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Finalidades educativas escolares e internacionalização das políticas


educacionais: impactos no currículo e na pedagogia

José Carlos Libâneo

Resumo

O texto discute o impacto da internacionalização das políticas educacionais na definição das


finalidades educativas escolares e seus efeitos nas políticas educacionais locais, na
organização dos sistemas escolares e, em consequência, no currículo e na pedagogia. No
primeiro tópico, trato do papel dos organismos internacionais na definição de finalidades
educativas em países emergentes. No segundo, faço um apanhado de proposições acerca de
finalidades educativas em documentos do Banco Mundial e da UNESCO, após identificar nelas
significados de educação, pobreza, aprendizagem, desenvolvimento humano, avaliação,
trabalho. No terceiro tópico, após estudar documentos da política educacional brasileira, busco
mostrar como essas proposições atuam nas orientações para o currículo e a pedagogia.
Finalmente, apresento considerações sobre as consequências negativas destas orientações
para a educação e o ensino de setores empobrecidos da população e aponto possibilidades de
atuação dos educadores para uma qualidade de educação socialmente relevante.

Palavras-chave: finalidades educativas escolares; organismos internacionais e políticas


educacionais; interfaces entre currículo e pedagogia; ensino de qualidade.

Introdução

A definição de finalidades educativas escolares antecede e norteia decisões


sobre políticas educacionais, orientações curriculares, objetivos de formação dos
alunos, seleção de conteúdos, ações de ensino-aprendizagem, formas de
funcionamento das escolas, diretrizes de formação de professores e políticas de
avaliação dos sistemas de ensino e das aprendizagens escolares. Ao mesmo tempo,
as finalidades são as referências principais dos critérios de qualidade do ensino para
programas e projetos dos sistemas educacional e, por consequência, para as escolas
e professores.

Conforme Lenoir (2013), finalidades indicam uma orientação filosófica e


valorativa, elas explicitam os valores escolhidos e que dão fundamento à organização
do sistema educativo, diferentemente de objetivos que se referem a resultados mais
i
precisos, circunscritos, voltados a ações concretas delimitadas para certo período de
tempo, inclusive operacionalizados em metas quantificáveis. É com base nelas que
podem ser identificadas as orientações, tanto explícitas quanto implícitas, dos
sistemas escolares e sua incidência no plano operacional das escolas e salas de aula,
especialmente no currículo e na pedagogia. No entanto, sua formulação precisa ser
compreendida e analisada para além das políticas nacionais uma vez que, no contexto
da globalização, subordinam-se a estratégias elaboradas com base em agendas da
economia política global. Com efeito, as finalidades resultam de um jogo de forças em
que se defrontam interesses de variada origem, sistemas de valores e crenças, dentro
da complexidade da realidade social que caracteriza as sociedades. Escreve Lenoir:
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[...] as finalidades educativas escolares são indicadores poderosos para se


apreender as orientações tanto explícitas quanto implícitas dos sistemas
escolares, as funções teóricas de sentido e de valor das quais elas são
portadoras, bem como as modalidades esperadas nos planos empírico e
operatório dentro das práticas de ensino-aprendizagem. A análise das
finalidades permite, assim, perceber sua ancoragem na realidade social, o
sentido que elas atribuem ao processo educativo, os desafios e as visões que
elas veiculam, bem como as recomendações de atualização em sala de aula
(Lenoir, 2016, p. 24 ).

O debate sobre finalidades educativas tem implicações, também, no campo da


investigação em ciências humanas, especialmente no da educação. No Brasil, é
notória a ocorrência, em setores da pesquisa educacional, nas associações cientificas
e profissionais, no meio institucional, de dissensos acerca das finalidades, funções e
formas de organização e gestão curricular e pedagógica das escolas. Tal dissenso se
reflete na existência de significados muito difusos de “qualidade de ensino” e de
formas de concretização do currículo e da pedagogia (Young, 2016, 2007, Libâneo,
2012, 2014).

Neste texto, discuto os vários modos de atuação dos organismos internacionais


na definição de finalidades educativas escolares, especialmente em países
emergentes, e seu impacto nas politicas educacionais, sistemas escolas e, em
consequência, no currículo e na pedagogia. Também procuro saber como os
organismos internacionais intervêm na constituição e estrutura dos sistemas escolas,
formando uma rede de influências sobre os modos como dirigentes escolares e
professores pensam e atuam na sala de aula. A investigação resultou de estudos
comparativos entre proposições sobre finalidades educativas a partir de documentos
do Banco Mundial e da UNESCO e documentos oficiais do sistema educacional do
Brasil e sua repercussão na organização do currículo e da pedagogia nas escolas.
Argumento que os critérios de qualidade da educação resultam de orientações de
organismos internacionais que contradizem uma visão emancipatória dos processos
educacionais já que se subordinam à lógica do mercado e aos interesses da
globalização do capital. Considera-se que a proposição de um sistema educacional
voltado somente para a atividade produtiva, desempenho profissional e ajustamento
dos indivíduos a essas demandas é demasiadamente restritiva em face da formação
humana e desenvolvimento do país.

1. O impacto da internacionalização em políticas educacionais locais

É consensual entre estudiosos e analistas do campo econômico que o


neoliberalismo surge por volta dos anos 1980 como política econômica de reação do
mundo capitalista ao Estado de Bem-Estar Social e ao intervencionismo estatal,
defendendo o papel da liberdade individual e a superioridade das regras do mercado
para a regulação da economia (Paulani, 2006; Lenoir, 2016). No setor da educação,
são identificadas determinadas características: redução das responsabilidades do
Estado com a privatização da oferta de serviços educacionais, instituição da
meritocracia em várias instâncias do sistema educacional, lógica da concorrência para
assegurar rentabilidade e competitividade, ações visando a competição entre as
escolas, descentralização do ensino definindo responsabilidades aos estados e
municípios e critérios de competição.
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O processo de difusão do neoliberalismo inclui dois fenômenos interligados, a


globalização e a internacionalização. O termo globalização é entendido aqui como “um
projeto ideológico impulsionado pelo neoliberalismo econômico que tem por efeito
submeter a população às leis do mercado [...] uma opção do capitalismo a serviço
apenas de seus interesses financeiros, sustentado pela ideologia neoliberal, dentre
outros possíveis que oferece a mundialização” (Lenoir,2016, p.329).A globalização
supõe a interferência de países e empresas na reorganização do trabalho e das
capacidades tecnológicas em nível internacional, redefinindo desigualdades entre os
países no que se refere à produção e ao consumo mundial (Frigotto, 1998). Dale
(2004, p. 436) afirma que “a globalização é um conjunto de dispositivos político-
econômicos para a organização da economia global, conduzido pela necessidade de
manter o sistema capitalista, mais do que qualquer outro conjunto de valores”. O autor
menciona, na constituição da globalização, três conjuntos de atividades relacionadas
entre si, de natureza econômica (hiper-liberalismo), de natureza política (governação
sem governo) e cultural (mercadorização e consumismo). Ele comenta, ainda:

[...] todos os quadros regulatórios nacionais são, agora, em maior ou menor


medida, moldados e delimitados por forças supranacionais, assim como por
forças político-econômicas nacionais. É por essas vias indiretas, através da
influência sobre o Estado e sobre o modo de regulação, que a globalização tem
os seus mais óbvios e importantes efeitos sobre os sistemas educativos
nacionais (Ib., p. 441).

