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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Paulo Thomas Korte

Direito, Casamento e Amor:


O casamento, um caminho para encontrar o Absoluto

Doutorado em Direito

São Paulo
2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP

Paulo Thomas Korte

Direito, Casamento e Amor:


O casamento, um caminho para encontrar o Absoluto

Doutorado em Direito

Tese apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de
Doutor em Filosofia do Direito
sob orientação do Prof. Gabriel
Benedito Issaac Chalita

São Paulo
2016
Banca Examinadora:

_______________________________________
Prof. Dr. Gabriel Benedito Issaac Chalita

_______________________________________
Profª. Dra. Marcia Cristina de Souza Alvim

_______________________________________
Prof. Dr. Willis Santiago Guerra Filho

_______________________________________
Profª. Dra. Margareth Anne Leister

_______________________________________
Prof. Dr. Guilherme Amorim Campos da Silva
Para Camila
Quem quiser se libertar precisa amar,
Amar de tal maneira que se sinta preso ao objeto amado;
Preso de tal maneira que sinta que a morte o acometerá se o
objeto desaparecer;
Amar de tal maneira que não saiba onde está a sua vontade
individual;
Amar de tal maneira que esteja disposto a dar a sua vida pela
felicidade do outro;
...
Depois de amar desta maneira, estará pronto para descobrir que
o ser amado era apenas uma ilusão, mas que o fascinou de tal
maneira que lhe possibilitou a travessia do rio invisível que divide
o mundo dual do Uno.
(Paulo Thomas Korte, primavera de 2009)
Agradeço ao Absoluto e a todos aqueles
que dEle fazem parte.
RESUMO

KORTE, Paulo Thomas. Direito, Casamento e Amor: o casamento, um caminho


para encontrar o absoluto. 2016. 120 fls. – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo.

O presente trabalho buscou apresentar a inquietação do ser humano consigo


mesmo, na tentativa de reduzir sua angústia em compreender de onde vem, o
que significa, e para onde vai. O ser humano composto de uma parte material
(corpo) e outra parte imaterial (alma) procura chegar a um lugar onde não mais
há sensação de falta, no qual existe plenitude e satisfação. Muitas filosofias e
religiões indicam que há este lugar, e que é possível nele chegar. Muitos
caminhos existem para se chegar lá. Além disso, no presente trabalho,
questiona-se se há necessidade de seguir alguém para chegar a este Absoluto
ou se é possível chegar só e sem qualquer tipo de imitação. Super-homem,
Absoluto, 7ºgrau da alma, Self, excelência moral são nomes diferentes para dizer
a mesma coisa? Animus e Anima, os arquétipos masculinos e femininos, e a
sombra como estágios do caminho junguiano para encontrar o Absoluto.

Palavras-chaves: Absoluto. Amor. Evolução do ser humano. Animus. Anima.


Super-homem. Excelência moral. Morte. Mestre. Professor.
Discípulo. Casamento.
ABSTRACT

KORTE, Paulo Thomas. Law, Marriage and Love: The marriage, one way to
find the Absolute. 2016. 120 fls. – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

This study demonstrates the inquietude of the human with himself in trying to
reduce his anxiety. His anxiety comes from the comprehension where he comes
from, what he is and where he goes. The human, composed by a material part
(body) and another immaterial part (soul), tries to reach a place where there is
not any feeling of missing but where is plenitude and satisfaction. Many
philosophies and religions show that this place exists and it is possible to reach
it. There are many ways to reach it. More than that, the present study questions
if there is some need to follow someone to reach the Absolute or if it is possible
to reach it by yourself without any kind of imitation. Übermensch or “Superman”,
Absolute, 7th grade of soul, Self, excellence, are these all names for the same
thing? Animus, Anima, the male and female archetypes, the shadow as the levels
to the Jungian way to find, through the marriage, the Absolute.

Keywords: Absolute. Love. Evolution of the human being. Animus. Anima.


Übermensch or “Superman”. Moral Excellence. Death. Master.
Teacher. Disciple. Marriage.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 9

2 O MÉTODO TRANSDISCIPLINAR....................................................... 15

3 O QUE É O SER HUMANO................................................................... 17


3.1 Os movimentos da alma e seus sentidos.......................................... 22
3.2 Autoridade............................................................................................ 35
3.3 Quem é o homem e quem é a mulher hoje em dia?......................... 41

4 O CASAMENTO.................................................................................... 47
4.1 A história do casamento no Brasil..................................................... 47
4.2 O casamento atual............................................................................... 53
4.3 Conceitos jurídicos de casamento..................................................... 54
4.4 A natureza jurídica do casamento...................................................... 57
4.4.1 O casamento como sacramento............................................................ 58
4.4.2 O casamento como contrato ou instituição............................................ 61
4.5 Os dez mandamentos do casamento................................................. 65
4.5.1 Monogamia............................................................................................ 67
4.5.2 Fidelidade............................................................................................... 73
4.5.3 Vida em comum no domicílio conjugal................................................... 80
4.5.4 Sustento, guarda e educação dos filhos................................................ 81
4.5.5 Mútua assistência.................................................................................. 83
4.5.6 Respeito e consideração mútuos........................................................... 84
4.5.7 Igualdade............................................................................................... 85
4.5.8 Afetividade............................................................................................. 90
4.5.9 Tolerância.............................................................................................. 95
4.5.10 Perenidade da família............................................................................ 97

5 O ENCONTRO COM O ABSOLUTO.................................................... 101

6 CONCLUSÃO........................................................................................ 108

REFERÊNCIAS..................................................................................... 111
9

1 INTRODUÇÃO

De acordo com o inciso IV, do art. 3º da Constituição Federal, um dos


objetivos da República Federativa do Brasil é promover “o bem de todos, sem
preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”.
Ainda que não consigamos definir o que seja o bem, há na alma humana uma
inquietação, desde a origem dos tempos, que faz com que a humanidade progrida,
melhore, busque uma vida com menos sofrimento, busque a sua felicidade. Não há
um povo sequer que tenha em mente, como objetivo social, o seu mal. Qualquer que
seja a sociedade ela sempre buscará o seu bem, ainda que não o saiba definir em
palavras e ainda que não tenha sucesso em um primeiro momento em sua busca.
Na tentativa de alcançar esse bem, o ser humano procura estabelecer métodos que
são seguidos de geração em geração, e alterados de acordo com o momento e as
circunstâncias.
Porém, o bem parece surgir apenas quando as coisas estão funcionando da
maneira com que o ser humano deseja, quando os anseios estão sendo satisfeitos,
quando não há decepção, traição, quando a natureza favorece, quando se tem
dinheiro, saúde, alegria, comida na mesa etc. Desta forma, questiona-se: — É
possível atingir o bem quando morre um amigo, ou um ente querido? Há bem
quando há doença, sofrimento e dor? Para a consciência natural, o bem será
sempre relativo às coisas irem bem ou não. Mas há outro estágio na evolução da
consciência humana que causa o bem, e é maior que o bem: O Absoluto. Neste
estágio a consciência experimenta a plenitude independentemente de as coisas irem
bem ou não. Ele é um estado que supera a existência da substância, embora nele
ela esteja contida, onde se vai além da lei, da moral, da ética, do conceito de certo e
errado.
É evidente que o legislador não poderia colocar na Constituição brasileira,
expressamente, que um de seus objetivos seria alçar o cidadão brasileiro a chegar
ao Absoluto. Isso talvez seja trabalho para as religiões ou para a Filosofia. Mas
colocou o conceito de bem, que, sem dúvida, é um dos efeitos do Absoluto.
Há alguns caminhos para se chegar ao Absoluto, e este trabalho defenderá a
tese de que um destes caminhos para o alcançar é o casamento. Se a família é a
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célula da sociedade e tem proteção especial do Estado (art. 226 da CF), o


casamento é o núcleo primordial desta célula.
Há vários tipos de famílias, as formadas por pai e filho, mãe e filho, irmão e
irmã, avós e netos, família homoafetiva, tia e sobrinho, entre muitas outras
possibilidades. Em todas estas relações, quando existe o afeto1 é possível se chegar
ao Absoluto.
Este trabalho discorreu sobre a relação entre o homem e a mulher (art. 226, §
3º, da Constituição Federal), dentro do casamento, como um dos caminhos para se
chegar ao Absoluto. A ênfase foi dada ao caminho do homem. Ou seja, muito
embora sejam vários os caminhos ao Absoluto, este trabalho irá discorrer apenas
sobre o caminho do homem, por meio da mulher, para alcançar tal consciência.
Se havia, em tempos passados, certa estabilidade na família, na medida em
que a mulher e o homem já sabiam seu papel na entidade familiar, esta estabilidade
não subsiste mais, e a relação homem/mulher não está nada definida no âmbito
social. Nos dias atuais, por conta da emancipação da mulher, deslocaram-se os
papéis dentro da família, de tal ordem que não se sabe, ao certo, muitas vezes,
quem é o homem e quem é a mulher dentro do núcleo da célula primordial da
sociedade. Se Simone de Beauvoir (2008, p. 22) afirma que não se nasce mulher,
torna-se mulher, da mesma forma, não se nasce homem, torna-se homem. E quem
é homem e quem é mulher na sociedade atual?! Ninguém sabe ao certo, ou pelo
menos, ninguém tem uma definição que sirva para todos. Pode haver uma definição
própria, que sirva para uma determinada família, mas não uma forma geral como
existia antigamente.
Antes a palavra homem designava aquela pessoa do sexo masculino, que
provia a família; e a palavra mulher designava a pessoa do sexo feminino que
cuidava da casa e das crianças. Ambas não mais têm hoje o mesmo significado do
ponto de vista cultural. Conceituar quem é o macho e quem é a fêmea na relação é
tarefa razoavelmente fácil, pois seria uma conceituação com base em critérios
objetivos da Biologia por meio dos órgãos sexuais. Porém, conceituar o homem e a
mulher sob o critério cultural é um trabalho um pouco mais árduo, na medida em que
emergem definições não necessariamente coincidentes com as definições
biológicas. O homem era quem sustentava a casa e a mulher cuidava dos filhos,

1 “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei entre vós” (MT, 18:20).
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mas hoje não é necessariamente assim! E esta definição de papéis e tarefas está
cada vez mais difícil de fazer. Cada casal está fazendo a sua definição, o seu próprio
conjunto de regras e hábitos que dizem quem é ele e quem é ela, e tudo isso para
alcançar a felicidade, sem que possa sequer ser recriminado por quem quer que
seja.
Em outras palavras, o movimento de emancipação da mulher foi positivo, no
sentido de libertar a mulher do jugo do pai e do marido; por outro lado, trouxe efeitos
à relação homem/mulher que ainda estão sendo percebidos na sociedade, e que
devem se acomodar ao longo do tempo. Talvez muito tempo, mas este trabalho tem
o intuito de diminuir este tempo, ou quando menos, torna-lo menos sofrido.
Se antigamente a estabilidade das famílias dependia (e muito!) da condição
de subserviência da mulher em relação aos filhos e ao marido, a nova família a ser
formada deve ter em conta a mulher emancipada, não apenas financeiramente em
decorrência de seu ingresso no mercado de trabalho, mas também política e
psicologicamente.
E essa evolução da mulher tem sido acompanhada pelo direito brasileiro, na
medida em que este lhe reconhece, pela Magna Carta, a condição de igualdade em
relação ao homem. Surgiram os movimentos feministas, levando à família, e por
consequência a sociedade, a uma inescapável revolução que começou, no Direito
pátrio, em 1932 (Decreto nº 21.076), com o voto feminino, avançou em 1962 (Lei nº
4.121 – Estatuto da Mulher Casada), um pouco mais em 1977 (Lei do Divórcio), e
consagrou-se em 1988 (Constituição Federal). Esta igualdade, já solidificada no
campo do Direito, ainda está em processo de maturação na sociedade.
Um dos fenômenos sociais desta mudança é o número crescente de
divórcios. Se há, hoje em dia, no Brasil, a livre manifestação de vontade dos
cônjuges no momento do matrimônio, quais razões levam esses mesmos
personagens, depois de algum tempo — não necessariamente muito — a
descumprirem as normas entre eles estabelecidas e aceitas, acabando por dissolver
o matrimônio, não raramente causando extremo mal à família e, consequentemente,
à sociedade?!
Conta a mitologia grega que Ulisses, prestes a viajar com sua nau, passaria
por um lugar onde havia sereias, conhecidas por deixarem os capitães dos navios
em estado de sedução, fazendo com que desviassem as embarcações do caminho
original, levando-as às rochas e provocando o naufrágio, perdendo-se todas as vidas
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e pertences. Ciente do perigo que iria encontrar, Ulisses procurou o oráculo, a quem
atribuía profunda credibilidade e perguntou como deveria proceder diante de tal
tarefa.
O herói recebeu como resposta que deveria ordenar a seus marinheiros que,
ao chegar a determinado ponto, deveriam amarrá-lo no mastro e não mais obedecer
às suas ordens, até que recobrasse a lucidez. Cumprindo a primeira ordem de
Ulisses, os marinheiros, pouco antes de chegarem ao ponto em que certamente
encontrariam as sereias, amarraram seu capitão no mastro do navio. Logo em
seguida, surgiram os seres encantadores e Ulisses, já sob o efeito da sedução,
ordenou a seus marinheiros que o soltassem e levassem o navio ao encontro delas.
Mesmo aos berros, Ulisses não era atendido, pois seus marinheiros já haviam sido,
por ele mesmo precavidos de tal situação. Assim, desobedecendo à segunda ordem,
dada em momento de ausência de lucidez, os marinheiros salvaram o navio, e
também seu capitão.
Os nubentes se unem em casamento, hoje em dia, por livre e espontânea
vontade. Entende-se que, no instante da decisão do casamento, cada qual faz as
suas promessas, assumindo direitos e obrigações, e estabelecendo o vínculo do
casamento.
Se hoje não se fala mais em casamento por obrigação, pelo menos no Brasil,
e as pessoas podem escolher livremente, por amor, seu futuro cônjuge e com ele
dispor das regras que regerão o matrimônio, não mais haveria razão para o aumento
do número de dissoluções de casamento. Mas não é bem assim. Embora o Direito
possa ser observado como a primeira ordem, a ordem dada no momento de lucidez,
e principalmente a ordem proferida com base em uma autoridade respeitada, o
espírito do ser humano não trata essa questão de forma tão simples.
Embora haja uma determinação, um compromisso inicial, o ser humano pode
falhar por meio da incontinência:

A incontinência faz com que um desejo ou uma emoção forte se


sobreponha a nossa vontade consciente de modo a nos levar a agir
de determinada maneira, a fim de saciar uma necessidade interior
que, desviada de seu caminho normal, ou por excesso, “possui” a
nossa capacidade de agir (CHALITA, 2003, p. 150).

O divórcio, muitas vezes, seria decorrente da desobediência desta primeira


ordem, em atenção a uma segunda, dada em momento de falta de lucidez, de
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incontinência, e seguindo conselhos de outros que não tinham, nem têm a mesma
credibilidade e experiência daqueles que deram a primeira ordem.
O Direito pode influenciar positivamente na manutenção do contrato
matrimonial, figurando esse não apenas como a primeira ordem dada para a nau
não naufragar, como também como uma terceira ordem para colocar a nau no rumo
certo, caso seja descumprida a primeira ordem por um marinheiro desavisado. Esta
terceira ordem estaria manifestada na figura do princípio do afeto e da tolerância; ou
seja, caso descumprida a primeira ordem, por uma segunda proferida em momento
de falta de lucidez, na tristeza, na doença ou na pobreza, uma terceira ordem pode
surgir, com os princípios de afeto e de tolerância, que pode fazer com que a nau não
naufrague e chegue ao destino final: o Absoluto.
O art. 1566 do Código Civil brasileiro prevê os deveres de ambos os cônjuges
no contrato matrimonial, como sendo: fidelidade, vida em comum no domicílio
conjugal, mútua assistência, sustento e guarda e educação dos filhos, respeito e
consideração mútuos. Esses seriam, continuando com a metáfora, os conselhos do
oráculo, as primeiras regras assumidas no momento do casamento, com base na
experiência dos mais velhos.
O casamento provoca no ser humano um movimento psíquico, às vezes ao
Céu, às vezes ao Inferno, fazendo com que os cônjuges experimentem lugares
dentro de si que só poderiam passar com a ajuda do outro. O cônjuge, nesse
contexto, funciona como um espelho para que o ser humano consiga atingir níveis
de experiência que jamais poderia passar sozinho, sejam elas más ou boas. Os
momentos de êxtase em estar com o outro ou os momentos infernais impulsionam o
ser humano no sentido de conhecer sua alma em sua amplitude, que é o Absoluto,
às vezes movimentada pelo amor, às vezes pela raiva, mas na maioria das vezes
por ambos.
14

Em seu poema, Eros e Psique, Fernando Pessoa (1985, p. 49) retrata este
caminho, com a força da síntese e da beleza que a poesia contém:

Conta a lenda que dormia


uma Princesa encantada
a quem só despertaria
um Infante, que viria
de além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,


vencer o mal e o bem,
antes que, já libertado,
deixasse o caminho errado
por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
e orna-lhe a fronte esquecida,
verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,


sem saber que intuito tem,
rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino –


ela dormindo encantada,
ele buscando-a sem tino
pelo processo divino
que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro


tudo pela estrada fora,
e falso, ele vem seguro,
e, vencendo estrada e muro,
chega onde em sono ela mora.

E, inda tonto do que houvera,


à cabeça, em maresia,
ergue a mão, e encontra hera,
e vê que ele mesmo era
a Princesa que dormia.

O mesmo caminho também é retratado por Carl Jung, em seu processo de


individuação, no qual, para alcançar o Self, o ser humano deve enfrentar seus
arquétipos masculinos (animus) e femininos (anima), passando pela sombra.
Neste trabalho defendemos a hipótese de que o casamento é um dos
caminhos para elevar a consciência natural à consciência Absoluta.
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2 O MÉTODO TRANSDISCIPLINAR

Em um trabalho de direito normalmente se estabelece uma linguagem


exclusivamente jurídica. Os conceitos, raciocínios, formas de pensar, limitam-se
àqueles da Ciência do Direito, como se o locutor estivesse falando uma língua em
que seus interlocutores entendessem e já compreendessem o significado de cada
palavra por ele emitida.
A transdisciplinaridade nos orienta no sentido de que a observação e análise
dos fenômenos jurídicos, mediante a exclusiva visão da Ciência do Direito, pode nos
propiciar, em determinada matéria, uma visão míope com grandes limitações de
estudo e de compreensão da realidade. A economia, a psicologia, a história, a
política, a sociologia, antropologia, entre outras, são ciências que nos ajudam a ter
uma visão mais ampla sobre uma grande parte dos fenômenos estudados pelo
direito. A utilização do conhecimento depositado nestas e em outras ciências traz ao
pesquisador do Direito uma compreensão mais ampla sobre as causas e
consequências dos fenômenos jurídicos.
A metodologia transdisciplinar, para a abordagem e estudo dos fenômenos
jurídicos, implica a possibilidade de uma visão acima das disciplinas, não limitada à
linguagem nem aos conceitos estabelecidos dentro delas.
Dimas Macedo, na apresentação de obra de Pereira (2003, p. 9), encoraja a
usar, na área do Direito, o método transdisciplinar, e afirma:

A visão transdisciplinar que se possa aplicar no processo de


perquirição de uma dada realidade parece ser, de forma sedutora e
sempre cativante, o melhor caminho para um aprendizado sólido e
erudito. A abordagem crítica, o pensar alternativo, a pesquisa tópica,
o recurso, a zetética e as formulações teóricas contradogmáticas,
entre outros métodos aqui não referidos, têm promovido uma
verdadeira reviravolta na velha árvore da ciência jurídica.
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Nancy Andrighi (2001) defendendo a criação do Juizado Especial de Família


destacou a importância da transdisciplinaridade, in verbis:

O Juizado Especial de Família deve pautar-se pela


transdisciplinaridade, isto é, pela necessidade de agregar
conhecimento de outras ciências na aplicação do Direito. Aos
médicos, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e terapeutas da
família incumbe não somente fornecer elementos que auxiliem o juiz
na solução do conflito familiar, mas também, amenizar a ansiedade
dos litigantes, auxiliando-os a vivenciar o processo judicial com mais
naturalidade, e lhes dar a certeza de que foram ouvidos os seus
desabafos, as suas mágoas e principalmente seus pontos de vista.

Com base nesta visão transdisciplinar, esse trabalho disserta sobre a


hipótese do casamento poder elevar o ser humano à consciência absoluta,
procurando utilizar uma linguagem acessível aos pesquisadores de todas as áreas
do conhecimento, tendo em vista a relevância social do tema na época atual, e a
intenção expressa do autor em encorajar todas as pessoas a amarem
profundamente, entregarem-se a seu amor, e saberem receber o amor do outro. E
estabelecida a relação, com a ajuda dos votos matrimoniais criados por nossos
antepassados, acreditarem que podem alcançar o Absoluto, ainda que apenas por
alguns segundos.
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3 O QUE É O SER HUMANO?

