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Universidade Federal da Fronteira Sul

Campus Cerro Largo


Licenciatura em Letras – Português e Espanhol
Literatura Portuguesa: narrativa
Professor Doutor Demétrio Alves Paz

RESENHA CRÍTICA

ANÁLISE LITERÁRIA DO LIVRO “BALADA DE AMOR AO VENTO”

Resenhado por Franciele Konzen 1

RESUMO

A presente resenha tem como objetivo discutir e analisar o romance “Balada de amor ao vento”
da escritora moçambicana Paulina Chiziane, do ano de 1990, analisando, brevemente, algumas
das questões trazidas para discussão na narrativa, como por exemplo, a abordagem sobre o
regime de poligamia em Moçambique, o relacionamento dos protagonistas, o significado do
símbolo Sol que serve para fundamentar o texto na medida em que indica as passagens do
tempo cronológico, criando a ambientação e caracterização das personagens. Tais questões
provocavam discussão sobre as tensões políticas, culturais e religiosas da sociedade
moçambicana da época. Ademais, é narrado na primeira pessoa por uma mulher, a Sarnau, a
qual dá voz a uma personagem antes silenciada historicamente, e denunciando a condição
inferior feminina em Moçambique, desconstruindo signos socioculturais em busca de discutir
a realidade vigente e reconfigurando a identidade nacional.

1
KEYWORDS: Paulina Chiziane; romance; gender relations.

ABSTRAT

This review aims to discuss and analyze the novel "Ballad of love to the wind" of the
Mozambican writer Paulina Chiziane, the year 1990, analyzing issues brought to discussion in
the narrative, approach to the polygamy regime in Mozambique that provokes discussion about
the political, cultural and religious tensions of Mozambican society. In addition, it is narrated
in the first person by a woman, who gives voice to a character previously silenced historically
and denouncing the inferior female condition in Mozambique, deconstructing socio-cultural
signs in order to discuss the current reality and reconfiguring the national identity.
O livro “Balada de amor ao vento”, da escritora moçambicana Paulina Chiziane,
representa um marco na literatura moçambicana, pois foi publicado em 1990 representando o
primeiro livro no país a tematizar o quotidiano do mundo feminino, evidenciando signos
socioculturais que denunciam o lugar secundário dado à mulher. Esse romance passa-se em
Moçambique, durante o período colonial, mas também em Angola. O espaço físico onde se
realiza a maioria das cenas fica por conta da aldeia em Mambone.

O mesmo, baseia-se em torno de uma história de amor “proibida” entre dois personagens
principais: Sarnau e Mwando. Ambos protagonizam uma história conturbada e com diversos
obstáculos até chegar ao “final feliz” do casal na obra. Primeiramente, Sarnau e Mwando se
conhecem, depois tentam namorar e por fim se casam. A união de matrimônio é marcada pela
gravidez na adolescência de Sarnau e pelo abandono por parte do marido, Mwando. O mesmo
abandona Sarnau e casa-se com Sumbi por decisão da família e acaba ficando grávida de
Mwando, já Sarnau também se casa com outro, porém casa com um príncipe chamado Nghila.
Este príncipe e futuro rei podia se envolver com mais de uma mulher, sem impedimentos,
mesmo estando casado. Sendo assim, esse comportamento do homem é caraterizado como
“poligamia”, ou seja, o marido pode-se servir de mais de uma mulher enquanto permanece em
união matrimonial com sua esposa. Além disso, Nguila chegou um dia a bater em Sarnau.
Mwando é traido pela sua segunda esposa que o troca por um homem rico.

Depois de ser expulso do seminário Mwando é quem se curva perante Sarnau, a qual ainda na
condição de esposa de Nguila assume o posto de rainha de Mambone. Sarnau é lobolada pelos
Zucula, casa-se com Nguila, torna-se rainha, o casamento esfria por causa do não cumprimento
das responsabilidades sexuais do seu marido e o destino a faz reencontrar Mwando. Após ser
expulso do seminário, onde estudava para ser padre anos depois vai atras de Sarnau sem saber
que ela se tornou prostituta para sustentar suas duas filhas já crescidas. Um tempo depois,
Sarnau consegue um trabalho em uma feira e consegue sustentar sua família. Ao final do livro,
Mwando e Sarnau se reencontram, ela já tendo paga a sua dívida que tinha de 36 cabeças,
Sarnau percebeu que fugir dos seus sentimentos significava punir a si mesma, à sua condição
de mulher livre e aceita o seu primeiro grande amor, Mwando, devolta.

