análise Depois de ganhar muitos prémios, A Metamorfose dos Pássaros chega ao 17.º Indie-Lisboa, onde se afirma como um dos melhores filmes na Competição Nacional . Ao som de Shubert, Catarina Vasconcelos embala a audiência com imagens de vegetação verdejante, água, pássaros e suas penugens coloridas. Os detalhes parecem tirados de alguma 5 montagem elemental. Quiçá fragmentos recortados de um filme de Terrence Malick ou uma versão intimista dos murais cinematográficos de Godfrey Reggio. A imagética e sua montagem podem resvalar para o abstrato, mas todo o âmago, o cerne fundamental de A Metamorfose dos Pássaros, é extremamente concreto e o seu detalhe biográfico. Com o uso do testemunho direto e da narração em voz-off, a cineasta conta a história da 10 avó paterna através dos olhos do seu pai. Tal como a realizadora, ele é um filho que perdeu a mãe e os dois encontram-se através dessa experiência conjunta. […] São dois fantasmas invocados pelos filhos que amam as suas progenitoras, que ainda sentem o vazio que elas deixaram e que agora as tornam em musas do grande ecrã. […] A vinheta estática domina essa espetacularidade do filme. Também vemos tableaux que 15 estão algures entre o teatro e a pintura, como imagens de hibiscos em flor e naturezas mortas em tons de rubro e laranja. O tempo é como a água, a memória um oceano de correntes que nos querem afundar, que nos puxam para baixo e nos afogam em transcendente asfixia. A onda da perda cai-nos na cabeça, mas, ao mesmo tempo, Vasconcelos sabe como pintar esse líquido que nos entra nos pulmões de modo que encanta e seduz, que comove. 20 Além disso, há lógica na sua imagética abstrata. As árvores em que os pássaros poisam são como a fundação de uma família. Quando elas caem, a floresta treme e deixa os animais sem poiso. De certa forma, a árvore é a mãe, sua queda a morte e os pássaros em desamparo são os filhos voando, a tentar encontrar nova estabilidade num mundo cheio de cicatrizes deixadas pelas árvores que já não estão cá. A água também remete para essa força 25 estabilizadora das mães que se foram. A avó de Catarina foi o porto que deu salvaguarda ao avô, um marinheiro sempre perdido no mar e longe da família. Quando esse porto desapareceu, também ele foi como os pássaros sem a sua árvore. […] Para quem julgue que este é um exemplo de cinema intelectualmente intransponível, esqueçam tais medos. Todos percebemos a dor de perder alguém que nos é querido. Nessa 30 dor, nessa especificidade sublime, Vasconcelos encontra a universalidade do projeto e convida-nos a comungar com ele. […] Assim, o filme é ritual e é espelho, é comunhão do cinéfilo e dos filhos que aqui são levados a perguntar-se até que medida o passado familiar define quem somos. Todos nós somos parte das nossas mães e elas parte de nós. A Metamorfose dos Pássaros é parte de 35 Catarina Vasconcelos e agradecemos o privilégio de ela partilhar isto connosco.
Letras em dia, Português, 11.° ano Questão de aula – Leitura e Gramática
1. De acordo com o texto, o filme A Metamorfose dos Pássaros é
(A) abstrato e hermético. (B) biográfico e intimista. (C) concreto e dinâmico. (D) ficcional e aéreo.
2. No terceiro parágrafo, o autor refere que
(A) a formação da realizadora em teatro e pintura é muito percetível no filme. (B) o filme é por vezes excessivamente estático. (C) a realizadora consegue tratar um tema doloroso com beleza e encanto. (D) a memória só é ilusoriamente perigosa.
3. No quarto parágrafo, o autor do texto pretende
(A) comprovar o carácter simbólico e metafórico do filme. (B) esclarecer o papel do avô da realizadora na vida da sua avó. (C) estabelecer um confronto entre as metáforas da árvore e da água. (D) explicar a importância da natureza na família de Catarina Vasconcelos.
4. Nos dois últimos parágrafos, o autor pretende
(A) justificar os prémios que o filme já ganhou. (B) destacar a importância da família na vida da realizadora. (C) mostrar que a dor de perder alguém torna este filme intelectualmente sublime. (D) reforçar a ideia de que a essência do filme une realizadora e espectadores.
5. Identifica a função sintática desempenhada por:
a. «do seu pai» (l. 10). b. «um filho que perdeu a mãe» (l. 10).
6. Classifica as seguintes orações:
a. «em que os pássaros poisam» (l. 20). b. «que este é um exemplo de cinema intelectualmente intransponível» (l. 28).
7. Identifica o antecedente dos pronomes:
a. «que» (l. 10). b. «que» (l. 16). c. «que» (l. 25, 2.ª ocorrência).
Letras em dia, Português, 11.° ano Sugestões de resolução
Leitura e Gramática 2, p. 102
1. (B) 2. (C) 3. (A) 4. (D) 5. a. Complemento do nome; b. Predicativo do sujeito. 6. a. Oração subordinada adjetiva relativa restritiva; b. Oração subordinada substantiva completiva. 7. a. «um filho» (l. 10); b. «correntes» (l. 16); c. «o porto» (l. 25).