A internacionalização refere-se a processos e ações, movidos por organismos


internacionais, na forma de planos, programas, diretrizes e procedimentos de
execução ligados a políticas econômicas, financeiras, sociais e educacionais, para
viabilizar a agenda global das grandes potências mundiais, especialmente nos países
emergentes.

As reformas educativas, no contexto do neoliberalismo, têm início nos anos


1980 em países da Europa, expandindo-se em seguida os países pobres e
emergentes. A partir de 1990, políticas, diretrizes e normas em relação a políticas
educacionais passam a ser formuladas, de forma mais direta, pelo Banco Mundial. O
marco histórico em relação às influências supranacionais na educação mundial foi a
Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, em 1990,
organizada e dirigida pelos organismos internacionais vinculados à educação,
seguindo-se as Conferências de Nova Délhi (1993), e Dacar (2000), entre outras. Os
documentos originados dessas conferências, em especial, a Declaração Mundial sobre
Educação para Todos (1990), assinados pelos países membros, e as orientações
políticas e técnicas do Banco Mundial vêm servindo de referência às políticas
educacionais desses países.

Analisando a internacionalização das políticas educacionais, Freitas (2011)


argumenta que os organismos multilaterais, ONGs, movimentos pela educação
vinculados a corporações empresariais “procuram implementar a visão de educação
como subsistema do aparato produtivo”, definindo objetivos para a escola a partir de
necessidades estratégicas de mão de obra. Trata-se de uma política explícita do
governo, alinhada aos interesses corporativos empresariais, de vincular políticas
educacionais à produtividade do trabalho, regulando a formação de trabalhadores para
necessidades imediatas da economia.
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Também Torres-Arfizmendi (2009) analisa as implicações das políticas


internacionais na determinação das finalidades educativas. Segundo ele, o
neoliberalismo busca seus fundamentos nas teorias gerenciais da qualidade em que
vigoram os princípios da eficiência, competitividade e produtividade os quais se
aplicam a todos os setores produtivos, inclusive em serviços públicos como a
educação. Por meio de organismos internacionais como o Banco Mundial e o FMI são
determinados os significados de qualidade da educação a serem adotados pelos
países em vias de desenvolvimento. “A hegemonia que exercem os protoestados
sobre os governos dos países afiliados implica a criação e proposição de certos
significados e valores a serem internalizados pelos atores do neoliberalismo. O
significado de qualidade da educação faz parte de um regime de verdade estabelecido
por esses organismos, adotado pelos governos como verdade absoluta” (p. 53).

A internacionalização das políticas e diretrizes para a educação e os processos


globais de governabilidade com base no modelo da racionalidade econômica,
intervêm, de modo direto ou indireto, nas finalidades de objetivos da educação. Sendo
assim, analisar os impactos das finalidades educativas escolares nas políticas
educacionais, no currículo e na pedagogia implica a busca das fontes definidoras
dessas finalidades educativas, uma das quais são as orientações de organismos
internacionais.

2. Finalidades educativas em documentos de organismos internacionais

As ligações entre finalidades e objetivos dos sistemas escolares de vários


países e as orientações de organismos supranacionais têm sido estudadas por
especialistas internacionais como Ball (1994), Dale (2004), Lessard e Mieirieu (2004),
Young (2007), Ball e Mainardes (2011), Pacheco e Marques (2014), Lenoir (2016) e,
no âmbito do Brasil, entre outros, Silva e Cunha (2014), Libâneo (2014), Evangelista
(2013, 2014), Freitas (2011, 2012), Evangelista e Shiroma (2006), Neves (2005),
Frigotto e Ciavatta (2003), Leher (1998), De Tommasi, Warde e Haddad (1998).
Verifica-se nesses estudos que esses organismos vão constituindo um conjunto
complexo de proposições, normas e procedimentos, que impulsionam a definição de
finalidades educativas escolares, impregnando decisões institucionais dos países em
relação a reformas educacionais, planos, diretrizes curriculares, processos
pedagógico-didáticos. Conforme esses estudos, centrados mais comumente nos
documentos do Banco Mundial, as políticas são orientadas para “satisfazer as
necessidades mínimas de aprendizagem das massas de modo que todos os
indivíduos possam participar eficazmente no processo de desenvolvimento” e, por
conseguinte, “ser útil para incrementar a produtividade e, também, melhorar as
oportunidades dos grupos menos desfavorecidos” (Banco Mundial, 1974, p. 60).
Ressalta-se aí a estratégia do Banco de combate à pobreza e de redução da exclusão
social, como condição para o aumento da produtividade dos pobres em função do
desenvolvimento econômico.

Conforme Bastos (2014), as políticas de alívio à pobreza já eram anunciadas


desde 1971 quando foi publicado o primeiro documento de políticas específicas para a
área da Educação, o Education Sector Working Paper, que esboçava pela primeira
vez, de forma pública, os critérios para financiamentos educacionais. Em 1974, outro
documento sinalizava aos países subdesenvolvidos a adoção de um currículo
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pragmático, “de forma a garantir que os alunos formados tenham maiores


possibilidades de obter emprego”, em torno do conceito de capital humano. Para
Evangelista e Shiroma (2006), os documentos de organismos internacionais sobre
educação recaíam, até 1990, em conceitos como produtividade, qualidade,
competitividade, conforme a teoria do capital humano. Sem abandonar essa
orientação, são enfatizados nos anos seguintes conceitos como justiça, equidade,
coesão social, inclusão social, responsabilidade social, introduzindo nas políticas
educativas e sociais um viés aparentemente humanitário. A introdução de novos
conceitos é explicada pela percepção dos técnicos dos organismos internacionais de
que não era suficiente a expectativa de reduzir a pobreza em âmbito mundial, sendo
necessário também buscar políticas de alívio à pobreza para combater efeitos
deletérios da competição no mercado globalizado. Segundo as autoras:

A pobreza adquiriu uma nova centralidade no discurso quando o Banco


Mundial difundiu seu informe em 1990, no qual se alertava para a necessidade
de promover o uso produtivo do discurso mais abundante dos pobres, o
trabalho. O melhor caminho aventado para aumentar tal recurso era o
investimento em educação (p. 46).

Estas orientações em torno de ações de alívio à pobreza foram a base das


proposições da Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das
necessidades básicas de aprendizagem (UNESCO, 1990). Elas atendem ao princípio
da “inclusão social” uma vez que a situação de pobreza, ao tornar-se entrave ao
desenvolvimento econômico e ao próprio desenvolvimento dos indivíduos, requer
políticas de inclusão para integrar os indivíduos no contexto do desenvolvimento
econômico. Segundo o Banco Mundial:

Inclusão social é um processo que assegura àquele em risco de pobreza e


exclusão social ganhar as oportunidades e os recursos necessários para
participar plenamente na vida econômica, social e cultural e para desfrutar de
um padrão de vida e bem estar considerado normal na sociedade em que
vivem (World Bank, 2007).