Direcionado a estrutura central da narrativa, ela é composta pelas personagens Sarnau,


Mwando, o príncipe Nghila e o rei de Mambone. A narração é realizada em primeira pessoa, e
é a narradora personagem que conta a estória de sua vida. A linguagem da obra é simples,
apresenta uma estrutura sintática clara e as metáforas em várias passagens enfatizam os fatos
sociológicos, bem como trançam as características da paisagem local com os sentimentos que
transpassam as personagens.

Diante do exposto, destaco brevemente que se pode notar a presença de duas dimensões
importantes, a título de exemplo, a dimensão literária e a dimensão sociológica. A primeira
trata-se do aspecto lírico e dramático, enquanto a segunda trata-se de aspectos ligados à relação
da natureza, de família, e da espiritualidade.

A estória desse romance contém um símbolo Sol, que além de ser fundamental para
produzir o texto, ao mesmo tempo que aponta as passagens do tempo cronológico, cria também
a ambientação e caracterização das personagens, principalmente da protagonista Sarnau e as
suas múltiplas mudanças de humor. Todavia, além dessa atribuição, a simbologia do sol aponta
também para reflexões metaficcionais e para a criação de identidade nacional baseando-se em
uma revisão e resgate de elementos particulares da cultura moçambicana.

Nesse trecho “O sol está vermelho, rebola e joga às escondidas com os imbondeiros no
interior da savana, ah, as mulheres são mesmo bisbilhoteiras, intriguistas, o sol já dormiu, a
minha sogra ainda me fala de feitiços” (CHIZIANE, 2007, p. 47) o sol ajuda, tanto na definição
da ambientação (ambiente), como na caracterização da personagem, tal como para determinar
a passagem de tempo, assinalando o sentimento de raiva e desprezo (sol vermelho) de Sarnau
relacionado a bajulação das outras mulheres (rebola e joga às escondidas). Depois,
personificado (“o sol já dormiu”, ou seja, já é noite), indicando a passagem de “tempo
cronológico” em contraposição à passagem lenta do “tempo psicológico” (“e minha sogra ainda
me fala de feitiços”).

Em relação a descrição física da personagem é fundamental esse esclarecimento, pois aproxima


a personagem da simbologia pertencente ao sol e produz uma dupla desconstrução,
exemplificando, desconstrói a estruturada imagem monárquica ocidental e o modelo de beleza
ocidental. Paulina Chiziane ainda brinca com a imaginação do leitor/narrativo quando afirma
que o mesmo estaria imaginando uma esposa do futuro rei de “mãos suaves”, “rosto clarinho”,
“lábios vermelhos” (CHIZIANE, 2007, p. 40), e, logo, falar que a sua beleza era distinta porque
a sua cultura era diferente, enfim, “cada mundo tem sua beleza” (CHIZIANE, 2007, p. 41).
Sendo assim, a narradora faz somente um único relato de sua aparência física:

No campo é mais belo o rosto queimado de sol. São belas as pernas fortes e
musculosas, os calcanhares rachados que galgam quilômetros para que em
casa nunca falte água, nem milho nem lume. São mais belas as mãos calosas,
os corpos que lutam ao lado do sol, do vento e da chuva para fazer da natureza
o milagre de parir a felicidade e a fortuna (CHIZIANE, 2007, p. 41).

A ideia de beleza para a tribo de Sarnau é produzida atravé da ideia de regime diurno
de Duran, sugerido pela simbologia do sol, ressaltando o valor da paz, do equilíbrio e da
perseverança como características básicas da beleza moçambicana. Por outro lado, o regime
noturno aparece constantemente neste romance de Paulina Chiziane, geralmente tendo uma
relação negativa de oposição à clareza do regime diurno.

Um romance da qualidade de “Balada de amor ao vento” não se limita apenas a questões


de amor e desamor, ciúme e vingança, pois suas personagens estão revestidas de contornos
antropológicos que vivenciam e encenam questões relacionadas ao imaginário cultural
moçambicano. O amor, fio que conduz a narrativa sobre Sarnau, não é necessariamente a
vertente de amor comum da literatura ocidental, o amor romântico, mas sim o amor como um
elemento de ligação e fraternidade entre mulheres até em situações controversas,
inimagináveis, etc.