Conceituar o ser humano pressupõe a sua existência. A existência do ser


humano, pelo método cartesiano, estaria comprovada através do pensamento.
Todavia, é possível ir além dos limites cartesianos da existência da ideia do “penso,
logo existo”. Isso porque, antes de chegar a essa conclusão, Descartes em seu
método de dúvida, entendeu a possibilidade hipotética de Deus poder ter inclusive
colocado no ser humano a ideia fictícia de que pensava, ou seja, o próprio
movimento do pensar seria uma ilusão criada por Deus.
Após afirmar isso, Descartes dá um passo atrás no seu raciocínio, e conclui,
pelo argumento da fé, que Deus não teria feito isso porque seria um Deus bom. Se
admitisse a possibilidade contrária, de um Deus mau, Descartes não poderia ter
chegado à conclusão que chegou sobre a sua existência, na medida em que o
próprio movimento do pensar poderia ser uma ilusão. Ou seja, o filósofo limita a
amplitude de sua dúvida da existência à conclusão de que é o seu pensar que o faz
existir.
Porém, se ele continuasse no processo da dúvida, sem a limitação da crença
da existência de um Deus bom, poderia concluir, pelo menos hipoteticamente, sobre
a inexistência do ser ou sobre uma existência diferente daquela percebida e
conceituada pelo pensamento.
Nietzsche (2008, p. 260-261) criticou esta ideia cartesiana:

[...] por meio do pensar é posto o eu; mas até agora se acreditou,
como o povo, que no “eu penso” jaz algo imediatamente certo e que
esse “eu” seria a causa dada do pensar, e por analogia com ela
todos nós entenderíamos as outras relações causais. Por mais que
essa ficção agora possa ser costumeira e indispensável – isso,
somente, não prova nada contra o seu caráter fictício: uma crença
pode ser condição da vida e, apesar disso, ser falsa. “É pensado:
consequentemente há pensante”: a isso chega a argumentação de
Cartesius. Mas isso significa postular nossa crença no conceito de
substância a como “verdadeira a priori” – que, quando seja pensado,
deva haver alguma coisa “que pense” é, porém, apenas uma
formulação de nosso hábito gramatical, que põe para um fazer [Tun]
um agente [Täter]. Em resumo, aqui já se propõe um postulado
lógico-metafísico – e não somente há constatação...Pelo caminho de
Cartesius não se chega a algo absolutamente certo, mas só a um
fato de uma crença muito forte [...] desta forma não se pode repudiar
a “aparência” do pensamento. Cartesius, porém, queria que o
pensamento não tivesse apenas uma realidade [Realität] aparente,
mas uma em si.
18

A ideia de um eu fixo, que olha o mundo sem colocar neste olhar as suas
próprias impressões, é, sem dúvida, um equívoco. O mundo externo é construído
pelas experiências do observador, pelos sentimentos que ele traz consigo. Uma
pessoa com fome não pode olhar a beleza das nuvens, nem sentir o prazer do
vento. O mesmo se pode dizer de uma pessoa com sede. O mundo é pensado de
acordo com os sentimentos que passam no ser humano.
Seguindo o método da dúvida, Bertrand Russel (2008, p. 69) questiona:
“Haverá algum conhecimento no mundo que seja tão certo que nenhum homem
razoável possa dele duvidar?”, enfatizando, inclusive, a possibilidade de a matéria
não existir. Esta argumentação pareceria absurda, mas suas citações mostram que
tais questionamentos podem nos levar à conclusão da relatividade da existência, ou
seja, existimos na medida em que nossa existência é reconhecida pelo outro:

Neste capítulo temos de nos perguntar se, em algum sentido, há


efectivamente matéria. Há uma mesa com uma certa natureza
intrínseca, e que continua a existir quando não estou a olhar, ou é a
mesa apenas um produto da minha imaginação, uma mesa onírica
num sonho muito prolongado? Esta pergunta é da maior importância.
Pois se não pudermos ter a certeza da existência independente de
objectos, não podemos ter a certeza da existência dos corpos das
outras pessoas, e consequentemente ainda menos das mentes das
outras pessoas, pois não temos razões para acreditar nas suas
mentes excepto as que derivam da observação dos seus corpos.
Assim, se não podemos ter a certeza da existência independente de
objetos, ficaremos sozinhos num deserto – pode ser que todo o
mundo exterior nada seja senão um sonho, e que só nós existamos
(BERTRAND RUSSEL, 2008, p. 69).

A dúvida da existência da matéria tem ponto importante nos estudos da


Física, especialmente na Física Quântica, que comprova que toda matéria, é
composta de átomos e os átomos em si, em sua maior parte, são compostos de um
amplo vazio. Na medida em que o átomo é composto por prótons e nêutrons dentro
de um núcleo minúsculo, sendo a sua maior parte consistente no vazio que existe
entre esse núcleo, hipoteticamente estático, e os elétrons que se movimentam na
órbita do núcleo, conclui-se que todos os corpos estão imersos em um grande
espaço vazio, entre os elétrons e os prótons.
A física já foi além do núcleo do átomo que seria estático, oferecendo, com a
teoria das cordas, a possibilidade de que nem mesmo ele o seja. Além disso, o que
parece óbvio a respeito do funcionamento da mecânica de Newton sobre o
comportamento dos corpos não o é para o campo subatômico, e nem sempre atende
19

à teoria da relatividade de Einstein. A física está tentando, há muito, ainda sem êxito,
desenvolver uma teoria uniforme para todos os corpos, conforme Hawking (2005),
teoria ainda mais sustentada com o campo de Higgs.
Enfim, se as dúvidas existenciais e funcionais podem ser suscitadas em
relação aos corpos materiais que são perceptíveis pelos seres humanos, com a
possibilidade de serem medidos, pesados, enfim, serem conhecidos de uma maneira
racional e empírica, dúvidas maiores, também existenciais e funcionais, surgem na
compreensão e estudo do ser humano, especialmente, em sua parte imaterial.
O que se quer dizer com isso é que o Direito, quando trata o homem e a
mulher como se fossem seres distintos, e, por isso, com denominações distintas na
legislação, talvez esteja reduzindo a compreensão do ser humano, fugindo à
verdade que provavelmente os iguale substancialmente, ou seja, quanto à sua parte
imaterial — sua alma.
Antes de ingressar no tema da relação matrimonial, necessário se faz tentar
entender o que é o ser humano. Toda a filosofia se resume justamente nesta
questão, pois, embora existam quatro questões que delimitam a filosofia,2 o que
importa é apenas a última: — o que é o ser humano?
Por isso, não temos a pretensão de esgotar o assunto sobre o conceito de ser
humano em um capítulo. Entretanto, é de grande valia para o estudo do matrimônio
tecer algumas considerações sobre o ser humano, e qual a sua concepção para o
Direito, com as implicações inerentes a eventuais desacertos das definições
utilizadas pelo legislador.
Desde os tempos remotos, o homem se esforça para se conhecer. Já dizia a
inscrição na porta do oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo, lembra-te de que
és mortal e nada em excesso”. Bem mais tarde, explorando minuciosamente esta
questão, Foucault (2006), dando um sentido um pouco mais amplo à regra do
“conhece a ti mesmo” (gnôthi seautón), nela englobou a regra do “cuida de si
mesmo” (epimeleia heautoû).
Para Foucault, a ideia do cuidar de si mesmo está intrinsecamente ligada à do
conhece a ti mesmo. Uma não pode subsistir sem a outra. Para cuidar de si mesmo,

2 1) O que eu posso saber?


2) O que eu devo fazer?
3) O que eu posso esperar?
4) O que é o ser humano?
20

precisa-se conhecer a si mesmo. O processo de conhecer a si mesmo é, em si, um


cuidar de si mesmo.
Não se sabe ao certo qual teria sido a ordem primeira: cuidar de si mesmo ou
conhecer a si mesmo. A história e a experiência nos ensinam que o ser humano há
muito percebeu que o conhecimento é uma grande ferramenta para cuidar de si
mesmo, provendo assim a própria subsistência e diminuindo o seu sofrimento físico,
mental e espiritual. Essa afirmação pode ser levada à prova pelo conhecimento
primórdio do domínio do fogo, da invenção da roda, do saneamento básico, da luz,
do telefone, e de todos os avanços da Medicina, que dão ao homem, a cada ano,
maior expectativa e qualidade de vida, e, em tese, diminuindo seu sofrimento.
Em relação à moral, antes ditada exclusivamente pelo instinto de
sobrevivência, e pelas religiões, o ser humano, pela evolução do direito, tem
percebido grandes avanços, que legitimam valores relativamente atuais, como a
igualdade entre os seres humanos e a dignidade humana, princípios legais que
contribuíram sobremodo para o bem social.
Antigamente, a desigualdade social, a falta de dignidade de alguns seres
humanos, entre eles as mulheres e os escravos, eram princípios legais e morais que
tinham por objetivo o bem social. Ou seja, eram valores conhecidos e cultuados
como se a ordem dependesse da desigualdade ou da falta de dignidade. A
escravidão dos negros era legítima, e, para alguns, garantia o bem-estar da
sociedade e sinônimo de prosperidade, força e admiração.
Na medida em que o ser humano conhece a si mesmo, ou seja, a sociedade
conhece a si mesma, cuida de si mesma; desta dialética, surgem novos princípios e
regras para alcançar o mesmo bem social, possuindo o direito a função de solidificar
esse novo conhecimento da sociedade. O ser humano procura progredir para viver
melhor. Do ponto de vista da Filosofia, esta evolução estaria no descobrimento da
verdade. Para Foucault, existe uma análise prévia, ou seja, a pesquisa filosófica
consiste:

Não certamente sobre o que é verdadeiro e sobre o que é falso, mas


sobre o que faz com que haja e possa haver verdadeiro e falso,
sobre o que nos torna possível ou não separar o verdadeiro do falso.
Chamemos “filosofia” a forma de pensamento que se interroga sobre
o que permite ao sujeito ter acesso à verdade, forma de pensamento
que tenta determinar as condições e os limites do acesso do sujeito à
verdade (FOUCAULT, 2006, p. 19).
21

Dando continuidade ao raciocínio, Foucault explica que a proposta da


espiritualidade é a transformação do ser humano por meio de “um movimento que
arranca o sujeito de seu status e de sua condição atual (movimento de ascensão do
próprio sujeito; movimento pelo qual, ao contrário, a verdade vem até ele e o
ilumina)” a que se dá o nome de Eros (amor).
Como pode ser observado, o estudo do ser humano merece uma atenção
redobrada, pois tenta conceituar algo que nem sequer conhece a si próprio. Além
disso, o próprio ser, objeto de estudo, questiona não somente a própria verdade,
mas se, de fato, há alguma verdade ou falsidade sobre seu próprio ser em constante
movimento.
Assim, a definição do ser humano, em um momento, pode ser diferente
daquela alcançada em outro, por sua constante mutação em uma tentativa de
“elaboração de si para consigo” (FOUCAULT, 2006, p. 20).
Para o judaísmo e para o cristianismo, o homem foi criado por Deus, à sua
imagem e semelhança (Gênese, 1:26). Se fosse adotada essa visão primordial, seria
necessário conhecer a concepção de Deus, pois através d’Ele (o criador) seria
conhecida a criatura. Porém, esta tarefa não seria nada fácil, tendo em vista as
inúmeras definições e noções de Deus, algumas até mesmo contraditórias. Além
disso, partindo desse princípio de pesquisa também seria descartada a premissa dos
céticos, segundo a qual Deus é criação do homem, e não o homem d’Ele. Em todo o
caso, é senso comum nas religiões (nas mais diversas escrituras sagradas) que o
ser humano é dotado de corpo e de alma.
Da mesma forma, os pensadores também reconhecem a presença do corpo e
da alma no ser humano, porém dividem-se em duas correntes: a dos monistas e a
dos dualistas. Os monistas defendem que o Universo se compõe de uma só
substância:
E que todas as coisas são regidas por uma só lei, que é a lei da
natureza, lei esta a que se sujeita a totalidade dos fenômenos, sejam
eles físicos, psíquicos, ou de qualquer outra ordem. De acordo com
tal pensamento, não há diferença essencial entre a matéria e o
espírito, o corpo e a alma, o físico e o psíquico, que nada mais são
do que manifestações diversas de uma única substância (SILVA
TELLES, 2004).

Os monistas dividem-se em materialistas e espiritualistas: os primeiros


sustentam que a única substância existente é a matéria; e os segundos, o espírito.
22

Já os dualistas entendem que há duas substâncias distintas: o corpo e a alma, com


essências diferentes.
Para o desenvolvimento deste trabalho, a questão sobre a existência de uma
ou de duas substâncias universais não é relevante. Importa apenas admitir que o ser
humano é constituído de um corpo e de uma alma e esta em seu sentido lato; ou
seja, abrangendo todos os outros conceitos possíveis: mente, espírito, psique,
consciência, a fim de que sejam evitadas contradições de conceitos religiosos e haja
uniformização da linguagem. Espera-se, deste modo, que haja entendimento do
conceito principal do trabalho, independente de preconceito ou de alguma
discordância com conceitos acessórios.
Se a parte imaterial do ser humano é dividida entre alma e espírito, como
entendeu São Tomás de Aquino, embora pareça ser esta a definição mais acertada,
para este trabalho, acredita-se ser mais didático fixar como ponto de partida a
conceituação do ser humano como um ser vivo que possui alma e corpo, ainda que
esta definição também possa servir para os animais. Mas talvez a diferença entre o
ser humano e os animais seja apenas o que se passa dentro de suas almas, e a
capacidade de os primeiros controlarem impulsos que nos segundos é impossível.
Basta-nos, portanto, a constatação, despida de qualquer preconceito ou
dogma, de que o ser humano é um ser vivo constituído de duas partes: a material,
denominada corpo, e outra imaterial, denominada alma. E é com base nesta
premissa, que atende tanto a filosofia dos monistas quanto a dos dualistas,
materialistas ou espiritualistas, que a tese se apresenta.

3.1 Os movimentos da alma e seus sentidos

Há no corpo humano dois tipos de movimentos: 1) os vitais, consistentes


naqueles dos quais dependem para a sobrevivência do corpo, como circulação do
sangue, pulsação, respiração, digestão e nutrição; 2) os movimentos animais, ou
voluntários, como andar, pular, correr, pegar, morder etc., estando o início destes
movimentos voluntários na sensação, que seria “o movimento provocado nos órgãos
e partes inferiores do corpo do homem pela ação das coisas que vemos, ouvimos
etc.” (HOBBES, 2008, p.15).
23

A imaginação seria o resíduo deste movimento que permanece depois da


sensação. A sequência de imaginações denominou-se de discurso mental. Por essa
ideia, concluímos a importância desse movimento, denominado discurso mental,
para a criação do Direito. Esse movimento interno, de discurso mental, é o que faz o
ser humano conhecer-se e cuidar-se, para que possa não apenas sobreviver, mas
sobreviver bem, em relação a si mesmo e aos outros. Conta Platão (2002, p. 64)
que, na gênese, Deus teria criado o ser humano dotado de alma, na qual, “misturado
ao prazer e à dor, apareceria o desejo e, além destas paixões, o medo, a cólera, e
as afeições suas resultantes, ou as que são naturalmente contrárias”. Segundo ele,
“se os homens dominassem essas afeições, viveriam na justiça; se se deixassem
por elas dominar, viveriam na injustiça”.
Aristóteles (2002, p. 61) afirma que “a alma é bipartida, uma parte sendo
irracional e a outra capacitada de razão”, muito embora sejam elas “partes
inseparáveis como os lados convexo e côncavo de uma curva”. A parte irracional,
para ele, seria dupla, sendo uma vegetativa, que não participa, de maneira alguma,
do princípio racional, e a outra, que é a sede dos apetites e do desejo em geral, que
participa, de certo modo, do princípio racional, sendo obediente e submissa a ele.
Santo Agostinho (1999, p. 291), por sua vez, no auge do diálogo consigo
próprio, demonstra a luta interna em busca da verdade, reconhecendo que se
pratica “uma infâmia quando a alma não refreia os afetos de onde nascem os
prazeres carnais. Assim, se a própria alma racional é viciosa, os erros e as falsas
opiniões contaminam a vida”. Nietzsche (1998, p. 73) demonstra o movimento
doloroso da alma consigo mesma no seguinte trecho:

A hostilidade, a crueldade, o prazer na perseguição, no assalto, na


mudança, na destruição – tudo se volta contra os possuidores de tais
instintos: esta é a origem da má consciência. Esse homem que, por
falta de inimigos e resistências exteriores, cerrado numa opressiva
estreiteza e regularidade de costumes, impacientemente lacerou,
perseguiu, corroeu, espicaçou, maltratou-se a si mesmo, esse animal
que querem “amansar”, que se fere nas barras da própria jaula, este
ser carente, consumido pela nostalgia do ermo, que a si mesmo teve
de converter em aventura, câmara de tortura, insegura e perigosa
mata – esse tolo, esse prisioneiro presa da ânsia e do desespero
tornou-se inventor da “má-consciência”. Com ela, porém, foi
introduzida a maior e mais sinistra doença, da qual até hoje não se
curou a humanidade, o sofrimento do homem com o homem,
consigo: como resultado de uma violenta separação do seu passado
animal, como que um salto e uma queda em novas situações e
condições de existência, resultado de uma declaração de guerra aos
24

velhos instintos nos quais até então se baseava sua força, seu prazer
e o tempo que inspirava.

Para Heidegger (1999, p. 69), a importância da angústia nos movimentos da


alma (para ele subdividida em ente, ser-aí e nada) é assim descrita:

Somente porque o nada está manifesto nas raízes do ser aí pode


sobrevir-nos a absoluta estranheza do ente. Somente quando a
estranheza do ente nos acossa, desperta e atrai ele a admiração.
Somente baseado na admiração – quer dizer, fundado na revelação
do nada – surge o “porquê” [...] O ser-aí humano somente pode
entrar em relação com o ente se se suspende dentro do nada. O
ultrapassar o ente acontece na essência do ser-aí. Este ultrapassar,
porém, é a própria metafísica.

Por fim, a Teoria hegeliana, segundo a qual o movimento da alma se dá


através da dúvida. Para ele, esse caminho:

Pode ser considerado o caminho da dúvida [Zweifel] ou, com mais


propriedade, caminho do desespero [Verzweilflung]; pois nele não
ocorre o que se costuma entender por dúvida: um vacilar nessa ou
naquela pretensa verdade, seguido de um conveniente desvanecer-
de-novo da dúvida e um regresso àquela verdade, de forma que, no
fim, a coisa seja tomada como era antes (HEGEL, 2007, p. 339).

O que se extrai de tudo isso é que o ser humano tem a convicção de que seu
corpo está destinado ao crescimento, envelhecimento, e à morte. O crescimento e a
morte são certos, mas o envelhecimento só àqueles que não encontraram a morte
antes da velhice, por sorte ou azar. Porém o ser humano não tem ainda, salvo
crenças místicas, certeza do destino de sua alma, tampouco a consciência de todos
os movimentos que nela ocorrem. O que se mostra, pela narrativa dos filósofos
supracitados, é que há na alma humana um ou vários movimentos que fazem com
que ela se conheça, e procure conhecer o que está fora dela, por meio de um
processo de dúvida, de desespero, em busca de equilibrar seus instintos mais fortes,
expandir-se, tornar-se mais forte, mais lúcida, mais feliz.
Pode-se concluir, ainda, que há na alma o desejo de dominar a si própria; ou
seja, de manter um controle interior que pode ser objeto de crítica ou de elogio.
O importante é constatar que a alma humana não é estática, está em
constante movimento e, na maior parte das vezes, em luta consigo própria, tentando
ora se descobrir, pelo processo da dúvida ou desespero, ora se dominar, ora se
limitar, ora transbordar seus limites.
25

Enfim, se há na alma movimentos, esses movimentos podem ter um sentido.


As religiões distinguem-se com relação ao sentido desses movimentos. Para os
judeus, a alma será elevada a uma condição de salvação, e, portanto, ausência de
sofrimento, com a vinda do Messias. Virá alguém para expurgar o sofrimento do ser
humano e levá-lo a um lugar de perfeita paz e harmonia.
Para os cristãos, esse Messias já veio (e é essa basicamente a diferença
entre o Judaísmo e o Cristianismo) representado na figura de Jesus Cristo. O cristão
que seguir a mensagem de Cristo, especialmente, de amor, elevar-se-á ao Reino de
Deus, libertando-se de todos os sofrimentos (Eu sou o caminho, a verdade e a vida.
Ninguém vem ao Pai, senão por mim – Evangelho de João, 14:6). Para os budistas,
a alma do ser humano já está livre, mas não tem consciência desta liberdade.
Enquanto não se conscientiza, a alma está presa à própria ignorância, na sua ideia
de finitude, fragilidade e incompletude. Assim, a tarefa da alma é de, especialmente
pela compaixão, tomar consciência de seu estado liberto, de sua infinitude e de sua
completude. Ou seja, para o budismo, o sentido do movimento da alma é tornar-se
lúcida, e, desta forma, tomar consciência de si, no estado chamado enlightment ou
iluminação.
Está aí a grande possibilidade de diferençar os homens dos animais, pois, do
contrário, como descreve Hannah Arendt (2008, p. 28):

Só os melhores (os aristoi), que constantemente provam ser os


melhores (aristeuein, verbo que não tem equivalente em nenhuma
outra língua) e que preferem a fama imortal às coisas mortais, são
realmente humanos; os outros, satisfeitos com os prazeres que a
natureza lhes oferece, vivem e morrem como animais.

De fato, se os animais também possuem alma e corpo, o que se passa dentro


da alma de um homem é que o faz diferente dos animais. Se vive para comer, para
beber, caçar (trabalhar) e para ter relações sexuais, seguindo seus instintos
primitivos sem qualquer freio, um ser humano em nada se distingue dos animais. É
dura, porém verdadeira a constatação de Hannah Arendt; por outro lado, instiga o
ser humano a olhar para as estrelas para alimentar sua alma, ao invés de apenas
ciscar na terra para buscar alimento, prazer ou conforto para seu corpo.
26

Esta comparação também é feita por Nietzsche (2007, p. 362), ao descrever o


sentido do movimento da alma do ser humano que, para ele, está próxima do
macaco e deve ir até o homem, e além do homem: o super-homem.3

Eu vos proponho o Além-homem. O homem é algo a ser superado.


