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Antimonumentos e o ‘desesquecer’ na nova arte de memória

do Brasil, por Márcio Seligmann-Silva

sex, 07/04/2017

Rafael RG. Vestimenta (autorretrato). 2015


Antimonumentos e a arte de ‘desesquecer’ na nova arte de memória
do Brasil
 
por Márcio Seligmann-Silva
Na era dos arquivos

Ao longo do século XX a humanidade foi submetida a uma espécie de desdobramento


paroxístico do Esclarecimento (Aufklärung) e de sua terrível dialética: ao invés do prometido
triunfo de uma vida civilizada, racional e livre das peias da incivilização, o processo civilizatório
se mostrou violento, genocida, amigo da guerra e da destruição. Nunca um número tão grande de
seres humanos foi executado em guerras ou por meios tão terríveis e vis como os campos de
concentração e de extermínio, como ocorreu no século XX. A razão ocidental, esse constructo
que levava em si um arquivo que era constantemente redesenhado e cujas origens também foram
projetadas, desde o Renascimento, na Grécia antiga, foi derretida sob o calor dessas catástrofes.
O abalo no arquivo central do Esclarecimento levou a uma disseminação dos saberes. Trata-se do
conhecido “fim das grandes narrativas”, não só no sentido benjaminiano, da morte do narrador,
mas também da morte dos grandes discursos que procuravam dar sentido (um sentido
nomológico) à humanidade e à sua história e devir. Ao invés da fé cega na razão e na sua
capacidade de revelar a verdade, surge cada vez mais ao longo da Modernidade um outro modo
de pensar e de agir que desconfia dos arquivos.

Esse contramovimento não é nada mais do que aquilo que convencionalmente denominamos de
romantismo, ou seja, ele já estava sendo gestado desde o início do século XIX como resposta aos
seus arquivos e excessos da razão esclarecida (colonialista, exploradora da mão de obra escrava
ou operária, homofóbica, feminicida e com sede de sangue). No bojo do romantismo, artistas
levantaram-se em revolta contra a ação da norma e sua tendência a reduzir tudo ao(s) arquivo(s)
do poder. Artistas se tornam cada vez mais anarquivadores, anarquizadores do arquivo. Assim,
por exemplo, Goya, com seus “Los desastres de la guerra”, de 1810-15, vai fazer uma inscrição a
contrapelo do que foi a Guerra de Independência Espanhola, revelando sua violência crua.
Baudelaire e outros escritores vão pensar a nova subjetividade moderna, as paixões, a
sexualidade, as novas experiências táteis e os medos desse novo ser citadino que surge então,
marcado pela necessidade de se vender ao mercado para sobreviver.

As vanguardas artísticas do início do século XX desarquivam toda a história da arte. Elas


procuraram abrir o arquivo das artes para novas formas de percepção e configuração. Aos pouco
vão também abrindo o arquivo ocidental a um diálogo (às vezes neocolonialista, mas nem
sempre) com outras tradições, da África e do oriente. Novos traçamentos são feitos, apagam-se
fronteiras – e outras são estabelecidas. O abalo da Segunda Guerra Mundial pulveriza as próprias
vanguardas. Microarquivos e micro arquivonomias vão ser ensaiadas. Em 1953 foi feita uma
descoberta que coroou um século de darwinismo, no qual os cientistas não conseguiam
esclarecer o mistério de hereditariedade das informações genéticas. A estrutura do DNA foi
descrita e a descrição dessas peças primárias, primeiros componentes da escrita do ser e de sua
história, serviu também para generalizar a consciência de que a vida, como a cultura, é a história
de arquivos, de suas reescrituras e de suas metamorfoses.

Arte contra o arquivo

As artes a partir desse momento vão cada vez mais adotar a figura do arquivo para si. Mas,
seguindo a tendência romântica acima referida de anarquivamento, os artistas vão embaralhar os
arquivos, vão pôr em questão as fronteiras, vão tentar abalar poderes, revelar segredos, reverter
dicotomias, para as explodir. A palavra de ordem é anarquivar para recolecionar as ruínas dos
arquivos e reconstruí-las de forma crítica. O artista se assume como demiurgo, mas não mais
como participante submisso, como queriam os fascismos e totalitarismos do século XX, que
tentaram submeter as artes a projetos megalomaníacos de arquivamento da sociedade e de seus
indivíduos. Esses movimentos falharam justamente porque fechavam de modo ditatorial os
arquivos e a arquivonomia. Eles culminaram em arquivos mortos. Literalmente, como em
Auschwitz, no Gulag, no Camboja sob o Khmer Vermelho etc.

O artista quer destruir esses arquivos que funcionam como máquinas identitárias de destruição
(pois eliminam os que são diferentes do “tipo”). Daí, por exemplo, no Brasil termos reconhecido
na obra de Bispo do Rosário uma potente representante da arte contemporânea. Bispo desloca os
arquivos. Como alguém que provém de uma tripla exclusão: negro, pobre e “louco” (além de ser
do “terceiro-mundo”), ele representa de modo radical a figura do artista como anarquivador. Ele
pode ser entendido na tradição daquele trapeiro, descrito por Baudelaire. A descrição que este fez
do trapeiro deve ser posta lado a lado da figura urbana moderna do trabalho do próprio poeta e do
artista:

Aqui temos um homem — ele tem de recolher na capital o lixo do dia que passou. Tudo o que a
cidade grande jogou fora, tudo o que ela perdeu, tudo o que desprezou, tudo o que destruiu, é
reunido e registrado por ele. Compila os anais da devassidão, o cafarnaum da escória; separa as
coisas, faz uma seleção inteligente; procede como um avarento com seu tesouro e se detém no
entulho que, entre as maxilas da deusa indústria, vai adotar a forma de objetos úteis ou
agradáveis.1

O próprio Benjamin, que cita essas palavras de Baudelaire, não apenas foi um teórico da coleção
e do colecionismo (lembremos de seu conhecido ensaio sobre Eduard Fuchs, um dos maiores
colecionadores de ilustrações eróticas e de caricaturas da modernidade), mas ele mesmo
colecionou livros infantis e de “doentes mentais”, bem como brinquedos, como lemos nos
seus Diários de Moscou. Seu texto de 1931 Ich packe meine Bibliothek aus. Eine Rede über das
Sammeln(Desempacotando minha biblioteca. Um discurso sobre o colecionar) reúne muitas de
suas reflexões sobre esta prática. Ele vê no ato de colecionar livros antigos – marcado pela
pulsão “infantil” do colecionar que renova o mundo via uma pequena intervenção nos objetos –
uma espécie de renascimento das obras.2  Estas ideias podem nos ajudar a pensar o universo de
Bispo, como autor de uma coleção onde o mundo se renova, renasce, sob a batuta do
colecionismo. Uma das ideias seminais de Benjamin sobre a coleção pode ser lida no seu texto
“Lob der Puppe” (“Elogio da boneca”), que trata justamente de um ponto vital do gesto do
colecionador: a relação entre o indivíduo (que seleciona, arranca do contexto e coleciona) e o
mundo objetivo das “coisas”. “O verdadeiro feito, normalmente desprezado, do colecionador é
sempre anarquista, destrutivo. Pois esta é a sua dialética: ele conecta à fidelidade para com as
coisas, para com o único, por ele assegurado, o protesto teimoso e subversivo contra o típico e
classificável.” (Benjamin 1972: 216; eu grifo) Bispo, o “louco”, classificado com uma série de
etiquetas psiquiátricas que o desclassificaram da vida extra-muros, reconstrói o mundo com seu
colecionismo, organiza seu universo sob o signo de uma tipologia que estranha o mundo que o
estranha. Ele salva o momento individual de cada coisa, rompendo com os falsos contextos e
subsunções aos conceitos abstratos. Sua atração pelo universo dos concursos de miss (que
classifica a beleza segundo potentes tipos, normalmente opostos aos biótipos dos companheiros
de internato de Bispo e dele próprio), pode ser lida como um desejo de se confrontar com a
terrível ontotipologia que o excluía do glamour de uma sociedade “higienizada” de negros e de
“loucos”. Sua vontade de anarquivar e recolecionar objetos pode ser interpretada como um fruto
de sua fidelidade visceral aos cacos do mundo que se lhe apresentavam como única realidade,
única possibilidade de construção de uma “casa” onde morar. Sua arqueologia é decorrente de
sua anarquivação do mundo. Ele deslouca os arquivos e os recria na sua arte.

Anarquivando a história do Brasil

Nos dois primeiros meses de 2016 duas exposições chamaram a atenção do público frequentador
do ciclo das artes em São Paulo. De um lado tínhamos a exposição Empresa Colonial, com
curadoria de Tomás Toledo e que ocupou o espaço principal do Caixa Cultural (de 12/12/2015 a
28/02/2016). Do outro, no Butantã (bairro paulista), pudemos ver na Galeria Leme a
exposição Totemonumento, com curadoria de Isabella Rjeille (de 19/01/2016 a 05/03/2016). Em
comum, nas duas curadorias, a busca de artistas, a maioria jovens, voltados para pensar
criticamente a nossa história – e o nosso presente. Eles são parte da nossa nova geração de
artistas anarquivadores. Não por acaso, entre os seis artistas representados na   Empresa
Colonial e os oito, da Totemonumento, dois estavam presentes nas duas curadorias: Clara Ianni e
Jaime Lauriano.

