos adquiri bastante experincia para nio ter necessidade de quintos de segundo a fim de constatar certas hesitagdes 29 ou certas uvSes que percebo dietamente”, En. lamente mergulhados na profun- rretanto as experiéncias de associagSes constituem exce Geza do inconsciente e mal se fazem notar; outros agen lense prosedimento no ensino, para demonstra de meds ping verdadeiros perturbadores da economia psiquicx: tho até o consciente, mas re= ‘outros ja romperam caminl Gotem a deixarem-se assimilar ¢ permanccem mais ou menos independentes, funcionando segundo suas leis réprias” J. Jacobi). Be Dos corsplexos depende o mal-estar ou o bem-es- ‘ministradas ainda arualmente cursos sobre as expe cias de associagées no Instituto C. G. Jung de Zuriq __mos_psiquicos inconscientes. Com essa finalidadk Qcomplexo — sua autonomia. A palavra comple. tar da vida do individuo. Eles podem ser comparados, xo, com sua significario psicoldgica pecul ioties diz Jung, a infecgdes ou a tumores malignos, que se de- duzida por Jung. E fer fortuna, estando hoje incorpors. senvolvem sem qualquer intervengio da consciéncia. 4a 20 vocabulirio cotidiano de todos nés. Ouvess ‘Como deménio: infernizam a vida no lar ¢ no correntemente dizer: eu tenho um complexo mie, ele trabalho. Todavia, é preciso acemtuar que na psicologia. tem um complexo de superioridade, ela tem um com. junguiana os complexos nio sio, por essen © plexo de inferioridade, e assim por diante. Hé algo de incorreto nessas expresses, A verdade é que nio somos 1nds que temos o complexo, o complexo & que nos tem, ae que 10s possui- Com interfere c sida consciente, lev: Portanto, ao lado de seu papel negativo Gio proclama- do, os complexos poderio desempenhar uma funsio positiva, Tornam-se patoldgicos quando sus i uantidades excessivas de energia psiquica. _Os complexos sio agrupamentos de contetidos oath psiquicos carregados de afetividade. Compéem-se pri- ‘ Assimilagao dos complexos mariamente de um niicleo possuidor de intensa carga. ‘Um passo dos mais importantes para 0 conheci- sabelece mento de si préprio, bem como para o tratamento das. neuroses, serd trazer & consciéncia os complexos incons- ientes. Mas convém nio esquecer que a tomada de cons- ciéncia do complexo apenas no plano & mantida pelo afeto comum a seus elementos. Formam- se assim verdadciras unidades vivas, capazes de existéncia_ énoma, Sezundo a fore. a 0 ; a ay a indo’ a forsa eee on ae no Ppouco modificara sua influéncia nocin compl se um imi para todo fendmeno psiquico _ i ma-se um ima para todo _psiqui que seriam até capazes de escrever excelentes monogra- ‘que ocorra ao alcance de seu campo de atracio. 2 ‘A autonomia do complexo dependerd das conexd- es maiores ou menores que mantenha com a totalidade mas que continuam quase tio Para que se dé a assimilagio de ee ates manten's serd necessirio, junto & sua compreensio a organizacio psiquica. Por isso verificase em seu com- » i . i m seu CO em termos intelectuais, que os afetos nele condensados portamento graus muito variados de independéncia. “Al- a Mu 30 sam ebreagides, ito & exteriorizemsse por meio de Jet gas emocionais. Os primitivos davam expressio a Gfoques ¢ traumas emocionais por meio de dansas ¢ caeros repetidos insimeras vezes, até que se sentissem purgados desses afetos. "Nés pretendemos funcionar s6 com a eabesa Por isso discorremos inteligentemente sobre nossos comple. ‘xos, mas eles continuam bem encravados na textura ine consciente-corpo, produzindo sintomas somiticos e pst. quicos totalmente irracionais, Evolugao do conceito de complexo Jung escreveu em 1934 um curto trabalho sob 0 titulo de “Revisio da teoria dos complexos” (Collected ‘Works 8), onde amplia suas idéias sobre o assunto, Até entio os complexos eram descritos como contetidos psiquicos o blemética individual. Tinham suas raizes nos conflitos emocionais da primeira infincia ¢ também, segundo 0 «que as experiéncias de associagdes provaram, nos contli- tos do presente, em qualquer idade. Nessa revisio cle ‘mantém que a causa mais freqiiente da origem de comple- x05 é 0 conflito. Admite também que choques ¢ traumas emocionais podem, por si sés, ser responsiveis pela sua formagio. ‘Nesse trabalho Jung define complexo: “A imagem de situagées psiquicas fortemente carregadas de emosio ¢ incompativeis com a atitude e a atmosfera consciente habituais. Essa imagem é dotada de forte coesio inter quica global"). A maior parte dos contetidos do incons- ciente pessoal é constituida por complexos desse tipo. Entretanto Jung admite também a presenga de comple- 32 xos de outra natureza: complexos que seriam “manifes- tagdes vitais” da psique, feixes de tencialidades ‘evolutivas que, todavi ero limiar da consciencia « resto para vir Atona. , ort rormente, considerando que os complexos Jung introduziu novos de- imentos na sua teoria. Com efeito, os comple- sos poderio ser agrupados em categorias definidas (com plexo mie, complexo pai, complexo de poder, complexo de inferioridade etc). “A constatagio de que © mm tipos bem caracterizados ¢ facilmente reconhecivels de cemplenos sugere que estes repousem sobre bases igual- tipicas.” ais bases seriam os arquétipos, isto doalicerces da vida psiquica comuns a todos os seres fumanos. Visto nesta perspectiva, por tris de suas ca- acterfsticas exclusivamente pessoais, o complexo mos- traria conexdes com os ara} si pre uma ligagio entre as grandes experiéncias da humanidade. Por exemplo: sob a plas implicagdes slumbra-se 0 arquétipo mie. Desse arquéti- po, depositirio das mais primordiais experiéncias do ho- mem, emana 0 poder fascinante ¢ o mistério que tantas vvezes envolve 0 complexo mie individual e que tanto difi- cculta sua assimilagio. .das, exercem, Nio se surpreenda o leitor de encontrar através da obra de Jung definigdes de complexo que nio se su- perponham exatamente. © mesmo ocorreré com ou- tros conceitos seus. Jung nunca pretendeu construir de ‘uma vez por todas um sistema cientifico. Sua obra é um. ‘organismo que cresceu e transformou-se enquanto foi vivo seu autor. Fique o leitor alertado desde jé e dispo- an 4 muitas caminhadas em circunvolugdes, nessa ba epsom de penetracio na complexidade da que é caracteristica da psicologia de C. G. Jung. 33 complena nna Alemanha ainds nds 3 rad cia yee aay disci conhee indo-se a: chology of Dementia Praecox (1907) ¢ The C of the Psychoses (1908), que constituem pedras an- va. No mesmo ‘i is mo- gulares da psiquiatria volume hi outros trabalhos psiq dernos, inclusive um retrospecto € esquizofrenia (1957). Leitura para espec C.G. Jung, Pachological Aspects of the Mother Ard Collected Works 9, parte I, € The Si the the Father in the Destiny of the P lected Works 4. Leituras para quem des 4 ro que estuda com caress eis rs clementon fundamentis da psicologia junguiana, Existe também traducio francesa deste livro. unbin | 35

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