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A GRAVATA DE COURO – O

"PESCOCINHO DE SOLA"
Do outro lado do passo, estava o velho Mallet, também sem botas, fumando o
inseparável cigarro de palha, forte de tanto sarro, ereto no seu grande cavalo escuro, como
um daqueles formidáveis guerreiros gauleses, que levaram o terror a Roma antiga, quando
os gansos foram melhores sentinelas do que os legionários que dormiam no Capitólio.
A água era fria e dava-me uma sensação de bem-estar indefinível. Aquela mata
rarefeita, de paus retorcidos, a soldadesca que passava contente das suas fatigas pela
pátria...tudo parecia partilhar da minha alegria. Meu cavalo adelgaçado estava mais vivo
e ligeiro e eu preso aos arreios molhados já me imaginava tão bom ginete como os meus
camaradas riograndenses, que não têm superiores nos Beduínos do Hedjaz nem nos
Zaporogos da Ucrânia.
Muitos deles haviam substituído as calças por chiripás; outros não as tinham, e
alguns, por atavismo, estavam até sem camisa, com cueiros transformados em folhas de
videira. Nenhum dos Bois de Botas, porém, deixava de ter em volta do pescoço
pescocinho de sola, que o nosso comandante nunca dispensava. Para o grande velho como
para outros bons chefes daquela época, a gravata de couro era essencial ao uniforme
militar; era a peça substancial que dava ao soldado, garbo e tom marcial, aprumando-o
com mais altivez e fazendo-o olhar de cabeça levantada aos regulamentares vinte passo
de distância.
Dionísio Cerqueira - Reminiscências da Campanha do Paraguai

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