A cada nova exposição, as curadorias traçam novos mapas e perfis do “estado da arte”. Esses
desenhos são movediços e se transformam a toda hora. Mas não como nuvens em um céu azul.
Com mais vagar eles vão construindo e revelando nosso habitat artístico. Vão abrindo caminhos
sobre um chão nem sempre tão estável. Para iniciar esta reflexão sobre essas duas curadorias,
permito-me lançar mão de uma obra apresentada em outra exposição recente. Lembro aqui da
impressionante obra de Lucas Simões,   Recalque diferencial   (2015), apresentada na
exposição Jogo de Forças, com curadoria de Philipe Augusto, mostra que também serviu para
encerrar as atividades do Paço das Artes no prédio da USP. Nessa obra de Lucas, pisamos sobre
um solo que arrebenta sob o nosso peso – e ao mesmo tempo nos amortece. A proposta de
Philipe (em uma curadoria que, sem surpresas agora, também tinha obras de Clara Ianni e de
Jaime Lauriano) era a de juntar obras que servissem como dispositivos para refletirmos sobre
nosso mundo e sua teia de poderes. Pois bem, essa obra de Lucas nos faz pensar no solo em que
pisamos. Nosso andar torna-se errante, pois o pisar, com o qual raramente nos ocupamos, assim
como não pensamos em nossa respiração, esse pisar toma toda a nossa atenção quando
caminhamos tateantes a obra com os pés. Andamos como errantes. E é talvez essa imagem do
“errar refletido” que pode nos servir par pensar quanto ao acerto dos curadores Tomás Toledo e
Isabella Rjeille.
Acerto do relógio das artes – compassado com alguns curadores como o próprio Philipe Augusto,
Priscila Arantes3, Giselle Beiguelmann (com sua exposição Memória da Amnésia, de 2015) ou
Moacir dos Anjos, que com sua exposição Cães sem Plumas, na Nara Roesler em 2013, já dera
também poderosas indicações quanto a essa necessária errância das obras e curadorias pelo
campo do “político”. Não nos surpreende também ver naquela curadoria de Moacir a presença de
Regina Parra e de Cildo Meireles (também representados em Totemonumento). Moacir põe lado
a lado diferentes gerações de artistas de peso quando se trata de pensar a arte de inscrever o
esquecimento e a violência, como, além dos já mencionados, Antonio Dias, Claudia Andujar,
Rosangela Rennó, Paulo Bruscky, José Rufino, Armando Queiroz, Paulo Nazareth, João
Castilho, Marcos Chaves, Thiago Martins de Melo, Paula Trope e Virginia Medeiros.4

O que acontece nas exposições Totemonumento e Empresa Colonial? Ainda me apoiando na


referida obra de Lucas Simões, pergunto-me como o cuidadoso e refletido “pisar” dos dois
curadores os levaram a um original percurso, e mesmo, a um involuntário encontro, como se uma
exposição continuasse na outra. Impossível pensar nelas sem refletir sobre o momento político
pelo qual passa o Brasil e o mundo. Refiro-me à chamada grande política e sua “repisada” crise
da representação, tão falada, sobretudo, no Brasil, desde junho de 2013. Essa crise ganhou novos
contornos com o caminhar das investigações da Polícia Federal e dos juízes da Operação Lava
Jato. Ao mesmo tempo, vivemos desde 2015 uma crise mundial migratória sem precedentes, com
milhões de pessoas expulsas de suas casas e países, criando uma população de milhões de
deslocados errantes, sendo barrados, rechaçados e jogados ao mar. O início de 2016 foi também
o momento de início das operações da mega-hidrelétrica Belo Monte, que, com a violência que
exerceu e exerce sobre a população local, provocou milhares de expulsões e, novamente, de
errâncias involuntárias, sem contar um dos maiores ataques que a floresta amazônica e suas
populações indígenas já sofreram. Sem esquecer também dos atentados terroristas na França
(2015) (e, já depois das exposições, na Bélgica em 2016) e da resposta nacionalista e xenófoba
europeia… Novos muros são erguidos a cada dia criando mega arquivos biopolíticos e
“descartando” os que aí são considerados “resto”. O político parece reduzido a essa arte de barrar
e separar de modo violento. Enfim, a grande política estava em verdadeiro colapso quando essas
exposições aconteceram.

Curiosamente, ambas já em seus títulos, que indicam de modo eloquente as balizas curatoriais,
voltam-se para um pensamento histórico. Elas colocam o tempo e a história no centro de suas
atenções buscando reformar os arquivos da autoimagem dos brasileiros. Toledo procurou apontar
para as continuidades entre o passado colonial brasileiro e suas violências atuais (incluindo as da
última ditadura civil-militar). Rjeille retoma a forte imagem dos monumentos (que ela, inspirada
em Cildo Meireles, associa à do totem) para pensar as transformações de nossos parâmetros
acerca de “o que” e como devemos nos lembrar. As artes sempre foram tomadas como
dispositivos mnemônicos, desde a Antiguidade. Um totem, lembremos com o Freud de “Totem e
tabu”, é uma figura substitutiva de uma imagem paterna (recalcada, porque originariamente
vencida, assassinada e devorada). O totem é a memória do esquecimento, mas que guia, como no
caso do recalcado, nossas ações presentes. Já o monumento, que vem do latim monere, que
significa advertir, exortar, lembrar, serviu desde muito àquela modalidade artística equivalente ao
discurso panegírico: à eternização dos “grandes heróis” e de seus “grandes feitos”. Tudo é
grandioso, épico, na cena do monumento. E foi essa estética do monumento (irmã da política do
arquivamento burocrático-nacional) que se impôs também na Modernidade industrial, quando no
século XIX a Europa ficou banhada de sangue pelas batalhas de unificação nacionalistas. E
monumentos (e arquivos) continuam a ser elevados em nossa era de catástrofes.

Como artistas e curadores intervêm em um panorama pontuado pela radicalização, pelo


sectarismo, fundamentalismo, em uma palavra, pela violência, como esse? Eles vão ativar nas
artes seu momento de inscrição crítica do real. A arte dispõe tanto de sua capacidade de
“duplicar” o real, para se apropriar dele, como também de um momento lúdico-crítico.5  Nesse
seu lado de “jogo” ela permite tanto um movimento de aproximação do real como de
distanciamento. Ela amplia aquilo que Benjamin chamou de   Spielraum, ou seja, campo de
“jogo”, espaço de ação: campo de forças lúdico. Com isso, ela permite também, como Freud já
notara ao descrever o jogo do bebê que brinca de jogar para depois puxar para si seu brinquedo,
um apoderamento do trauma. Aquele que joga com a dor, cava o leito para que ela escorra. O
artista que nos ensina a ver a realidade de outro modo, deslo(u)cando-a, cria esse espaço de ação.
Ele nos torna passíveis de lidar com a dor e suas causas. Nesse sentido, é importante lembrar o
parentesco entre o jogo e uma figura de linguagem, a ironia. Com Thomas Mann, Anatol
Rosenfeld afirmou que a “ironia é distância” e arrematou: “Distância é a situação do estranho e
marginal”.6 Esse estranho vive sem casa. E já um outro imigrante no Brasil, Vilém Flusser,
formulou em um texto ainda do início dos anos 1960,   Für eine Philosophie der
Emigration (Para uma filosofia da emigração): “Quando o homem se coloca na ironia, ele pode
observar o que o determina”7. É a revolta que nos leva à ironia. O ironista afasta as coisas para
poder reaproximá-las e iluminá-las de modo crítico. Ele, a partir de seu jogo, revela um outro
mundo. A arte é agente revelador (fotográfico) do mundo, que ao mostra-lo em desvio de
paralaxe nos abre para outras possibilidades de construção do real. Suas heterotopias nos
libertam do nosso espaço de submissão. Assim, quanto mais crise, quanto mais violência, mais
necessidade temos tanto da ironia (jogo), como da arte, desse mergulho no virtual-real que as
artes conseguem criar. Observemos, então, mais de perto as obras dessas duas exposições.

Empresa Colonial: O Presente Do Passado

Ao adentrar a exposição na Caixa Cultural São Paulo, o visitante logo se deparava à sua esquerda
com a obra de Jaime Lauriano Quem não reagiu está vivo (2015). Trata-se de uma série de dez
pranchas com folhas enquadradas sob material transparente, cada qual com uma imagem na parte
superior, um título no meio e um texto em português e inglês na metade de baixo.
Essa forma lembra, não por acaso, a forma barroca do   emblema, que era caracterizada
pelo jogo entre um título, um texto em forma de poema ou de prosa e uma imagem. O título
portava a “moral” do emblema. Aqui nessa obra de Lauriano, os títulos assumem mensagens que
visam rever a história do Brasil, orientando-a agora do ponto de vista dos vencidos e
espezinhados. Ele concretiza a necessidade de se “escovar a história a contrapelo”8, na expressão
de Walter Benjamin, contra-arquivando a história. Como Benjamin nota na mesma tese “Sobre o
conceito da história”, o historiador crítico, o materialista histórico, deve recuar (distanciar-se)
criticamente da noção de história tradicional, poderíamos dizer com Nietzsche, monumentalista9,
que vê na história um cortejo de vencedores e se identifica com ele. Benjamin escreve:

[…] os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes. A
empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Isso diz tudo para o
materialista histórico. Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os
dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são
carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais. O
materialista histórico os contempla com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele vê
têm uma origem sobre a qual ele não pode refletir sem horror. Devem sua existência não somente
ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corveia anônima dos seus
contemporâneos. Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento
da barbárie.10

Assim, acompanhamos nas pranchas de Lauriano uma reescritura de uma história que parecia
familiar e conhecida, mas que é transformada e revelada em seu fundo de violência recalcada. A
primeira prancha recorda a resistência da população africana escravizada no Brasil que construiu
o Quilombo dos Palmares. A ilustração, imagem muito reproduzida de Manuel Vítor de
1955,   Guerra dos Palmares, retrata a repressão ao quilombo, e o texto enfatiza que esse
massacre significou a perpetuação “do direito do homem sobre o homem”. A segunda prancha
reproduz o conhecido mapa “Terra Brasilis” (1519) cujas imagens comemoram a conquista
lusitana, no estilo da empatia com os vencedores que lemos criticamente com Benjamin. No
caso, o mote/título da prancha (“exploração escrava da mão de obra dos povos nativos”) e o texto
descontroem a imagem do mapa (e uma determinada imagem triunfalista da história). Se a
primeira prancha leva a uma empatia com as populações africanas escravizadas e massacradas,
nessa prancha o olhar se volta para o sofrimento das populações autóctones:

O famoso mapa Terra Brasilis – encomendado por Dom Manuel I, e realizado pelos cartógrafos
Lopo Homem, Pedro Reinel e Jorge Reinel e ilustrado por António de Holanda – glorifica a
Invasão Portuguesa ao ‘novo mundo’. Neste exemplar podemos notar como os autores
descrevem, e ilustram, o novo continente exaltando a exploração do solo ‘brasileiro’, a partir da
colonização e escravização dos corpos de dezenas de povos indígenas.

