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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

SETOR DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E DE TECNOLOGIA


DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE MATERIAIS

JOÃO PEDRO CORRÊA GIROTO

LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO SOBRE LIGAS INCONEL 625 E 718:


ASPECTOS METALÚRGICOS

PONTA GROSSA
2022
SUPERLIGAS E SUPERLIGAS DE NÍQUEL
O advento do desenvolvimento de superligas, e em especial as que eram a
base de níquel, se deu pouco antes da metade do século XX, onde a concepção
sobre a necessidade do que viriam a ser consideradas ‘superligas’ surgiu
fundamentada nas ligas de aço inoxidável austenítico que foram desenvolvidas no
início do mesmo século. As superligas então não só deveriam ter propriedades de
resistência à corrosão, mas também propriedades de resistência mecânica
elevadas. Essa necessidade foi exponenciada com a revolução que ocorreu na área
da aeronáutica, onde para a invenção de motores a à jato também demandava que
as superligas tivessem a capacidade de serem utilizadas em altíssimas
temperaturas.
A invenção do derretimento por indução à vácuo possibilitou aos
metalurgistas a obtenção de ligas que tivessem sua composição controlada com o
mínimo de impurezas. Nesse sentido, testes em ligas de diferentes composições e
proporções de cada elemento presente deram origem a inúmeras patentes. O último
passo dado na evolução das superligas foi a variação nos tipos de processamento
aos quais as ligas poderiam ser submetidas. A Figura 1 sintetiza a evolução do
desenvolvimento das superligas.
Figura 1 – Evolução histórica contextual no desenvolvimento das superligas

Fonte: A History of Superalloy Metallurgy for Superalloy Metallurgists.

No desenvolvimento das composições das novas superligas, não se tinha


como prever o comportamento de cada elemento na liga, nem sua substituição ou
combinação com outros. De fato, esse desenvolvimento se deu puramente na base
de elaborar uma determinada concentração, realizar os devidos testes e avaliar se
os resultados obtidos eram satisfatórios. A cada teste feito, mais o efeito de cada
elemento de liga era entendido. A Figura 2 mostra quais são os principais elementos
de liga utilizados em superligas a base de níquel.
Figura 2 - Principais elementos de liga utilizados em superligas a base de níquel.
Fonte: ASM Specialty Handbook: Nickel, Cobalt, and their Alloys.

DESENVOLVIMENTO DAS LIGAS INCONEL 625 E 718


O desenvolvimento das superligas de níquel IN625 e IN718 se deu no início
do ano de 1950 pela Special Metals Corporation e estão historicamente atrelados,
uma vez que o desenvolvimento da liga 718 se deu a partir de testes que estavam
sendo feitos para o desenvolvimento da liga 625, tendo suas patentes registradas
nos anos de 1962 e 1964 para o IN718 e IN625 respectivamente.
Em uma das composições que estavam sendo utilizadas como base para o
desenvolvimento da superliga IN625, foi variado a porcentagem dos elementos
nióbio e molibdênio, e ainda foi estudado a influência de diferentes tratamentos
térmicos sob as ligas. A Figura 3 mostra a influência de cada um desses fatores na
tensão de escoamento das ligas em desenvolvimento.
Figura 3 – Efeito da variação dos elementos de liga nióbio e molibdênio e de diferentes tratamentos
térmicos em ligas com porcentagem de níquel variável.

Fonte: The Invention and Definition of Alloy 625

Ao perceberem a influência do tratamento de envelhecimento sob as


propriedades mecânicas das ligas que estavam sendo desenvolvidas, o foco da
pesquisa foi alterado para o IN718. Foi estudado o mesmo efeito para o IN625 a fim
de avaliar as propriedades de endurecimento por solução sólida pelo nióbio, onde os
resultados estão apresentados na Figura 4.
Figura 4 – Módulo de elasticidade das superligas IN625 e IN718 recozidas e recozidas e envelhecidas
em função da porcentagem de nióbio.
Fonte: The Invention and Definition of Alloy 625

Uma vez que as ligas de IN625 e 718 foram desenvolvidas involuntariamente


fruto de uma mesma pesquisa, não é difícil de imaginar que ambas tenham
composição química semelhante.

COMPOSIÇÃO QUÍMICA
A porcentagem de cada elemento de liga presente em uma determinada liga
atua de forma a atenuar certas propriedades pertinentes a cada elemento e a forma
como ele altera as propriedades finais do material após os tratamentos térmicos
pertinentes, adequando assim o uso de cada uma. As Tabelas 1 e 2 apresentam a
composição final no desenvolvimento das ligas IN625 e IN718 respectivamente.
Tabela 1 - Elementos de liga presentes na Tabela 2 - Elementos de liga presentes na
superliga IN625 superliga IN718
ELEMENTO % ELEMENTO %
Níquel 58 mín. Níquel (mais Cobalto) 50.00 - 55.00
Cromo 20.0 - 23.0 Cromo 17.00 - 21.00
Ferro 5.0 máx. Ferro Balanço
Molibdênio 8.0 - 10.0 Nióbio (mais Tântalo) 4.75 - 5.50
Nióbio (mais Tântalo) 3.15 - 4.15 máx. Molibdênio 2.80 - 3.30
Carbono 0.010 máx. Titânio 0.65 - 1.15
Manganês 0.50 máx. Alumínio 0.20 - 0.80
Silício 0.50 máx. Cobalto 1.00 máx.
Fósforo 0.015 máx.
Carbono 0.08 máx.
Enxofre 0.015 máx.
Manganês 0.35 máx.
Alumínio 0.40 máx.
Silício 0.35 máx.
Titânio 0.40 máx.
Cobalto 1.0 máx. Fósforo 0.015 máx.
Fonte: American Special Metals Enxofre 0.015 máx.
Boro 0.006 máx.
Cobre 0.30 máx.
Fonte: American Special Metals