Até então, todos os seres criaram algo que os ultrapassou; quereis
ser o refluxo dessa grande maré e retornar ao animal, em vez de
superar o homem? [...] Que é o símio para o homem? Uma irrisão ou
uma dolorosa vergonha. Pois tal deve ser o homem para o Além-
Homem: uma irrisão ou uma vergonha. Percorrestes o caminho que
vai do verme ao homem, tendes ainda em vós muito do verme.
Outrora fostes símios e até hoje o homem é ainda mais símio que
todos os símios. Até o mais sábio entre vós é um ser indeciso e
híbrido entre planta e fantasma. Acaso vos aconselhei que vos
tornásseis planta ou fantasma?
Eis, eu vos ensino o Além-Homem.
O Além Homem é o sentido da terra. Assim fale a vossa vontade:
possa o Além-Homem tornar-se o sentido da terra!

Pela descrição do filósofo prussiano o tal super-homem, ou Além-Homem


seria um grau de evolução da alma do homem e não outra espécie de ser vivo. A
comparação evolucionista que ele faz do homem com o verme e o macaco tem fins
unicamente didáticos e também provoca o ser humano a ser melhor do que os
animais que julga inferiores.
Em uma abordagem parecida, Aristóteles ensina seu filho Nicômaco que o
homem deve se afastar da sua natureza bestial para se aproximar de outra de
excelência moral, sendo o cultivo das virtudes o melhor método para a obtenção de
tal fim. Afirma, ainda, que é o homem virtuoso aquele mais feliz (ARISTÓTELES,
2002, p. 55). Nesta comparação, ele não exalta o orgulho do ser humano a se
afastar dos animais, mas sim aconselha seu filho de que o ser humano, se virtuoso,
é mais feliz do que o que fica mais próximo da sua própria natureza bestial. O
prêmio da prática da virtude é a felicidade, ainda que às vezes não pareça ser bem
assim.
Também seguindo o mesmo critério de ascensão, porém com mais detalhes e
definições, Santo Agostinho (2006, p. 153) enumera sete graus de ascensão da
alma: No primeiro grau, a alma “vivifica com sua presença este corpo terreno e
mortal, ela o unifica, e o mantém organizado como corpo vivo, e não permite que se

3 Ou além-homem (übermensch).
27

dissolva nos elementos de sua composição orgânica”. Neste grau, a alma dos seres
humanos está no mesmo nível da alma dos vegetais, executando a função basilar
de animar o corpo. No segundo grau, já diferenciando a alma dos seres humanos da
dos vegetais, a alma concentra-se no:

Tato, e por meio dele sente e identifica o quente e o frio, o áspero e o


suave, o duro e o macio, o leve e o pesado. E saboreando, cheirando,
ouvindo e vendo, distingue diferenças inúmeras de gostos, cheiros e sons
e formas. Apetece ali o que lhe agrada à natureza corporal, repelindo o
que desagrada. Por algum tempo se retira dos sentidos, reparando as
forças no descanso, onde deixa correr livremente a imagem das coisas
obtidas pelos sentidos, e o faz no sono e nos sonhos. Através do exercício,
movimenta-se prazerosamente, compondo a harmonia dos membros.
Enquanto possível, procura a união dos sexos, e da natureza de dois faz
uma só, no amor e na sociabilidade. Não só gera filhos, como os abriga,
protege e alimenta. Acostuma-se ao meio ambiente, e às coisas que lhe
sustentam o corpo, das quais dificilmente quer se afastar, como se fossem
uma parte sua. E à força de costume, que nem a separação das coisas
impede, chama-se memória (sensível) (AGOSTINHO, 2006, p.154).

Este segundo grau da alma é o mesmo dos animais irracionais; ou seja, o ser
humano que vivesse neste segundo grau, em nada se diferenciaria dos animais
irracionais, viveriam apenas para o seu próprio sustento, tendo relações sexuais,
abrigando e alimentando a si e a sua prole.
No terceiro grau, a alma do ser humano se distingue da dos animais
irracionais. É neste terceiro grau que a razão, a imaginação e a criação do ser
humano terão expressão nas:

Variedades de artes e técnicas, no cultivo dos campos, na construção de


cidades, e realizações de todos os tipos de grandezas produzidas... na
variedade de idiomas, nas instituições sociais, em tanta coisa nova surgida
sempre, como na recuperação de outras... na variedade de livros, e em
todos os monumentos erguidos e entregues ao cuidado das gerações
futuras... nos poderes constituídos, nas honras e dignidades, seja na
família como na sociedade...nas cerimônias profanas e sagradas, na paz e
na guerra... na cautelosa produção oratória, na arte poética, e muitas
outras criações destinadas à diversão, aos esportes, à pratica musical, a
precisão da arte de calcular, e as conjecturas do futuro a partir das
realizações do presente (AGOSTINHO, 2006, p. 155).

De acordo com o bispo de Hipona, grandes são estas coisas e próprias


somente do ser humano; Contudo, serão “comuns aos estudiosos e aos ignorantes,
aos bons e aos maus”. Porém, no quarto grau de ascensão da alma, começa a
manifestação da bondade do ser humano.
28

É no quarto grau que:

A alma ousa sobrepor-se não somente ao corpo – que é parte


integrante ao universo – mas ao mesmo universo. Não considera
coisas suas os bens deste mundo, aprende a estimar sua potência e
beleza acima destes bens, pois distingue os valores, e menospreza
os bens apenas terrenos. Quanto mais aproveita o uso destes bens,
tanto mais deles se afasta, libertando-se de toda a imperfeição,
fazendo-se mais pura e mais perfeita, fortificando-se contra tudo o
que pode afastá-la do seu propósito e decisão (AGOSTINHO, 2006,
p. 155).

Neste grau ainda há “muito esforço e muita luta contra os empecilhos e


seduções do mundo. No mesmo esforço por sua purificação, existe ainda certo
medo da morte, pequeno, às vezes, e muito grande em certos casos” (AGOSTINHO,
2006, p. 157). Neste estágio, a alma ainda luta consigo própria de maneira ferrenha,
e, embora saiba distinguir o certo do errado, ainda age da maneira errada.
No quinto grau, a alma está “livre de toda imperfeição, e purificada de seus
pecados” (AGOSTINHO, 2006, p. 157) alegrando-se de si mesma. Neste estágio, a
alma “nada mais teme, nem se intranquiliza por coisa alguma, a menor que seja, nos
assuntos interiores”. Compreende plenamente sua grandeza, e pode tender à
“contemplação mesma da verdade, e ao altíssimo e secretíssimo prêmio pelo qual
se esforçou tanto”. Neste grau, a alma já sabe o que é certo e já o pratica, tendo
diminuído sensivelmente a sua luta consigo mesma, e, embora esteja purificada de
seus pecados, consegue contemplar a possibilidade de os praticar novamente,
porém, não mais cede às seduções do mundo aos quais ficava submetida no estágio
anterior.
No sexto grau, a alma, livre de toda imperfeição, procura “conservar e
reafirmar a sua integridade moral”, dirigindo “o olhar de modo sereno e adequado ao
que deve ser visto”. Neste grau, a alma se expressa na própria compreensão de si
mesma, mas “a tendência a compreender aquilo que realmente é a alma, e o é de
modo mais sublime, vem a ser também a mais alta expressão da alma, e nada existe
mais perfeito, melhor e mais correto” (AGOSTINHO, 2006, p.158).
O sétimo e último grau, para Santo Agostinho, “já não é um grau, é certa
mansão ou morada aonde se chega através dos graus”. Porém reconhece
desconhecer “com que palavras dizer das alegrias do bem supremo e verdadeiro, ou
que inspiração terá a alma em sua serena eternidade”.
29

Ele afirma ser:

Tão grande a alegria de contemplar a verdade, seja sob que aspecto


a contemplemos, é tamanha a perfeição, a fé inabalável nas coisas
verdadeiras, que ninguém suporá ter sabido realmente alguma coisa
antes, ao supor saber algo, sem ter contemplado a verdade ela
mesma (AGOSTINHO, 2006, p. 160).

A confusão, a dúvida, as angústias que existiam na alma de Santo Agostinho


quando escreveu “Confissões” desapareceram nesta obra, dando indícios que ele
chegou ao 7º grau, pois, caso contrário, não poderia descrevê-lo com a serenidade
que o fez. Sem dúvida, a alma que escreveu “A Potencialidade da Alma”, não é a
mesma alma que escreveu “Confissões”. A serenidade, a certeza, a leveza das
palavras nesse livro sobre a alma são testemunhos do processo tortuoso e agitado
que enfrentou o bispo de Hipona em sua alma, mas que teve êxito ao final. Parece
que valeu a pena, o que incentiva os iniciantes irem em frente.
Esse mesmo movimento é descrito por Hegel, com outras palavras. Para ele,
há um movimento dialético da alma, de forma a possibilitar, através da intuição, a
elevação da consciência natural à consciência do Absoluto. Para ele:

O Absoluto não deve ser expresso em conceito, mas somente


sentido e intuído. Não é o seu conceito, mas seu sentimento e sua
intuição que devem tomar a palavra e receber a expressão.

[...]

O Belo, o Sagrado, o Eterno, a Religião e o Amor são apenas


iguarias que se exigem para despertar o prazer de provar. O apoio e
a difusão progressiva da riqueza da substância devem ser buscados
não no conceito, mas no êxtase, não na necessidade da coisa que
procede friamente, mas no fervido entusiasmo (HEGEL, 2007, p.
298).

Durante esse movimento, porém, diz o filósofo, há uma exigência:

Que corresponde o esforço tenso e quase violento e irritado para


arrancar os homens do seu afundamento no sensível, no comum e
no singular, e para dirigir seu olhar para as estrelas como se eles,
totalmente esquecidos do divino, estivessem a ponto de se contentar,
como o verme da terra, com a lama e água (HEGEL, 2007, p. 298).

A hipótese suscitada neste trabalho é a de que o casamento representa uma


das formas para alcançar esta consciência absoluta, justamente porque o ser
humano possui dentro de si a parte masculina e a parte feminina de seu corpo
imaterial. Ou seja, o ser humano é completo em si mesmo, porém, para chegar a
30

consciência dessa completude, ele precisa do outro que faz, por meio de profundo
amor, a função do espelho, e possibilita enxergar aquelas partes escondidas do
corpo, que os movimentos mecânicos do corpo, sozinhos, não conseguem ver.
Além disso, se a alma humana tem condições de alcançar o Absoluto, ela
carrega dentro de si todos os sentimentos, dos piores aos melhores. O Absoluto não
comporta outro ser além d’Ele. Todos os seres estão dentro d’Ele, ainda que possam
ser diferenciados por nomes ou conceitos. O Absoluto é o Absoluto. Chegando-se a
Ele não há separação, há completude. As coisas podem ser distinguidas com nomes
diferentes, mas não há separação entre elas. É possível dar nome às árvores, aos
rios, aos peixes, às montanhas, aos animais, aos planetas, às estrelas, aos
Universos, mas tudo continuará dentro do Absoluto.
Há termos que se usam para designar o Absoluto. E aqui, em todo o trabalho,
tratamos Absoluto com a ideia que se expressa comumente em Deus. Não um Deus
transcendente, mas sim imanente. Aquele em que o ser humano pode tocar com sua
alma, mergulhar, vivenciar. Conforme Santo Tomás de Aquino, não convém nomear
Deus (AQUINO, 1973, p. 109), entre outras coisas, porque não pode ser designado,
“nem pode ser expresso relativamente”.
O fato de não poder ser relativo significa que não pode o ser humano nomear
Deus, defini-LO, atribuir qualidades ou defeitos. Dizer se é bom ou mau, ou se tem
inclinação para o bem ou para o mal. Deus, no sentido de Absoluto é absoluto.
Sendo absoluto Ele é tudo. E sendo tudo, qualquer palavra que o expresse estará
justamente tirando a sua qualidade essencial: ser absoluto.
Hegel expressa o Absoluto também como Espírito, e afirma que Ele
“conquista a sua verdade somente quando se encontra a si mesmo na absoluta
dilaceração” (HEGEL, 1999, p. 309).
Reconhece Hegel que Deus não é bom nem mau: “O Espírito não é esse
poder a modo positivo que se desvia do negativo, como acontece quando dizemos
de alguma coisa que ela não é nada ou é falsa”. O Espírito, ou Absoluto é o “poder
somente quando contempla o negativo face a face e junto dele permanece. Esse
permanecer é a força mágica que converte o negativo em ser” (HEGEL, 1999, p.
309).
O deus relativo (emprego com letra minúscula porque não se trata do
Absoluto) é um deus que pode ser adotado como um meio pedagógico de se
apresentar Deus, o Absoluto. Dizer que Deus é bom, Deus castiga se as crianças
31

não fazem a coisa certa, que Deus tudo vê, e avalia todas as coisas do ser humano,
e Ele proverá, pode ser um meio para inspirar o ser humano a crer na existência do
Absoluto e buscá-Lo. O sentimento de fé no Absoluto, por si só, não preenche o
vazio do ser humano nem sua angústia. O que preenche o ser humano é a
experiência do Absoluto, momento em que o ser não vê Deus, não crê em Deus, ele
sente Deus.
Criar a ideia de que é possível conversar com Deus, que podemos pedir a
Ele, como se estivéssemos pedindo para algo fora de nós, pode funcionar
pedagogicamente a fim de que o ser possa começar a fazer uma imagem do
Absoluto que um dia poderá encontrar, não no conceito, mas no êxtase, não pela
razão, mas pela intuição, e sentir dentro de si Aquilo com quem conversou durante a
sua vida.
A confissão constitui uma forma de o ser humano reconhecer o que fez, e que
acha que fez errado, trazer para o mundo as dores que passam em sua alma
dividida em razão de este fato deixá-lo sentir-se culpado, torturando-se. Através do
padre, o ser humano procura fazer a mediação da alma relativa com ela mesma a
fim de obter paz de espírito. Esta atividade do sacerdote foi reproduzida pela
psicanálise, que reconheceu na fala um modo de curar. Ao fazer o exercício de
representar os sentimentos que passam na alma, conceituá-los e avaliá-los, o ser
humano pode curar sua enfermidade, sua dor, que só têm lugar na relatividade.
De qualquer forma, o que se percebe é que, tanto na confissão, quanto no
consultório, a alma está conversando com ela própria, ainda que por meio de outro
ser. Mas se ambos fazem parte do Absoluto é sempre a consciência conversando
com ela mesma, ou seja, como citado, “o sujeito não tem fora de si a mediação, ele
é a própria mediação” (HEGEL, 1999, p. 309).
Quando se alça à consciência absoluta, o sujeito enxerga tudo interligado.
Pode distinguir a mão do pé, o braço da cabeça, mas são membros de um mesmo
corpo. Pode nomear o Brasil, a Argentina, a Alemanha, ou os Estados Unidos, mas
reconhece uma ligação umbilical entre eles. Vê o Sol, a Terra, as estrelas, as
galáxias e os buracos negros, mas percebe que todos estão unidos no Absoluto.
São imagens separadas dentro de uma mesma tela.
No Absoluto é possível distinguir as pessoas umas das outras, os outros
seres vivos também, mas todos fazem parte d’Ele e todos podem alcançar esta
consciência.
32

Jung trata esse processo com outras palavras. Para ele, há dentro da alma
humana duas partes: uma consciente e outra inconsciente. O ego seria o núcleo da
parte consciente, o self, o núcleo da parte inconsciente, mas também o núcleo de
toda a alma. Há uma parte da alma, denominada sombra, que seria a parte que o
ser humano nega existir em si mesmo.
Tal expressão da alma, segundo Jung, pode ser objeto de observação na
seguinte imagem:

Essa seria, para Jung, uma fotografia didática da alma. Em sua teoria, o
movimento de individuação4 do ser humano compreende o percurso do caminho do
consciente (A), que é a parte clara, e cujo núcleo é o ego, até o inconsciente (B),
que é parte negra e parte cinzenta (sombra). Neste caminho, o indivíduo transforma
o inconsciente em consciente, e desloca-se do núcleo do consciente (ego), ao
núcleo de toda a alma, o Self, tendo-se assim a consciência plena de si. Esse
caminho se dá com a realização da sombra, a consciência da anima e do animus,
que seriam os arquétipos feminino e masculino no interior da alma, e, por fim, o
encontro com o Self que é o núcleo mais profundo da alma, onde o ser deixa de lado
todo e qualquer processo mental de imitação inconsciente.
A realização da sombra ocorre “quando a pessoa fica consciente (e muitas
vezes envergonhada) das tendências e impulsos que nega existirem nela mesma,
mas que consegue perceber perfeitamente nos outros” (JUNG, 1986, p. 168). Seria
a sombra a parte bestial da alma, o que os maniqueístas chamariam de mal. O
exercício para começar a reconhecer a própria sombra está em enxergar em si tudo
aquilo que há nos outros. Reconhecer a inveja, a raiva, as necessidades biológicas,
o desejo de poder, a vaidade dos outros, e atribuir a si próprio estes defeitos é uma

4 Ou maturidade da alma.
33

forma de começar a entender o Absoluto, sendo este símbolo, do Yin Yang, onde o
Yin (preto) é o feminino, o passivo, a sombra, o irracional, e o Yan (branco) o
masculino, o ativo, a luz, o racional, usada pelo Taoísmo, uma forma para
apresentar este estado de consciência na harmonia entre o masculino e o feminino:

Se o ser humano faz parte do Absoluto carrega dentro de si todas as virtudes


e todos os vícios. Certamente, quando se pensa no Absoluto, não se pode atribuir-
Lhe adjetivos, como vícios ou qualidades. Estes adjetivos relativos servem para o
ser humano viver e dialogar no mundo, ainda que este mundo esteja dentro do
Absoluto. Contudo, para encontrar este Lugar, dentro de si, dentro da própria alma,
é preciso reconhecer o lado da união entre a luminosidade e a sombra que existe
dentro da parte imaterial do ser humano, o que é feito através do outro. O espelho
do outro conduz o ser humano a navegar nestes lugares obscuros. No casamento,
quando há sentimentos de desespero, de ódio, de decepção, de sensação de
abandono, o ser humano é levado a conhecer estes mares tenebrosos que existem
e que compõem o Absoluto, chamados por sua anima e por seu animus. A anima,
segundo Jung:

É a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na


psique do homem – os humores e sentimentos instáveis, as intuições
proféticas, a receptividade ao irracional, a capacidade de amar, a
sensibilidade à natureza e, por fim, mas nem por isso menos
importante, o relacionamento com o inconsciente.
34

Esse diálogo do consciente com o inconsciente, mediado pela anima ocorre,


conforme Jung, em quatro estágios:

O primeiro está bem simbolizado na figura de Eva, que representa o


relacionamento puramente instintivo e biológico; o segundo pode ser
representado pela Helena de Fausto: ela personifica um nível
romântico e estético que, no entanto, é também caracterizado por
elementos sexuais. O terceiro estágio poderia ser exemplificado pela
Virgem Maria – uma figura que eleva o amor (Eros) à grandeza da
devoção espiritual. O quarto estágio é simbolizado pela Sapiência, a
sabedoria que transcende até mesmo a pureza e a santidade, como
a Sulamita dos Cânticos de Salomão. (No desenvolvimento psíquico
do homem moderno este estágio é raramente alcançado. Talvez seja
a figura da Mona Lisa a que mais se aproxima deste tipo de anima).

O animus, por sua vez, é a personificação de todas as tendências


psicológicas masculinas na alma da mulher, a receptividade do racional, os
sentimentos estáveis, a obstinação fria, e também a capacidade de relacionamento
com o inconsciente. Da mesma forma que a anima, o animus possui quatro estágios
de desenvolvimento:

- O primeiro é uma simples personificação da força física – por exemplo, um


atleta ou “homem musculoso”.

- No segundo, o animus possui capacidade de planejamento, seria o “homem


romântico”.

- No terceiro, é o “homem realizador”, ativo, prático, criador, em que o animus


é a personificação do “verbo”.

- No quarto e último estágio, o animus personifica “o pensamento”, e é nesta


fase superior que “o animus se torna o mediador de uma experiência religiosa
através da qual a vida adquire novo sentido". Dá à mulher uma firmeza
espiritual e um invisível amparo interior, que compensam a sua brandura
exterior (JUNG, 1986, p. 194).

E, por fim, se “um indivíduo lutou séria e longamente com a sua anima ou o
seu animus de maneira a não se deixar identificar parcialmente com eles, o
inconsciente muda o seu caráter dominante e aparece em uma nova fase simbólica,
representada pelo self, o núcleo mais profundo da psique” (p. 195).
35

As relações matrimoniais, do ponto de vista psicológico, têm a função de


mediar o diálogo da parte consciente com a parte inconsciente da alma. Ou seja, o
outro, na relação matrimonial, desempenha a função dos arquétipos masculinos e
dos femininos, e ainda da sombra; faz o papel de espelho para que a parte
consciente da alma perceba a sua parte inconsciente, e, assim, atinja a
compreensão plena e mais real de seu próprio ser. Uma consegue se enxergar por
meio da outra, dando-se conta, desta forma, da sua integralidade. Esse processo
não é simples nem rápido. A própria percepção da existência desse processo mental
de compreensão e a sua fenomenologia é tarefa árdua e sutil. Deixar de enxergar o
outro como outro, passando a enxergá-lo como parte de si, é uma grande tarefa.
Disto tudo, afigura-se evidente que a alma do ser humano está em constante
movimento, e esse movimento tem um sentido, que seria o da busca da excelência
moral para Aristóteles; do Além-Homem para Nietzsche; do sétimo grau de
ascensão segundo Santo Agostinho; do Self segundo Jung; e do Absoluto segundo
Hegel.
Não há divergência entre os pensadores quanto à necessidade de um
trabalho árduo, contínuo e persistente em busca de tais objetivos. A divergência
talvez esteja apenas na forma da linguagem e no método para alcançá-lo.
Excelência moral, sétimo grau de ascensão da alma, Além-Homem, do Self ou do
Absoluto parecem ser descrições para o mesmo estado de consciência.