A terceira prancha enfoca o “extermínio e dissolução de comunidades auto organizadas”. No


caso, a foto é dos seguidores de Antônio Conselheiro em Belo Monte (Canudos). O texto enfatiza
que essa população que resistia à “lógica latifundiária que estruturava o solo e a sociedade
brasileira” foi massacrada, com um saldo de mais de 25 mil mortos. A quarta prancha também se
volta para o conflito no campo, mas enfatiza a “concessão da exploração territorial para empresas
estrangeiras”. É como se o século XX desse continuidade ao tipo de exploração já apresentada no
mapa Terra Brasilis. A quinta prancha estampa o retrato de uma placa erigida em 9 de outubro de
1970, em Altamira, ou seja, em plena Amazônia e na ditadura civil-militar, que serviu de marco
para o início da construção da via Transamazônica. O mote enfatiza a “devastação de florestas e
extermínio de povos indígenas” e a explicação conecta as “obras faraônicas” da época da
ditadura ao desejo de eternização dos presidentes militares, que acarretou na morte de “milhares
de povos indígenas”.11 A sexta prancha retoma o tema atual da “repressão policial como tática de
genocídio” que na explicação é exemplificada pela Chacina da Candelária, de 1993 no Rio de
Janeiro: “o episódio revelou a política, genocida, de higiene social”. A prancha seguinte,
desdobrando também ideias das pranchas três e seis, foca o “massacre como tática de dispersão
de manifestações sociais”. O texto recorda outro massacre de resistentes, no caso, os camponeses
de Eldorado dos Carajás, assassinados barbaramente pela polícia militar do Estado do Pará em
1996. A oitava prancha é dedicada ao lema “devastação de comunidades para assegurar o
progresso da nação”. Ela se volta para a construção de uma das mega-hidrelétricas do Norte do
país, que gera destruição socioambiental, destrói comunidades locais, tudo isso sob a batuta de
um conglomerado violento composto pelo Estado brasileiro e seus aliados empresariais nacionais
e internacionais. A nona prancha novamente destaca a resistência contra a aliança do capital com
o Estado. O mote é uma citação das palavras do governador do Estado de São Paulo da época do
massacre da comunidade de Pinheirinho, no Estado de São Paulo, durante mais um ato bárbaro
de reintegração de posse: “quem não reagiu está vivo”. Lema cínico de um governo que de modo
escancarado assume a sua política de extermínio dos que resistem às imposições do Estado-
capital. A política de moradia se revela aqui também como higiene social. A última prancha
destaca: “segregação e racismo institucional transfigurados de medidas de segurança social”, ou
seja, ela quer desvelar a hipócrita política racista da polícia, no caso, do Rio de Janeiro. As fotos
dos emblemas empregadas por Lauriano destacam as imagens dos resistentes: a população de
Canudos, o enterro após a Chacina da Candelária, os membros do MST de Eldorado dos Carajás,
a comunidade indígena, vítima das barragens das hidroelétricas, a população armada de
Pinheirinho pronta para enfrentar o batalhão da PM paulista. Com esse foco nas lutas de
resistência e na violência da repressão, ele trabalha no sentido de construir uma nova imagem
para a história de um país que ainda costuma cultuar seus “heróis” vindos de suas elites.12

Lais Myrrha estava representada em Empresa Colonial com uma obra intrigante chamada O
tempo corre para o norte (da série Insólitos-estáveis). Trata-se de uma ampulheta, na qual, de
modo desconcertante e anti-natural, o lado cheio está na parte de cima e não escorre para a
metade de baixo, apesar do canal entre as duas metades da ampulheta estar desobstruído. Lendo
a descrição da obra, entendemos sua física: ela é feita com pó de ferro e imãs. Mas a imagem
desconcertante desafia nosso olhar.
Trata-se de um “insólito estável”, tal como o é a continuidade da violência neste sul esvaziado de
tempo… Por que o tempo corre para o norte? Poderíamos responder, porque a mais-valia (o
tempo-trabalho) também corre para o “norte”, para os detentores do capital… Ou mesmo a
temporalidade do ócio, o ter tempo para não ter falta de tempo, cada vez mais é uma qualidade
do “norte”, a qual a maior parte das populações do “sul” não pode se dar ao luxo. Também, como
vimos, o tempo histórico é apanhado, apropriado e inscrito pelo “norte”, restando ao sul a luta
pela contra-inscrição de seu “tempo perdido”. A própria lei da gravidade é posta em suspenso por
essa obra, ou seja: no “sul” os direitos mais básicos são negados e suspensos para a maior parte
de suas populações. De modo sutil Lais mostra uma sobreposição entre violência e modernidade
em suas obras. Sua recente exposição individual na Galeria Jaqueline Martins, O   Instante
Interminável (2015), também confirma isso. Ela tinha como centro uma obra que consistia em
um disco de vinil no qual podia-se ouvir tanto o texto “O caráter destrutivo” (1931), de Walter
Benjamin, como o texto de Lina Bo Bardi “Na Europa, a casa do homem ruiu” (1947). Ambos
textos tratam da destruição e da violência como marcas da Modernidade. Esse mesmo aspecto,
de resto, também sustentou sua forte exposição Projeto Gameleira 1971, que ela apresentou no
Pivô, em 2014, que reconstituiu o acidente ocorrido durante a construção de um prédio em Belo
Horizonte, assinado por Oscar Niemayer, um dos maiores desastres da história da construção
civil no Brasil, e cuja narrativa também foi apagada dos anais da nossa história.

Empresa Colonial, de resto, também possui uma obra que pode ser aproximada a esse Projeto
Gameleira 1971 de Lais. Trata-se de Brasília Broadcast de Beto Shwafaty. Novamente trata-se
de uma estética de ruínas feita para nos lembrar de obras faraônicas e da violência normalmente
recalcada que envolve as suas construções. A obra consiste em fragmentos de tijolos, concreto,
pedra, ferramentas e um mastro de madeira com um megafone em diagonal, meio de ponta-
cabeça. Estamos na cena de uma “construção”, ou mais precisamente, da desconstrução dessa
construção. Do megafone saem as palavras do último discurso que Juscelino Kubitscheck fez
como senador, em 1964. Juscelino já pressentia que a ditadura caçaria seus direitos políticos. É
como se a criatura engolisse seu criador: a lógica da grande política sendo sempre a lógica da
violência. Brasília surge como metáfora de uma política que serve apenas aos próprios donos do
poder. O grande símbolo da Modernidade se revela alegoria da destruição.

Recordo que a arqueologia da violência de Brasília foi feita de modo primoroso por Rosângela
Rennó em sua obra Imemorial, de 1994. Nessa obra ela reuniu cinquenta fotografias a partir de
um enorme arquivo abandonado que ela encontrou no Arquivo Público do Distrito Federal
referente à construção de Brasília. Sabe-se que inúmeros trabalhadores, os chamados
“candangos”, morreram de modo trágico durante a obra, que pontuou o governo do presidente
Juscelino Kubitschek: uma cidade construída em menos de quatro anos, com exploração abusiva
dos trabalhadores (com jornadas de catorze a dezoito horas) e repressão a bala das suas tentativas
de organização e revolta. Com relação a essa violência contra as lutas dos “candangos” é
interessante notar que na referida exposição no Paço de 2016, Jogo de Forças, a obra de Clara
Ianni,   Forma livre   (2013), retoma as conhecidas e tristes entrevistas realizadas com Oscar
Niemeyer e com Lucio Costa em 1989 sobre um massacre ocorrido durante a construção de
Brasília em 1959, que ficou conhecido como chacina da Pacheco Fernandes, e que teve o saldo
de mais de cem operários assassinados pela polícia após uma greve. Lúcio Costa diz na
entrevista que esse evento é sem importância, apenas “espuma”, que não dá a menor importância
ao fato e que ele ocorreu por conta de “excesso de liberdade”. Já Oscar Niemeyer nega
terminantemente que o evento tenha acontecido. As entrevistas, realizadas por Vladimir
Carvalho, são apresentadas em off enquanto vemos imagens do desenho do plano piloto de
Brasília e fotos da época da construção. Essa relação em rede dessas obras e curadorias aponta
para a virada mnemônica que se dá em nossa cena artística-cultural (e Rennó, sem dúvidas,
sempre foi uma figura de ponta nesse movimento, apesar de – ou justamente por – sempre insistir
que é uma artista do esquecimento e não da memória).