ESTRUTURA CRISTALINA
Ambas as ligas IN625 e IN718 apresentam uma matriz austenítica γ, uma vez
que a base da liga é níquel-cromo. O diagrama de fases para as superligas a base
de níquel-cromo está apresentado na Figura 5. Para superligas de base mais
complexa, outros diagramas de fase são utilizados, onde podem ser diagramas
ternários, quaternários ou até mesmo diagramas polares.
Figura 5 - Diagrama de fases da matriz para as ligas IN625 e IN718

Fonte: ASM Handbook Volume 3 – Alloy Phase Diagrams

EFEITO DOS ELEMENTOS DE LIGA E APLICAÇÕES


No desenvolvimento do IN625, optou-se por preservar sua ductilidade em
relação ao IN718, fazendo assim com que fosse endurecido apenas por solução
sólida devido a elevada presença de molibdênio e de nióbio e sem passar por
tratamento térmico de envelhecimento, conferindo-o propriedades que permitem sua
usinabilidade e também soldabilidade, além de possuir também uma vasta gama de
fabricabilidade. As porcentagens de alumínio e titânio foram mantidas baixas para
evitar o endurecimento da liga por precipitação. Ainda, a elevada quantidade de
molibdênio e cromo propicia excelentes propriedades anticorrosivas ao material,
tornando-os excelentes para o uso em ambientes marinhos pois são imunes a
ataques corrosivos localizados (pitting) e também a fragilização por corrosão sob
tensão causada por íons cloreto, além das conhecidas aplicações na aeronáutica,
reatores de usinas nucleares e na indústria de processamentos químicos.
No caso do IN718, o endurecimento da liga ocorre através de um tratamento
térmico de envelhecimento posterior a um recozimento. Devido a elevada presença
de titânio, alumínio e nióbio, o tratamento térmico de envelhecimento permite a
precipitação de partículas intermetálicas de segunda fase na matriz conhecidas por
Ni3(Al,Ti) (γ') e Ni3Nb (γ''). γ' possui estrutura cristalina CFC, e, portanto, é coerente e
ordenada com a matriz austenítica, precipita nos contornos de grão e pode assumir
morfologia esférica ou cuboidal. γ'' também é coerente e ordenado com a matriz,
porém possui estrutura cristalina tetragonal de corpo centrado (BCT), a qual está
apresentada na Figura 6, assume morfologia lenticular (elipsoidal achada nos polos),
precipitando tanto na matriz ou em γ', sendo a principal responsável pelo
endurecimento da liga. (7)
Figura 6 – Estrutura cristalina tetragonal de corpo centrado.
Fonte: Investigations of γ', γ'’ and delta precipitates (8)

TRATAMENTOS TÉRMICOS E PROPRIEDADES MECÂNICAS


As superligas IN625 passam apenas por tratamento térmico de recozimento,
onde nesse sentido a ductilidade é adquirida através ou do alívio de tensões físicas
ou pela solubilização de precipitados, aliviando assim tensões químicas. Cada
condição de recozimento está relacionada com a temperatura em que será utilizado
o material. Para temperaturas de serviço abaixo de 650ºC, um alívio de tensões
físicas já é suficiente para aplicação, e acima desta temperatura, ambos os alívios
de tensão física e química são recomendados, sendo o alívio químico recomendado
para aplicações onde os componentes requerem resistência a fluência e ruptura, e o
alívio físico para aplicações onde é necessário resistência a fadiga, a tração e
também maiores valores de dureza. As propriedades mecânicas à temperatura
ambiente para o IN625 estão apresentadas na Figura 7.
Figura 7 – Propriedades mecânicas a temperatura ambiente para liga IN625

Fonte: (5)

As superligas IN718 passam por tratamento térmico de recozimento e


posterior tratamento de envelhecimento, que pode ser feito de duas maneiras:
 Recozimento entre 925 e 1010ºC, seguido por uma têmpera em água, e
então envelhecimento a aproximadamente 720°C por 8 horas,
resfriamento ao forno a 620ºC por mais 10 horas, e então finalizando com
resfriamento ao ar.
 Recozimento entre 1035 e 1065ºC, seguido por uma têmpera em água, e
então envelhecimento a aproximadamente 760°C por 10 horas,
resfriamento ao forno a 650ºC por mais 10 horas, e então finalizando com
resfriamento ao ar.
O primeiro método é utilizado quando se deseja obter elevado limite
resistência a tração e módulo de elasticidade e também resistência a fadiga devido
ao desenvolvimento de grãos finos durante o tratamento térmico, onde as
propriedades mecânicas mínimas para peças produzidas com IN718 em diferentes
geometrias por esse método de tratamento térmico estão apresentadas na Figura 8.
Figura 8 -