3.2 Autoridade

Do que foi visto até agora, pode-se extrair que a alma é dotada de pelo
menos duas partes, uma consciente e outra inconsciente, como também de duas
tendências extremas, à bestialidade que pretende atender às necessidades do
corpo, e à moralidade que atende às aspirações da alma.
De qualquer forma, seja para atender as necessidades da alma, seja as do
corpo, o ser humano, quando nasce, já está diante de uma autoridade. Será essa
autoridade externa que o reconhecerá como ser humano,5 de quem ele receberá o
primeiro afeto, dirá onde e como obter seu alimento, a sua segurança, seu grupo
social, sua autoestima, sua realização, o que será o certo, o que o errado, o que

5 “Reconheço que sou como o outro me vê” (SARTRE, 2007, p. 290)


36

será sagrado ou profano. Será esta autoridade que dirigirá inicialmente sua alma da
bestialidade à excelência moral, ou do primeiro grau ao sétimo, ou do símio ao
Super-Homem, da consciência natural à consciência absoluta.
Além dessa autoridade externa, haverá outra interna alcançada por meio da
intuição. Aqui, poderíamos iniciar uma longa discussão a respeito dos
conhecimentos a priori e os conhecimentos a posteriori, da Teoria kantiana, ou ainda
a discussão a respeito do direito natural em contraposição ao direito positivo, se o
ser humano nasce com direitos naturais que podem ser contraditórios com o direito
positivo da sociedade em que ele irá crescer.
Nas palavras de Norberto Bobbio, “o direito positivo “illud est quod ab
homonibus institutum”, isto é, a sua característica é a de ser posto pelos homens,
em contraste com o direito natural que não é posto por esses, mas por algo (ou
alguém) que está além desses, como a natureza (ou o próprio Deus)” (BOBBIO,
1995). Se esse alguém coloca normas de conduta no ser humano recém-nascido,
poderá fazê-lo dentro da alma humana, da mesma forma que coloca no corpo as
informações anteriores por meio do DNA. Porém, não iremos adentrar nesta zona
cinzenta do pensamento.
Sabe-se que há a possibilidade de existir um ordenamento jurídico interno da
alma, que pode entrar em conflito com outro ordenamento jurídico posto pela
sociedade onde nasce o ser humano, que também exerce autoridade, embora de
natureza externa.
Porém, neste capítulo, veremos a influência do ordenamento externo da alma
(independente de haver outro interno), segundo o qual o ser humano aprende a
falar, buscar a própria subsistência, entender o que é importante ou não; ou seja, ter
sua avaliação moral no ambiente em que vive. É nesse ambiente (físico e psíquico)
que o ser humano aprende a cultivar o amor ou ódio. É o ambiente em que o ser
humano nasce que lhe dará condições de desenvolver seu corpo e sua alma.
O que será considerado sagrado, e o que será considerado profano, a forma
de conviver com o outro, se deve amar ou odiar o semelhante, respeitar ou explorar
à exaustão a natureza, abusar do poder ou ser humilde e sabê-lo usar, enfim, guiar-
se pelas virtudes ou pelos vícios. Essas, sem dúvida, serão justamente as tarefas
das autoridades externas do ser humano, especialmente em seus primeiros anos de
vida.
37

Essa espécie de autoridade pode-se dizer que seria aquela a que Hannah
Arendt se referiu como sendo a “que não se confunde com qualquer forma de poder
ou violência”, que “exclui a utilização de meios externos de coerção”, pois nesta
autoridade “onde a força é usada, a autoridade em si mesma fracassou” (ARENDT,
2005, p. 169).
Essa autoridade em discussão é incompatível com o diálogo, pois não aceita
igualdade, nem formação de argumentos e contra-argumentos. É também
hierárquica: até um determinado momento o ser humano não contesta se o leite
materno é ou não saudável para o seu sustento; se a roupa que usa é ou não boa
para si; se a língua a ser falada será o idioma da família ou outro, se o dinheiro da
casa servirá para pagar o supermercado ou a colônia de férias no final de semana,
enfim, atos que não são passíveis de discussão pelo ser humano recém-nascido.
Normalmente, essa autoridade é exercida pelos membros da família. E,
mesmo que o ser humano fique órfão, outras pessoas exercerão o papel referente a
esta autoridade. A autoridade familiar é posta e aceita com relação aos hábitos,
costumes e à moral. Se um bebê brasileiro for criado por pais ingleses, ele
certamente falará a língua inglesa e talvez nunca tenha contato com uma palavra
sequer da língua portuguesa, embora nascido no Brasil. Da mesma forma, é difícil
conceber um ser humano de uma raça amando outro ser humano de outra raça se o
ambiente no qual viveu sempre o ensinou a odiá-lo.
Os Tupinambás eram índios antropófagos, pois acreditavam que comendo a
carne de seu inimigo corajoso eles receberiam o mana dele proveniente, e com isso
se tornariam mais corajosos. Além disso, eles guerreavam com a tribo vizinha desde
os tempos mais remotos, e a guerra fazia parte de sua cultura da mesma forma que
a antropofagia. Tendo chegado os padres católicos à aldeia dos Tupinambás,
horrorizados com o que viram, iniciaram a tentativa de conversão, para que os
silvícolas deixassem de comer a carne humana e de guerrear, pois aquilo trazia a
morte de membros da tribo e talvez eles pudessem viver sem estes dois hábitos.
Depois de muita tentativa de convencimento por parte dos padres, o cacique
da tribo atendeu apenas um dos pedidos. Para ele, era possível deixar de comer a
carne humana, mas não deixaria de guerrear. Com a ausência do primeiro hábito
cultural, a sociedade, segundo o cacique, poderia sobreviver. Mas se eliminasse a
guerra, provavelmente, outros valores sociais iriam ser eliminados, como a coragem,
a força, e a autoestima dos guerreiros que faziam com que a sociedade
38

sobrevivesse. A guerra tinha a sua função social, e, por isso, não poderiam abrir
mão dela. Portanto, aquele índio Tupinambá recém-nascido não poderia conceber
um sentimento de amor à tribo inimiga, porque todo o seu ambiente estava cercado
de ódio contra aquela tribo, e era esse ódio, inclusive, que dava sustentação à
própria identidade da sociedade Tupinambá. Aquele indiozinho, por outro lado,
aprenderia amar seus companheiros de tribo de acordo com os valores que lhe eram
passados por seus ancestrais.
O que se quer dizer com isso é que cada sociedade elege determinados
valores, formas de conduta, para melhor viver e educar os seres humanos que dela
fazem parte, dirigindo as almas de acordo com as experiências de seus
antepassados. Os que nascem nesta sociedade obedecem inconscientemente à
autoridade dos mais velhos, que, por sua vez, obedeceram à autoridade de seus
antepassados.
Todavia, há na alma humana, além desse processo de imitação, outro: o de
progresso. Em razão deste segundo elemento, a sociedade acaba, pouco a pouco,
modificando a cultura, as normas, e os modos de produção de acordo com as suas
necessidades para melhor se adequar ao espaço e ao tempo.
Daí decorre a importância do progresso, seja ele econômico, moral, social,
cultural, científico, jurídico, como manifestação deste movimento de atribuição de
uma autoridade dos antepassados, e ao mesmo tempo, a sua negação, para que
nova seja criada. Hannah Arendt (2005, p. 129) afirma que esta autoridade, em
nossa sociedade moderna está já há algum tempo em crise. Em suas palavras:

Com a perda da tradição, perdemos o fio que nos guiou com


segurança através dos vastos domínios do passado; esse fio, porém,
foi também a cadeia que aguilhou cada sucessiva geração a um
aspecto predeterminado do passado. Poderia ocorrer que somente
agora o passado se abrisse a nós com inesperada novidade e nos
dissesse coisas que ninguém teve ainda ouvidos para ouvir. Mas não
se pode negar que, sem uma tradição firme ancorada – e a perda
dessa firmeza ocorreu séculos atrás – toda a dimensão do passado
foi também posta em perigo. Estamos ameaçados de esquecimento,
e um tal olvido – pondo inteiramente de parte os conteúdos que se
poderiam perder – significaria que, humanamente falando, nos
teríamos privado de uma dimensão, a dimensão da profundidade na
existência humana. Pois memória e profundidade são o mesmo, ou
antes, a profundidade não pode ser alcançada pelo homem a não ser
através da recordação.
39

A Filósofa aponta o problema em sua raiz: subtrair a autoridade moral dos


antepassados e a sua experiência, colocando um ponto final na história para outra
começar, inventar a roda novamente, no âmbito da moral e da ética.
A arrogância do novo faz com que ele tente acabar com todo e qualquer sinal
dos antepassados, a fim de mostrar que a nova filosofia é a certa, e que a antiga
não tinha qualquer valor ou verdade. Por outro lado, entregar-se cegamente a uma
autoridade seria deixar de criar, de inovar, de transpor os limites e estabelecer novos
objetivos mais distantes e, com isso, deixar de progredir, ficar petrificado em um
processo de imitação.
O melhor seria assimilar as tradições e autoridades passadas, como Hegel
assinala:
O botão desaparece no desabrochar da flor, e pode-se dizer que é
refutado pela flor. Igualmente, a flor se explica por meio do fruto
como um falso existir da planta, e o fruto surge em lugar da flor como
verdade da planta. Essas formas não apenas se distinguem, mas se
repelem como incompatíveis entre sim. Mas a sua natureza fluida as
torna, ao mesmo tempo, momentos da unidade orgânica na qual não
somente não entram em conflito, mas uma existe tão
necessariamente quanto a outra; e é essa igual necessidade que
unicamente constitui a vida do todo (HEGEL, 2007, p. 296).

A flor não nega totalmente o botão. Ela parte do botão para se tornar a flor.
Sem o botão, não há flor. Ela carrega em si a essência do botão, mudada pela força
do tempo e da nova experiência. A flor é a flor, que, por sua vez, não deixa de ser
em parte o botão e a planta. As novas filosofias, por vaidade ou outras razões,
querem estabelecer a flor à força, negando o botão e, por vezes, querendo que ela
tenha toda a natureza da planta, que ela não tem, por si só, sem atribuir valor algum
ao botão.
Na evolução da alma, seja em busca da excelência moral, seja para ascender
ao sétimo grau da alma, o ser humano tende a imitar inconscientemente seus
antepassados. Será através deste processo de imitação, que decorre de uma
autoridade, que o ser humano adquire os valores de seus antepassados e os
reproduz. Mas isso não quer dizer que tenha que reproduzir todos os valores
antigos, da mesma forma que a flor não precisa — como não pode — reproduzir
totalmente o botão, pois, caso contrário, não se tornaria flor e se manteria botão.
Todavia, com o processo de individualização do ser humano, esta atribuição
de autoridade entrou em crise e foi sendo deixado de lado o valor do ascendente.
40

Além disso, a distinção entre fé e razão, do ponto de vista da evolução da


alma humana, fez com que o ser humano deixasse de considerar a experiência de
seus antepassados e tentasse, por todos os meios, criar uma nova regra de conduta
para elevar a sua alma à perfeição (ainda que não seja esse um objetivo
consciente), por meio do alcance da felicidade.
Em relação ao Estado, o alcance da felicidade da sociedade é, ou pelo menos
deveria ser, o grande objetivo do direito. O direito, sob esta ótica, representa, ou
deveria representar todo o arcabouço de conhecimento das experiências de nossos
antepassados que, de uma forma ou de outra, foram positivadas a fim de que toda a
nação seguisse aquelas normas visando o bem comum.
A Constituição Federal estabelece o sistema de governo, os princípios
fundamentais, as regras gerais de distribuição de poder e conduta das autoridades,
e as garantias individuais. Está nela o repositório maior do conhecimento jurídico,
obtido ao longo do tempo pelos antepassados da atual sociedade brasileira.
São essas as fontes que hoje estão disponíveis aos novos seres humanos,
para regulamentar a vida social. E essas regras constituem a autoridade moral
apoiada na experiência de nossos antepassados, objetivando o bem comum.
No direito de família, as mudanças dos últimos anos foram significativas,
especialmente com a igualdade entre homem e mulher. Por conta desta igualdade,
garantida pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal, as gerações contemporâneas
vivem um processo de reconstrução da noção de família e estabelecimento de
outras verdades para a relação matrimonial.
Talvez neste momento de crise da relação homem/mulher fosse interessante
que as novas gerações se inclinassem, com um pouco de humildade, ao que seus
antepassados entendiam como verdade nesta relação. Se há na história da
humanidade alguns milênios de experiências a respeito do casamento, não seria
racional o ser humano — desta nova geração — romper totalmente com esse
passado, e criar outro arcabouço de conhecimento totalmente novo. Se a igualdade
entre homem e mulher é fruto do progresso moral da humanidade, não quer dizer
que junto com a desigualdade, todos os outros valores antigos tenham que
desaparecer.
Ao insistir no rompimento com o passado, é provável que a sociedade tenha
de passar pelos mesmos problemas, para chegar às mesmas soluções. Enfim, o ser
humano, hoje, parece estar querendo reinventar a roda no campo do casamento.
41

E isso não quer dizer que a igualdade, fruto do progresso, não deva ser
preservada. Muito pelo contrário! Quer dizer que se deve modificar aquilo que não
serve mais ao direito matrimonial, mas conservar aqueles princípios e valores
antigos que ainda podem ser válidos e eficazes. Se a borboleta deixa o casulo e não
mais o utiliza, porque não lhe serve mais, não quer dizer que tenha de negar a
essência da larva, que um dia foi a sua própria essência.

3.3 Quem é o homem e quem é a mulher hoje em dia?

O ordenamento jurídico procura evoluir de acordo com a evolução dos fatos e


valores da sociedade. O legislador observa o fato, ao qual atribui determinado valor,
e, consequentemente, gera a norma, segundo a Teoria Tridimensional do Direito
(REALE, 1994). Durante vários séculos, viveu-se em uma sociedade patriarcal, na
qual o homem era responsável pelos cargos mais importantes do poder público, bem
como da iniciativa privada. A mulher era apenas um ser humano que gerava os filhos
e deles cuidava. A mulher era restrita aos afazeres domésticos, cuidava da casa, do
marido, dos filhos, enfim, não era conhecida nem reconhecida com poder decisório
na sociedade. Ela era um ser à parte, que tinha uma relevante função social, mas
não era, de modo algum, valorizada como tal.
A sociedade era das relações dos homens com os homens. Por conta disso, a
palavra do gênero masculino “homem” foi utilizada, por muito tempo, na língua
portuguesa, para se referir aos dois gêneros, sendo tal prática decorrente dos
valores culturais à época.
O art. 1º do Código Civil brasileiro de 1916 iniciou dizendo que ele “regula os
direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às
relações”. Porém, logo no art. 2º, deixando transparecer o patriarcado da época,
afirmou: “Todo o homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”. E, no art.
4º, continua: “A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida”.
A lei não poderia ser diferente da cultura patriarcal da época. Mesmo porque,
à época, não havia nenhuma mulher no Poder Legislativo6 nem no Executivo7 nem

6 Carlota Queiroz foi a primeira mulher a ocupar cargo no Poder Legislativo em 1933. Fonte: Projeto
de resolução nº 2/2004 do Senado Federal.
7 Alzira Soriano Souza foi a primeira prefeita de um município do Brasil, eleita em 1928 em Lages –

RN; Roseana Sarney foi a primeira governadora de um Estado Brasileiro (MA-1994).


42

no Judiciário.8 De modo geral, o homem era o representante da sociedade. E assim


era vista e tratada a sociedade brasileira da década de 1920: homens,
acompanhados de suas mulheres e de seus filhos. A mulher vivia à sombra do
homem, inclusive na terminologia jurídica utilizada nas leis.
Assim, entendia-se por homem o macho da espécie, o que seria uma
representação apenas do corpo do ser humano e não necessariamente de sua alma.
A mulher, por sua vez, estava definida por essa palavra, como a fêmea da espécie.
Assim, o homem estaria para o leão, como a mulher para a leoa. Leão sendo o
nome do gênero masculino da espécie panthera leo, e, homem sendo a palavra
designativa do ser adulto do gênero masculino do homo sapiens. Mulher, por sua
vez, seria a palavra que expressava o ser adulto do sexo feminino da espécie homo
sapiens, da mesma forma como leoa é a palavra que expressa o ser do sexo
feminino da espécie panthera leo.
Ocorre que, como dito na premissa deste trabalho, o ser humano é dotado de
corpo e alma. Não se tem notícia de que possa ter sido confirmada a existência de
sexo na alma, e, portanto, salvo as hipóteses em que o homem se distingue da
mulher pelos órgãos reprodutivos de seu corpo, não haveria distinção plausível que
pudesse justificar um tratamento desigual da lei entre homem e mulher.
O fundamento, pois, da igualdade, está na própria constituição da alma dos
dois gêneros. Admitir que o Direito deva tratar o homem e a mulher de formas
diferentes, a não ser no que diz respeito aos aspectos biológicos do corpo, é admitir
que a alma da mulher é diferente da do homem, o que não se pode conceber.
Mesmo porque, o que já se aprofundou na alma humana em termos de psicologia
mostra que ela é dotada de aspectos masculinos e femininos, ou seja, pode
aparecer de fato uma mulher mais masculina do que um homem, ou um homem
mais feminino do que uma mulher. Sem problema algum.
O simbolismo que carrega a palavra mulher e a palavra homem, por terem
diferentes representações na alma humana, gera a diferenciação dos gêneros, e
consequentemente a sua desigualdade. Se em conversas de bar dizem que as
mulheres são daquele jeito, e os homens de outro, ou em alguma literatura, em tom
jocoso, se diz que uns são de Marte e outros de Vênus, entender-se-ia, como seres
absolutamente diferentes, o que contribui para a noção de desigualdade.

8 Thereza Tang foi a primeira juíza do País, em 1954, em Santa Catarina, e desembargadora do
TJSC a partir de 1975.
43

Todavia, essas noções de homem e mulher são absolutamente culturais.


Raciocinando pelos extremos, a “mulher” reconhecida como tal porque tem hábitos
culturais e funções sociais determinadas em uma sociedade, pode vir a ser
reconhecida como “homem” em outra sociedade, cujos hábitos culturais e funções
sociais se mostrem característicos de um macho. Em outras palavras: os hábitos e
funções sociais destinados às mulheres em uma sociedade podem ser destinados
aos homens em outra.
A desigualdade no tratamento entre homem e mulher já gerou muitos abusos
na história da humanidade, e agora, após a Constituição Federal de 1988, não tem
mais razão de ser, ao menos no Brasil. E para que essa desigualdade fosse de uma
vez por todas banida do sistema jurídico nacional, dando nova contribuição para a
educação moral da sociedade, seria melhor que a lei os referisse como seres
humanos.
Isto significa que as características culturais que levam um homem a ser
reconhecido como tal, independente de seu corpo masculino e uma mulher a ser
reconhecida como tal, também, independente de seu corpo feminino, não podem ser
levadas à lei, sob pena de admitir a desigualdade entre as almas dos gêneros. Se há
direito da mulher a um certo número de meses após o nascimento do filho, porque
não conceder o mesmo direito ao homem. Se ele não pode amamentar, pode fazer
outras coisas que ajudariam nestes primeiros meses. Além disso, a igualdade deste
tipo de direito trabalhista, faria com que os salários fossem igualados. Se homens
tiverem os mesmos direitos que as mulheres quando nascem filhos, não haverá mais
razão lógica para desigualdade de salários. Essa é uma das possibilidades de
mudança na legislação para tal fim.
Em determinada época, tanto em Portugal quanto no Brasil, na vigência das
Ordenações Filipinas,9 havia diferenciação de tratamento entre os mouros, os judeus
e os cristãos:

Livro 3. Tit. 56:


§4...
O Judeu e o Mouro não podem ser testemunhas, nem serão
perguntados em feito, que hum Christão haja com outro. Porém, se
for a contenda entre Judeu e Christão valerão igualmente os
testemunhos dos Judeus com os dos Christãos, sendo dados os
Judeus por testemunhas pelo Christão, e os Christãos pelo Judeu. E
o que dizemos no Judeu, haverá isso mesmo, lugar no Mouro.