Beto Shwafaty possuía outra expressiva obra na exposição no Caixa Cultural. Refiro-me a
seu Aculturação (não) é integração I (2015). Essa obra lembra um totem (mais um canal de
comunicação com a exposição de Isabella Rjeille na Galeria Leme) composto por um
“pedestal” (um tubo de concreto desses que se usa em canalizações) sobre o qual pousava um
“vaso cerâmico” com a impressão de símbolos em verde e amarelo, estilizados, que remetem ao
logotipo da Vale do Rio Doce. Essa sobreposição, somada ao nome da obra, sugere novamente o
apagamento dos rastros, a diluição das diferenças sob o signo da monotonia do logotipo, que
impõe um tipo, “o” tipo, em um país multilíngue e multiétnico. A Modernidade ganha ares de
empresa fáustico-fascista – que deve ser enfrentada e desconstruída. E essa tarefa está sendo
enfrentada em grande estilo por esses artistas que, sem medo, podemos chamar de
neovanguardistas, por seu posicionamento explícito no campo de batalha sociocultural.

Uma outra obra de Shwafaty, que ficou ao lado da obra de Lais e no mesmo corredor de Quem
não reagiu está vivo, como que dá continuidade a esse repaginamento da história, feito por
Lauriano. Shwafaty, em Anhanguera/Bandeirantes (2015), coloca lado a lado as imagens de dois
monumentos, o que está no início da rodovia dos Bandeirantes e o monumento a Anhanguera,
diante do parque Trianon, em São Paulo (obra de Luiz Brizzolara, de 1924). No texto que
acompanha as imagens, ele explica a importância do sistema de estradas Anhanguera/
Bandeirantes para a economia do estado e, em outro texto, desmistifica o culto dessas figuras
históricas que dão nome às estradas. Shwafaty também mostra, portanto, a continuidade entre a
violência colonial e nossa modernidade capitalista selvagem. Estamos, assim, novamente, em
plena cena, literal, do antimonumento, o contramonumento e de desconstrução e dessacralização
dos mitos nacionais: ruptura dos arquivos oficiais. Os Bandeirantes, além de serem figuras
centrais no mapa da memória de São Paulo, ao nomearem duas de suas principais estradas, de
serem homenageados por esse monumento a Anhanguera e, entre tantos outros, pelo que
homenageia o Borba Gato (talvez um dos mais terríveis documentos da nossa produção estética
fascista do século XX, de Júlio Guerra, 1963), de serem figuras centrais comemoradas nos livros
didáticos e em vários sites na internet, eles estão também homenageados no maior monumento
brasileiro, o Monumento às Bandeiras, de Brecheret, inaugurado simbolicamente em 1954, no
aniversário do quarto centenário da cidade. Ele será abordado mais adiante.

Mas voltemo-nos agora para uma outra obra que é o exato oposto desse peso descomunal do
monumento às Bandeiras. Refiro-me às delicadas e sutis obras de Clara Ianni, Desenho de classe
4 (2014) e Desenho de classe 7 (2015). Essas obras são compostas, cada uma delas, por dois
quadros que consistem em uma folha de papel vegetal emoldurada. Nessas folhas vemos o
traçamento de tênues linhas. Em cada par de pranchas uma linha em meio ao branco da folha
leva como “assinatura” uma informação sobre a “Renda Mensal”. Ao inquirir sobre a obra
ficamos sabendo que ela tem como origem a pesquisa da artista em residências em São Paulo. Os
traços no papel vegetal reproduzem os trajetos que o patrão ou a patroa e a empregada daquelas
residências fazem ao se deslocarem para ir ao trabalho. Em uma prancha vemos o trajeto de
quem emprega e sua renda mensal, na outra o trajeto da empregada e sua renda mensal. A relação
que se percebe é que os salários mais baixos correspondem a trajetos de dez a vinte vezes
maiores que o dos habitantes da casa (os patrões) que fazem percursos curtos. Essa inscrição
literal dos traços e marcas das diferenças sociais, essa simbolização das diferenças e das
fronteiras de classe – um verdadeiro “desenho das classes” –, essa busca arqueológica das linhas
divisórias que constroem o Brasil, também estão no centro de outra obra de Ianni, que está na
exposição Jogo de Forças, chamada justamente de Linha (2013). Nessa obra, composta também
por páginas predominantemente brancas com molduras em madeira, acompanhamos as linhas
identitárias do Brasil, ou seja, as marcas de sua história da violência, em uma   reductio ad
absurdum. As linhas emblemáticas da história (natural da violência) desse país eleitas por Ianni,
como lemos também nas “assinaturas”, são: Transamazônica, 1972, Brasília, 1960, República,
1889, Capitanias Hereditárias, 1534 e Tratado de Tordesilhas, 1494 – esse último sendo uma
espécie de anúncio ou corte avant la lettre da futura Terra Brasilis. Digno de nota como nessa
história natural da violência dessa Terra, certos topoi tornam-se paradigmáticos para esses novos
artistas da memória do esquecimento: a Transamazônica, a bandeira nacional, os Bandeirantes e
sobretudo Brasília.

E não esqueçamos, dentre esses topoi e agentes da memória (imagines agens)13, do próprio


traçado do mapa do país, que é reiterado em muitas dessas obras. Assim, também em outra obra
de Lauriano da mostra Empresa Colonial, vemos um mapa do Brasil pintado com giz branco,
mais especificamente, uma “pemba branca”, giz utilizado em rituais de umbanda, sobre “algodão
preto”. Com esse material, Lauriano fez questão de retraçar essa linha política, como parte de
uma política do corpo e de autoafirmação. Usurpando o poder de traçamento dos agentes
cartógrafos a serviço do poder, ele inscreve com pemba branca limites resignificados: o branco
da pemba vira agente de inscrição das populações historicamente oprimidas. Seu título estampa
em tom irônico: República(democracia racial) (2015). E, novamente tensionando a imagem com
um texto, Lauriano estampa ao pé do mapa do Brasil uma estrofe do “Hino à Proclamação da
República”, um verdadeiro monumento ao esquecimento, já que suas palavras (de autoria de
Medeiros de Albuquerque) perpetram: “Nós nem cremos que escravos outrora/ Tenha havido em
tão nobre País…/ Hoje o rubro lampejo da aurora/ Acha irmãos, não tiranos hostis”.14

Também dando corpo ao tema da “democracia racial” na Terra Brasilis, Bruno Baptistelli
apresenta em Empresa Colonial outras duas obras em cor preta – ou negra. Uma delas consiste
em um retângulo de 150 x 200 cm em piche que foi depositado no chão, no centro da exposição.
Seu nome, também emblemático, é   Neutralização   (2015). Essa pavimentação, que,
paradoxalmente interrompia o trânsito dos visitantes (pedestres) pela exposição, fazia com que o
espectador olhasse “para baixo” e tomasse cuidado por onde andava. Esse recálculo do andar,
como vimos na obra de Lucas Simões,   Recalque diferencial, nos lança em um trabalho de
elaboração de nossos fundamentos, do chão em que pisamos e no qual construímos nossos
prédios de tijolos e de concreto e também os simbólicos. Se a obra de Lucas era pensada para se
pisar, essa de Bruno explorava ironicamente o “do not touch me” da arte aurática. O não pisar no
asfalto faz pensar que a rua é local perigoso e para carros e não para pedestres, mas também
recorda, como o Imemorial de Rennó, os acidentados que jazem sob nossas ruas e construções. A
ausência de cores remete ao luto também, a uma tarja que pode ser projetada sobre a cidade e a
sociedade. Esse recorte de cidade, como uma fotografia, a parte pelo todo, é índice de um campo
de forças, de um “progresso” que tem por mote a “força da grana que constrói e destrói coisas
belas”, o “everybody knows, that our cities were built to be destroyed”. No meio dessa paisagem
mutante e agressiva, o indivíduo desaparece e só resta o asfalto como “curativo” e meio de
esquecimento: neutralização das diferenças e das tensões. No trânsito somos todos iguais – claro,
se você possui um carro. Paz e silêncio pavimentando os conflitos. Ao lado dessa obra, o
visitante podia observar o outro trabalho de Bruno, chamado Linguagem(2015), que consiste em
dois quadros (impressão em papel offset adesivada sobre pôster de madeira).
Bruno Baptistelli, Linguagem. 2015

Os dois são inscrições que nos forçam a pensar a cada vez que queremos exprimir a “ausência de
cores”: uma estampa a palavra “NEGRO” e a outra “PRETO”. Podemos dizer que a
palavra negro está escrita sobre o fundo preto ou negro e o mesmo valendo para a palavra preto.
Ao explorar a carga explosiva da linguagem, que se manifesta de modo especialmente agudo,
sobretudo, quando se trata de inscrever os dramas raciais e de gênero, Bruno monta um poderoso
des-construtor de linguagem. A afasia que decorre dessa obra (em preto sobre preto, negro sobre
negro etc.) ecoa o não lugar da pessoa de pele negra/preta na paisagem simbólica das construções
e autoimagens forjadas pelas elites de Terra Brasilis. O que é ser negro e ser preto? Como pensar
as infinitas gradações de tom? Aqui também vemos uma   reductio ad absurdum   das artes
plásticas. O gesto de pintar com a ausência de cores e reduzido aos tons de negro/preto é uma
espécie de indicação de que precisamos reaprender a falar e isso vale também para as artes:
linguagem. Essa redução, de resto, não por acaso marcou muitas obras do expressionista abstrato
Ad Reinhardt e foi reapropriada por Art Spiegelman quando ele teve que fazer uma capa da New
Yorker apresentando o ataque das torres gêmeas em 2001. Também Spiegelman optou naquela
ocasião pelo “black on black” (é claro) para expressar o terror de alguém que, como ele mesmo,
viveu aquele dia ao pé das torres que ruíam. O sucumbir do aparelho de representação das artes
diante do terror exige que ele seja repensado e recriado.

