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6ª LIÇÃO

2) a ordem jurídica e o problema do sentido específico do direito

a) Considerações gerais sobre o problema do sentido e a sua específica intencionalidade:

• Põe-se-nos um problema delicado e autenticamente crucial» tentar discernir o


sentido do direito e não apenas tratar dos termos de uma sua mera mobilização
técnica para se resolverem questões do quid iuris» o problema da determinação do
sentido do direito para “nós”;
• Em que medida é que o direito pode atuar como instância socialmente regulativa e
intencionalmente humanizante do nosso encontro mundanal.

b) A insuficiência objetiva da ordem jurídica:

• α) a ordem jurídica e outras ordens sociais


1) A ordem jurídica, pela simples circunstância de ser ordem já concorre para
possibilitar a nossa convivência;
2) No entanto há ordens de natureza diversa (opressivas…) que não são ordens
de direito;
3) O que dissemos até agora não basta para nos desvelar o sentido do direito» a
circunstância de a ordem ser uma ordem não garante que se lhe deva
reconhecer o sentido predicativo do direito;
4) Para acedermos ao sentido do direito temos que passar para lá do fenómeno,
não é um objeto que descritivamente se aprende, mas uma intenção que
reflexivamente se compreende;
5) Não poderemos ficar pela exterioridade do fenómeno ordem jurídica para
compreendermos o sentido do direito» o apuramento do sentido traduz a
compreensão de um fenómeno na sua interioridade;
6) É, para nós, já óbvio que não há direito sem ordem – sem a estrutura, as
funções, as caraterísticas e os efeitos que vimos serem os de uma qualquer
ordem jurídica. Mas será sua condição suficiente?
7) Uma ordem de direito não é apenas uma ordem com a estrutura, as funções…,
tem também um sentido, que importa compreender;
8) O que é que no universo de valores por mediação dos quais nos
compreendemos uns aos outros como sujeitos éticos, é então o direito?
9) Sublinhemos a ideia de que o direito, sendo embora uma ordem, não é uma
ordem qualquer. O direito é uma ordem com um certo sentido;
10) A ordem jurídica manifesta assim uma insuficiência objetiva, pois não basta, só
por si, para nos desvelar o direito.

• β) a insuficiência ainda da complementar qualificação pela estadualidade


1. Não será, porém, que conseguimos resolver o nosso problema referindo a
ordem jurídica à estadualidade?
2. Não bastará a qualificação da estadualidade da ordem jurídica para a
reconhecermos como genuinamente de direito? Não basta!
3. Exemplos históricos de Estados criminosos organizados para o genocídio;
4. A estadualidade não é caraterística necessária nem suficiente da
juridicidade de uma ordem socialmente reguladora» Estado e direito são
realidades diferentes;
5. O direito e o Estado não se identificam. A ordem de direito não é
exclusivamente criada pelo Estado. O poder político que o Estado titula
não é o fundamento da ordem jurídica (sendo, pelo contrário, a
juridicidade que fundamenta materialmente a estadualidade)» direito e
Estado distinguem-se culturalmente;
6. A expressão direito identifica realidades muito diversas: abrange o direito-
legislação, direito internacional, direito primitivo…
7. Distinção entre Estado e Direito: não se identificam intencional-
materialmente. O Estado é uma organização de poder (o seu referente é a
política), enquanto que o direito é uma ordem normativa (referente a um
sistema de princípios, que afirma uma validade). O Estado visa fins,
mobiliza o poder e intende à eficácia. O direito baseia-se em valores, atua
uma normatividade e procura a validade. A racionalidade do Estado é uma
racionalidade estratégica, de meio-fim. A do direito é a racionalidade
axiológica implicada pelo juízo-julgamento (procura de fundamentos e
realização da validade);
8. O direito centra-se em valores (afirma uma validade) e estes são
universais;
9. Nem todo o direito que existe é constituído pela imediata mediação com o
Estado;
10. Nem todo o direito vigente é criado pelo Estado;
11. Distinção presente entre o Estado e o direito na expressão “Estado-de-
direito”» duas dimensões: estadualidade e juridicidade, que se relacionam;
12. O Estado-de-direito é o específico tipo de Estado que encontra o seu
fundamento no direito;
13. Só estaremos diante de um Estado-de-direito quando a juridicidade que
nele se manifesta for autónoma do poder político» uma ordem jurídica
não será de direito apenas por lhe aditarmos a nota de estadualidade

c) A insuficiência normativa:

• α) a necessária consideração da dimensão normativa imanente, normativamente


substantivadora e sustentadora da vigência
1. O direito precisa de uma autoridade. Mas o poder político não é o fundamento
do direito» há valores jurídicos que transcendem a legalidade;
2. Um Estado-de-direito material» um Estado em que o direito não é apenas o
limitador do poder, mas o seu verdadeiro fundamento legitimante;
3. Podemos concluir não ser a estadualidade uma nota decisivamente
caraterizadora do direito;
4. Então, o que é que dá sentido de direito à ordem jurídica? – é uma dimensão
normativa.
- o direito refere-nos a uma normatividade, a um dever-ser
- a ordem jurídica, quando empírico-analiticamente considerada, manifesta, ao
lado de uma insuficiência objetiva, uma insuficiência normativa, pois ela não é
bastante, por si só, para nos desvelar o sentido do direito
- a ordem jurídica, para constituir uma autêntica ordem de direito, tem,
portanto, que manifestar uma dimensão normativa positiva, uma validade;
5. - é neste plano da imanência constitutiva da ordem jurídica que discerniremos
o seu conteúdo positivo ou negativo – e só se esse sentido se nos revelar
justificadamente positivo é que a reconheceremos como ordem de direito.
- a intenção normativa é, portanto, uma exigência que se funda em valores e
que uma comunidade histórico-socialmente concreta pretende que se realize
na prática.
- uma ordem de direito assimila valores e são estes que, ao sintetizarem
“plenitudes de significação” num determinado horizonte cultural, a
substantivaram.
- os valores são os sentidos práticos da ordem, que nós compreendemos e
assimilamos e pela mediação dos quais se pode dizer que ela comunica
connosco – estes valores cocorrem decisivamente para garantir a vigência da
ordem, pois ela sustenta-se nesses mesmos valores
- grande parte dos nossos comportamentos é condicionado pelos valores que
assumimos e interiorizamos e pelos quais modelamos naturalmente as nossas
ações. São praticamente esses valores que conferem uma dimensão normativa
à ordem de direito.
• β) a intenção normativa transpositiva e regulativa — o direito como princípio
1. O direito não é uma entidade cultural finita, é antes uma intenção, uma ideia
regulativa» podemos estar perante uma controvérsia juridicamente relevante
e não dispor de direito constituído para lhe dar resposta;
2. Problema das lacunas e permanente constituição (sentido constituendo);
3. No âmbito do direito, intervém um regulativo orientador desta contínua
(re)constituição da ordem que o manifesta – um referente a que a ordem
jurídica apena e pelo qual se orienta;
4. Um autêntico regulativo intencional» o direito é constituendo em função
daquilo o homem quer que seja direito e não em função daquilo que é direito;
5. Um apelo a algo que quer que seja direito e que ainda não é – o que significa
que o direito se apresenta aqui não como um objeto, mas como um projeto;
6. Mesmo que a ordem jurídica assimile os valores comunitariamente vigentes
num determinado momento, o certo é que a mutabilidade histórica acaba,
mais cedo ou mais tarde, por tornar esses valores primeiro insuficientes e
depois obsoletos;
7. Uma ordem entropicamente orientada pode ter sido vigente, mas acabará por
deixar de sê-lo;
8. A intenção normativa tem que transcender a normatividade assimilada num
certo momento histórico – o sentido do direito tem de reconstituir-se
permanentemente em vista da historicidade que o anima;
9. A transpositividade implica para o direito uma dimensão de projeto
antecipante – casos juridicamente relevantes a quena normatividade
objetivada não dá resposta adequada» só esta transcensão da ordem jurídica é
que nos desvela o seu sentido de direito.
• γ) a intenção axiológico-normativa fundamentante da validade do direito como
direito
1. A intenção normativa é fundamentante e instituinte de uma validade que nos
permite reconhecermo-nos uns aos outros como pessoas – é a matriz
axiológica;
2. Os valores têm um sentido universal. Ao contrário dos interesses, que são
muitas vezes conflituantes. Sendo a dignidade ética do homem um valor,
qualquer um a deve tutelar.
3. Em contrapartida, os interesses dividem-nos, daí só os conseguirmos atuar
instituindo um poder;
4. A normatividade traduz a exigência de uma axiologia que empreste validade à
prática» justamente porque uma pessoa, por ter valor, nunca é insignificante;
5. São os valores que dão sentido a todas as ordens de direito. Esses valores,
apesar de constituendos, não deixam de ter um caráter constituinte e
fundamentante da própria normatividade da ordem jurídica;
6. A normatividade tem que apresentar um fundamento normativo;
7. Só quando a ordem jurídica permitir que os homens a quem ela se dirige se
reconheçam uns aos outros como pessoas (como sujeitos com uma autonomia
e dignidade éticas) é que se poderá dizer que essa ordem manifesta uma
autêntica normatividade;
8. Justificar a sua validade ao nível das exigências axiológicas por mediação das
quais nos compreendemos uns aos outros como pessoas» a pessoa é o
pressuposto irredutível;
9. Esta ordem integradora só será de direito quando nela nos reconhecermos uns
aos outros como pessoas, e não como meros objetos da sua imperatividade»
valores por mediação dos quais nos compreendemos uns aos outros como
pessoas que constituem o “direito do direito”

3) Conclusão provisória: a re-constituição analógica da ordem jurídica.

(não resumido)

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