Eu gosto de escrever na primeira pessoa porque me permite participar mais na


história. E nós como mulheres temos as coisas que falamos só entre nós
mulheres e em voz baixa; meio sagrado... o que é que as mulheres dizem do
seu marido quando estão entre elas? Então são estes pequenos nadas que eu
junto para fazer a teia desta história. (CHIZIANE, 2008, entrevista on-line)

Paulina Chiziane em sua escrita feminina, não se limita apenas à ficção, mas à reinvenção
de registros de uma série de experiências pessoais e coletivas que lhe permitem, muitas vezes,
organizar o discurso de suas personagens em primeira pessoa para dar visibilidade à condição
feminina moçambicana em uma sociedade que é regida, principalmente no sul de Moçambique,
por forças masculinas. Tal atitude é também uma forma de preencher o vazio e minimizar a
incompreensão que se ergue à sua volta e das demais mulheres que desafiam os cânones sociais.
Na esteira deste pensamento, discutir questões relativas à mulher torna-se, além de um
exercício literário, um motivo instigante para se refletir mais sobre a condição feminina em
Moçambique. Encontramos nesse romance a descrição da dimensão sociológica de uma
sociedade com costumes sociais e religiosos muito ligados a natureza. Costumes esses que
podem soar muito estranhos para uma sociedade considerada “civilizada”.

A autora, ao contar a estória do relacionamento entre Sarnau e Mwando, da juventude


à idade madura, suas alegrias e sofrimentos, até a separação dolorosa e o reencontro, busca
retratar o “conflito vivido por uma moçambicana entre o mundo moderno e o mundo
tradicional, a África arcaica, seus valores eminentemente machistas em que a mulher só existe
para servir ao homem e constituir seu objeto de desejo” (GONÇALVES, 2004).

Destarte, é conveniente notar como a noção ocidental do sol como símbolo masculino
é subvertida. Em Balada de Amor ao Vento, o Sol da narrativa é Sarnau, uma mulher que sofre
por amor, luta contra o sistema machista e patriarcal instituído e questiona valores obsoletos
de sua tribo. Ao assumir o estatuto simbólico totalizante do Sol para si, uma mulher
moçambicana, a narradora desconstrói a visão masculinista desse símbolo, o que se relaciona
com a tentativa da narradora-personagem de desconstruir o machismo patriarcal que era lugar
comum em sua tribo. Subverter os arquétipos e esquemas do símbolo sol na narrativa é
fundamental para, simbolicamente, indicar a necessidade de subverter os nocivos preconceitos
e valores arcaicos da sociedade tribal apresentada no universo narrativo do romance.

Sarnau e Mwando, portanto, personagens principais desta narrativa, vivem momentos


distintos: o Mwando se casa com uma mulher que trai as tradições de sua etnia e
consequentemente ele sofre por não ter se casado com Sarnau, por não ter continuado a
formação religiosa e por não poder exibir sua esposa, Sumbi, como um troféu para os homens
daquela aldeia. A Sarnau, por sua vez, casa-se com Nguila, e como primeira esposa, migra da
simplicidade de uma aldeia para a ostentação de um palácio. Entretanto, ela sofre por não ter
sido a escolhida de Mwando e por não ter o poder de decidir sobre o destino de sua vida por
causa do sistema patriarcal que domina os valores daquela cultura daquela época. Contudo, as
vozes de Sarnau e Mwando se cruzam no mesmo vão no final do livro e se interligam pelo
amor tão avassalador que sentem um pelo outro.

Em resumo, ao lermos o romance Baladas de amor ao vento, acompanhamos as


personagens Sarnau e Mwando desde a juventude à idade madura. Vivemos com eles o passar
do tempo, os encontros e os desencontros, a dolorosa separação, o desespero, o sofrimento e a
alegria, as lágrimas e os sorrisos. Percorremos cidades e aldeias, aprendemos a tradição, os
costumes e os hábitos de um povo.

REFERÊNCIAS:
CHIZIANE, P.. Balada de amor ao vento. Editorial Caminho, S A, Lisboa. 2003.

Entrevista a Rogério Manjate. Revista Eletrônica Maderazinco. Maputo, abril/2002.


http://passagensliterarias.blogspot.com.br/2008/entrevisapaulinachiziane.html Acesso em 6 de
Julho de 2008.

GONÇALVES, A.. O feminismo negro de Paulina Chiziane.

MOREIRA, Terezinha T.. O vão da voz: a metamorfose do narrador na ficção moçambicana.


Belo Horizonte: Ed. PUC-Minas, 2005.

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