Da exposição   Empresa Colonial   comento, por fim, o trabalho de Rafael


RG Vestimenta (autorretrato) (2015). Por se aproximar da body art, esse trabalho se destaca das
linguagens predominantemente conceituais das demais obras da exposição. Aqui temos uma foto
de um falo amarrado em sua ponta e levantado por um cordão de fibra de árvore (Buriti).
Rafael RG, Vestimenta (autorretrato), 2015.
Trata-se de uma vestimenta indígena frequente em muitas tribos brasileiras. A foto, em close, não
apresenta a face do artista, que utilizou essa vestimenta durante uma semana, como em um ritual
para se aproximar da cultura indígena. Esse quadro está colocado sobre um quadrado pintado
com uma cor catalogada sintomaticamente com o nome “Pecado Original”. Sobre esse quadrado
em cor, na ponta oposta ao quadro com o retrato, vemos o próprio “estojo peniano” que o artista
utilizou em sua foto. Podemos apenas especular sobre o que Rafael visou ao se travestir como
indígena,   representando   esse papel, como que literalmente abandonando as roupas da
“civilização” a favor dessa vestimenta com profundos significados nas culturas indígenas. Para
além do papel do artista performer que ele encarnou, uma espécie de Dioniso, que critica a
cultura pela via da sua transgressão e rasura, também sem contar um certo indigenismo
romântico, herança do século XIX, que reduz o indígena a um papel folclórico, o que vemos aqui
é uma montagem de “restos”. Tanto o estojo peniano é um resto (pars pro toto) de uma cultural
plural que antes dominava todo o continente americano e que teve a sua população dizimada em
uma proporção estimada de nove para cada dez, como também um “resto” irônico do
indigenismo e da tentativa dos brancos de “representarem” os indígenas, seja nas artes, seja na
antropologia ou nas ciências. Nessa pequena instalação, Rafael faz ecoar o longo processo de
genocídio, de “emasculação” concreta e simbólica de milhares de populações indígenas. O
“pecado original”, então, é não só o pecado bíblico que explica, nas culturas ocidentais, porque
temos vergonha de nosso corpo e utilizamos vestes, mas também o pecado original da
colonização. A pedra de toque da “Empresa colonial” correspondeu ao início do genocídio das
populações indígenas no momento mesmo em que os europeus “descobriram” a América. Esse é
o “pecado original” encenado nesse continente. Esse “pecado” é realizado sem que o testemunho
indígena seja escutado. Apaga-se do arquivo da memória da Terra todo traço da cultura indígena.
Eles ficam “sem testemunho”, pois a sociedade não os quer ouvir. Em latim, vale lembrar,
testemunho é   testis, termo que significa ao mesmo tempo testículo. Sem testemunho, essa
população tampouco pode ver suas histórias germinarem para viabilizar uma resistência a esse
genocídio. As populações indígenas estão, portanto, duplamente “castradas” e essa apresentação
fálica de Rafael, paradoxalmente, nos faz pensar nisso.15

Totemonumento: Recordar o Esquecido

Com a participação de Erica Ferrari, Frederico Filippi, Raphael Escobar, José Carlos Martinat e
dos já mencionados Cildo Meireles, Regina Parra, Clara Ianni e Jaime
Lauriano, Totemonumento é uma exposição-marco, memento, na paisagem de nossas curadorias.
Rjeille colocou o tema da memória e sua inscrição no centro de sua exposição. Ela procurou
refletir, com os artistas e suas obras, sobre o (novo) papel de uma arte da memória que tem se
desenvolvido nas últimas décadas (e especialmente muito recentemente no Brasil). Como vimos,
o contexto desse questionamento é o de novas e poderosas querelas que abalam com sulcos
profundos o nosso solo: sem-chão, tentamos caminhar e lançamos mão como apoio das novas
modalidades de inscrição memorial das artes. Sobretudo em um país sem tradição de inscrição da
sua história de violência e acostumado a manter-se no paradigma da história monumentalizante
(arquivo oficial), as artes têm um papel fundamental a desempenhar no trabalho de inscrever
criticamente as violências e esquecimentos passados e do presente, anarquivando a história. Elas
devem servir de “tiro”, de um projétil cujo estampido deve nos despertar do sono do
conformismo e de nossa história que apazigua e nega os conflitos. Nossos monumentos enfeitam
nossas praças lembrando “grandes” generais, presidentes, governadores, prefeitos e outros
“grandes” que fizeram com que associássemos os monumentos à ideia de história dos
vencedores, de triunfo, como vimos acima com Benjamin, dando continuidade à tradição clássica
da história e de sua monumentalização como construção de modelos, de vidas heroicas que
deveriam ser cultuadas e mimetizadas. Glória e Fama são as deusas que enfeitam os pedestais
dos “grandes homens” (sim, as mulheres também são excluídas dos triunfos, a não ser como
enfeites e coadjuvantes).

O Brasil é um dos poucos países do mundo a manter como o principal e maior monumento
(memento) de sua última ditadura um mausoléu em homenagem ao seu primeiro presidente
ditador. O mausoléu a Castelo Branco, no Palácio da Abolição em Fortaleza, assusta aqueles que
procuram, hoje, soletrar questões advindas dos debates em torno dos direitos humanos e das
comissões de verdade. Esse monumento, no entanto, não faz mais do que ecoar os outros tantos
em nossas praças, inclusive os que homenageiam os bandeirantes, como vimos acima. Já as
tentativas de se erigir memoriais (e não monumentos) voltados para os trabalhadores e
populações vítimas da história, via de regra, terminam na vandalização e destruição, total ou
parcial desses memoriais. Esse foi o caso do memorial “9 de novembro”, em homenagem aos
três operários da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, William Fernandes Leite,
Valmir Freitas Monteiro e Carlos Augusto Barroso, mortos após invasão da usina por tropas do
Exército, sendo que o então presidente José Sarney autorizou os militares a invadirem a usina.
De autoria de Oscar Niemeyer (sim, já vimos um pouco as contradições desse senhor),
inaugurado em 1 de maio de 1989, com a frase gravada: “Um monumento àqueles que lutam
pela Justiça e pela Igualdade”, no dia seguinte à sua inauguração uma bomba quebrou o
memorial ao meio. Niemeyer fez questão de mantê-lo parcialmente destruído e acrescentou a
frase: “Nada, nem a bomba que destruiu este monumento, poderá deter os que lutam pela justiça
e liberdade”. Também o Massacre de Eldorado de Carajás, recordado por Lauriano em seu
dispositivo de contra-história, quando dezenove sem-terra foram assassinados por membros da
Polícia Militar do Estado do Pará, teve seu marco memorial, na cidade de Marabá, destruído
poucos dias após a sua inauguração. Também ele era de autoria de Niemeyer. Por sua vez, no Rio
de Janeiro, o monumento a Zumbi dos Palmares, na Praça Onze, de 1986, é vandalizado todos os
anos no dia da consciência negra… Já, por outro lado, o triângulo da memória de São Paulo, no
Ibirapuera, composto pelo Monumento às Bandeiras, pelo Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32
(de 72 metros de altura, do artista Galileo Emendabili e do engenheiro Ulrich Edler), de 1970, e
pelo monumento a Pedro Álvares Cabral (do arquiteto Agostinho Vidal da Rocha e do artista
Luiz Morrone), de 1988, continua de modo impassível a dar o tom da autoimagem oficial (e não
só) dos paulistas.

Como a curadoria de Rjeille enfrenta essa violenta tradição de monumentalização dos “grandes
homens e seus feitos” e seu corolário, o apagamento dos traços das lutas e da resistência dos
despossuídos? Iniciemos o périplo dessa exposição pela obra de Jaime Lauriano justamente
intitulada Monumento às Bandeiras (2015-2016).
Monumento às Bandeiras, 2015-2016. Jaime Lauriano

Trata-se de uma fantástica reversão da monumentalidade da obra de Brecheret. Lauriano


novamente opera uma redução em seu trabalho: reduz a dimensão megalômana do monumento
do Ibirapuera (cinquenta metros de comprimento e dezesseis de altura, pesando cinquenta
toneladas) ao tamanho de um tijolo de cerca de vinte centímetros. O tijolo é o pedestal dessa obra
paradoxal que reproduz sobre essa base cheia de simbolismo, sem se preocupar em ser precisa e
mimeticamente exata, a obra de Brecheret. Mais importante ainda: o material para esse micro
antimonumento é constituído pelo metal derretido de cartuchos de munições da Polícia Militar.
Essa obra pode ser vista como sendo, literalmente, um projétil lançado contra nossa visão
edulcorada e obliterante do passado, de suas violências desaparecidas. Essa obra apenas já faria
de Totemonumento uma exposição digna de ser recordada. Mas continuemos o périplo.

