Vinicius Ferraz, 13833640, viniciusferraz06@usp.br (Turma A)
Poder Judiciário da União
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Territórios
20ª Vara Criminal da Comarca da Capital
Autos n.º 0123456-78.2022.10.10.0001
Inquérito Policial n.º 1.234/2022
JOSÉ ROBERTO QUIROGA, 59 anos, brasileiro, casado, empresário,
portador da cédula de RG n° 89.451.795-7, inscrito no CPF sob n°785.589.416-64, residente e domiciliado na Rua Machado de Assis, bairro Saudade, Capital - S/E e ALFREDO BATHATA, 34 anos, brasileiro, casado, gerente, portador da cédula de RG n° 54.620.452-58, inscrito no CPP sob n° 412.652.753-96, residente e domiciliado na Rua Pau-Brasil, bairro Centro, Capital - S/E, individualizados nos autos, foram denunciados, pronunciados e libelados como incurso nas sanções do art. 229 - de violação da dignidade sexual, do Código Penal, pois, no dia 07 de julho de 2022, fora encontrado o corpo de FLORA MARIA FREITAS (VALENTINE), 24 anos, imerso na cascata artificial da suíte Barbados do GRAND HOTEL CARIBBEAN BLUE, propriedade do réu JOSÉ ROBERTO QUIROGA. Conforme parcialmente analizado, a vítima fora morta por asfixia, todavia, não se tinha como descartar a possibilidade de influência do uso de substâncias ilícitas, em especial a cocaína.
Nesta data, em plenário, os representantes do Ministério Público
sustentaram integralmente os termos do libelo-crime acusatório, pugnando pela condenação dos Srs. JOSÉ ROBERTO QUIROGA e ALFREDO BATHATA, nas penas do art. 229, do Código Penal. Por sua vez, a Defesa sustentou o afastamento das qualificadoras e o reconhecimento da atenuante dos testemunhos de não compatibilidade com um possível envolvimento entre o crime e os acusados como visto nos autos deste processo.
Submetidos os réus a julgamento nesta data, respondo ao Ministério
Público a minha negativa no tocante à culpabilização penal dos réus, visto que JOSÉ ROBERTO QUIROGA, era, sim, proprietário dos estabelecimentos contidos nos autos, porém por se tratar de uma casa noturna (um bar) e de um hotel, o artigo perpetrado pela acusação difere do cenário vislumbrado, uma vez que não há a identificação do acompanhante da vítima na noite do crime e que, no tocante a documentação, não se é tido como obrigatório a apresentação dos documentos d.e todos os indivíduos que adentram no hotel, normativa essa presente na Lei nº 8.078, de 11 de Setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) - da não obrigatoriedade de exigência e registro de documentos de identidade por ocasião da entrada do consumidor em estabelecimentos como hotéis, motéis e similares . Outra divergência existente no processo é o fato do crime ter sido efetuado dentro do quarto do imóvel, não se pode criminalizar o seu respectivo proprietário uma vez que, dentro do quarto, há o imperativo do princípio da privacidade, ou seja, está previsto em nossa Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X, dispondo que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Logo, o hotel não tem a capacidade jurídica de responder judicialmente pela responsabilização do crime cometido dentro de suas dependências privativas. Ademais, os testemunhos obtidos nos autos demonstram a não existência e comprovação de formas de exploração sexual tanto na boate Caribbean Dreams, quanto no Grand Hotel Caribbean Blue, pois fora entendido que as mulheres que utilizavam tais espaços acordavam com o recebimento de parcelas financeiras das vendas obtidas em ambos os espaços de convivência.
No tocante à gerência da boate, na pessoa de ALFREDO BATHATA,
o acusado, ao meu ver, somente era incumbido de administrar e organizar o espaço noturno. Tendo estes pressupostos, não é crime manter um estabelecimento no qual sejam oferecidos serviços sexuais, desde que quem esteja se prostituindo não esteja sendo forçado nem seja vulnerável. Como acréscimo, as próprias testemunhas ouvidas no processo levam a cabo o entendimento acerca da liberdade e da independência que era fomentada em ambos os locais citados nos autos. FLÁVIA MATHIAS, 29 anos e ex-frequentadora tanto da CARIBBEAN DREAMS quanto do GRAND HOTEL CARIBBEAN BLUES, por exemplo, disse em depoimento: “Não, do programa a casa não ganhava nada, não.” Ora, para o direito penal e seu respectivo código, é tutelado a representação criminal somente quando há a comprovação de recebimentos alheios à prostituição, no que é entendido comumente como cafetinagel, vista no art. 230, do Código Penal,
“Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus
lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.”
CARLA CRISTINA, 22 anos e ex-prostituta do local, também diz em
depoimento: “Trabalhei no Caribbean durante muito tempo. Agora, estou na casa concorrente. Não temos um vínculo de emprego com a casa, com o Sr. Quiroga [..]”. Logo, o argumento probatório que incrimina os acusados por violações da dignidade sexual, note que um dos preceitos fundamentadores do termo penal é a necessidade da existência da redução da liberdade das vítimas e a exploração - tanto psíquica quanto sexual, não é contemplado na matéria de fato, visto que as mulheres que circulavam pelos espaços citados possuíam total liberdade de ir e vir e propriedade sobre seus corpos.
Posto isso, julgo improcedente o libelo-crime acusatório, e absolvo os
Srs. JOSÉ ROBERTO QUIROGA e ALFREDO BATHATA das penas do art. 229, do Código Penal. Bem como, julgo improcedente a matéria processual e arquivo o presente processo.