9 Nas questões cíveis, vigeram até jan. 1917, quando entrou em vigor o Código Civil de 1916.
44

Da mesma forma como foi banida da legislação esta diferenciação religiosa


que contribuiu e contribui para a igualdade dos que se definem por suas religiões, a
partir da instituição da Constituição de 1988, homens e mulheres foram equiparados
em direitos e obrigações, e não há razão para distinção do ser humano com esta
terminologia de homem e de mulher.
Assim como não há necessidade de dizer que homens brancos e homens
negros são iguais perante a lei, não há qualquer razão que justifique a nomenclatura
diferenciada para o homem e para a mulher usada na legislação, a não ser a
memória de desigualdade do passado:
Se o art. 5º da Constituição Federal determina que “Todos são iguais perante
a lei”, não mais precisaríamos dizer na legislação que homens e mulheres são
iguais, nem que brancos e amarelos são iguais, nem que negros e mulatos são
iguais. Por isso, para que haja uma coerência na linguagem da legislação, com seu
conteúdo normativo a respeito da igualdade, melhor seria que as pessoas fossem
tratadas na legislação com o termo ser humano, com exceção daquela legislação
que diz respeito às condições biológicas que diferenciam os machos e as fêmeas de
nossa espécie.
Se “há uma relação entre a linguagem e as operações do espírito” (NEF,
1995, p. 8), e se com o tempo, a legislação continuar a distinguir o ser humano entre
homens e mulheres, negros e brancos, amarelos e afrodescendentes, sem qualquer
necessidade de distinção física entre gêneros ou raças, as operações do espírito
que ocorrerem nos seres humanos continuarão a estabelecer diferenças que levam
o espírito a concluir por uma desigualdade. É bem verdade que o diferente não quer
dizer desigual, necessariamente. Porém, a desigualdade imposta pelas leis
anteriores entre as raças e os gêneros é ainda fato muito recente e que, portanto,
deve ser combatido também com a força da linguagem.
No Código Civil de 1916, constava: “todo homem é capaz de direitos e
obrigações”. E hoje consta no artigo 1º do Código Civil de 2002: “Toda pessoa é
capaz de direitos e deveres na ordem civil”.
A expressão ser humano é a designação legal mais completa para ser
inserida na legislação, de modo a contemplar a natureza animal do corpo e o
consciente e o inconsciente da alma, uniformizando a linguagem em coerência da
igualdade já estabelecida no campo normativo do Direito.
45

Essa igualdade jurídica é fundamental para o que se pretende demonstrar


neste trabalho, pois a mulher deve ser enxergada pelo homem como um ser
infinitamente completo, com seu universo consciente e inconsciente, com seus
aspectos masculinos e femininos; e o homem também deve ser enxergado pela
mulher, da mesma forma. Os dois devem se aproximar no mesmo nível para que
consigam juntos alcançar a consciência Absoluta.
Mesmo porque, por conta da mudança cultural da sociedade, onde não se
sabem mais ao certo, o que um homem pode fazer que uma mulher não possa, e
vice-versa, as definiçoes dos gêneros estão cada vez mais difíceis.
Até mesmo nas relações sexuais esta definição não está muito clara, pois,
como reconhece Foucault (1984, p. 45), “na prática dos prazeres sexuais, distingue-
se dois papéis, dois polos, como também podem ser distinguidos na função
generativa”, sugerindo que o homem seja o ativo e a mulher o passivo, também
neste momento poderá haver inversões. Há mulheres mais masculinas do que
femininas sexualmente, e homens mais femininos do que masculinos. A existência
do falo não quer dizer ativo, pois a relação sexual não é feita apenas de corpos, mas
de almas também. Neste instante, mesmo com o falo, o homem pode desempenhar
um papel passivo, enquando a mulher pode ser o ativo.
Como em uma dança, na qual a mulher era sempre levada pelo homem, os
papéis podem se inverter e a mulher levar o homem. Mas, independentemente dos
papéias nas relações sexuais, se esta dança for boa, e houver aphrodisia no casal,
as chances de sucesso são maiores. Se esta dança não for boa e não houver prazer
no casal, eles poderão buscar em outros esta satisfação, e isso trataremos melhor
no capítulo sobre a fidelidade.
A partir do ingresso da mulher no mercado de trabalho ela passou a deter o
outro grande símbolo de poder: o dinheiro. Então se antigamente era o homem
quem detinha o poder do dinheiro, e ele se fazia homem também por conta deste
poder, hoje não é mais assim. Então se o dinheiro antes estava com quem estava
com o falo, e com ele se confundia, hoje, parte deste falo passou a ser da mulher
também. As mulheres com o poder econômico, acabam assumindo o poder do falo
também, o poder ativo, de mandar, de fazer, como se não precisassem mais do
homem. Se antes os papéis estavam bem definidos, a mulher não tinha o
instrumento fálico e o homem tinha a união dos dois harmonizava a questão. Com o
dinheiro fazendo este papel psicológico, os papéis se misturaram e não é difícil ver
46

homem e mulher competindo para quem tem o falo maior, ou melhor, para quem tem
mais poder ou dinheiro, competição antes que só era vista entre dois homens.
Se um homem não abrisse a porta de um carro para a mulher antigamente,
ele seria um mal educado ou um chucro. Hoje, se não o faz, não há problema algum.
Não será reprimido, não será condenado. Uma mulher dirigindo era um absurdo. Se
estivesse com um homem então, um absurdo maior ainda. Hoje não é mais assim.
Não é difícil ver uma mulher na direção e o homem ao lado. Sem problema.
O que importa neste momento do trabalho é demonstrar que o conceito de
homem e de mulher está em mutação. Com a evolução da consciência da
humanidade, tende-se a acreditar que a única distinção geral de gêneros será a
questão biológica; ou seja, a mulher será aquele ser humano que gera, e o homem
aquele que produz a semente da fecundação. Os hábitos do dia a dia que dirão
quem será o homem e quem será a mulher ficarão adstritos em cada relação
particular, sem regra geral. Serão os casais que dirão qual será a dança e quem irá
levar. As vezes um, às vezes o outro, mas o que importa é que seja uma dança
harmônica, que gere felicidade e alegria.
47

4 O CASAMENTO

4.1 A história do casamento no Brasil

A regulamentação do casamento monogâmico foi instituída para a religião


judaico-cristã, inicialmente com os dez mandamentos de Moisés, especialmente no
ordenamento de “não adulterarás” e no de “não cobiçar a mulher do próximo” (Ex.
20:14; Dt. 5:18-21). Consta ainda nas escrituras que “o que adultera com uma
mulher é falta de entendimento; destrói a sua alma o que tal faz” (Pv. 6:32).
Frisou-se, desta maneira, a necessidade e obrigatoriedade da monogamia.
Quanto à hierarquia no casal, estabeleceu-se: “vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos
maridos, como ao Senhor; Porque o marido é a cabeça da mulher, como também
Cristo é a cabeça da Igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo” (Ef. 5:22), dando
legitimidade à família patriarcal que surgiu concomitantemente à família
monogâmica, na qual a mulher passou a ser submissa ao marido, o que antes, nos
casamentos plurais, não se verificava.
Quanto ao amor do esposo para com a esposa, citam as escrituras:
As muitas águas não poderiam apagar este amor, nem os rios afogá-
lo, ainda que alguém desse toda a fazenda de sua casa por este
amor, certamente a desprezariam (Ct. 8:7).

E ainda:

Devem os maridos amar a suas próprias mulheres, como a seus


próprios corpos. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo.
Porque nunca ninguém aborreceu a própria carne; antes a alimenta e
sustenta, como também o Senhor à Igreja; Porque somos membros
do seu corpo. Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se
unirá a sua mulher; e serão dois numa carne (Ef. 5:28-31).

A Igreja Católica regulamentou as relações matrimoniais, que foram elevadas


ao grau de sacramento, no Concílio de Trento (sec. XVI), vigente até hoje no cân.
1055 do Código Canônico:

Cân. 1055, § 1. O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher


constituem o consórcio de toda a vida, por sua índole natural
ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole,
entre batizados foi por Cristo elevado à dignidade de sacramento.
48

O casamento foi regulamentado no Brasil Colônia, pelas Ordenações


Filipinas, decretadas em 29.01.1643,10 que atribuíam à autoridade eclesiástica à
incumbência da celebração e regulamentação do casamento, e, adotando para este
tema as normas do Direito Canônico.
As Ordenações Filipinas protegiam o casamento somente em alguns
aspectos:

Dos que dormem com suas parentas, e afins

Qualquer homem, que dormir com sua filha, ou com qualquer outra
sua descendente, ou com sua mãe, ou outra sua ascendente, sejão
queimados, e olla também, e ambos feitos per fogo em pó.

1. E se algum dormir com sua irmã, nora, ou madrasta postoque


sejam viúvas, ou com sua enteada, postoque a mãe seja fallecida, ou
com sua sogra, ainda que a filha já seja defuncta, morrão elle e ella
morte natural

2. E o que dormir com sua thia, irmã de seu pai, ou mãi, ou com sua
prima co-irmã, ou com outra sua parenta no segundo grão, contado
segundo o Direito Canônico, seja degradado dez annos para a África,
e ella cinco para o Brazil.... (Livro 5 – Título 17).

Como o marido e mulher são meeiros em seus bens

Todos os casamentos feitos em nossos Reinos e senhorios se


entendem serem feitos por Carta de ametade; salvo quando entre as
partes outra cousa for acordada e contractada, porque então se
guardará o que elles for conttractado.

Que o marido não possa litigar em juízo sobre bens de raiz sem
outorga de sua mulher

Nenhum homem casado poderá sem procuração, ou outorga de sua


mulher, nem a mulher sem procuração de seu marido, litigar em
Juízo sobre bens de raiz seus próprios, ou de foro feito para sempre,
ou em certas pessoas, ou arrendamento feito para sempre, ou a
tempo certo, sendo o arrendamento de dez annos ou dahi para cima,
porque em taes arrendamentos de dez annos o senhorio proveitosa
da cousa arrendada passa aquelle, a que o arrendamento he feito...
(Livro 3 – Título 47).

10 As Ordenações Filipinas tiveram vigência na matéria cível até a promulgação do Código Civil em
1º.01.1916 e, portanto, vigoraram mais tempo no Brasil que em Portugal, cujo Código Civil foi
promulgado em 1867; em matéria penal o primeiro Código Penal Brasileiro foi promulgado em 1830,
substituindo a partir de então as Ordenações Filipinas.
49

Que o marido não possa vender, nem alher bens, sem outorga
da mulher

Mandamos que o marido não possa vender, nem alhear bens alguns
de raiz, sem procuração, ou expresso consentimento de sua mulher,
nem bens, em que cada hum delles tenha o uso e fructo somente,
quer sejam casados por carta de metade, segundo costume do
Reino, quer por dote e arras. O qual consentimento se não poderá
provar, senão per escritura publica, e fazendo-se o contrário, a
venda, ou alheação seja nenhuma, e sem effeito algum. E postoque
se allegue, que a mulher consentio, e outorgou na venda, ou
alheamento caladamente, tal outorga tácita não valha, nem seja
alguém admittido a allegar, salvo allegando outorga expressa, e
provando-a; porque muitas vezes as mulheres por medo, ou
reverencia dos maridos deixam caladamente passar algumas
cousas, não ousando de as contradizer por receio de alguns
scandalos e perigos, que lhes poderiam vir...” (Livro 4 – Título 48).

Como a mulher fica em posse e cabeça de casal com a morte de


seu marido

Morto o marido a mulher fica em posse e cabeça do casal, se com


ele ao tempo de sua morte vivia, em casa, teúda e manteúda, como
marido e mulher, e de sua mão receberão os herdeiros do marido
partilha de todos os bens, que por morte do marido ficarem, e os
legatários os legados...11

Além desses dispositivos das Ordenações Filipinas, havia outros que


regulamentavam o casamento, como aquele que impedia o homem prestar fiança
sem o consentimento da mulher (Livro 4, Título 60) e ainda que permitia a mulher
demandar em juízo, sem o consentimento do marido para obter a restituição de bem
que ele tivesse doado à amante (Livro 4, Título 66).
O que se vê, portanto, desde o sistema legal instituído no Brasil Colônia, é um
início de regulamentação do casamento, com uma forte influência e preponderância
da Igreja neste assunto.
Na transição do Brasil Colônia para o Brasil Império não ocorreram muitas
mudanças com relação a essa matéria. A Constituição do Império, promulgada em
1824, em seu art. 5º, determinava: “A Religião Catholica Apostolica Romana
continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas
com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma
alguma exterior do Templo” (grifo nosso).

11Tal dispositivo regulamenta o disposto em Romanos, 7:2: “A mulher casada está vinculada, por lei,
ao marido enquanto ele viver. Morto o marido está livre da lei que a vinculava ao marido”.
50

Isso significa que a única Igreja legitimada para exteriorizar seu culto era a
Igreja Católica, sendo permitido às outras o seu culto particular ou doméstico. Por
outro lado, muito embora houvesse esta tolerância com quanto às outras religiões,
com relação à possibilidade de culto particular, o mesmo não se dava com relação
ao casamento, propriamente dito, uma vez que somente era reconhecido o
casamento realizado perante a autoridade da Igreja Católica.
Contudo, ainda na vigência da Constituição do Império, tal limitação religiosa
deixou de existir com a Lei n. 1.144 de 1861, pela qual foi autorizada e reconhecida
a celebração do casamento pelas outras religiões. E assim vigorou essa legislação
até a Proclamação da República.
Com a proclamação da República houve a separação formal entre Igreja e
Estado, assumindo este último o poder de regulamentar o casamento, o que foi
manifestado no ano seguinte, por meio do Decreto n. 181, de 24.01.1890, de autoria
de Rui Barbosa.
A partir de então, somente seria considerado casamento aquele feito sob o
crivo do Estado e assentado nos Cartórios de Registro Civis.
Todavia, o Decreto n. 181/90 não proibiu que os seres humanos fizessem o
casamento religioso segundo as suas próprias crenças, ou seja, não havia uma
preponderância entre um ou outro casamento. Porém, como a lei não teve o condão
de mudar o hábito social instantaneamente e os seres humanos insistiam em realizar
apenas o habitual casamento religioso, não reverenciando o poder estatal,
promulgou-se outro Decreto, o de n. 521, em 26 de junho do mesmo ano de 1890,
que proibia terminantemente o casamento religioso antes do civil, impondo à
autoridade religiosa que o celebrasse sob pena de prisão de seis meses,
aumentando-a para um ano em caso de reincidência.
Dessa maneira, o Estado brasileiro se impôs em face da Igreja, impedindo
que os brasileiros fossem a ela tomar a bênção matrimonial religiosa antes de terem
recebido o reconhecimento estatal do seu vínculo matrimonial. Desde então, uma
pessoa só poderia ser considerada casada se tivesse reconhecida tal união pelo
Estado. Ou seja, com a Lei n. 1.144/1861, e os Decretos n. 181 e 521, ambos de
1890, o Estado foi absorvendo paulatinamente o controle e a regulamentação do
casamento, e consequentemente da família.12

12 Os decretos foram apenas revogados em 1937, pela Lei n. 379, que regulamentou o casamento
religioso para que gerasse efeitos civis.
51

Com a Promulgação da República, em 15.11.1889, houve o grande cisma


com a Igreja Católica. A Constituição Republicana de 1891 veio e substituiu a
redação do antigo art. 5º, da Constituição de 1829, pelo § 3º, do art. 72, in verbis:
“Art. 72. [...] 3º - Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e
livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas
as disposições do direito comum”.
Todavia, essa Constituição não fez grandes alterações com relação ao
casamento, na medida em que apenas consagrou o que antes já estava
estabelecido pelos Decretos n. 181 e 521 de 1890, ou seja, que havia o
reconhecimento do casamento civil: “Art. 72... (...) § 4º A República só reconhece o
casamento civil, cuja celebração será gratuita”.
A grande revolução, no âmbito da regulamentação do casamento, se deu
primeiramente no campo infraconstitucional, com o advento do Código Civil de 1916
(Lei n. 3.071, de 1º. 01.1916), que regulamentou nos seus arts. 229 a 225 a relação
matrimonial, e nos arts. 256 a 314 o regime de bens desta relação.
No campo constitucional, foi com o advento da Constituição de 1934, em seu
art. 144,13 que o Estado entendeu por bem deixar expressa a sua tutela sobre a
família que antes era apenas tácita.
As seguintes Constituições do Brasil reservaram um artigo exclusivo para o
casamento. A Constituição de 1937 no art. 124.14 A Constituição de 1946 no
art.163.15 A Constituição de 1967 no art. 167.16 A Constituição de 1969 no Art. 175.17
A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes
Públicos”.18

13 Art. 144. “A família constituída pelo casamento indissolúvel está sob proteção especial do Estado”,
admitindo, contudo, no parágrafo único deste artigo, a possibilidade do desquite e da anulação do
casamento. Já no art.146 deixou de existir a proibição de ser celebrado o casamento religioso antes
do civil, sendo o primeiro equiparado a este “desde que perante a autoridade civil, na habilitação dos
nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo da oposição sejam observadas as
disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil".
14 Art. 124. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob proteção especial do Estado”.
15 Art.163. A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção

especial do Estado.
16 Art. 167. A família é constituída pelo casamento e terá direito a proteção dos Poderes Públicos. §1º

O casamento é indissolúvel”.
17 Art.175. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos.
18 O § 1º, do art. 176, da Constituição Federal de 1969 dizia: “O casamento é indissolúvel”. Porém,

esse dispositivo foi alterado pela Emenda Constitucional 9/77, de 28 de junho de 1977, que instituiu o
divórcio no Brasil, dando-lhe a seguinte redação: “§ 1º - O casamento somente poderá ser dissolvido,
nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos". A lei
federal que regulamentou o divórcio foi a de n. 6.515, de 26.12. 1977.
52

E a Constituição de 1988, vigente:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.


§1º. O casamento é civil, e gratuita a celebração.
§2º. O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei.19
§3º. Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre
o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.
§4º. Entendem-se, também, como entidade familiar a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes.

O que se pode concluir com esta evolução jurídica é que, à época do Brasil
Colônia, inicialmente, ao casamento não era dada grande importância pelo Estado, a
não ser em pequenas questões patrimoniais (posto que não havia dissolução do
matrimônio e, desta forma, eram questões não muito discutidas na sociedade, como,
por exemplo, com relação ao incesto (que já era uma norma das primeiras famílias
consanguineas do ser humano selvagem) e com relação ao adultério (com evidência
que tal norma era mais dirigida às mulheres do que aos homens). Com o passar dos
anos, o Estado foi absorvendo a regulamentação desta relação matrimonial,
especialmente quando inseriu na Constituição de 1934 a expressão de que a família
estava “sob proteção do Estado”.
Da mesma forma que o Estado protegia outras instituições, a família,
constituída pelo matrimônio, estava agora sob proteção expressa do Estado.
Essa preocupação do Estado ficou ainda mais caracterizada no
reconhecimento do art. 226, da Constituição vigente de que a família constitui a
“base da sociedade”, o que, sem dúvida, mostra uma responsabilidade marcante na
função da família na sociedade.
Com isso, a Constituição de 1988 tirou do casamento a definição anterior de
que a família só seria “constituída pelo casamento” — indissolúvel ou não. Com o
advento da Constituição vigente, tal expressão foi suprimida, constando apenas a
proteção do Estado à família que não é necessariamente constituída apenas pelo
casamento.

19Art. 71 a 75, da Lei nº 6.015, de 31.12. 1973 (Lei de Registros Públicos); e art. 1515 e 1516 do
CC/2002.
53

4.2 O casamento atual

Desde a selvageria, com a família sindiásmica, onde os seres humanos


começaram a se agrupar em pares, e não mais coletivamente, mostrou-se uma
tendência natural que acabou se realizando com a família monogâmica.
É possível que o impulso que levou a família sindiásmica à monogâmica
tenha sido não apenas a questão econômica, como levou a crer Engels, mas
também outro: o amor.
Também caminhou a humanidade no sentido de que o casamento
monogâmico deu ensejo à consideração da mulher como uma propriedade do
marido. Ou seja, a monogamia trouxe a possibilidade de o marido exercer o poder,
não sem abusos, sobre sua exclusiva mulher. Aquele que atentasse contra o
casamento, por meio da sedução da esposa alheia, atentaria não contra a mulher
em si, mas contra o poder do marido. Para os religiosos, o adultério poderia ser uma
violação à sacralidade do matrimônio. Mas aos não religiosos, o adultério era o
atentado contra o poder do marido sobre aquele bem que estava sob sua
propriedade: a mulher.
O que se mostra, com a evolução dos tempos, especialmente com o advento
do divórcio, na Emenda Constitucional n. 9, de 1977, é que o casamento, antes
indissolúvel, passou e está passando por uma fase de adaptação, de um casamento
obrigatório, de cunho eminentemente social e recheado de normas morais para um
casamento por opção, para produzir mais felicidade, constituído por normas afetivas.
A finalidade primeira do casamento como forma legal de regulação das
relações sexuais, visando à procriação e criação dos filhos, tendo por fundamento o
afeto interessado, não deixa de ser legítima. Os seres humanos que se casarem
com este único objetivo atendem à vontade da natureza. Mas o melhor será o
casamento como consequência do amor, não da obediência ao instinto da
procriação, nem tampouco para satisfazer os desejos de imitação. O casamento
deve servir para aqueles que não estão mais aguentando ficarem longe um do outro.
Não estão mais dispostos a dormirem em casas separadas. Para aqueles que
estejam dispostos a depositar no outro a confiança de uma vida feliz, que acreditam
que só vale a pena viver se for ao lado daquela pessoa. Que pretendem envelhecer
ao lado do escolhido. Este é o ideal do casamento atual.
54

4.3 Conceitos jurídicos de casamento

A linguagem é um instrumento de ações cognitivas (raciocínio, expressão das


emoções etc.), como também uma forma de compreensão da realidade e de
estabelecer relação entre os movimentos da alma (NEF, 1995, p. 9).
A palavra casamento pode gerar vários sentimentos e compreensões: da
alegria dos escolhidos, ao desespero dos preteridos, da euforia à desilusão.
Casamento pode significar sinônimo de liberdade para uns ou prisão para outros,
realização da vida ou morte para outros, desgraça ou benção. Enfim, cada ser
humano carrega dentro de si uma concepção de matrimônio, por meio dos adjetivos
e propriedades que atribuem à relação, obtidos de acordo com sua própria
experiência, de seus familiares ou de amigos.
Todavia, a relação entre os seres humanos que levou a confecção deste
termo ao longo da história é muito mais antiga do que a própria noção de casamento
monogâmico. Nas famílias sindiásmicas, percebidas na transição entre o ser
humano selvagem e o bárbaro, não se tem notícia da existência de casamentos. Ou
pelo menos, o que se entendia por casamento ali, certamente, não tem o mesmo
significado do que hoje se dá ao mesmo termo, uma vez que, neste tipo de família,
existiam mulheres e maridos comuns uns aos outros.
A denominação de casamento e consequentemente as suas regras têm um
sentido, para Levi-Strauss de “uma espécie de linguagem, ou seja, um conjunto de
operações destinadas a garantir um tipo de comunicação entre os indivíduos e os
grupos”. Para ele ainda:

Comparadas à linguagem, as regras do casamento formam um


sistema complexo do mesmo tipo que ela, porém mais tosco, e no
qual um bom número de traços arcaicos, comuns a ambos, se
encontra preservado (STRAUSS, 2008, p. 73).