Trata-se, claramente, de planejar políticas sociais para instrumentalizar a


política econômica, como fica claro em documento de 1990, citado por Coraggio:

Segundo o Banco, sua estratégia tem dois componentes: 1) promover o uso


produtivo do recurso mais abundante dos pobres, o trabalho, mediante um
‘eficiente crescimento do trabalho intensivo, baseado em adequados incentivos
de mercado, infraestrutura física, instituições e inovação tecnológica’; 2)
fornecer aos pobres os serviços sociais básicos, em especial, saúde primária,
planejamento familiar, nutrição e educação primária. [...] É importante destacar
que, nesta visão, o Banco considera ‘o investimento em educação como a
melhor forma de aumentar os recursos dos pobres’ (CORAGGIO, 1996, p. 85).

Leher aponta que a institucionalização de políticas de alívio da pobreza é uma


das orientações mais explícitas dos documentos do Banco Mundial no quadro da
globalização, visando cumprir uma função ideológica de “operar as contradições advindas
da exclusão estrutural dos países periféricos que se aprofunda de modo inédito”. (LEHER,
1998, p.9).
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A análise de documentos produzidos pelo Banco Mundial e pela UNESCO,


neste caso, principalmente a Declaração Mundial sobre Educação para Todos de
Jomtien (1990), possibilitam extrair, ao menos, quatro finalidades educativas
escolares: educação para satisfação de necessidades básicas, atenção ao
desenvolvimento humano, educação para o mercado de trabalho e educação para a
sociabilidade e convivência.

a) Educação para satisfação de necessidades básicas

A Declaração Mundial sobre Educação para Todos tem como subtítulo a


expressão satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, o que define a
finalidade da educação escolar. Em seu preâmbulo, reconhece a educação como um
direito fundamental de todos e sua importância para um mundo melhor e para o
progresso pessoal e social e o papel do conhecimento e do patrimônio cultural para
promover o desenvolvimento. Reconhece, também, que a educação básica é
fundamental para a continuidade de estudos e para a formação científica e tecnológica
visando o desenvolvimento autônomo. A noção de satisfação de necessidades básicas
de aprendizagem é assim apresentada:

Artigo I - Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem - Cada pessoa -


criança, jovem ou adulto - deve estar em condições de aproveitar as
oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas
de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos
essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o
cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da
aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes),
necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver
plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar
plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões
fundamentadas e continuar aprendendo. A amplitude das necessidades
básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las variam segundo cada
país e cada cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo
(UNESCO, 1990).

Os conteúdos e métodos de educação precisam, assim, serem desenvolvidos


para servir às necessidades básicas de aprendizagem dos indivíduos e das
sociedades, capacitando-os a enfrentar seus problemas mais urgentes - combate à
pobreza, aumento da produtividade, melhora das condições de vida e proteção ao
meio ambiente - e permitindo que assumam seu papel por direito na construção de
sociedades democráticas. Essas funções já haviam sido explicitadas em documento
do Banco Mundial:

A educação é a pedra angular do crescimento econômico e do


desenvolvimento social e um dos principais meios para melhorar o bem-estar
dos indivíduos. Ela aumenta a capacidade produtiva das sociedades e suas
instituições políticas, econômicas e científicas e contribui para reduzir a
pobreza, acrescentando o valor e a eficiência ao trabalho dos pobres e
mitigando as consequências da pobreza nas questões vinculadas à população,
saúde e nutrição (...). O ensino de primeiro grau é a base e sua finalidade
fundamental é dupla: produzir uma população alfabetizada e que possui
conhecimentos básicos de aritmética capaz de resolver problemas no lar e no
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trabalho, e servir de base para sua posterior educação (Banco Mundial, 1992,
in TORRES, 1996, p. 131).

O artigo IV da Declaração informa o significado de “aprendizagem” como


conhecimentos úteis e habilidades, os quais devem ser previstos como resultados e
aferidos por sistemas de avaliação:

A tradução das oportunidades ampliadas de educação em desenvolvimento


efetivo – para o indivíduo ou para a sociedade dependerá em última instância,
de as pessoas aprenderem de fato, ou seja, aprenderem conhecimentos úteis,
habilidades de raciocínio, aptidões e valores. Em consequência, a educação
básica deve estar centrada na aquisição e nos resultados efetivos da
aprendizagem [...]. Daí a necessidade de definir, nos programas educacionais,
os níveis desejáveis de aquisição de conhecimentos e implementar sistemas
de avaliação de desempenho (UNESCO, 1990).

As Declarações de Nova Délhi (1993) e Dacar (2000) confirmam essas


orientações, incluindo a definição de níveis desejáveis de conhecimentos
(competências) conforme padrões de mínimos de qualidade aferidos por sistema de
avaliação de desempenho. É recomendado que os países desenvolvam planos
nacionais de ação “integrados em um marco mais amplo de redução da pobreza e
desenvolvimento”. Conforme o objetivo 6 da declaração Marco de Dacar:

Qualidade da educação: Melhorar todos os aspectos da qualidade da educação


e garantir excelência para que resultados de aprendizagem mensuráveis e
reconhecidos sejam alcançados por todos, principalmente em alfabetização,
conhecimentos básicos em matemática (numeracy) e habilidades essenciais
para a vida.

Como se pode constatar, essas orientações induzem uma definição de


aprendizagem, a adoção de um currículo instrumental ou de resultados e a criação dos
sistemas de avaliação de desempenho em larga escala, características essas que
foram passando nestes 25 anos por aprimoramentos transformando-se em políticas
educacionais oficiais de vários países da América Latina (Leher, 1998; Shiroma e
Evangelista, 2006; Libâneo, 2012, 2014).

b) Atenção ao desenvolvimento humano

A Declaração Mundial de Jomtien propõe o alcance de um contexto


internacional mais cooperativo para respaldar o desenvolvimento no qual o bem-estar
de todos deve ser o objetivo dos esforços em prol do desenvolvimento social, evitando
que populações permaneçam na marginalidade (também econômica) e na pobreza. É
nessa conjuntura que entra o desenvolvimento humano. No termos da Declaração:

A educação básica é mais do que uma finalidade em si mesma; ela é a base


para a aprendizagem e o desenvolvimento humano permanentes, sobre a qual
os países podem construir, sistematicamente, níveis e tipos mais adiantados de
educação e capacitação (UNESCO, 1990).