Passemos a outra obra que também se volta para a paródia, o pastiche, a citação e o
deslo(u)camento de outro enorme monumento. Refiro-me ao trabalho de Erica Ferrari, Sobre
nossas cabeças (2015-2016). Essa obra é feita de restos e entulho de demolição. Um mastro
rústico sustenta um bloco composto por material aglomerado. No meio desse “medalhão” de
entulho, como que nascido de um calque, vemos a perna de um cavalo, decalque literal de uma
famosa estátua equestre de São Paulo. Trata-se do monumento a Duque de Caxias, também do já
conhecido Victor Brecheret, de 1960, da praça Princesa Isabel, centro de São Paulo, aliás, o
maior monumento equestre do mundo (haja orgulho!).
Erica Ferrari. Sobre nossas cabeças. 2015-2016
O trabalho de Erica Ferrari transpõe a estética da continuidade e da perenidade para uma da
ruptura e da precariedade: vai do arquivo ao anarquivo. Nada é estável aqui: identidades,
materialidade, estabilidade, tudo é posto em questão. Como temos visto aqui, o recurso ao calque
é um importante elemento da estética dos antimonumentos. Isso acontece por vários motivos,
mas o mais importante deles é que o princípio do antimonumento não é o da metáfora ou da
narrativa, mas sim o princípio do índice, da coleção de ruínas, de restos, de traços: de pegadas.
Daí também as reduções e, às vezes, os aumentos de escala. Eles visam elaborar uma memória
específica, muitas vezes associada ao trauma, tipo de memória singular que é marcada por uma
literalidade, um hiper-realismo que fragmenta (e desrealiza) a imagem. Restam as ruínas. Como
um detetive-colecionador, que cata os restos na cena de um crime, o artista-trapeiro cata o que
restou do banquete da cultura para citar desconstruindo.

Também a instalação sonora de Raphael Escobar, “Furo”, foi feita com base na citação de sobras.
No caso, ele se apropria dos testemunhos de um sobrevivente do massacre do Carandiru, crime
perpetrado pela PM de São Paulo em dois de outubro de 1992 e que até hoje teve seus culpados
livres de condenação formal pela justiça. O artista faz seu trabalho de apanhar o que restou, no
caso, os testemunhos e as versões da imprensa sobre o massacre. Os depoimentos se alternam e
por vezes se sobrepõem. A ideia de “furo”, do título, traduz tanto a noção de furo de reportagem,
como de furo no tempo: o artista faz um “olho (boca) mágico” que permite a nós “ouvermos”
aquela catástrofe; mais uma na história de massacre daqueles considerados como carne
descartável pelo poder nesse país. Os depoimentos da imprensa ficam anônimos, sem assinatura,
construindo um campo de tensões de versões. Por fim, “furo” remete aos furos feitos na parede
da Galeria Leme, que dão para o seu exterior. Era do lado de fora da galeria que podíamos
escutar a instalação. Também esse furo no estético, a saída do cubo branco, a passagem para o
espaço público são gestos cheios de significado. Essa comunicação também pode ser pensada
simbolicamente como o estabelecimento de um canal comunicante com o
“estranho” (o Unheimlich freudiano) que é o resultado dos recalcamentos do histórico em nossa
sociedade. A arte dá forma a esse sem forma, a essas histórias de morte e sofrimento enterradas
sob a fina camada de realidade “resolução 4K” de nossa era das imagens. Nada melhor do que
uma   soundscape   para poder apontar para além dessas imagens. Essa mistura de vozes que
compõe essa obra de Escobar é como um rasgo, um fragmento (ou fotografia sonora,
“sonografia”, escrita de som) daquele tempo, que penetra nosso presente em busca de ouvidos e
de justiça.

A obra de Frederico Filippi, Direito de resposta (2014-2015), pode ser vista como um trabalho


que cita (ou melhor, no caso, antropofagiza) disruptivamente outro monumento tradicional.
Trata-se do   Monumento al Descubrimiento de América, na plaza Colón, em Madrid. Esse
monumento, de 1970, ainda em estilo fascista, é uma típica comemoração colonialista da
conquista. Frederico retirou uma das placas metálicas desse monumento, fundiu-a e criou uma
nova placa, que foi instalada junto ao monumento madrileno. Na placa lemos uma tradução
abissal do original monumental: “AL FINAL DEL OCÉANO ESTABA EL ABISMO”. Esse
abismo, na verdade, foi esse mesmo encontro entre os europeus e essas terras e seus povos, que
foram tragados pelo movimento de colonização/invasão.

Também de Filippi, via-se na Galeria Leme sua obra Mapa (2015-2016).


Mapa. 2015-2016. Frederico Fillipi

Como nas obras mencionadas de Lauriano (Quem não reagiu está vivo, República[democracia
racial]) e Clara Ianni (Linhas), aqui também vemos a forte metáfora do mapa e da cartografia em
ação. Na verdade, nessas obras temos anticartografias: o trabalho de redesenhar identidades e
fronteiras. Se no mapa “Terra Brasilis” os indígenas eram representados como futuros escravos
em potencial, Filippi vai inscrevê-los sobre um fundo negro no qual eles parecem se fundir. O
mapa se transforma em Atlas Mnemosyne, para lembrar da famosa obra de Aby Warburg. Não
que aqui encontremos, como no trabalho do historiador da arte, uma coleção de imagens
organizadas em uma curadoria fotográfica do ponto de vista de princípios analógicos. Mas não
podemos esquecer que um dos principais fios que conduziam a construção das pranchas de
Warburg e sua anarquivação da história eurocêntrica da arte também era a história e a memória
da violência. Daí podermos falar de um atlas da memória do apagamento. Daí ser-nos autorizado
pensar nessa obra de Filippi em uma estética precária que traduz o mapa, instrumento de
dominação, em espaço (crítico) de memória.

Também trabalhando com linhas sutis, em uma estética do precário e executando uma tradução
por assim dizer engajada, Clara Ianni em seu trabalho
na Totemonumento, Reparação (2015-2016), vai retomar o tema frequente nas sociedades pós-
ditatorias da América Latina (e não só) da busca de reparação das feridas e mortes provocadas
pelos agentes dos governos. Seria possível algum reparo após torturas e desaparecimentos?
Como contabilizar as dores, as perdas e os traumas? Falar em reparação após esses estados de
exceção muitas vezes se dá em um quadro de imposição de apaziguamentos que quase nunca são
satisfatórios. Mas a luta pelo reparo se dá e é absolutamente justa. Ela se dá dentro da aporia, na
lógica do double bind, o mandamento contraditório do dever e da desistência. Daí a “estética do
precário” e do mínimo que marca a obra de Clara Ianni e em particular essa série que traduz um
manual de antropologia forense na chave da “reparação”, da cura do incurável. Trauma, em
grego quer dizer ferida. As feridas da ditadura são impossíveis de serem fechadas. O Estado
brasileiro, apesar da Comissão de Anistia e do relatório da Comissão Nacional da Verdade, pouco
fez em termos de reparo, sobretudo se pensarmos em termos da verdade e da justiça. Os artistas
atuam como espécies de curandeiros que fazem sua dança de traços e corpos propelidos pela
perpetuação das injustiças e pela busca da impossível cura e reparação.

Regina Parra participou dessa exposição com duas obras, um vídeo e uma fotografia. Seu tema
muitas vezes são os deslocamentos, as travessias de fronteira e suas dissoluções. O vídeo Sobre
la marcha II (o sobrevivente) apresenta imagens que se tornaram lamentavelmente comuns hoje:
vemos um barco com pessoas que tentam emigrar em fuga desesperada de seus países e acabam
à deriva, em uma errância involuntária, flutuando sobre um chão abismal que muitas vezes os
traga. Regina sobrepõe a essas imagens a opinião de frequentadores da internet provocando um
mal-estar no espectador. A foto Zona de espera (o fotógrafo) (2014) apresenta uma fotografia de
fotografia. Trata-se das fotos feitas por um fotógrafo imigrante em São Paulo, que apresenta
alguns de seus trabalhos sobre a palma de sua mão. A “zona de espera”, do título, pode ser
interpretada tanto como a espera pelas imagens fotográficas como uma alusão a essa zona de
transição, na qual as pessoas perdem, novamente, o chão sob seus pés, e ficam em suspensão:
outra leitura possível, aliás, para a obra de Lais Myrrha que vimos acima, O tempo corre para o
norte (da série Insólitos-estáveis)”.

As duas últimas obras a comentar de Totemonumento são justamente as duas que fazem do modo
mais direto alusão ao tema do totem. O trabalho de José Carlos
Martinat, Contextualizable (2016), é uma espécie de “quite ready made” (um quase ready made):
uma base de madeira sobre a qual ele colocou um grande bloco de argila ainda moldável.
Contextualizable. 2015-2016. José Carlos Martinat
Se juntarmos a maleabilidade da argila com o título-proposta – contextualizável – então temos
um kit salva-vidas para fazermos nossos memoriais, monumentos – e antimonumentos. É uma
espécie de “grau zero” do arquivo, uma página em branco. A brincadeira de Martinat é muito
bem-vinda e introduz na exposição um momento metarreflexivo essencial. A maleabilidade da
argila faz lembrar de uma antiga metáfora para a memória: na Antiguidade considerava-se nossa
memória como uma espécie de tábua de cera. Para Aristóteles, como lemos em seu De memoria
et reminiscentia, cada pessoa possuiria uma determinada consistência dessa superfície
mnemônica, o que determina a sua capacidade de reter mais ou menos informações:

em certas pessoas devido à incapacidade ou idade, a memória não se dá mesmo sob um forte
estímulo, como se o estímulo ou selo fosse aplicado à água que corre; enquanto em outras,
devido ao desgaste, como em paredes antigas de prédios, ou à dureza da superfície de apoio, a
impressão não penetra. Daí os muito novos e os muito velhos terem memória fraca; eles estão no
estado de fluxo: o jovem devido ao seu crescimento, o idoso, devido à sua decadência. Pelo
mesmo motivo, nem o muito veloz, nem o muito vagaroso parece ter boa memória, os primeiros
são mais úmidos do que deveriam ser e os últimos mais duros; nos primeiros a imagem não
permanece na alma, e nos últimos ela não deixa nenhuma impressão. (450b 1-10)

No Teeteto de Platão, Sócrates, já estabelecendo essa relação entre a escritura e a memória,


falava de um

cunho de cera; numas pessoas, maior; noutras, menor; nalguns casos, de cera limpa; noutros com
impurezas, ou mais dura ou mais úmida, conforme o tipo, senão mesmo de boa consistência,
como é preciso que seja. […] Diremos, pois, que se trata de uma dádiva de Mnemenosine, mãe
das Musas, e que sempre que queremos lembrar-nos de algo visto ou ouvido, ou mesmo pensado,
calcamos a cera mole sobre nossas sensações ou pensamentos e nela os gravamos em relevo,
como se dá com os sinetes dos anéis. Do que fica impresso temos a lembrança e conhecimento
enquanto persiste a imagem; o que se apaga ou não pôde ser impresso, esquecemos e ignoramos
(191 c d; Cf. 194 c- 195 a).