O antropólogo reconhece em sua obra que o casamento é um sistema de


parentesco, por meio do qual se sabe, entre outras coisas, quem é filho de quem, e
quem é marido e mulher de quem. Ele menciona, por exemplo, o casamento
preferencial, estabelecido nas sociedades que ocuparam a área sino-tibetana, no
qual todos dependiam da troca de seres humanos entre as famílias para poderem se
reproduzir e ter uma coesão social, em obediência da regra anterior de
impossibilidade de relações sexuais entre os filhos e os pais e entre os irmãos.
55

Naquela sociedade, por exemplo, o casamento preferencial se dava no limite


até a filha do irmão da mãe, ou seja, a sua prima, partindo-se do grau mais distante
até a prima de primeiro grau que fosse filha do irmão da mãe. Se fosse filha da irmã
da mãe, já não poderia ter o casamento preferencial.
Assim, a união matrimonial pressupõe regras de determinada região, em
específico grupo social, em uma determinada época, com traços particulares,
especialmente, segundo o sistema de parentesco. Caso o Estado brasileiro
resolvesse não mais regular o casamento, poder-se-ia voltar ao retrocesso das
relações das famílias sindiásmicas, ou até mesmo as pulanuanas, onde todos
seriam filhos de todos.20 Por conseguinte, com a atual quantidade demográfica, que
vai além das pequenas civilizações que existiam anteriormente, poder-se-ia chegar à
hipótese (admitida a premissa absurda) de o pai ter relações sexuais com a filha,
sem que eles soubessem deste grau de parentesco.
Se a promiscuidade vira regra, um homem de quarenta anos pode acabar
tendo relações com sua filha, ela em tenra idade, se ninguém soubesse quem é filho
de quem na sociedade. E vice-versa; ou seja, uma mulher de quarenta poderia
também ter relação sexual com seu filho, sem saber. Isso porque, se ninguém sabe
quem é filho de quem, um jovem com poder de gerar filhos, pode gerar uma filha, e
depois de um tempo, vir a ter relações sexuais com ela, sem saber quem era seu
pai. E isso violaria a primeira lei entre os humanos que seria a proibição do incesto.
De fato, o casamento se apresenta como um sinal expresso por um ato
simbólico. A mudança na alma dos seres humanos após terem sido declarados
casados, ou seja, de um momento para outro, ou melhor, de um segundo para o
outro, logo após a assinatura ou a declaração do casamento é sensível.
Alguns poderiam dizer que aquele ato pode ter aumentado o amor, outros que
diminuiu, mas que há um simbolismo no ato ninguém pode negar. Esse simbolismo
em torno do casamento tem uma razão de ser, no sentido do diálogo da alma
consigo mesma, para reordenar suas paixões, reformular seus valores, suas
aspirações, seus desejos, enfim, para o ser humano assumir uma nova identidade
para consigo, para o outro e para a sociedade. Muda-se o estado civil da pessoa,
altera-se a ordem sucessória, surgem direitos e obrigações, enfim, o contrato está
celebrado.

20 Ideia defendida por Platão, em a República, com o intuito de difundir a força do amor familiar
(storge) para todos os cidadãos.
56

Se o ser humano é simbólico, segundo definição de Modin, o casamento pode


servir como um ritual de passagem (ELIADE, 2008, p.150), de um estado para outro
assumindo novas esperanças, novo estado de espírito e aproximando-se do
sagrado. De qualquer forma, ainda que o ser humano que se propõe a ser
protagonista de tal ato o considere absolutamente impertinente e irrelevante,
tampouco religioso, muito menos sagrado, ou seja, não lhe atribua significado ou
valor, certo é que, a partir daquele instante, assume perante o Estado um novo
estado civil, com direitos e obrigações dele decorrentes.
Por isso, independente das concepções e dos significados pessoais do
casamento, pode-se dizer que esta palavra hoje, no Brasil, designa uma relação
jurídica entre um homem e uma mulher, que é reconhecida pelo Estado como tal e,
desta forma, gera direitos e obrigações dentro dos limites da lei.
A Constituição Federal do Brasil não define expressamente o casamento. O
Código Civil o faz, em seu art. 1514: o “casamento se realiza no momento em que o
homem e a mulher manifestam, perante o juiz,21 a sua vontade de estabelecer
vínculo conjugal, e o juiz declara casados”; e no art. 1511: “o casamento estabelece
a comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos
cônjuges”; e ainda no art. 75 da Lei de Registros Públicos: o “registro produzirá
efeitos jurídicos a contar da celebração do casamento”. Podemos extrair destes
artigos a seguinte definição:

O casamento constitui a concretização da manifestação da vontade


de um homem e de uma mulher estabelecerem comunhão plena de
vida, perante um juiz, autoridade ou ministro religioso, com base na
igualdade de direitos e deveres, que deverá ser registrado no
Cartório de Registro Civil.

Todavia, são vários os conceitos de casamento encontrados na doutrina


jurídica. Maria Helena Diniz adota a definição de que:

O casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa


o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma
integração fisiopsiquíca e a constituição de uma família. Afigura-se
como uma relação dinâmica e progressiva entre marido e mulher,
onde cada cônjuge reconhece e pratica a necessidade de vida em
comum, para, como diz Portalis, ajudar-se, socorrer-se mutuamente,
suportar o peso da vida, compartilhar o mesmo destino e perpetuar
sua espécie (DINIZ, 2004).

21Ou autoridade religiosa – Constituição Federal, art. 226, § 2º, Código Civil, arts. 1.515, 1516, § 2º, e
1532, e arts. 70 a 75, da Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).
57

Para Sílvio Rodrigues:

O casamento é o contrato de direito de família que tem por fim


promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei,
a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum
e se prestarem mútua assistência (RODRIGUES, 2008, p. 19).

Caio Mario da Silva Pereira afirma que “o casamento é a união de duas


pessoas de sexo diferente, realizando uma integração fisiopsíquica permanente”
(2002, p. 53).
Não há grandes celeumas na conceituação de casamento, especialmente
porque dúvida nenhuma há com relação aos seres humanos que se casaram, na
medida em que necessária se faz a solenidade do ato, conforme disciplinam os
artigos 1533 e seguintes do Código Civil, sendo a sua prova feita pelo Registro Civil
(art. 1543 e 1544), ou, em caso excepcionalíssimos, por sentença judicial (art. 1546).
A grande divergência dos doutrinadores fica reservada à questão da natureza
jurídica do casamento.

4.4 A natureza jurídica do casamento

São basicamente três as possíveis naturezas jurídicas em que se enquadra o


casamento: sacramento, contrato ou instituição.
A primeira natureza de origem mística não exclui essencialmente as outras
duas, na medida em que tem uma ótica religiosa e não jurídica, e que, por sua vez,
pode ser adotada tanto pela doutrina dos contratualistas, quanto dos
institucionalistas; ou seja, o casamento pode ser sacramento e contrato, ou
sacramento e instituição: sacramento para adotar uma visão religiosa, e contrato ou
instituição, para uma visão jurídica.
Em todo o caso, como o casamento, antes de ser regulado pelo Estado, era
relação de competência exclusiva da Igreja, importante que se façam algumas
considerações a respeito desta ótica religiosa,22 para depois adentrar-se pela
natureza jurídica da relação.

22Mesmo porque a grande parte dos doutrinadores do direito de família não deixa de mencionar essa
caracterização religiosa do casamento, como Caio Mario da Silva Pereira, Maria Helena Diniz, Silvio
Rodrigues, Silvio de Salvo Venosa, entre outros,
58

4.4.1 O casamento como sacramento

O casamento era regulamentado exclusivamente pela Igreja e não pelo


Estado.23 A Igreja considerava, como ainda considera, o casamento como
sacramento, o que foi estabelecido no Concílio de Trento, no Cân. 1505 do Código
Canônico, que determina:

Cân. 1055 §1. O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher


constituem o consórcio de toda a vida, por sua índole natural
ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole,
entre batizados foi por Cristo elevado à dignidade de sacramento.

Tendo a natureza de sacramento, o casamento toma a figura daquilo que é


sagrado para a Igreja Católica, e consequentemente, para aqueles que nisto
acreditam e atribuem o mesmo valor. Para a Igreja, “sacramento é um sinal sensível,
instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, para produzir a graça em nossas almas e
santificá-las".24 E, portanto, tem as seguintes propriedades:

Sinal sagrado, porque exprime uma realidade sagrada, espiritual;


sinal eficaz, porque, além de simbolizar um certo efeito, produzem-
no realmente; sinal de graça, porque transmite dons diversos da
graça divina; sinal de fé, não somente porque supõem a fé em quem
os recebe, mas porque nutrem, robustecem e exprimem a sua fé, e
por fim, é um sinal da Igreja, porque foram confiados à Igreja, são
celebrados na Igreja e em nome da Igreja, exprimem a vida da igreja,
edificam a Igreja, tornam-se uma profissão de fé na Igreja.25

De fato, sacramento é um termo utilizado pela Igreja, para designar aqueles


rituais de passagem26 que têm essas propriedades. O que se ressalta aqui é a
característica da sacralidade do casamento, ou seja, o fato de ele ser considerado
primordialmente sagrado.
O ser humano é um ser religioso, ou seja, um ser que distingue o sagrado do
profano. Não há ser humano que tenha existência puramente profana, como afirmou
Mircea Eliade, pois “seja qual for o grau de dessacralização do mundo a que tenha

23 O primeiro casamento civil se deu na Holanda, por volta de 1500.


24 Disponível em: http://www.catequisar.com.br/texto/materia/especial/sacramento/01.htm. Acesso
em: 17 jan. 2016.
25 Disponível em: http://paroquiasaosebastiaoamericadourada.blogspot.com.br/2013/01/pastoral-do-

batismo.html. Acesso em: 17 jan. 2016.


26 São sete os sacramentos da Igreja Católica: Batismo, Confirmação, Eucaristia, Penitência, Unção

Dos Enfermos, Ordem, Matrimônio.


59

chegado, o homem que optou por uma vida profana não consegue abolir
completamente o comportamento religioso” (ELIADE, 2008, p. 27).
Sagrado é tudo aquilo que é santo, divino, inviolável, aquilo pelo qual as
pessoas podem dar a sua própria vida, pois sem aquilo não vale a pena viver. O que
é sagrado ao ser humano constitui tudo que é absolutamente valioso, essencial, de
maneira mais profunda, e essa categoria de valores, independe de o ser humano
professar alguma religião ou não. As pessoas podem colocar a vida em risco para
salvar outras, para defender uma ideia, para alcançar um objetivo. Nas guerras,
muitas pessoas se alistavam voluntariamente por conta da vergonha que sentiriam
caso não o fizessem. Os policiais que saem às ruas todos os dias arriscam suas
vidas no exercício de sua profissão. Os bombeiros do mesmo modo. Os
revolucionários que defendem ideias que se contrapõem a um regime autoritário,
também arriscam suas vidas para alcançar algo maior para si ou para seus filhos. Há
pessoas que colocam sua vida em risco por prazer, para escalar uma montanha ou
para pular de para quedas. Há ainda pessoas que tiram sua própria vida porque
perdem dinheiro, honra ou poder. Enfim, a vida não é um valor absoluto. Há outros
valores que podem sobrepor-se a ela, entre eles a própria permanência ao lado da
pessoa amada.
Kunzmann, Burkard e Wiedmann (1999, p. 198) estabelecem a escala de
valores do ser humano da seguinte forma, sendo o primeiro o estágio mais profundo,
e o que é essencial, para mais superficial ou acidental:

1º sagrado x profano;
2º belo x feio; justiça x injustiça; verdadeiro x falso;
3º nobreza x vulgaridade;
4º agradável x desagradável.

Essa escala de valores mostra a importância daquilo que é sagrado ao ser


humano. Ou seja, muito acima do que é agradável, acima da verdade, acima do
justo, acima da beleza está o nível do sagrado. Sagrado é tudo aquilo pelo qual o
ser humano está disposto a morrer.
60

Por essa razão, o casamento para se manter como sacramento não pode ser
dissolvido27 a não ser em casos excepcionais de erro de pessoa ou de qualidade
desta.28 Se através do casamento “os cônjuges se tornam uma só carne” (Can.
1061, §1º), nos diversos momentos que sucederão o matrimônio, de doença e de
saúde, de tristeza e de alegria, de pobreza ou de riqueza, um não poderia atentar
contra a sua própria carne, uma vez que considerando a sacralidade do matrimônio
“cheia de poder, deseja viver naquele poder e mantê-lo vivo” (BELLO, 1998, p. 30).
Porém, conforme dito, a Igreja Católica prevê a separação, não sem antes,
fomentar o perdão de um cônjuge para com o outro, conforme se observa dos
seguintes dispositivos do Código Canônico:

Cân. 1152

§ 1. Embora se recomende vivamente que o cônjuge, movido pela


caridade cristã e pela solicitude do bem da família, não negue o
perdão ao outro cônjuge adúltero e não interrompa a vida conjugal;
no entanto, se não tiver expressa ou tacitamente perdoado sua
culpa, tem o direito de dissolver a convivência conjugal, a não ser
que tenha consentido no adultério, lhe tenha dado causa ou tenha
também cometido adultério.

§ 2. Existe perdão tácito se o cônjuge inocente, depois de tomar


conhecimento do adultério, continuou espontaneamente a viver com
o outro cônjuge com afeto marital; presume-se o perdão, se tiver
continuado a convivência por seis meses, sem interpor recurso à
autoridade eclesiástica ou civil.

§ 3. Se o cônjuge inocente tiver espontaneamente desfeito a


convivência conjugal, no prazo de seis meses proponha a causa de
separação à competente autoridade eclesiástica, a qual, ponderadas
todas as circunstâncias, veja se é possível levar o cônjuge inocente a
perdoar a culpa e a não prolongar para sempre a separação.

27 Cân.1056. As propriedades essenciais do matrimônio são a unidade e a indissolubilidade que, no


matrimônio cristão, recebem firmeza especial em virtude do sacramento. Cân.1057 § 2. O
consentimento matrimonial é o ato de vontade pelo qual um homem e uma mulher, por aliança
irrevogável, se entregam e se recebem mutuamente para constituir o matrimônio. Cân. 1134 Do
matrimônio válido origina-se entre os cônjuges um vínculo que, por sua natureza, é perpétuo e
exclusivo; além disso, no matrimônio cristão, os cônjuges são robustecidos e como que consagrados,
com sacramento especial, aos deveres e à dignidade do seu estado. Cân. 1141 O matrimônio
ratificado e consumado não pode ser dissolvido por nenhum poder humano nem por nenhuma causa,
exceto a morte.
28 Cân. 1097 §1. O erro de pessoa torna inválido o matrimônio. § 2. O erro de qualidade da pessoa,

embora seja causa do contrato, não torna nulo o matrimônio, salvo se essa qualidade for primeira e
diretamente visada. Cân.1098 Quem contrai matrimônio, enganado por dolo perpetrado para obter o
consentimento matrimonial, a respeito de alguma qualidade da outra parte, e essa qualidade, por sua
natureza, possa perturbar gravemente o consórcio da vida conjugal, contrai invalidamente.
61

Aquele que atribui autoridade à Igreja Católica para revelar a sabedoria


divina e experiência religiosa, por meio do sacramento, tem em mente essa natureza
do matrimônio, com a profundidade e a responsabilidade desta compreensão. De
fato, a natureza sacramental atribuída ao casamento pela Igreja Católica só precisa
ser reconhecida pelos que a ela são fiéis, o que não exclui a possível concepção
coincidente de outros que não professam esta religião.

4.4.2 O casamento como contrato ou instituição

Além de reconhecer a natureza do casamento como sacramento do ponto de


vista religioso, indiscutível e incontroversa do ponto de vista histórico, os juristas
situam-se entre os contratualistas e os institucionalistas, e aqueles que entendem
que o casamento tem natureza mista.
Silvio Rodrigues entende que o casamento tem a natureza de contrato, porém
com a ressalva de ser um “contrato de direito de família” (2008, p.19). Não é um
contrato, puro e simplesmente, porque não pode ser realizado unicamente pela
vontade das partes, tampouco desfeito. Porém, é através da vontade deles que o
Estado declara formalizado o contrato (art.1535 do CC) e pela mesma vontade pode
ser desfeito por meio do divórcio.
A doutrina institucionalista, por sua vez, entende o matrimônio como sendo
uma instituição social a que os nubentes aderem, podendo optar com relação ao
regime de bens que irão adotar. De fato, para eles:

As partes são livres, podendo cada uma escolher o seu cônjuge e


decidir se vai casar ou não; uma vez acertada a realização do
matrimônio, não lhes é permitido discutir o conteúdo de seus direitos
e deveres, o modo pelo qual se dará a resolubilidade da sociedade
ou do vínculo conjugal ou as condições de matrimonialidade da prole,
porque não lhes é possível modificar a disciplina legal de suas
relações; tendo uma vez aderido ao estado matrimonial, a vontade
dos nubentes é impotente, sendo automáticos os efeitos da
instituição por serem de ordem pública ou cogentes as normas que a
regem, portanto iniludíveis por simples acordo dos cônjuges (DINIZ,
2008, p. 41).

Ademais, os institucionalistas negam a natureza contratual do casamento em


razão de ser o Estado que constitui o casamento.
62

O Código Civil brasileiro dispõe que o Estado declarará o casamento nos


seguintes termos: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante
mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro
casados” (art. 1535 do CC). Para os institucionalistas este ato de Estado é
constitutivo, ou seja, somente através dele é que o casamento é realizado. Para os
contratualistas, este ato é declarativo, ou seja, o casamento se dá no momento em
que os cônjuges manifestam a sua vontade, e o Estado, por meio de seu
representante, apenas declara uma situação já existente; logo, seria apenas uma
formalização do ato. Para eles, elevar a condição do Estado a um grau superior à
vontade das partes seria inverter a ordem das coisas.
O Estado tem a função de verificar os pressupostos para os seres humanos
poderem casar, como, por exemplo, idade, falta de impedimentos, lucidez; mas daí a
reduzir a vontade das partes ao mesmo nível dos pressupostos seria
incompreensível.
A outra questão que surge, para os institucionalistas, consiste no fato de o
casamento possuir regras estabelecidas na legislação que devem ser seguidas,
como as que estão estabelecidas no art. 1566 do Código Civil. Ocorre que, os
contratualistas argumentam que também há regras gerais estabelecidas na lei para
outros contratos e nem por isso se tornam instituições.
Maria Helena Diniz justifica a sua filiação aos institucionalistas:

Por ser o matrimônio a mais importante das transações humanas,


uma das bases de toda constituição da sociedade civilizada, filiamo-
nos à teoria institucionalista, que o considera como uma instituição
social. Para melhor elucidar nossa opinião será preciso destacar,
como o fez Guillermo Norda, as notas diferenciais entre contrato e
instituição: a) contrato é uma especulação (o vendedor procura o
preço mais alto e o comprador, o mais baixo); b) o contrato rege-se
pela igualdade; a instituição, pela disciplina; c) o contrato é uma mera
relação, produzindo efeitos somente entre as partes; a instituição,
uma entidade que se impõe tanto às partes como a terceiros; d) o
contrato é uma relação exterior aos contratantes, é um laço
obrigacional; a instituição, uma interiorização; e) o contrato
representa uma trégua na batalha dos direitos individuais, sendo
produto da concorrência; a instituição, um corpo cujo destino é ser
compartido por seus membros, portanto produto da comunicação; f)
o contrato é precário, desata-se como foi formado, extinguindo-se
com o pagamento; a instituição é feita para durar; g) o contrato é
uma relação subjetiva de pessoa a pessoa; as relações institucionais
são objetivas e estatutárias (DINIZ, 2008, p. 59).
63

A questão é sutil. O que se vê pela doutrina institucionalista é uma tentativa


de manter os valores do sacramento, não com a terminologia religiosa, mas com a
terminologia estatal. O sacramento está para a Igreja como a instituição está para o
Estado. Há aqueles que consideram esta discussão estéril, na medida em que não
têm qualquer relevância do ponto de vista dos deveres, das obrigações, da forma
com que se realiza o casamento ou da forma com que se desfaz.
Todavia, é importante verificar essa discussão do ponto de vista axiológico.
Mesmo os contratualistas que veem no casamento um ato de vontade dos seres
humanos, tendem a inserir expressões a não o deixar equiparado a um contrato de
compra e venda, a um contrato de aluguel, ou a um contrato de sociedade com fins
lucrativos. Enfim, há uma preocupação em não profanar o casamento.
Isso porque, se existem para o casamento preceitos legais de igualdade e
comunhão plena de vida (art. 1511 do CC), bem como regras atribuindo os deveres
de fidelidade, moradia em comum, assistência e respeito mútuos, e assistência aos
filhos (art. 1566 do CC), a violação desses princípios e regras só poderá ser
denunciada pela parte lesada. Mesmo em caso de lesão corporal que representa o
extremo da violação destes preceitos, a lei exige a representação da vítima, que,
muitas vezes, não apenas deixa de fazê-lo como volta para o convívio conjugal do
agressor (a).
Ademais, na medida em que o Estado, por meio do art. 226, § 3º, da
Constituição Federal de 1988, regulamentado pelas Leis n. 8.971/94 e 9.278/96,
equiparou a união estável ao casamento, reconhecendo “como entidade familiar a
convivência duradoura pública e contínua, de um homem e uma mulher,
estabelecida com objetivo de constituição de família”, também, de certa forma,
aumentou a natureza institucional do casamento.
Isto demonstra que aumentou o interesse do Estado em proteger as uniões
matrimoniais, mesmo aquelas que não haviam celebrado o ato do casamento. Ou
seja, quis o Estado legislar também para aqueles que não tinham a preocupação de
regulamentar a sua união perante a sociedade, aumentando assim a proteção à
família.
Este mesmo movimento foi feito recentemente pelo Estado, por meio do
Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Adin nº 4277 ao reconhecer a união
estável homoafetiva. Embora não tenha reconhecido a possibilidade de casamento
de pessoas do mesmo sexo, justamente pela carga religiosa que ainda permeia a
64

noção de casamento, e pela definição expressa da Constituição Federal e do Código