Segundo Boom (2004, p. 215), no glossário anexo à Declaração Mundial,


desenvolvimento humano “diz respeito ao conceito que considera o bem-estar geral do
ser humano como foco e objetivo para o desenvolvimento e se estende na aplicação
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da aprendizagem para melhorar a qualidade de vida”. Trata-se, pois, de


desenvolvimento centrado no indivíduo visando potencializar suas energias produtivas.
Mais especificamente, o desenvolvimento humano é entendido como “um termo que
se utiliza no sentido mais estreito e se refere ao desenvolvimento e conservação das
capacidades das pessoas para contribuir para o desenvolvimento econômico e social”.
Escreve, ainda, Boom:

Em que pese o fato de esta nova estratégia ser expressa em termos de metas
humanitárias e de preservação da liberdade, ela busca um novo controle dos
países e de seus recursos. Mais ainda, a nova estratégia enfoca o ser humano
como o recurso mais importante sobre o qual devem ser focalizados todos os
esforços, não só como objeto de exploração mas como sujeito que demanda e
consome e, portanto, suscetível de ingressar no mercado. Em síntese, o
desenvolvimento humano é a miragem com a qual se pretende impulsionar as
novas relocalizações da política global em que o mercado opera como o
ordenador econômico por excelência e a produtividade do individuo se constitui
como o propósito central dessa estratégia (2004, p. 220).

A ideia de desenvolvimento humano, assim, vincula-se à concepção


individualista de ser humano conforme os princípios do liberalismo em função da qual
se traçam políticas sociais visando suprir as necessidades básicas dos setores mais
pobres das sociedades emergentes.

c) Educação para o mercado de trabalho

A subordinação de todas as formas de educação ao mercado de trabalho é


outro traço visível nas proposições dos documentos que vimos analisando. Na
Declaração Mundial de Jomtien, são citados como principais desafios “melhorar a
capacidade do sistema de ensino para contribuir para o desenvolvimento da força de
trabalho e garantir que alunos desfavorecidos e de baixo desempenho tenham acesso
à qualidade e a oportunidades de aprendizagem relevantes”. Em documento recente
do Banco denominado Aprendizagem para todos: Investimento no conhecimento e nas
habilidades das pessoas para promover o desenvolvimento (2011), verifica-se que a
estratégia para se alcançar a “Aprendizagem para Todos” na próxima década é que
“os indivíduos aprendam, dentro e fora da escola, desde a pré-escola, por meio do
mercado de trabalho”.

Sobre as articulações entre educação e mercado de trabalho: acentuar a


relevância da educação para o mercado de trabalho é um objetivo da estratégia
do Banco Mundial. Muitos jovens em países em desenvolvimento estão
deixando a escola e entrando no mercado de trabalho sem o conhecimento, as
habilidades e as competências necessárias para um emprego em uma
economia moderna competitiva. Isso deixa milhares de jovens frustrados e
desiludidos por não estarem obtendo os retornos prometidos pela educação.
Com foco na aprendizagem, essa nova estratégia vai além das questões de
matrícula e anos de escolarização e concentra-se na capacidade dos egressos
para encontrar emprego e viver do seu trabalho. [...] Esforços estão em
andamento no Banco, em colaboração com os parceiros de desenvolvimento,
para desenvolver um quadro de referência e ferramentas para medir as
habilidades e competências da força de trabalho de um país. Um objetivo
desses esforços é aumentar a cota de projetos de educação que inclua
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objetivos do mercado de trabalho e, assim, melhorar a aquisição de habilidades


da força de trabalho (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 44).

São reforçados, portanto, os laços entre a escola e o mercado de trabalho. É


mantida a visão de escola de conteúdos mínimos necessários ao trabalho e emprego,
mas realça-se ainda mais a noção de aprendizagem como aquisição de
conhecimentos úteis e habilidades de sobrevivência dissociadas do seu conteúdo e
significado, pouco contribuindo para o desenvolvimento das capacidades intelectuais e
para a formação da personalidade num sentido integral e omnilateral. Tal educação na
perspectiva dos organismos internacionais busca resultados pragmáticos e
funcionalizados para o mercado, longe de uma concepção de desenvolvimento
fundamentada numa perspectiva humana, democrática e de justiça social.

d) Educação para a sociabilidade e integração social

É recorrente em documentos internacionais a crítica à escola tradicional com


seus conteúdos pouco práticos, espaços e tempos rígidos, incapaz de adaptar-se a
novos contextos. Postula-se, então, uma escola aberta a outros espaços e tempos
organizada em torno de necessidades básicas de aprendizagem, dentro de um espaço
de convivência e integração social. Entre os compromissos da Declaração de Dacar
consta:

[...] satisfazer as necessidades de sistemas educacionais afetados por


situações de conflito e instabilidade e conduzir os programas educacionais de
forma a promover compreensão mútua, paz e tolerância, e que ajudem a
prevenir a violência e os conflitos (UNESCO, 2000).

Destaca-se o papel socializador e integrador da escola para formar nos alunos


atitudes de solidariedade e convivência, em face da diversidade social e cultural,
dentro de uma política de apaziguamento social. Combinando-se o objetivo de
educação para a sociabilidade com o de fornecer aos pobres uma escola de
conhecimentos úteis e habilidades práticas, tem-se uma política que, ao mesmo tempo
em que mantém os sujeitos incluídos socialmente para minimizar os
efeitos da pobreza, restringe as possibilidades de mobilidade social (Shiroma,
Garcia e Campos, 2011). Além disso, trata-se de formar para um tipo de cidadania, em
que “espírito de competitividade seja desenvolvido em paralelo ao espírito de
solidariedade”, levando a reduzir as diferenças e a miséria e amenizando a luta de
classes e as diferenças raciais, sociais, culturais entre tantas outras (Falleiro, 2005,
p.211).

3. Finalidades educativas e repercussões nas políticas para a escola no Brasil.


Impactos no currículo e na didática

A influência externa na política educacional brasileira nos marcos das


vinculações entre educação e economia, incidindo na formulação de finalidades
educativas, ocorre de modo mais pontual desde os anos 1950, com teoria do capital
humano associada às demandas do mercado de trabalho (Fonseca, 2009). Desse
modo, surgem os acordos de cooperação técnica e econômica com o governo norte-
americano, destacando-se o programa “Aliança para o Progresso” e, no regime militar
(1964-1985), o Acordo MEC-USAID. Em anos seguintes, faz-se presente a atuação de
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outras agências de cooperação técnica e financiamento como o Banco Interamericano


de desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (BIRD).

O período da transição democrática após 21 anos de ditadura militar e da


promulgação da nova Constituição Federal de 1988 coincide com a implantação no
Brasil, do modelo econômico neoliberal. A reforma educacional brasileira dá seus
primeiros passos com a divulgação do Plano Decenal de Educação para Todos 1993-
94 (Brasil/MEC, 1993), redigido com base na Declaração Mundial sobre Educação
para Todos de 1990. O Plano, que representa a adesão formal às orientações e ações
formuladas pelos organismos internacionais, registra como seu principal objetivo:
“satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem das crianças, jovens e adultos,
provendo-lhes as competências fundamentais requeridas para a participação na vida
econômica, social, política e cultural do país, especialmente as necessidades do
mundo do trabalho”. Para isso, são definidos padrões de aprendizagem a serem
alcançados nos vários ciclos, etapas e/ou séries da educação básica tanto no domínio
cognitivo como no da sociabilidade e objetivos e metas de desempenho (Brasil, 1993).