Martinat reatualiza essas metáforas da memória com seu bloco de argila. Em uma era de
velocidades e fluxos intensos, quando a memória cada vez mais é legada ao mega-arquivo da
web, retomar essa metáfora, traduzindo-a na materialidade plástica da argila é uma espécie
de memento quanto ao fato de que a memória é um processo de construção e não algo dado,
como essas passagens de Aristóteles e Platão podem sugerir. É nas políticas da recordação e da
memória que forjamos o que e como se lembra.

Por fim algumas palavras sobre a obra que deu nome à curadoria de Isabella Rjeille. Trata-se
de Tiradentes16: totem-monumento ao preso político (1970), de Cildo Meireles. Na exposição
temos apenas a apresentação de uma foto que lembrou essa obra performática, realizada no
contexto da exposição   Do Corpo à Terra, com curadoria de Frederico Morais, em Belo
Horizonte. A foto retrata o “day after” do “banquete totêmico” no qual Cildo queimou ao ar livre
dez galinhas que se encontravam amarradas a um mastro-totem. Vemos apenas o mastro, cinzas e
penas. Ao lado, uma prancha com um texto assinado pelo próprio artista explica o que foi a
performance e conta que o fotógrafo Luiz Alphonsus a documentou. A fotografia é o agente
decisivo da memória da efêmera performance, por mais chocante que essa seja.
Tiradentes: totem-monumento ao preso político (1970), de Cildo Meireles

A ação, como Isabella Rjeille o apresenta muito bem no texto que acompanhou a exposição, era
uma “crítica brutal, no calor da hora, ao cinismo do poder do Estado sobre as narrativas
históricas”. Afinal, o dia da mise en scène era véspera do feriado de Tiradentes, Cildo estava em
plena Minas Gerais e a propaganda política da ditadura procurava se apropriar daquela figura
histórica e mítica, para fins de enaltecimento de um governo bárbaro que torturava e assassinava
sua população. Por outro lado, é evidente que o galinicídio incomoda – e o texto de Cildo parte
dessa questão. Ele conta que durante a queima das galinhas um senhor se aproximou dele e se
apresentou como sendo o “presidente da seção de Minas Gerais da Sociedade Protetora dos
Animais”. O artista comenta que ficou aliviado, pois esse senhor aprovou a ação e narra: “Eu
pensei: ‘Legal! Não estou sozinho nessa loucura’”. E ele apresenta a tese que sustentava a obra:
“O trabalho perguntava: não é uma hipocrisia você perguntar sobre queima de galinhas quando
você está esquartejando jovens por causa de ideias e tentando cooptar um símbolo que,
exatamente, morreu esquartejado pelo poder? Quer dizer, havia uma inversão de procedimentos”.
É como se com a performance, novamente, com essa citação, essa cópia em escala menor,
queima de galinhas, a realidade do terror de Estado fosse denunciada. E foi. No dia seguinte à
ação em um almoço de gala dos políticos no Palácio das Artes, onde ocorria a exposição, um
deputado criticou explicitamente a obra de Cildo. A matéria do jornalista Morgan Motta, que
Cildo cita, encerra seu relato desse almoço contando um fato que, para Cildo, significa “o
símbolo da hipocrisia que reinava no Brasil”: “terminados os discursos, foi servido o almoço:
frango ao molho pardo”. É interessante que Cildo veja aí nesse prato um paroxismo da
hipocrisia. Se comemos frango ao molho pardo, por que se revoltar com a queima das galinhas?
O artista tem lá suas razões… Mas o que vemos aqui é um autêntico “desvio pelo biopolítico”.
Muito bem-vindo, aliás. A obra de Cildo é uma reflexão sobre o valor da vida, apesar dele
afirmar que sua obra teria como matéria-prima a morte, que “sempre por metáfora, ela acaba
voltando à vida”. A arte é prosopopeia, a arte de dar vida ao inanimado e morto. Sua obra ritual
teve a morte (de galinhas) em seu centro, voltada para convocar os que estavam sendo mortos –
seres humanos. Seu ato sacrificial quis ser o avesso da política sacrificial que mata os seus
“inimigos” como tática de uma política do terror. Hoje essa obra decerto seria impossível, pois a
humanidade andou a passos largos no trabalho de estender o manto da compaixão sobre toda a
vida, mas ela, em sua capacidade de provocação, ainda nos incomoda e faz pensar sobre o que
foram aqueles tempos sombrios no início dos anos 1970 no Brasil.

Diante dessa nova cena das artes brasileiras, só nos resta especular sobre as suas potencialidades
de renovação da força que marca nossa produção artística contemporânea. Essa novíssima
geração, nascida em sua maioria já em plena era da revolução cibernética e da internet,
redescobriu a memória para além de suas próteses. Eles vão ao encontro desses temas como em
uma resposta que dão àqueles que, do passado, voltam-se para nós com um pedido de que
estejamos abertos para as suas imagens rasuradas e vozes caladas. Essas obras são constructos
que nos permitem vislumbrar o nosso mundo de forma crítica, aprimorar a nossa linguagem e,
sobretudo, treinar a nossa sensibilidade para os enfrentamentos (bio)políticos de nosso cotidiano.
Elas implodem com os arquivos que estão na base do poder, dos governos e da violência. Sua
estética da precariedade coloca em seu centro uma visão do ser humano como um ser frágil,
marcado por suas faltas, vazios e buscas. Ao invés de ir ao encontro de heróis, ela molda novas
sensibilidades a partir de nosso desamparo fundamental. Também nesse sentido essa arte pode
ser vista como uma técnica de vida essencial para nossos dias de errância no precário e movediço
campo político.

Notas

1. Apud Benjamin 1989: 78. Com relação às semelhanças deste procedimento do catador com o
trabalho do próprio Benjamin, cf. este fragmento do seu livro sobre as passagens de Paris:
“Método deste trabalho: Montagem literária. Eu não tenho nada a dizer. Apenas a mostrar. Eu
não vou furtar nada de valioso ou apropriar-me de formulações espirituosas. Mas sim os trapos, o
lixo: eles eu quero não inventariar, mas, antes, fazer justiça a eles do único modo possível:
utilizando-os.” Benjamin 1982: 574. No livro de Benjamin sobre o drama barroco alemão os
conceitos de alegoria e de melancolia são articulados ao desejo barroco de armazenamento das
coisas e ruínas do mundo. Cf. Seligmann-Silva 2005: 123-140. Com relação à dialética entre o
alegorista e o colecionador cf. também Benjamin 1982: 279.

2. Cf. também um aforismo de seu Einbahnstrasse (Rua de mão única): “CRIANÇA


DESORDEIRA. Cada pedra que ela encontra, cada flor colhida e cada borboleta capturada já é
para ela princípio de uma coleção única. Nela esta paixão mostra a sua verdadeira face, o
rigoroso olhar índio, que, nos antiquários, pesquisadores, bibliômanos, só continua ainda a arder
turvado maníaco. Mal entra na vida, ele é caçador. Caça os espíritos cujo rastro fareja nas coisas;
entre espíritos e coisas ela gasta anos, nos quais seu campo de visão permanece livre de seres
humanos.” (Benjamin 1987: 39) Lembremos de Bispo, que cada vez mais se isolou entre os
objetos de sua coleção do mundo.
3. Remeto aqui às curadorias realizadas por Arantes diante do Paço das Artes, que podem ser
vistas também no belo livro: Priscila Arantes, Re/escrituras da arte contemporânea: história,
arquivo e mídia. Porto Alegre: Sulina, 2015. Recordo em específico da exposição Crossing
[Travessias], de 2010, que contava também com a impactante obra de Alice Miceli, o vídeo 88 de
14.000, de 2004, sobre o massacre promovido pelo Khmer Vermelho na prisão S-21 do Camboja
nos anos 1970.

4. Com relação a essa exposição remeto ao ensaio de Moacir dos Anjos, “Cães sem plumas: os
despossuídos na arte contemporânea brasileira”, in: Lua Nova, n. 96, São Paulo, set.-dez. 2015.
(Dossiê: A Memória (Ativa) da Arte).

5. Cf. Walter Benjamin: “Aparência e jogo formam uma polaridade estética. É sabido que
Schiller deu um lugar privilegiado ao jogo em sua estética, enquanto a estética de Goethe é
determinada por um interesse passional pela aparência. Essa polaridade deve encontrar lugar na
definição da arte. A arte, poderia formular-se, é uma sugestão de aperfeiçoamento da natureza:
uma imitação cujo interior oculto é uma demonstração. A arte é, em outras palavras, mimese
aperfeiçoadora. Na mimese dormitam, dobradas estreitamente uma sobre a outra, como os
cotilédones de um broto, os dois lados da arte: aparência e jogo.” W. Benjamin, A obra de arte na
era de sua reprodutibilidade técnica. M. Seligmann-Silva (org. e apresentação); Gabriel Valladão
Silva (trad.). Porto Alegre: L&PM, 2013, p. 141. Esse texto é parte de um fragmento do espólio
de Benjamin.