Civil, o STF no julgamento desta Adin 4277 incluiu na ordem jurídica a relação homo
afetiva, o que não poderia ser diferente. Um sobrinho distante ser beneficiado com a
herança do tio, e seu companheiro, que viveu durante anos, inclusive na fase final
de sua vida, não ser contemplado com a herança, seria uma injustiça. Era
exatamente isso que ocorria nas uniões estáveis com pessoas heterossexuais. Ou
seja, outros parentes eram beneficiados com a morte daquele que muitas vezes
havia sido renegado pela família justamente pela sua escolha sexual, e o seu
companheiro, ou companheira que estavam ao lado dele ou dela durante toda uma
vida, não tinha qualquer reconhecimento.
Com este avanço jurisprudencial evitaram-se novas injustiças e isso não fere,
de forma alguma, nem por qualquer aspecto a sacralidade do casamento, nem muito
menos a sua instituição. Reconhecer os direitos dos homossexuais não afronta a
instituição do casamento, nem tampouco torna menos sacra a relação dos
heterossexuais que seguem a tradição.
Não é uma atitude cristã banir ou excluir qualquer um quem quer que seja. A
essência do cristianismo é a inclusão, a união, o perdão, o amor. Por isso que um
bom cristão não pode impedir, nem muito menos criticar, duas pessoas que não
façam mal a ninguém, e querem ter uma vida afetiva juntas. O mandamento cristão é
de que “onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei entre vós”
(MT, 18:20), ou seja, não quis dizer que seja necessário estar um homem e uma
mulher juntos. Podem ser dois homens ou duas mulheres, mas desde que seja por
amor, Deus se fará presente.
Agora, colocar a possibilidade do casamento homo afetivo como sacramento,
depende da Igreja Católica e será ela que definirá isso ao longo do tempo. Da
mesma forma, inserir esta possibilidade no casamento institucional, dependerá do
Congresso Brasileiro para alterar a Constituição Federal e as leis que regulamentam
o casamento. Por ora, o julgamento da Adin 4277 já é suficiente para incluir a união
homo afetiva no mundo jurídico, e com isso evitar distorções, exclusões, e
principalmente injustiças.
65

4.5 Os dez mandamentos do casamento

A partir do Cisma do Estado brasileiro com a Igreja Católica, em 1888, e a


subsequente promulgação do Código Civil de 1916, o Estado passou a regulamentar
mais detalhadamente o casamento, inserindo no art. 231 os deveres de ambos os
cônjuges: I – fidelidade recíproca; II - vida em comum no domicílio conjugal; III -
mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos.
Previu também, no art. 233 que “O marido é o chefe da sociedade conjugal,
função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e
dos filhos (arts. 240, 247, 251)”. O Código Civil atual manteve os deveres do antigo
art. 231, tendo hoje seu correspondente no art. 1566, inserindo nele ainda, mais um
inciso obrigando os cônjuges a terem: “respeito e considerações mútuos” e exclui
terminantemente qualquer diferença entre o homem e a mulher, dispondo, no art.
151, que o casamento é estabelecido “com base na igualdade de direitos e deveres
dos cônjuges”.
As obrigações do art. 1566 do Código Civil podem ser consideradas regras ou
princípios. Para diferenciá-los, adotaremos o critério de Willis Santiago Guerra Filho,
segundo o qual:

Uma das características dos princípios jurídicos que melhor os


distinguem das normas que são regras é sua maior abstração, na
medida em que não se reportam, ainda que hipoteticamente, a
nenhuma espécie de situação fática, que dê suporte à incidência de
norma jurídica. A ordem jurídica, então, enquanto conjunto de regras
e princípios, pode continuar a ser concebida, à la KELSEN, como
formada por normas que se situam em distintos patamares, conforme
o seu maior ou menor grau de abstração ou concreção, em um
ordenamento jurídico de estrutura escalonada (Stufenbau). No
patamar mais inferior, com maior grau de concreção, estariam
aquelas normas ditas individuais, como a sentença, que incidem
sobre situação jurídica determinada, à qual se reporta a decisão
judicial. O grau de abstração vai então crescendo até o ponto em que
não se tem mais regras, e sim, princípios, dentre os quais, contudo,
se pode distinguir e aqueles que se situam em diferentes níveis de
abstração (GUERRA FILHO, 2007).

Esse conjunto de regras e princípios formam a estrutura jurídica para


sustentar o casamento, mas não só isso. Correspondem elementos do ritual mágico
para elevar a consciência natural à consciência absoluta.
66

Seja na doutrina contratualista, seja na doutrina institucionalista, vendo o


casamento como contrato é necessário estabelecer suas cláusulas. De qualquer
forma é fundamental que o Estado dite regras de conduta, justamente porque a
família é a base da sociedade e o casal o núcleo desta base, sendo importantíssimo
que o Estado dê subsídios legais e morais para que este núcleo vá bem e seja feliz.
Mas além das funções estatais há uma outra razão para o estabelecimento de
algumas regras nesta relação. Tal como mencionado no início deste trabalho,
Ulisses precisou de um oráculo para passar pelas sereias e pelas tormentas.
Quando o casamento é realizado não há um ser que diga que haverá apenas
momentos bons e prazerosos. O mais otimista dirá que o casamento enfrentará
problemas sérios. E a experiência mostra que isso é verdade. Logo, o
estabelecimento de regras ajuda para que a relação vá bem, seja harmônica, e
saiba sair das crises.
Assim, outra função das regras seria a de construir um ambiente de
segurança, de respaldo ideológico, de ferramentas psicológicas para o casal se
socorrer em momento de dúvida ou desespero. Mas não para por aí.
As regras também têm colaboração no processo psíquico que envolve o
casamento com o objetivo de transformar a consciência relativa em consciência
absoluta. Este é uma função mágica das regras na medida em que pode ajudar
trazer para os seres humanos um caminho para a transcendência. Importante deixar
claro que o casamento é apenas um caminho para o Absoluto, dentre outros. Mas,
para este caminho ser produtivo e eficaz, e principalmente elevar os seres ao
Absoluto, são estes os mandamentos, seguindo o critério de abstração de WILLIS
SANTIAGO GUERRA FILHO, do menor para o maior:
1 Monogamia
2 Fidelidade recíproca
3 Da vida em comum no domicílio conjugal
4 Sustento, Guarda e Educação dos filhos
5 Mútua assistência
6 Respeito e consideração mútuos
7 Igualdade
8 Afetividade
9 Tolerância
10 Perenidade
67

A única regra que os casais não têm escolha é a monogamia. A monogamia é


uma ordem categórica, e, portanto, o cidadão não tem o direito de casar duas vezes
ao mesmo tempo. É uma regra que pode ser burlada, mas o segundo casamento é
nulo, ou seja, não terá efeito legal.
As demais regras podem ser flexibilizadas pelo casal de acordo com sua
conveniência, sem que tenham a influência estatal. Ou seja, o Estado dá parâmetros
para o convívio matrimonial, de acordo com as regras supramencionadas, mas não
tem o condão de interferir no dia a dia, na escolha que cada um faz para gerir a sua
felicidade matrimonial, a sua magia dentro do casamento. Ademais, as
consequências do descumprimento destas normas serão sentidas especialmente
pelos casais no termômetro da sua felicidade. Por outro lado, o prêmio maior para o
cumprimento destas regras é a felicidade conjugal, a manutenção do élan
matrimonial, ou ainda, o encontro com o Absoluto.

4.5.1 Monogamia

Depois do desejo à comida e à bebida que brotam no nascimento, surge, um


pouco mais tarde, o desejo sexual, tão ou mais violento que os primeiros.
Antropólogos afirmam que o primeiro homo sapiens teria nascido na África,
em um período estimado entre 130 mil e 200 mil anos. Ou seja, muito antes de
Abraão (séc. 21 a.C.), os seres humanos já procriavam com o intuito consciente ou
inconsciente de propagação da espécie. É no ato sexual que o ser humano garante
a perpetuação da humanidade.
Além de procriar reuniram-se em grupos que Engels (2002, p. 40) classificou
como família consanguínea, família punaluana, família sindiásmica e a família
monogâmica, sendo o triunfo definitivo desta última “um dos sintomas da civilização
nascente”. A civilização surge juntamente com as famílias monogâmicas.
A monogamia é um resultado da evolução da espécie, pois, caso contrário,
permaneceria nas famílias consanguíneas, punaluanas, ou sindiásmica, o que não é
o caso. Não haveria qualquer razão de não se admitir esse fato, que em nada tem a
ver com qualquer tipo de moralismo ou religiosidade. Trata-se sim de considerar a
monogamia como uma evolução da espécie, de outro modo, voltar-se-ia ao estado
68

selvagem ou bárbaro, ou ter-se-ia que admitir a desigualdade dos gêneros, o que


não nos parece o mais acertado.
A primeira etapa da família, segundo Engels (2002, p. 40), foi a
consanguínea, na fase selvagem do ser humano:

Os ascendentes, os pais e filhos, são os únicos que, reciprocamente,


estão excluídos dos direitos e deveres (poderíamos dizer) dos
matrimônios. Irmãos e irmãs, primos e primas, em primeiro, segundo
e restantes graus, são todos, entre si, irmãos e irmãs, e por isso
mesmo maridos e mulheres uns dos outros. O vínculo de irmão e
irmã pressupõe, por si, nesse período, a relação carnal mútua
(ENGELS, 2002, p. 41).

Segundo este relato, nessa fase da evolução da família, irmão tinha relação
sexual com irmã e não tinham qualquer tipo de exclusividade. A única relação sexual
proibida era a relação de ascendentes com descendentes. O casamento então era
um casamento plural de todos com todos, com exceção da relação sexual do pai
com a filha e da mãe com o filho.
Na segunda espécie de família, a punaluana, o ser humano, ainda na fase
selvagem, tem um avanço com relação à proibição de relação sexual entre os
irmãos e irmãs. Inicialmente, teriam sido proibidas as relações entre irmãos e irmãs
uterinos, ou seja, por parte de mãe, evoluindo para a proibição entre irmãos
colaterais, o que hoje designamos por primos e primas em segundo e terceiro graus.
Engels assinala que, provavelmente, “nas tribos onde esse progresso limitou
a reprodução consanguínea, deve ter havido um progresso mais rápido e mais
completo que naquelas onde o matrimônio entre irmãos e irmãs continuou sendo
uma regra e uma obrigação” (ENGELS, 2002, p. 42), supondo dessa forma, que esta
proibição intuitiva de nossos antepassados teria tido relação com o princípio da
seleção natural segundo o qual os filhos e filhas deste tipo de família nasceram mais
fortes e saudáveis do que os anteriores.
Em todo o caso, nessa fase, o casamento era em grupos, ou seja, eram
mulheres comuns de seus maridos comuns. O casamento também aqui tinha as
mesmas propriedades da família consanguínea, porém com a distinção de que aqui
começaram a formar famílias geneticamente mais diversas, em razão da proibição
do sexo entre os irmãos. Ademais, ainda que houvesse mulheres comuns com
maridos comuns, notava-se, nesta espécie de família, o início de uma união dos
69

pares, ou seja, uma mulher que se identificava mais com um marido e vice-versa. E
esse foi o embrião para formação da nova família, a sindiásmica.
A terceira etapa da família, a sindiásmica, aparece no limite entre o estado
selvagem do ser humano e a barbárie. Aquelas uniões de pares com mais afinidade
deram surgimento à poligamia, porém a “poligamia e a infidelidade ocasional
continuam a ser um direito dos homens, embora a poligamia seja raramente
observada, por causas econômicas” (ENGELS, 2002, p. 57). Essa nova concepção
de família teria sido uma conquista das mulheres que se libertaram da antiga
comunidade de maridos e adquiriam para si o direito de não se entregar a mais de
um homem.
Na quarta espécie de família, a monogâmica, surge a monogamia como
regra, agora no período da civilização. Essa monogamia não surgiu, de forma
alguma, segundo Engels, em razão do fruto do amor sexual individual, “já que os
casamentos, antes como agora,29 permaneceram casamentos por conveniência”.
A família evoluiu para este estágio, junto com a evolução da propriedade, que
passou de comum para a propriedade privada. Somente com o surgimento da
monogamia os filhos eram reconhecidos como tais e herdavam o patrimônio
construído pelo pai. Se houve nessa nova família um progresso, houve um sensível
retrocesso, explica-se:
O primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide
com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher
na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do
sexo feminino pelo masculino. A monogamia foi um grande
progresso histórico, mas, ao mesmo tempo, iniciou, juntamente com
a escravidão e as riquezas privadas, aquele período, que dura até
nossos dias, no qual cada progresso é simultaneamente um
retrocesso relativo, e o bem-estar e o desenvolvimento de uns se
verificam às custas da dor e da repressão de outros (ENGELS, 2002,
p. 44).

Isto significou que foi cerceada dos seres humanos, por meio dessa evolução,
a liberdade sexual, especialmente a das mulheres. Mas se houve o cerceamento
sexual ao longo da história, aumentando as tensões sexuais que antes eram
solucionadas pelos casamentos em grupos, por outro lado, surgiu, no mesmo
instante, o alívio destas tensões (mas especialmente dos homens) por meio do
adultério e da prostituição.

29 A primeira edição desta obra de Engels data de 1884.


70

No mesmo instante que surge o casamento monogâmico, nasce o adultério e


a prostituição. São trigêmeos da civilização. Contudo, deve-se ressaltar que há
países que ainda hoje mantêm a possibilidade do casamento poligâmico, mas tal
privilégio é reconhecido apenas àqueles homens que têm condições de sustentar
mais de uma mulher, nas mesmas condições. Nestas sociedades, o princípio da
igualdade entre homem e mulher não é aceito, na medida em que o homem pode ter
várias mulheres, mas as mulheres não podem ter vários homens. Portanto, a mulher
continua a viver sob o jugo do marido ou do pai, o que não se pode aceitar em uma
visão mais contemporânea.
É proibido, no Brasil, manter dois ou mais casamentos simultaneamente. É
inclusive tipo penal estabelecido no art. 235 do CP. E, se o segundo cônjuge tiver
ciência do primeiro, pode ele também ser punido ex vi do art.235, §1º do CP.
Porém, já vemos alguns sinais de mudanças no Brasil. Há dois casos de
reconhecimento de uniões estáveis do chamado poliamor. Diferente da bigamia, a
união estável no poliamor é aquela formada por três ou mais seres humanos, em
que há direitos e obrigações recíprocas entre eles. Se, de fato, existem pessoas que
se relacionam a três, a quatro, a cinco ou a seis, e querem partilhar bens, assumir
obrigações entre si, pelos princípios estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento da Adin 4.277, poderia também ser regulada esta relação. Aqui, mais
uma vez, não há afronta com o instituto do casamento, nem à sua sacralidade. O
fato de duas ou mais pessoas terem relações sexuais entre si reguladas por um
contrato público, não afeta o instituto do casamento, na medida em que não se
tornaram casadas, mas apenas reconhecidas juridicamente com sua união.
Mesmo porque, se há liberdade religiosa e se há religiões que permitem
casamento poligâmico, estaria o legislador restringindo o exercício e o culto da
própria religião, se proibisse que seres humanos adultos pudessem praticar os
preceitos da sua religião com o casamento poligâmico. Assim, neste ponto, parece
contraditório o disposto no art. 5º, VIII da Constituição Federal, na medida em que
concede a liberdade religiosa, mas a limita aos termos da lei, impedindo que um
homem ou uma mulher possam estar casados com dois ou mais seres humanos ao
mesmo tempo. No caso da poligamia, ou mesmo da poliandria, não haveria bem
jurídico fundamental a ser tutelado, considerando o estado sendo laico.
Não são poucos os casos de muçulmanos que vivem no Brasil em situação
irregular de casamento da segunda ou da terceira mulher. E, nesse caso, não se
71

está defendendo que a poligamia é o melhor caminho. Muito pelo contrário.


Entende-se que a monogamia é um avanço da sociedade, e ela decorre
naturalmente do princípio da igualdade e da evolução humana. Mas a monogamia
deveria ser voluntária e não obrigatória, justamente para respeitar outras religiões
que não a têm como regra.
O Estado laico não pode impedir que outras religiões adotem casamentos
simultâneos de mais de duas pessoas. E, de fato, no caso recente no Brasil (2015),
onde foi lavrada a escritura de união estável de três mulheres, as três uniram e
tiveram a bênção do Estado,30 por meio do Tabelião de Notas, que lavrou uma
escritura de união estável. Já havia um caso de união estável de um homem com
duas mulheres em Tupã, no interior de São Paulo.31 Estas escrituras ocorreram
como consequência da Adin 4277 pelo Supremo Tribunal Federal, sob o fundamento
da liberdade e da dignidade humana.
O princípio da monogamia está acima do princípio da liberdade religiosa? A
questão da monogamia tem cunhos eminentemente religiosos, valores estes que
foram apropriados pelo Estado e que agora estão novamente em discussão,
considerando-se outros valores, especialmente da liberdade e da dignidade da
pessoa humana.
Em um país democrático, tal ordenamento jurídico somente poderia vir por
meio do processo legislativo. Ou seja, autorizar o casamento a três, a quatro, a cinco
ou a seis só poderia ser feito por meio do Poder Legislativo. Porém lá percebe-se
que efetivamente o Estado não é tão laico como parece. As uniões homoafetivas
foram reguladas pelo Poder Judiciário, dosando os princípios constitucionais e não
pelo Poder Legislativo. Embora houvesse inúmeros projetos de lei regulando esta
questão, o Poder Legislativo não legislou. Os projetos não foram avante. Mas
atentos aos princípios constitucionais da liberdade sexual, e da dignidade da pessoa
humana, o Supremo fez o papel do legislador, neste caso, e incluiu a possibilidade
da união estável homoafetiva o que contribui para o processo de evolução social,
diminuindo a discriminação.

30 Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/rio-de-janeiro,rio-registra-primeira-uniao-


estavel-entre-3-mulheres,1781538. Acesso em: 15 jan. 2016.
31 Disponível em: http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2012/08/uniao-estavel-entre-tres-

pessoas-e-oficializada-em-cartorio-de-tupa-sp.html. Acesso em: 15 jan. 2016.


72

Neste trabalho, porém, mais do que discorrer sobre eventuais incongruências


da Constituição Federal, com valores aparentemente em conflito, há a preocupação
de reafirmar a necessidade da monogamia para o fim aqui pretendido, ou seja, alçar
a consciência natural à consciência absoluta através do casamento.
Para este fim, é difícil acreditar ser possível alcançar tal objetivo com mais de
um rosto ou de uma curva. A monogamia cria um ambiente mais propício para o
casal chegar em lugares, dentro de sua alma, que são fundamentais para o
autoconhecimento e a autorrealização. Isso não quer dizer que o ser humano não
possa amar mais de uma pessoa. Sim, pode amar mais de uma pessoa ao mesmo
tempo; entretanto, confiar totalmente nela, e se fazer confiar, em sua totalidade, sem
qualquer limite, só é possível com uma só pessoa, pelo menos, uma só pessoa de
cada vez. Ao mesmo tempo é inconcebível, enfatize-se, para o que se pretende com
este trabalho.
Primeiro, porque a bigamia pressupõe a existência de um marido e duas ou
mais mulheres, ou de uma mulher e dois ou mais maridos. A lei, por certo, não tem
razão alguma, a não ser em sua raiz religiosa, para proibir estes casamentos.
Alguém que não tem nenhuma crença religiosa e quer se casar com duas ou mais
pessoas, desde que todas saibam das relações, não haveria problema a ser
resolvido se o Estado fosse efetivamente laico, o que sabemos que não é.
Por conseguinte, o problema que se destaca neste trabalho é a falta de foco
no ser amado. Ter duas ou mais esposas faz com que a alma escolha aquela que
causa maior conforto. É natural que, se um homem tiver duas mulheres e uma
estiver doente, com depressão ou com qualquer outro problema que não o agrade,
ele naturalmente procurará ficar com a outra, mais saudável, mais feliz, que lhe
propicia mais prazer. De igual modo, se uma mulher tiver dois ou mais maridos. No
momento de angústia de um, ela procurará o outro que lhe traz mais felicidade.
Estas relações podem até funcionar por um tempo, especialmente quando as
pessoas são jovens, com vida sexual ativa. Mas na velhice, dificilmente encontramos
estas relações.
A monogamia é fundamental para que um ser deposite no outro toda a sua
alma, e, ao mesmo tempo, receba do outro toda a sua alma. A elevação da
consciência natural à absoluta não admite reservas. Não é possível doar-se 99%, ou
receber 99% e compreender o Absoluto. No processo ora descrito, a doação deve
ser de 100% e a recepção também de 100%. A totalidade do ser amado — com
73

suas coisas boas e más — deve ser recebida pelo amante, e vice-versa; ou seja, o
amante também deve doar suas coisas boas e más, seu lado consciente e
inconsciente para receber o mesmo do outro e perceber a consciência Absoluta.
Sem a monogamia este processo é boicotado pela presença de outro rosto. E
por isso a monogamia é fundamental para o que se pretende com este trabalho.