A Constituição de 1998 define a educação como um dos direitos sociais, ao


lado da saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, entre outros. No
artigo 205, após definir a educação como “direito de todos e dever do Estado e da
família”, indica três finalidades: o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O projeto político levado a cabo pelas duas gestões do presidente Fernando


Henrique Cardoso investiu na adequação das políticas públicas às demandas do
capital financeiro internacional, incluindo as reformas desencadeadas na área da
educação entre os anos 1995 a 2002. Em 1966 foi promulgada a Lei de Diretrizes e
Bases n. 9394/96 a qual reafirma em seu artigo 22 o direito à educação, garantido pela
Constituição Federal: “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no
trabalho e em estudos posteriores”.

O Governo Lula (2003-2010) deu continuidade a essas políticas, mas abriu


espaço nos planos governamentais ao atendimento de demandas sociais,
especialmente de setores empobrecidos da população e de movimentos sociais. De
certo modo, pode-se dizer que essas políticas mesclaram o atendimento das
orientações dos organismos multilaterais com políticas de inclusão social. O principal
instrumento da política educacional dos governos Lula (2007-2010) e Dilma Rousseff
(2011-2016) foi o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) (Brasil/MEC, 2007a)
formulado e divulgado em 2007 com o objetivo específico de melhorar a qualidade da
educação básica. O lançamento desse Plano foi simultâneo à adesão do MEC ao
documento Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (Brasil/Mec, 2007b),
elaborado por entidades empresariaisii1. O PDE reuniu num documento os programas
que já se encontravam em desenvolvimento no MEC, ajustando e atualizado alguns
deles. Um dos programas mais importantes foi a introdução do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), incorporando os indicadores da OCDE,
com a finalidade de aferir a qualidade da educação, associado ao Sistema de
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Avaliação da Educação Básica (SAEB) e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar


(Prova Brasil). Esse índice foi designado como o indicador objetivo para a verificação
do cumprimento de metas fixadas no termo de adesão ao Compromisso Todos pela
Educação (SAVIANI, 2009). O PDE pôs em ação duas medidas que mostram o
vínculo com os organismos internacionais: a consolidação da avaliação externa em
larga escala e institucionalização das políticas de inclusão pela escola.

Os dois planos – PDE e Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação -


mencionam como objetivo atingir a melhoria da qualidade da educação básica, não
constando neles nenhum tópico em que são explicitadas as finalidades da educação
escolar. No entanto, nas diretrizes do Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação são inseridas expressões que mostram a vinculação com finalidades
mencionadas nas Conferências Mundiais Educação Para Todos e em documentos do
Banco Mundial e UNESCO, tais como: “estabelecer como foco a aprendizagem,
apontando resultados concretos a atingir”, “transformar a escola num espaço
comunitário”, “firmar parcerias externas à comunidade escolar, visando a melhoria da
infraestrutura da escola ou a promoção de projetos socioculturais e ações educativas”.
Os Planos Nacionais de Educação (2001-2010 e 2014-2024) mantiveram orientações
básicas dos organismos internacionais.

Impactos no currículo e na pedagogia

Conforme demonstrado, as finalidades educativas para a escola incidem


diretamente nas políticas e diretrizes educacionais, no currículo, nas formas de
organização da escola, nas práticas pedagógicas, nos procedimentos avaliativos.
Young (2011, p. 614) sugere de maneira clara a distinção entre currículo e
pedagogia. O currículo refere-se a conhecimentos que um país considera
importantes de serem dominados por todos os estudantes, a pedagogia diz
respeito às atividades desenvolvidas pelos professores para motivar os alunos e
ajudá-los a se engajarem no currículo e torná-lo significativo. Ou seja, são os
professores que precisam levar em conta as experiências dos alunos e seus
conhecimentos prévios como os motivadores para a aprendizagem, não o currículo.
Young reprova as reformas educativas por incluírem no currículo as experiências
educativas a serem providas aos alunos, pois a função do currículo é apenas estipular
os conceitos importantes aos quais os alunos precisam ter acesso. Igualmente, faz
restrições ao poder atribuído pelas reformas ao currículo de, por si só, promover
mudanças sociais e comportamentais. Para ele, a crença de que problemas
econômicos e sociais podem ser solucionados por mudanças curriculares obscurece a
finalidade mais fundamental da educação escolar: levar os alunos a aprender para
além de suas experiências cotidianas, ou seja, atuar no desenvolvimento intelectual
dos estudantes – algo que dificilmente teriam acesso em casa (Id., Ib.).

A análise documental procedida ao longo desta investigação acerca das


indicações de organismos internacionais e a pesquisa bibliográfica da produção
acadêmica referente ao impacto desses organismos nas políticas para a escola,
permitem identificar dois tipos de currículo: o currículo instrumental ou de resultados e
o currículo de integração social para a inclusão social.
12

O currículo instrumental se caracteriza por conteúdos mínimos definidos a


partir de metas formuladas na forma de competências mensuráveis, avaliadas por
testes cujos resultados servirão como meios de regulação do trabalho das escolas e
professores. Conforme as orientações explícitas do Banco Mundial, visa atender a
necessidades imediatas dos alunos para o trabalho e emprego. Esse modelo curricular
estabelece como função do sistema escolar a consecução de resultados imediatos e
objetivos, obtidos por procedimentos de avaliação em larga escala. A existência da
Base Nacional Comum curricular (BNCC) se faz necessária como referência para a
elaboração das provas e, ao mesmo tempo, com o parâmetro para a formação de
professores. Os resultados obtidos na avaliação nacional passam a compor a nota do
IDEB atribuída a cada escola, convertendo-se em mecanismos de responsabilização
da escola e dos professores pelo sucesso/insucesso dos alunos. Pacheco e Marques
(2014) esclarecem que, no modelo neoliberal, finalidades educativas escolares surgem
subordinadas a formas de governabilidade sustentadas pelo mercado. Conforme
esses autores:

[...] as novas formas de governamentalidade são impostas pela


estandardização de resultados, em que ganha sentido a concepção de escola
regulada por fatores de produtividade. É este modelo de mercado (ou de
quase-mercado) que possibilita “a educação de prestação de contas como um
processo de governação global”, transferindo para a escola e para os seus
atores a responsabilidade, tornando-se quer numa linguagem atrativa para
ativistas, professores e pais, quer num instrumento de meritocracia escolar,
quer ainda nos alicerces de privatização da educação (Ib., p. 20).

Este modelo, implantado em meio a múltiplas contradições entre orientações


impostas pelos sistemas de ensino e as práticas cotidianas do professorado, reduzem
o currículo a uma lista de competências e a um tipo de avaliação reduzida a padrões
técnicos e racionais, perdendo-se as peculiaridades do ato educativo como a formação
científica, o desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento da personalidade. Ou
seja, os aspectos pedagógico-didáticos ficam diluídos no currículo, o professor sendo
transformado num agente de execução de tarefas já programadas. Assim, no currículo
de resultados, ocorrem as seguintes consequências pedagógicas, entre outras: as
escolas funcionam apenas para melhorar os índices educacionais, o processo de
ensino-aprendizagem fica reduzido à transmissão de conteúdos vindos de sistemas de
ensino, pacotes pedagógicos e materiais didáticos, a avaliação escolar fica
subordinada ao conteúdos previstos nos testes nacionais, os professores têm sua
profissão esvaziada à medida em que perdem sua autonomia (Silva, 2015).