6. Anatol Rosenfeld, “Introdução”, in: Entre dois mundos. Anatol Rosenfeld (seleção e notas),
Jacó Guinsburg, Ruth Simis e Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1967, p. 17.

7. Vilém Flusser, Von der Freiheit des Migranten. Einsprüche gegen den Nationalismus,
Bensheim: Bollman, 1994, p. 31.

8. W. Benjamin, “Sobre o conceito da história”, in: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre
literatura e história da cultura. 8a ed. revista. Sérgio Paulo Rouanet (trad.), Márcio Seligmann-
Silva (revisão técnica). São Paulo: Brasiliense, 2012, p. 245.

9. Cf. Nietzsche, Unzeigemässe Betrachtungen II: Vom Nutzen und Nachteil der Historie für das
Leben, in: Kritische Studienausgabe. G. Colli & M. Montinari (orgs.), München: DTV/ Berlim-
Nova York: Walter de Gruyter, 1988.

10. W. Benjamin, op. cit., pp. 244-245.

11. Seria interessante comparar essa leitura de Lauriano das grandes obras com as ações
eternizantes dos Faraós e suas pirâmides. Mas precisaríamos de mais tempo e espaço para tanto.
Fica a sugestão. Para essa pesquisa os trabalhos do egiptologista Jan Assmann seriam
indispensáveis. Cf., por exemplo, o seu livro Religión y memoria cultural: diez estúdios. Buenos
Aires: Lilmod, 2008.

12. Essa obra de Lauriano poderia ser posta ao lado do trabalho do artista chileno Alfredo Jaar,
Untitled (Newsweek), de 1994, ano do genocídio da população tutsi em Ruanda. Também essa
obra de Jaar é um trabalho quase psicanalítico de inscrição de uma memória recalcada. Jaar
monta nessa obra dezessete pranchas compostas pelas dezessete capas da revista Newsweek
publicadas durante o período no qual se dava o massacre na África. A obra destacava, como na
segunda prancha de Lauriano, o contraste entre a realidade e a sua representação “oficial”. A
suposta revista de notícias e informação passou cem dias sem noticiar que se dava naquele
momento um dos genocídios mais sangrentos do século. Suas capas destacavam as fotos de
estrelas do futebol e da música, lembravam o dia do desembarque aliado na França em 1944,
tematizavam o mercado de ações, especulavam sobre a possibilidade de vida em Marte etc.
Abaixo de cada imagem que reproduzia essas dezessete capas, o artista escreveu o que acontecia
em Ruanda a cada um daqueles momentos. Novamente a arte trabalha aí como escritura a
contrapelo, como revelador de imagens que estão sendo o tempo todo recalcadas, riscadas ou
mesmo barradas de serem inscritas. O artista se volta para o sofrimento que a sociedade recusa a
ver – a não ser sob o signo da espetacularização ou da manipulação nacionalista, como no caso
dos atentados terroristas e de sua cobertura. Esse tipo de imagem espetacular cega ao invés de
abrir nossos olhos para o real. A imagem de artista, pelo contrário, pode servir de ponte e acesso
para o “outro” e para o real.

13. Sobre o conceito de “imagines agens” assim como a tradição dos antimonumentos, remeto ao
meu ensaio: “Antimonumentos: trabalho de memória e de resistência”, in: Trivium, ano VI,
edição I, 1o. semestre 2014, pp. 41-54. Disponível em: <http://www.uva.br/trivium/edicoes/
edicao-i-ano-vi/artigos-tematicos/artigo-tematico-5.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2016.

14. Jaime Lauriano tem uma série de obras que seguem esse mesmo princípio: mapas traçados
com pemba branca sobre tecido negro de algodão. Uma dessas obras, Aculturação (2015),
também estava presente na exposição Jogo de Forças, no Paço das Artes. Na exposição no Caixa
Cultural São Paulo, ele também apresentou outras obras que jogavam (no sentido que vimos
acima de jogo) com os símbolos pátrios. Por um lado ele apresentou duas de suas bandeiras do
Brasil, refeitas por diferentes bordadeiras e tecelãs: Bandeira nacional #1 e Bandeira nacional #3
(2015). Como afirma Tomás Toledo, no texto do catálogo da exposição, assim essas mulheres
criaram “sua própria interpretação da bandeira brasileira, transformando o símbolo especificado
por lei em algo vernacular e múltiplo, […] criando uma possibilidade alternativa à noção oficial
de um país uníssono e massificado culturalmente, que anula as diversas formas e possibilidades
de ser brasileiro”. Essa passagem para o gênero feminino também serve de ataque ao momento
falocêntrico dos símbolos nacionais, bastiões de uma cultura patriarcal. O trabalho de tecer como
metáfora da recordação também pode indicar que outras histórias são narradas quando a história
passa a ser escrita por mulheres. Outra obra de Lauriano, que fechava o périplo por Empresa
Colonial, era um vídeo, O Brasil (2014), que consiste em uma colagem de uma série de
programas de propaganda do governo civil-militar da ditadura, sobretudo do início dos anos
1970. Também esses programas são marcados por uma visão unívoca do Brasil e celebram, como
os filmes da era nazista na Alemanha, a unidade de um povo voltado todo ele harmonicamente (e
sem diferenças internas) para a construção de um “grande futuro/país”. Daí o título em singular
O Brasil indicando essa redução monocromática (ou verde-e-amarela) forçada do país, que nega
as tensões e gritantes disparidades sociais. Diga-se de passagem, essa obra de Jaime Lauriano, ao
lado da Brasília Broadcast de Beto Shwafaty, que comentei, contam entre as poucas obras
recentes que no Brasil tematizam diretamente a ditadura de 1964-1985. Diferentemente do que se
passa em outros países da América Latina, no Brasil esse tema ainda é pouco explorado. Mas
tudo indica que isso está mudando por obra dessa novíssima geração. Veja-se também a
exposição Totemonumento.

15. Na exposição Cães sem plumas, uma obra extremamente eloquente também era dedicada a
esse tema. Refiro-me ao trabalho de Armando Queiroz, Ymá Nhandehetama (Antigamente fomos
muitos) (2009). Nela vemos a narrativa de um indígena, com o close de sua face, narrando a
destruição das nações indígenas no Brasil: “Nós sempre fomos invisíveis. O povo indígena, os
povos indígenas, sempre foram invisíveis para o mundo. Aquele ser humano que passa fome, que
passa sede, que é massacrado, perseguido, morto lá na floresta, nas estradas, nas aldeias. Esse
não existe. Para o mundo aqui fora existe aquele indígena exótico: o que usa cocar, colar, que
dança, que canta. Coisa para turista ver. Mas aquele outro que está lá na aldeia, esse sofre de uma
doença que é a doença de ser invisível. De desaparecer. Ele quase não é visto. Tanto para o
mundo do Direito, principalmente para o mundo do Direito, como ser humano. Ele desaparece.
Ele se afoga nesse mar de burocracia, no mar de teorias da academia, ele é afogado no meio das
palavras. Quando a academia, os estudiosos, entendem mais de indígena, de índio, que o próprio
índio. Ele é invisibilizado pela própria academia […]”. O vídeo é todo escuro, com um fundo
negro. Ao final do tocante testemunho de Almires Martins, indígena guarani, ele pinta a sua cara
de preto e performatiza o que diz: desaparece.

16. Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), conhecido como Tiradentes, é um mártir nacional
cultuado como um dos primeiros que se bateram pela independência do Brasil. Ele foi enforcado
e esquartejado pelas tropas coloniais portuguesas.

Bibliografia citada:

Aristóteles.  De memoria et reminiscentia, in: Parva Naturalia. W.S. Hett (trad.), Loeb, 1935.

Benjamin, Walter. Obras escolhidas, v. III, Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo,
trad. de J.C.M. Barbosa e H.A. Baptista, São Paulo: Brasiliense, 1989.

Benjamin, Walter. Das Passagen-Werk, in: _____. Gesammelte Schriften, org. por R. Tiedemann
und H. Schweppenhäuser, Frankfurt a.M.: Suhrkamp, vol. V, 1982.

Benjamin, Walter. “Sobre o conceito da história”, in: Magia e técnica, arte e política: ensaios
sobre literatura e história da cultura. 8a ed. revista. Sérgio Paulo Rouanet (trad.), Márcio
Seligmann-Silva (revisión técnica). São Paulo: Brasiliense, 2012.

Benjamin, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. M. Seligmann-Silva


(org. y presentación); Gabriel Valladão Silva (trad.). Porto Alegre: L&PM, 2013.

Flusser, Vilém. Von der Freiheit des Migranten. Einsprüche gegen den Nationalismus, Bensheim:
Bollman, 1994.

Nietzsche, Friedrich. Unzeigemässe Betrachtungen II: Vom Nutzen und Nachteil der Historie für
das Leben, in: Kritische Studienausgabe. G. Colli & M. Montinari (orgs.), München: DTV/
Berlim-Nova York: Walter de Gruyter, 1988.
Platon. Teeteto, Sofista, Protágoras. Edson Bini (trad.). São Paulo: Edipro, 2007.

Rosenfeld, Anatol. “Introdução”, in: Entre dos mundos. Anatol Rosenfeld (selección y notas),
Jacó Guinsburg, Ruth Simis y Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1967.

Seligmann-Silva, Márcio. “Walter Benjamin e os Sistemas de Escritura”, in: ____ O local da


diferença. Ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução, São Paulo: Editora 34, 2005.

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