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Escola Secundária de Forte da Casa

Português- 12º ano

Proposta de análise do poema “O menino da sua mãe”.

Este poema dá-nos conta de uma situação trágica. O sujeito poético apresenta-
nos, nas três primeiras estrofes, uma figura que caracteriza abundantemente: um rapaz
muito jovem (“Tão jovem! Que jovem era!”), cujo corpo, “De balas traspassado”, jaz
abandonado, em campo aberto (“No plaino abandonado”), com a farda ensanguentada e
os braços estendidos. É louro, de pele muito branca, e evidencia uma lividez cadavérica
(“exangue”) e um olhar fixo e vazio (“Fita com olhar langue/E cego”). A utilização do
nome “menino” para se reportar a um soldado revela-nos o imenso carinho e amor
maternos: “O menino da sua mãe”. Este jovem soldado perdeu a vida prematuramente e,
por isso, perdeu o futuro e os sonhos: “... os céus perdidos”.
Ao longo do poema, constituído por seis quintilhas, de métrica pouco regular,
encontramos algumas associações antitéticas que enfatizam a sordidez e a crueldade da
situação, nomeadamente na primeira estrofe: “Que a morna brisa aquece, [...]/Jaz morto
e arrefece.” onde se dá conta do contraste entre a brisa suave e tépida, simbolizando o
calor da vida, e a fria rigidez do corpo morto do soldado. Também na segunda estrofe, o
contraste de cores presente reforça a negatividade da situação e justifica a
expressividade do lamento do próprio sujeito poético: “Tão jovem! que jovem era!
reforçado pela utilização enfática dos advérbios “Tão” e “Que”. Aliás, esta presença das
reflexões do sujeito lírico faz-se notar logo no quarto verso, através da utilização dos
travessões que lhe permitem pormenorizar a descrição que está a fazer (“- Duas, de lado
a lado –,“) e pelo recurso aos parênteses nos verso doze e vinte e oito que dão conta, no
primeiro caso, de uma certa intemporalidade instaurada pela morte [“(Agora que idade
tem?)”] e, no segundo, da denúncia do poder político [“(Malhas que o Império tece!)”]
que envia os seus jovens para a guerra e assim tece as “Malhas” da sua morte.
Para além da caracterização exaustiva da personagem, que já vimos,
encontramos ainda outras marcas de narratividade expressas pela relação temporal e
espacial que podemos estabelecer entre a primeira e a última estrofes. na primeira, a
acção passa-se no campo de batalha onde o jovem perdeu a vida, enquanto que, na
última, o sujeito poético situa a acção “Lá longe, em casa”, no lar que o jovem
abandonou e onde, numa espécie de ironia amarga, ainda se fazem preces pelo menino
que, afinal, já está morto. Atente-se na expressividade que decorre da utilização do
discurso directo, tornando as súplicas feitas pelas duas personagens femininas mais
presentes e mais vivas, reforçadas ainda pelo recurso aos advérbios de tempo e de modo
“cedo” e “bem”, respectivamente.
Repare-se, ainda, que o modo verbal predominante ao longo do poema é o
indicativo que marca a realidade dos factos (“aquece”; “jaz”; “arrefece”; “Raia-lhe”;
“Fita”; “era”; ”tem”; “dera”; “mantivera”; “Caiu-lhe”; “Dera-lhe”; “Está”; “serve”;
“Deu-lho”; “trouxe”; “há”; “tece”; “Jaz”; “apodrece”). O modo conjuntivo surge uma
única vez, expressando o desejo que é alvo da prece da mãe e da velha criada em
relação ao menino: “[...] volte [...]. A presença destas duas figuras femininas protectoras
simboliza a presentificação do mundo distante e os vínculos afectivos com a infância,
marcas caracterizadoras da poesia pessoana. Neste poema, há dois objectos que
assumem especial relevância pela simbologia que encerram; são eles “A cigarreira” e o
“lenço”. Para além de serem o elo de ligação ao lar, à infância distante e às suas figuras
protectoras (“Dera-lhe a mãe”; Deu-lho a criada/Velha que o trouxe ao colo.”), estes
dois objectos, que o soldado trazia consigo, sugerem ainda a brevidade da vida vivida
por aquele jovem, através da hipálage “A cigarreira breve”, e a pureza da infância
perdida marcada pela “brancura” do lenço que cai da sua algibeira. É ainda de salientar
a oposição entre o bom estado de conservação da cigarreira e do lenço por contraste
com o cadáver do soldado: “Ele é que já não serve.”.
Deveremos, também, ter em atenção a importância da última estrofe, que institui
uma quase circularidade na construção do poema pela recuperação e transformação do
quinto verso da primeira estrofe no quarto verso da sexta, apontando a progressiva e
inevitável degradação física do cadáver do jovem: o corpo que arrefecia, agora, no final
do poema “Jaz morto, e apodrece”.
Atente-se, por fim, na convergência de todos os sentidos do poema para a
expressão “O menino da sua mãe”: para além de ser o título, repete-se a meio da
composição (no verso quinze) e no último verso do poema, enfatizando-se, assim, a
nostalgia do lar e da infância longínqua ou, nas palavras do próprio Pessoa, “uma
tristeza vaga da vida”.
In Guia de Estudo – Português 12º ano, Porto Editora (texto com adaptações)

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