Conclui-se que os aspectos pedagógico-didáticos que caracterizam o processo


de ensino-aprendizagem não têm especial relevância nos documentos a que temos
nos referido, e a razão é muito simples, eles são desnecessários. Sendo o currículo
reduzido a objetivos e competências quantificáveis e a fornecer conhecimentos úteis,
habilidades e valores voltados para empregabilidade, regulados por sistemas de
avaliação em larga escala, desaparecem a pedagogia e a didática. A “melhoria da
qualidade da educação” é subordinada à análise econômica. Trata-se, no dizer de
Torres, de um modelo educativo que tem pouco de educativo, já que sofre de duas
ausências, os professores e a pedagogia, precisamente o âmbito em que seriam
contemplados os aspectos qualitativos que constituem a essência da educação
13

(Torres, 1996). O que se conclui, acompanhando a argumentação de Torres (2001), é


que se perde nessas políticas o sentido “pedagógico” da escola, pois, as necessidades
básicas de aprendizagem transformaram-se num “pacote restrito e elementar de
destrezas úteis para a sobrevivência e para as necessidades imediatas e mais
elementares das pessoas” (p. 29).

O currículo de integração social voltado para a inclusão socialiii é derivado de


matrizes ideológicas e políticas inscritas em documentos de organismos
internacionais, conforme já mencionado, dentro das políticas de redução da pobreza e
visando o atendimento a populações pobres ou em situação de vulnerabilidade social,
num ambiente organizado para prover experiências socioeducativas de integração
social e acolhimento social, incluindo o currículo de resultados (Libâneo, 2012; Garcia,
2014). A ascensão dos conceitos de diversidade e de inclusão no campo social e
acadêmico, destacando a heterogeneidade de culturas, as diferenças ou o
multiculturalismo, pode ser explicada, em boa parte, pelo aparecimento de fenômenos
sociais envolvendo conflitos internacionais, a expansão da globalização econômica, a
migração, a afirmação de identidades (Moehlecke, 2009; Rodrigues e Abramowicz,
2013, p. 17), bem como o crescimento dos movimentos sociais envolvendo grupos
étnico-raciais, segmentos minoritários como indígenas, grupos religiosos e de gênero.
A visibilidade dos conceitos se projetou, também, nos programas e ações das
agências e organismos internacionais, destacando-se a atuação da UNESCO desde,
ao menos, o ano 2000, em proposições de políticas públicas visando ações de
promoção de coesão social em sociedades multiétnicas e multiculturais e, mais
recentemente (2009), pondo foco no atendimento à diversidade cultural e ao diálogo
intercultural.

Em paralelo e conforme essas proposições, os termos “inclusão social” e


“educação inclusiva” são encontrados nos documentos de organismos internacionais e
nacionais em relação direta com as políticas educacionais orientadas para a redução
da pobreza e atendimento a grupos “vulneráveis”. Argumenta-se que a promoção da
educação inclusiva resultará em uma sociedade inclusiva justa, competitiva e
produtiva. Conforme Garcia (2014), afirma-se que a minimização das situações de
exclusão social deve ser assegurada por um Estado eficiente, liberal, moderno,
técnico, gerencial, em articulação direta com a sociedade civil e setores privados.

A concepção de sociedade civil que fundamenta as políticas de


inclusão inscreve-se num processo de privatização dos conflitos
sociais. A realidade social, nessa perspectiva, deve ser administrada
pelas comunidades locais [...] essa abordagem contribui com o
processo de transformação do significado da expressão “direitos
coletivos” em “responsabilidades individuais”. [...] Desloca-se a
responsabilidade do Estado pelo atendimento da população para a
própria comunidade, liberando-o dos embates sociais. Em outras
palavras, o reconhecimento dos direitos está posto nessa política;
contudo, é a própria sociedade civil, no interior das comunidades, que
deve se responsabilizar pelos atendimentos a seus direitos, agora
entendidos como “serviços prestados” (p. 109).

Ainda conforme Garcia, o papel da educação inclusiva, na lógica das politicas


sociais “inclusivas” inscrita em documentos de organismos internacionais, é acabar
com todas as formas de discriminação, dar atenção às diferenças e, assim, promover
a coesão social. Para a autora, “tais políticas estão em desenvolvimento no Brasil, em
14

grande medida, pela articulação do ingresso formal na educação e na distribuição da


renda” por meio de programas direcionados explicitamente à população de baixa
renda.

Tal sentido de políticas de inclusão foi incluído em boa parte dos programas
sociais no Brasil. Com feito, a partir de 2007, no contexto das políticas inclusivas
adotadas na segunda gestão do Governo Lula, o atendimento à diversidade passou a
caracterizar programas educacionais, especialmente o Programa Mais Educação e a
Educação Integral na escola de tempo integral (BRASIL, 2007), voltados
explicitamente ao atendimento às populações socialmente vulneráveis. Desse modo, a
concepção de políticas inclusivas aplicadas no âmbito social passou, em boa parte,
para o âmbito do sistema escolar, colocando-se a escola como polo principal da
mediação para solução de problemas sociais. Conforme o documento sobre Educação
Integral:

A articulação entre Educação, Assistência Social, Cultura e Esporte entre


outras políticas públicas, poderá se constituir como uma importante intervenção
para a proteção social, prevenção e a situações de violação dos direitos da
criança e do adolescente e, também, para melhoria do desempenho escolar e
da permanência na escola, principalmente em territórios mais vulneráveis (Id.,
p. 25).

A ideia de escola em tempo integral como forma de atender à educação


integral remonta a 1950 quando o educador Anísio Teixeira a introduziu como
modalidade alternativa de organização escolar, com o objetivo de atender crianças e
adolescentes pobres visando assistência e escolarização. O documento do MEC que
aborda a Educação Integral (BRASIL/MEC 2009) argumenta a escola pública deve
mudar seu papel convencional restrito à escolarização para assumir outras funções
não tipicamente escolares, ou seja, as funções de educadora e protetora (p.17). Para
atender às múltiplas dimensões formativas no sentido de formação integral em tempo
integral, deve oferecer aos alunos não apenas o currículo formal, mas um conjunto de
atividades diversificadas tais como: esportes, educação artística, oficinas
semiprofissionais (p. 18). Dentro da ideia de integralidade, a qualidade da educação
implicaria, também, a atenção às diferenças “segundo pertencimento étnico, a
consciência de gênero, a orientação sexual, as idades e as origens geográficas” (Id.,
p. 10). A condição para se alcançar esse propósito é de que as escolas de educação
integral estejam inseridas nos esforços do Estado em “ofertar políticas redistributivas
de combate à pobreza” (Id., p. 10), já que se verifica nas pesquisas forte correlação
entre situação de pobreza e baixo rendimento escolar. É visível a aproximação dessa
concepção às indicações do Banco Mundial já comentadas. O Plano Nacional de
Educação 2014-2024 prevê a meta de “oferecer educação em tempo integral, em no
mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos
da Educação Básica”. É previsto que o atendimento nessas escolas deve atingir
prioritariamente comunidades pobres e crianças em situação de vulnerabilidade social
(BRASIL, 2014, p. 59).