Fonte: (6)
O segundo método é utilizado quando deseja-se obter uma maior ductilidade
transversal em seções mais densas de uma peça, ou seja, é um método preferível
para aplicações de tensão limitada, além de apresentarem também maior resistência
ao impacto. As propriedades mecânicas mínimas que peças com diferentes
geometrias produzidas com IN718 e que sofreram esse método de tratamento
térmico estão apresentados na Figura 9.
Figura 9 -

Fonte: (5)

O superenvelhecimento da superliga de IN718 causa a precipitação de uma


fase deletéria que ocorre a partir da transformação morfológica e estrutural das
partículas γ'', que, ao assumirem morfologia aciular e estrutura cristalina
ortorrômbica, tornando-se assim uma fase denominada δ, causam a diminuição das
propriedades mecânicas em elevadas temperaturas, o que limita o uso dessa liga a
temperaturas de até 650°C e diminui a vida útil do material. Acredita-se que isso
ocorra devido ao alto teor de Ni na liga.

MICROESTRUTURA
Nesta seção do trabalho, serão apresentadas imagens de micrografias
referentes a evolução microestrutural nas ligas de IN625 e IN718 durante a
manufatura de materiais de engenharia utilizando-se desses materiais.
Figura 10 - IN625 com precipitação de carbetos intergranulares (a) e intragranulares (b).

Fonte: Microestructure and mechanical properties of Inconel 625 superalloy

Figura 11 – Liga IN625 após 1 hora de tratamento térmico de envelhecimento a 650°C mostrando em
(a) precipitados γ'' e ampliado em (b) sua morfologia elipsoidal, em (c) após 10 horas e (d) 500 horas.
Fonte: Microstructure and mechanical properties of Inconel 625 superalloy

Figura 12 – Liga IN625 após 1 hora de tratamento térmico de envelhecimento a 850°C mostrando em
(a) carbetos intergranulares, porém ausência de precipitados γ'' e em (b) precipitação da fase δ após
100 horas.

Fonte: Microstructure and mechanical properties of Inconel 625 superalloy.


Figura 13 – Liga IN625 em (a) recozida a 1150°C por 0.5 horas, em (b) a mesma liga envelhecida a
650ºC por 100 horas e (c) envelhecida a 850ºC por 100 horas.

Fonte: Microstructure and mechanical properties of Inconel 625 superalloy.

 SELECTIVE LASER MELTING


O processo de manufatura aditiva conhecido como Selective Laser Melting
(SLM) induz, em geral, a microestruturas com propriedades não desejáveis. Para
que a liga adquira suas propriedades almejáveis, após o processo de SLM, a liga
passa então por um processo de tratamento térmico, sendo esse normalmente de
recristalização. A Figura 14 apresenta a evolução do processo de obtenção de
peças fabricadas por processos de SLM e posterior tratamento térmico de
recristalização.
Figura 14 – Progressão micrográfica de amostra de IN718 preparada para SLM.

Fonte: Microstructures and mechanical behavior of Inconel 718 fabricated by selective laser melting.
REFERÊNCIAS
1 SIMS, C. T. A History of Superalloy Metallurgy for Superalloy Metallurgists.
In: Superalloys (Fifth International Symposium), 1984, New York.
Disponível em:
tms.org/superalloys/10.7449/1984/Superalloys_1984_399_419.pdf
2 DAVIS, J. R. ASM Specialty Handbook: Nickel, Cobalt, and their
Alloys. Ohio: ASM International, 2000.
3 EISELSTEIN, H. L., TILLACK, D. J. The Invention and Definition of Alloy
625. Superalloys 718, 625 and Various Derivatives. West Virginia, 1991.
4 TIEN, J. K., COLLIER, J. P., VIGNOUL, G. The Role of Niobium and Other
Refractory Elements in Superalloys. Superalloy 718 – Metallurgy and
Applications. New York, 1989.
5 SPECIAL METALS. INCONEL ® alloy 625. 2013. Boletim técnico.
6 SPECIAL METALS. INCONEL ® alloy 718. 2007. Boletim técnico.
7 AMATO, K. N., et al. Microstructures nad mechanical behavior of Inconel
718 fabricated by selective laser melting. Acta Materialia. p. 2229-2239,
mar. 2012.
8 CAO, G. H. et al. Investigations of γ', γ'’ and δ precipitates in heat-treated
Inconel 718 alloy fabricated by selective laser melting. Materials
Characterization 136. p. 398-406, jan. 2018.
9 RAO, K. B. S. Microstructure and mechanical properties of Inconel 625
superalloy. Journal of Nuclear Materials 288. p. 222-232, nov. 2000.

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