O Programa Mais Educação, formulado no Governo Lula em 2007, integra o


conjunto de diretrizes e ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), com
o objetivo de “induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular na
perspectiva da Educação Integral” visando “atendimento a crianças e adolescentes
15

com baixo desempenho escolar e em situação de vulnerabilidade social” (BRASIL,


2012). O Programa está presente em todos os Estados brasileiros, contando com
volumosos recursos federais. Enquanto programa principal da política nacional de
educação destinado a “preparar” a ampliação da jornada escolar para alunos entre 6 e
14 anos, ele não é uma escola de tempo integral, mas desenvolve atividades
complementares no contra turno de acompanhamento pedagógico, meio ambiente,
esporte e lazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura digital, prevenção e
promoção da saúde, educomunicação, educação cientifica e educação econômica
(BRASIL, 2009). Conforme Cavalieri (2014), essa política leva à ampliação formal do
tempo da criança na escola, mas não se amplia o papel social da escola como espaço
de conhecimento e de aprendizagem.

Políticas públicas voltadas para o atendimento às diferenças, por um lado,


respondem a efetivas aspirações de superação de condições de inferiorização social e
econômica de determinados grupos; por outro, servem de estratégia de
apaziguamento social, no sentido de conter manifestações de conflitos,
inconformismo, violência, etc. prejudiciais à expansão de interesses do mercado.
Nesse segundo caso, não é casual que o tema da diversidade cultural esteja presente
em documentos de organismos internacionais à medida que constitui um
condicionante para o desenvolvimento econômico. Sem desmerecer as iniciativas
levadas a efeito no governo Lula e sem desconsiderar a legitimidade da crítica a uma
educação homogeneizadora que recusa a heterogeneidade cultural, é impossível
ignorar que também as reformas educativas propostas por organismos internacionais
num contexto de “agenda global estruturada para a educação” (Dale, 2004), incluem
diretrizes a ações bastante pontuais para o atendimento à diversidade cultural.
Shiroma (2014) menciona recomendações do Banco Mundial de modificar as funções
do Estado no combate à exclusão social por meio da criação de formas participativas
da comunidade. Trata-se de envolver a sociedade civil na prestação de serviços
públicos, em novas formas de relação entre Estado e sociedade (Shiroma, 2014,
Garcia, 2014).

O currículo sociocultural inscrito nos Programas analisados corresponde a


expectativas de um tipo de políticas sociais que se utiliza da escola para fazer
intervenções sociais, fato esse já denominado por Nóvoa de “escola transbordante”
(2009). A escola transforma-se num lugar de proteção social para os pobres para
suprir carências de saúde, de lazer, de assistência social, atendendo a ações que
deveriam caber a outros setores do aparelho estatal, ou seja, as políticas para a
escola ficam subordinadas às políticas sociais (Algebaile, 2006). O processo de ensino
aprendizagem e as questões de conteúdo e método são visivelmente postos em
segundo plano em face da supervalorização do papel de proteção social e cuidado. A
não valorização dos conteúdos e dos processos pedagógicos pelos quais se possibilita
aos alunos pobres o desenvolvimento das capacidades intelectuais pode resultar em
formas de exclusão social dentro da escola, exclusão escolar antes mesmo da
exclusão social na sociedade após a escola. Uma proposta de funcionamento da
escola que põe muito mais ênfase em ações socioeducativas do que nos conteúdos
escolares e desenvolvimento da capacidade de pensar, deixa muito pouco espaço à
pedagogia profissional (didática) e ao papel dos professores no aprimoramento do
processo ensino aprendizagem. Permanece como questão pedagógica como pensar
16

um tipo de ensino em que todos os alunos possam aprender aquilo que é necessário
como condição da igualdade entre os seres humanos e, ao mesmo tempo, considerar
a diversidade humana e social desses alunos no processo de ensino-aprendizagem.

Considerações finais

As finalidades educativas escolares, no contexto da internacionalização das


políticas educacionais, definidas dentro de um conjunto de estratégias de redução da
pobreza, foram sintetizadas em quatro itens: a) satisfação das necessidades básicas
de aprendizagem: conhecimentos, habilidades, atitudes; b) desenvolvimento humano
individual; c) preparação para o mercado de trabalho; d) sociabilidade e integração
social. A aprendizagem é vista meramente como necessidade natural, desprovida de
seu caráter cultural e cognitivo. O papel do ensino fica dissolvido, reduzindo-se a
possibilidade de desenvolvimento pleno dos indivíduos, já que crianças e jovens
acabam submetidos a um currículo de noções “mínimas” úteis apenas para o trabalho
imediato e, assim, obrigados a aceitar uma escola enfraquecida de conteúdos
significativos. A recomendação do Banco Mundial não deixa dúvidas:

A educação é crucial para o crescimento econômico e para a redução da


pobreza. [...] A estratégia do Banco Mundial para reduzir a pobreza se
concentra na promoção do uso produtivo do trabalho, que é o principal ativo
dos pobres, e na prestação de serviços sociais básicos aos necessitados. [...] A
educação, especialmente a educação básica, contribui para reduzir a pobreza
ao aumentar a produtividade dos pobres, reduzir a fertilidade e melhorar a
saúde e, ao dotar as pessoas das aptidões de que necessitam para participar
plenamente na economia e na sociedade (1995, p. 23).

A educação fundamental, assim, passa a ser um instrumento indispensável das


mudanças levadas a efeito no capitalismo globalizado e para o êxito econômico global,
principalmente aquela dirigida aos setores sociais mais marginalizados, pois assegura
o potencial produtivo “de todos”, isto é, dos mais pobres, e previne problemas da
expansão capitalista ligados à marginalidade e à pobreza. Daí que a aprendizagem e a
escola se prestam, em primeira instância, à solução de problemas sociais e
econômicos dentro dos critérios do mercado global.

Para Lenoir, a escola do neoliberalismo busca o domínio de competências


requeridas pelo mercado de trabalho em que “a função do sistema escolar é fornecer o
capital humano necessário para as empresas e assegurar, desde a mais tenra idade, a
inserção individual, enquanto capital humano, na lógica economicista do mercado”
(2016). Para esse autor, uma visão crítica das políticas para a educação leva a evitar a
subordinação da educação às leis do mercado, a armadilha do discurso virtuoso
defendido pelo neoliberalismo e a visão utilitarista das disciplinas escolares, em favor
de uma visão emancipatória do ser humano. Pacheco e Marques (2014) afirmam que
a coerção explícita das escolas e professores por meio das avaliações externas traz
como consequência o reforço da linguagem da aprendizagem relativamente à
linguagem da educação (p. 107). Ou seja, há uma ênfase na aprendizagem de tipo
mecanicista em detrimento do ensino “onde os objetivos e conteúdos educacionais se
tornam secundários, enaltecendo-se, em contrapartida, as questões técnicas de um
processo que se pretende eficiente e eficaz”, ao ponto do trabalho do professor tornar-
se relativamente irrelevante na produção dos bons alunos. A posição desses autores
17

sugere aos pesquisadores em currículo e didática a busca de alternativas concretas


sobre os modos de condução do processo de ensino-aprendizagem, distintos dos
estabelecidos no modelo de currículo de resultados estandardizados, que possam
contemplar a realização na escola pública uma escolarização não restrita, isto é, uma
escolarização “plena”. Charlot (2005) rejeita a educação pensada e organizada,
prioritariamente, em uma lógica econômica e de preparação ao mercado de trabalho.
Segundo ele, a visão de educação imposta por organismos internacionais produz o
ocultamento da dimensão cultural e humana da educação, à medida que se dissolve a
relação entre o direito das crianças e jovens de serem diferentes culturalmente e, ao
mesmo tempo, semelhantes em termos de dignidade e reconhecimento humano. E
conclui: “Desse modo, a redução da educação ao estatuto de mercadoria resultante do
neoliberalismo ameaça o homem em seu universalismo humano, em sua diferença
cultural e em sua construção como sujeito” (p. 143). Com isso, são agravadas as
desigualdades sociais de acesso ao saber, pois à escola pública é atribuída a função
de incluir populações excluídas ou marginalizadas pela lógica neoliberal sem que os
governos lhe disponibilizem investimentos suficientes, bons professores e inovações
pedagógicas.

No Brasil, dois tipos de currículo caminham em paralelo: o currículo


instrumental ou de resultados, em que a avaliação pontifica como promotora da
qualidade de ensino (Barrettto, 2013), e o currículo sociocultural centrado na
integração social e sociabilidade para grupos sociais em situação de vulnerabilidade
social com finalidades apaziguadoras. Em ambos os casos, tende-se à diluição da
centralidade da escola no seu papel de formação cultural e científica e ao
comprometimento dos processos de ensino-aprendizagem, aos quais caberia
promover e ampliar o desenvolvimento intelectual, afetivo e moral dos alunos
(Libâneo, 2016). Tais currículos, ao sustentarem um modelo de escola dentro de um
projeto de alívio da pobreza, ao contrário do que se propala em termos de qualidade
de ensino, podem levar ao agravamento da injustiça social, pois, ao colocar em
segundo plano os conhecimentos significativos e os elementos pedagógico-didáticos
da qualidade de ensino, sonega-se aos filhos das famílias pobres o acesso ao
conhecimento universal e ao desenvolvimento das capacidades intelectuais por meio
desse conhecimento (Libâneo, 2014; Evangelista, 2013). Deixar a escola na periferia
do sistema escolar, transformá-la meramente numa referência física para ações
socioeducativas compensatórias para a população de baixa renda, pode levar à
ampliação da exclusão social dentro dela própria, antes mesmo que as crianças e
jovens sejam excluídas na sociedade.

Em conclusão, a globalização e a internacionalização são fatos concretos do


mundo contemporâneo, expressão da dinâmica da realidade econômica, política e
cultural. Conforme constatado neste texto, os países emergentes ou pobres são
induzidos a praticar políticas educacionais compatíveis com os interesses do mercado
global e para isso os organismos multilaterais oferecem programas de ajuda e
financiamento vinculados a proposições de políticas e de normas de controle da
execução desses programas. No entanto, é alentadora a compreensão de Ball (1994)
segundo a qual as políticas públicas educacionais não são implementadas de forma
linear, uma vez que são produtos de um amálgama de interesses e proposições de
organizações, grupos sociais e culturais, empreendimentos privados e públicos,
18

comunidade acadêmica e escolar, associações, partidos políticos, dentre outros.


Coraggio (1996) menciona que há divergências entre os técnicos do Banco Mundial a
respeito de diagnósticos e recomendações sobre políticas para a educação, havendo
margens para reavaliação de programas e projetos. Esse autor conclui: “isto devolve
ao campo dos políticos, intelectuais e técnicos nacionais uma parte importante da
responsabilidade pelas políticas a serem adotadas”. Ou seja, a consciência crítica e
profissional dos educadores de um país pode trazer elementos para negociar ou
adequar políticas propostas ou impostas pelos organismos multilaterais, numa
perspectiva mais ampliada de democracia e justiça social.

NOTAS

1 O movimento Todos pela Educação define-se como movimento da sociedade brasileira que tem como
missão contribuir para uma Educação Básica de qualidade. É uma Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP) e, portanto, uma organização privada. Reúne como mantenedores institutos e
fundações privadas empresariais que se preocupam com a escolaridade da população e a melhoria da
qualidade da mão de obra, insatisfatória para as necessidades do mercado. São seus mantenedores
bancos e empresas privadas como: Fundação Itaú Social, Fundação Bradesco, Fundação Telefônica,
Gerdau, Instituto Camargo Correa, Instituto Unibanco, Itaú BBA, Santander, Suzano, Fundação Lemann,
Instituto Península, DPachoal. Entre seus parceiros figuram Fundação Santillana, Instituto Ayrton Senna,
Fundação Victor Civita, McKinsey&Company, Instituto Natura, Saraiva, Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID). (Informações do site do Movimento).
1 Os comentários inseridos aqui em relação à expressão “currículo de integração social” referem-se

pontualmente a significados de diversidade, educação inclusiva, comunidade, etc. difundidos em


documentos de organismos internacionais e em documentos oficiais do Ministério da Educação do Brasil.
Argumenta-se aqui que parte da agenda de representantes de movimentos sociais que ocuparam espaço
em órgãos públicos a partir da segunda gestão do Governo Lula, embora incluísse um projeto de inclusão
social e uma educação de qualidade social, acabou se equivalendo ao currículo de integração social
voltado à educação inclusiva, como será demonstrado a seguir. Parafraseando Matheus e Lopes (2014),
o “discurso de qualidade social” foi impregnado do “discurso da qualidade que se quer total,” este
vinculado à lógica do mercado. Deve-se observar, também, que na produção acadêmica no campo crítico
da educação destacam-se outras modalidades de currículo voltadas para a qualidade social da educação.
Essas modalidades eu as agrupo sob a expressão “currículo sociocultural”, utilizada aqui em sentido
bastante amplo por incluir uma variedade de orientações teóricas e práticas como teoria curricular crítica,
educação intercultural, currículo intercultural, educação plural, educação para a diferença, educação para
a diversidade, educação em rede. De modo geral, essa expressão está associada à consideração da
cultura “como uma das categorias centrais indispensáveis para dar inteligibilidade ao mundo” abarcando
termos como identidade, multiculturalismo, diversidade cultural, etnocentrismo, hibridismo cultural,
relativismo cultural, incorporados em distintos discursos com diferentes ênfases e significados (Gabriel,
2006). Estudos no campo sociocultural da educação têm contribuído há, pelo menos, duas décadas, por
meio de pesquisas e elaborações teóricas em perspectiva crítica, para a compreensão da educação
inclusiva e da diversidade sociocultural no currículo e na pedagogia, entre outros, Moreira and Candau
(2014 ), Koff (2012), Alves e Oliveira (2008), Oliveira e Sgarbi (2008), Candau (2006), Moreira (2002).

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