4.5.2 Fidelidade

Na civilização grega, “o casamento e, no casamento, as relações sexuais


entre cônjuges não constituíam um foco de interrogação muito intensa” (FOUCAULT,
1984, p. 133). Todavia, Aristóteles considera na Política ser uma “ação desonrosa”
as relações do marido com outra mulher, ou da esposa com outro homem.
De qualquer forma, como descreve Foucault, o fundamento da fidelidade para
o homem e para a mulher era diferente: a mulher era fiel ao homem, pois
representava uma consequência natural do poderio que ele exercia sobre ela.
Assim, por pertencer ao homem, a mulher deveria ser exclusivamente dele. Por
outro lado, o fato de o homem relacionar-se apenas com sua esposa seria, para o
marido, a mais bela maneira de exercer seu poder sobre a mulher (FOUCAULT,
1984, p. 135). Se a mulher pertence ao marido, ele pertence somente a si próprio, e
deve dar prova deste domínio de si através da fidelidade.
Os textos sobre fidelidade são bem escassos, em razão de não ser uma
problemática à época. Além disso, o que se diz nos textos está muito longe do que
se praticava e que se praticou há bem pouco tempo no Ocidente. Se o homem tinha
o direito de procurar outras mulheres, cortesãs ou prostitutas para satisfazer seus
desejos sexuais, a mulher não tinha este mesmo direito e ficava reprimida em seu
desejo se o seu marido não a satisfizesse. De fato, havia a obrigação, para o
homem, de, ao menos três vezes ao mês ter relação sexual com a esposa. Mas não
necessariamente esta obrigação era cumprida. E, mesmo se cumprida, poderia não
gerar prazer à mulher e vice-versa.
Porém, nesta hipótese, o homem teria como realizar seus desejos, dar vazão
a esses fortes impulsos fora do casamento, mas a mulher não. E isso durou nada
mais nada menos do que algumas dezenas de séculos!
Mas essa realidade mudou. Vive-se a revolução do vício da infidelidade
milenar do ser humano. A mudança se deve especialmente pela igualdade dos
74

gêneros, conquistada, a duras penas, pelas mulheres. A igualdade no século XX fez


este panorama da fidelidade conjugal se transformar revolucionariamente. A
infidelidade da mulher tornou-se a “Tomada da Bastilha”, uma forma de libertação e
de revanche do gênero feminino contra o masculino. Se o homem podia trair sem ser
recriminado pela sociedade, a mulher também agora poderia começar a trair. As
relações de poder dentro das casas começaram a se equilibrar, mas geraram outros
problemas que foram e são sentidos pela família.
A tirania do poder sexual que o marido exercia sobre a mulher foi minada com
o ingresso da mulher no mercado de trabalho e com a nova concepção de
igualdade. A mulher não sendo dependente economicamente do marido poderia — e
pode — sair do casamento e buscar outra fonte de felicidade, ou outra fonte de
prazer sexual. O divórcio trouxe este direito às relações entre homem e mulher.
Agora, a mulher não mais é obrigada a ficar casada, custe o que custar, nem de
“fechar os olhos” para tudo o que via, ou de “comer um prato de sal todos os dias”
como ensinavam suas avós. A “escravidão do gênero” (BEAUVOIR, 2008, p. 199)
não tem mais razão de existir nas concepções da sociedade ocidental.
Nos dias atuais, mantém-se casado quem quer. Não há mais preconceitos
contra a mulher divorciada, como havia antigamente. No matrimônio atual, a
fidelidade é uma regra opcional, especialmente com o advento da Emenda 66/2010,
que fez, na prática, extinguir a perquirição para saber quem deu causa ao fim do
casamento. A única consequência estatal para os que não cumprem com esta regra
é a de não ter direito a alimentos do outro, e em alguns casos, dever à indenização
moral. Ou seja, o cônjuge culpado não tem direito de pedir alimentos ao outro e o
ofendido pode pleitear indenização pelo dano moral.
As consequências maiores da infidelidade estão dentro do casamento e não
na sociedade. O casal é quem deve gerir esta questão. Na sociedade, porém, é
natural que a ética de casamento monogâmico onde seja respeitada a fidelidade
seja diferente de uma sociedade em que a fidelidade tem pouco valor.
De fato, é proibido casar duas vezes simultaneamente. É crime. Mas ser ou
não obediente aos votos de fidelidade é uma opção para o casal. Até 2005 o
adultério era crime também - art.240 do CP32, ou seja, há muito pouco tempo.

32Art. 240. Cometer adultério: Pena – detenção de quinze dias a seis meses (revogado pela lei
11.106/2005).
75

A fidelidade não foi incluída expressamente como uma obrigação na união


estável. A Lei nº 9.278/1996 importou do casamento alguns valores, mas entre eles
não está a fidelidade. O legislador tentou avançar no tempo, talvez
demasiadamente, e encontrou resistência. No julgamento do Resp 1.348.458, a
Ministra Nancy Andrigui deixou de reconhecer a união estável porque não havia
fidelidade:
Embora não seja expressamente referida na legislação pertinente
como requisito para configuração da união estável, a fidelidade está
ínsita ao próprio dever de respeito e lealdade entre os
companheiros.

Dentro do universo de valores que permeiam a relação, a fidelidade pode ser


sagrada ou não. Há casais que consideram não ser um valor fundamental para a
relação ir bem. Para outros casais, a fidelidade é sagrada, e, sendo violada,
certamente leva à ruína o casamento. Há alguns ainda que permitem que um dos
cônjuges, ou os dois, tenham prazeres sexuais fora do casamento, justamente
porque o casamento não lhe traz este tipo de prazer. Traz outros, mas este não.
Então se resolve que ambos continuarão casados, fazendo coisas juntas que lhe
dão prazer, menos sexo. O sexo fica terceirizado. A fidelidade fica restrita ao âmbito
particular do casal. No casamento pode ser assim, mas na união estável, se já não
houver a escritura desta relação, o Estado pode interferir não reconhecendo a união
estável, como no caso citado, por falta de fidelidade.
Hoje não é habitual, pelo menos no Brasil, casamento por conveniência ou
arranjo familiar. Então os seres humanos, a princípio, estão livres para escolher com
quem se casam.
Se o amor é a força propulsora que faz dois seres se unirem em casamento,
essa força precisa de certa intensidade para levar os cônjuges adiante. Os seres se
conhecem, sentem os olhares de atração, examinam reciprocamente suas curvas,
se tocam, conferem se o toque lhes é agradável. A voz faz parte deste processo, ao
trazer os dois candidatos mais próximos. Além destas percepções físicas que
atraem os corpos existem as percepções psicológicas: ver se a cultura, as memórias
são compatíveis entre os dois, se é agradável a conversa, a fim de que surja o amor.
É natural também, em nossa cultura, que haja sexo antes do casamento.
Nesse momento, as pessoas também já têm certa ideia de como será a sua vida
sexual. Se o sexo não é bom no momento do namoro, talvez outros fatores possam
76

substituí-lo. A conversa, o toque, o companheirismo, a amizade, ou simplesmente o


beijo, isso tudo faz com que os dois continuem juntos e resolvam casar. Se o sexo é
bom antes do casamento, pode-se acordar que haverá exclusividade e ambos
podem jurar fidelidade sexual um ao outro. Mas se o prazer sexual é pequeno, ou
inexiste, ou ainda, o ato sexual possa ser incômodo, poderá haver mais tolerância
com relação à fidelidade, de forma que haja permissão para a obtenção deste prazer
fora do casamento.
A fidelidade tem algumas razões: quando alguém ama um ser humano e
resolve casar-se, pelo princípio da monogamia que rege nossa sociedade, ele se
entregará a apenas um ser humano. É natural querer ter exclusividade. Ou seja, a
fidelidade tem um fundamento na instituição e no princípio da reciprocidade. Não é
equilibrada uma relação em que um está autorizado a ter relações sexuais fora do
casamento e o outro não. Pode ser que esta autorização se dê para compensar um
desequilíbrio em outro assunto do casal. Ou seja, há uma compensação de
satisfações. Porém, se os dois têm prazer sexual suficiente dentro do casamento
não há razão para buscar mais prazer fora.
A força da imitação é grande entre os seres humanos. Ou seja, a prática
milenar dos homens sendo infiéis às suas mulheres enquanto aceito por elas e pela
sociedade é repetida pelos homens de hoje, de forma, muitas vezes, inconsciente. O
homem imita seu pai, que imitou o seu avô que imitou o bisavô etc., mas a grande
diferença está em que esta prática hoje não tem mais a cumplicidade da
desigualdade de gêneros, e, por isso, a mulher traída pode não aceitar a infidelidade
como algo normal. Ferida em sua autoestima, ela pode procurar compensar-se, seja
na prática da infidelidade, seja na ruptura do casamento, ou simplesmente assumir
uma tristeza ou melancolia rotineira, podendo extravasar essa dor no consumo de
bens, álcool ou drogas. O mesmo pode acontecer com o homem.
Ao admitir a infidelidade conjugal como regra, o ser humano abre uma
concorrência contínua, e, muitas vezes, desleal ao prazer sexual que tem dentro do
casamento. Ou seja, o ser humano casou e ao mesmo tempo sabota o casamento
com a prática da infidelidade, de forma desleal. Desleal porque o concorrente que
está fora do casamento não sofre as ações dos assuntos rotineiros da vida familiar,
como empregados ou patrões, filhos, despesas, famílias de um ou de outro lado,
que muitas vezes aborrecem e prejudicam o prazer sexual dentro do casamento.
77

Fora do casamento, por inexistirem estes assuntos, o sexo pode ser tão bom quanto
era antes do casamento com aquele que se tornou cônjuge.
Acrescente-se ainda o perigo de contrair doenças que possam inclusive ser
posteriormente transmitidas ao cônjuge. E isso, infelizmente, não é incomum. Ao
deixar-se levar pela infidelidade, o ser humano pode colocar em risco seu projeto
inicial de vida, sua família, projeto este traçado no momento do casamento. Além
disso, põe também em risco o bem-estar dos filhos e o seu próprio para saciar um
desejo animal. Não são poucos os filhos que condenam seu pai ou sua mãe por
terem traído um ao outro. E este tema foi objeto de uma peça de teatro — Adivinhe
quem vem para rezar — de Dib Carneiro Neto, na qual atuou, entre outros, Paulo
Autran. Esta peça mostra como os filhos fazem este julgamento dos pais, vivem com
estes rancores, até eles perceberem, mais velhos, como esse assunto é muito mais
complexo e delicado. Mas esta compreensão só ocorre depois de muito julgamento
e sofrimento, que poderiam ter sido evitados se houvesse fidelidade.
A terceirização clandestina do sexo no casamento, ou seja, aquela que não é
conhecida pelo cônjuge, ocorre tanto em casamentos sexualmente felizes como nos
infelizes. Nos felizes, pela busca de mais prazer. Nos infelizes, pela busca de prazer
simplesmente. Agora, se o prazer sexual está ruim no casamento, buscá-lo em
outros lugares, com ou sem a autorização do cônjuge, pode piorá-lo ou até mesmo
exterminá-lo. Em um primeiro momento, pode até ser bom, o cônjuge recobra a sua
autoestima, sente-se bem pelo que fez. Porém, pode ter sua parte ruim, a ressaca
moral, podendo ficar sentindo-se culpado por longos anos. Nesse estado de culpa
pode cobrir o outro de presentes, joias, prometer mundos e fundos, mas a culpa não
lhe sai da cabeça. Pode ocorrer também que aquele prazer no acaso se aprofunde
em paixão e o ser comece a viver uma vida dupla, recheada de mentiras e de
falsidade, o que também não pode ser considerado virtuoso, muito menos saudável.
Reconhecer se a relação paralela é uma fantasia ou um caso de amor de verdade
só o caso concreto dirá.
Em época de gravidez e amamentação, o índice de infidelidade aumenta
muito, justamente porque a mulher está em uma fase na qual o sexo não é a sua
prioridade. Os nove meses de gestação, mais alguns meses de amamentação
constituem um tempo considerável para a contenção do desejo sexual masculino.
Evidente que nesta época a mulher, se não tiver complicações na gravidez, pode —
e é até saudável — ter relações sexuais com o marido. Mas ela pode não querer e
78

isso traz problemas ao homem. Ele terá então que ter temperança e controlar seu
impulso sexual, por mais violento que seja, ainda que seja como Diógenes fazia
(FOUCAULT, 2007, p.52), sem a necessidade de fazer isso em praça pública, por
óbvio.
Mesmo porque, é “perigoso, para o indivíduo, obter seu prazer ao acaso; mas
se é ao acaso que ele procria, e não importa como, o futuro de sua família é
colocado em perigo” (FOUCAULT, 1984, p. 110). Ou seja, procurar satisfazer desejo
ao acaso coloca em perigo o matrimônio e até a família.
No processo de individuação traçado por Jung, o homem deseja uma mulher
(Eva – 1ºestágio). O instinto de procriação faz com quem um homem busque uma
mulher para ter relações sexuais. Este primeiro instinto visa unicamente perpetuar a
espécie. Depois de encontrar uma mulher, ele busca uma mulher bonita (Helena –
2ºestágio). Se Eva é o arquétipo do instinto de perpetuar a espécie, Helena é de
melhorá-la. Será neste segundo estágio que o homem procura satisfazer seu desejo
sexual e, por um espaço de tempo, sente-se pleno e satisfeito. Assim, se a sua
esposa não lhe faz mais o papel de Helena, ele busca este arquétipo fora do
casamento, pois é através dele que encontra facilmente a sensação de plenitude
grosseira da alma, ainda que por apenas alguns segundos, por meio do gozo. Ao ser
infiel à sua mulher, ainda que com várias mulheres, o homem está se relacionando
apenas com a Helena, que é o segundo estágio de seu arquétipo feminino. Muitos
belos rostos de mulheres, perfeitas curvas, porém sempre a mesma mulher, o
mesmo arquétipo: a Helena.
Se o homem pulveriza seu amor para várias mulheres, dificilmente passa ao
terceiro estágio de sua anima, a Virgem Maria. A fidelidade faz com que a força do
amor seja dirigida a apenas um rosto, e através deste rosto, ele passa adiante para
o terceiro estágio. Certamente, distrair-se com várias mulheres, sempre com o
mesmo rosto (ou curvas) de Helena, dificulta, ou até mesmo impossibilita que o
homem consiga enxergar o terceiro estágio mais profundo de sua anima, a Virgem
Maria.
A fidelidade sexual força o homem a concentrar toda a sua vitalidade, sua
força, seu amor para uma mulher só, aquele amor, segundo Aristóteles que só se dá
para um ser. É este amor, é esta força que faz com que o homem encontre seu
arquétipo da Virgem Maria que eleva o amor (eros) à grandeza da devoção
espiritual, do sagrado. Esta é a máxima devoção que um homem pode ter com uma
79

mulher, seja por respeito a ela, seja por autodomínio, seja pela máxima intensidade
de amor que um homem pode dirigir a uma só mulher. Neste estágio é preferível
morrer a ser infiel a ela ou deixá-la infeliz, tal o grau de devoção e de amor. Eros
canaliza a alma para a catarse final, avançando ao conhecimento de si.
A fidelidade faz com que o homem alcance este estágio de seu arquétipo e
experimente o êxtase de seu amor; e, ao mesmo tempo, a morte de uma parte de
sua identidade construída pelo ego. Neste estágio, não há mais valor no desejo e na
vontade do amante, mas somente no desejo e na vontade do ser amado. É apenas
isso que importa. Sob a consciência relativa, adora, com fervor, seu amor. Neste
estágio de grande força do amor, ele tem objeto próprio, representado pelo ser
amado, que, na verdade, coincide, neste instante com o arquétipo da Virgem Maria,
no terceiro estágio da anima.
Em um momento seguinte, “inda tonto do que houvera, à cabeça, em
maresia” (Fernando Pessoa) o infante encontra hera, e “vê que ele mesmo era a
Princesa que dormia”. E aqui chegamos ao Absoluto. O que antes era uma figura
externa à pessoa, um rosto, passa a ser reconhecido como conjunto de impressões
internas da alma. Maria desaparece para dar espaço ao último estágio da anima: a
Sophia ou Monalisa. Neste estágio o homem reconhece que o ser amado, da forma
como lhe parecia, era apenas uma ilusão, um rosto que o levou a encontrar consigo
mesmo, nas profundezas do seu ser, o Absoluto, o gozo supremo.
Esta imersão em sua parte imaterial do corpo é catalisada pelo dever de
fidelidade. A fidelidade faz a função das margens do rio que o canaliza para o
deságue no mar. Sem as margens o rio não chega ao mar. Ele se dispersa nas
planícies. O dever de fidelidade, impulsionado pela força natural que leva todos para
à consciência absoluta, e, no caso, catalisada pelo amor, faz com que o homem
chegue a este aspecto último de sua alma, a Monalisa, o Absoluto.
Daí a necessidade da fidelidade.
80

4.5.3 Vida em comum no domicílio conjugal

A moradia é um lugar sagrado. Ela é onde o ser humano dorme, restabelece


seu ânimo, convive com sua família e com seus amigos. É nela que os seres
humanos comem o alimento para a sua sobrevivência, educam seus filhos, assistem
a seus filmes, a programas de televisão, sentem-se protegidos.
A habitação é direito reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do
Homem, no artigo XXV, item I, editada em 10 de dezembro de 1948. Na Constituição
Federal do Brasil tem sua garantia estampada no art. 6º.33 Além do artigo sexto,
consta do artigo 5º que a casa é “asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
A casa representa o espaço físico mais importante do ser humano. Ela “pode
ser um lugar de renovação e esperança; o abrigo no qual você se isola e se
recarrega durante os momentos difíceis; um refúgio de paz durante a tempestade”
(LINN, 1995, p. 11).
Quando dois seres humanos casam e fixam moradia na mesma casa aceitam
compartilhar seu espaço físico mais sagrado. Quando se divide o lençol, o lugar de
descanso, o banheiro, a mesa de refeições, a comunhão é muito grande. Os gestos,
os olhares, a forma de caminhar dentro de casa, o tom de voz, isso tudo faz parte do
casamento. A exigência legal do artigo 1566, inciso II, reforça a sacralidade deste
ambiente.
Por conta de trabalho ou de cursos, podem morar separados por algum
tempo, mas via de regra residem no mesmo espaço e compartilham a mesma cama.
Embora tenham algumas casas que possuam leitos particulares para cada um dos
cônjuges, o habito cultural é de que durmam no mesmo quarto, até por questões
econômicas.
Em um casal que se dedica ao casamento de corpo e alma, a moradia
comum no domicilio conjugal é de extrema importância. É lá que vão residir os filhos,
que os pais serão acordados no meio da noite para atendê-los em dia de febre, de
qualquer enfermidade, pesadelos, etc...

33 Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o


transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
81

Os adultos também ficam doentes e é natural que um possa cuidar melhor do


outro se estiverem morando na mesma casa. O que ocorre normalmente é que o
casal de primeira viagem, ou seja, que se casa em primeiras núpcias não cogita
sobre este assunto. Raramente um casal novo casa para morar em casas
separadas.
Porém, este hábito se torna muito mais comum quando se trata de segundo
ou terceiro casamento, quando os filhos já estão criados, enfim, quando se passa
aquele impulso da juventude. Lógico que, neste caso, trata-se de pessoas mais
maduras, que já estabeleceram seu próprio lar, que já construíram seu ambiente
particular, e, desta forma, mais difícil de ser compartilhado todos os dias a todo
momento. É natural que um ser humano queira preservar sua intimidade e sua
privacidade depois de algum tempo de vida, em especial, depois de já ter tido a
experiência, muitas vezes nada agradável, de ter convivido com alguém no mesmo
espaço, por todos os dias da semana.
Neste caso, entende-se que a escolha é de foro íntimo de cada casal. Se a
relação vai bem assim, que continue assim, e quando sentir que há a necessidade
ou a vontade de mudar isso — que mudem.
De toda forma, o art. 1566 reza como dever de todo o casamento a moradia
em comum no domicílio conjugal, e isso normalmente serve para a maioria das
pessoas e contribui para a plena comunhão espiritual.

4.5.4 Sustento, guarda e educação dos filhos

Legislar sobre o sustento, guarda e educação dos filhos, atribuindo tal tarefa
como um dos deveres do casamento, demonstra a preocupação do Estado com a
família. Vimos que a força primordial que une os seres humanos é a da procriação.
Embora tenhamos romantizado este assunto ao longo do processo de civilização, o
que importa para a natureza da espécie é que ela se propague.
Toda criança que nasce representa contribuição para a eternidade da
espécie. Quando um casal cuida de seu próprio filho, não está cuidando apenas de
uma criança, está cuidando de toda a humanidade. Aquela criança representa a
humanidade. “Esposa e esposo devem ter em vista gerar para o Estado crianças da
maior excelência e beleza possíveis” (PLATÃO, 1999, p. 271).
82

Nessa frase, Platão refere a importância do casal para a geração de filhos e


para a melhora da República. Eles não têm filhos apenas porque aquilo significa
fruto do prazer sexual ou porque querem. Um casal tem filhos com a
responsabilidade de criá-los com a maior excelência possível para o bem da
sociedade. Trata-se de uma obrigação do casal. Uma tarefa que deve ser exercida
conjuntamente pelos pais. Faz parte do contrato de casamento que isso fique
estabelecido de forma a atribuir a ambos esta tarefa. O amor ajuda, e muito, durante
esta trajetória, tornando-a prazerosa.
Além de ser obrigação do casamento, o sustento, a guarda e a educação dos
filhos é obrigação do genitor. Assim, mesmo com a dissolução do casamento estas
obrigações permanecem com fundamento na Lei nº 8069/90. Além disso, o
descumprimento desta obrigação é crime estabelecido nos arts. 244 e 246 do
Código Penal.
Neste quarto mandamento do casamento, a felicidade do outro deve ser
priorizada em detrimento da própria felicidade. A felicidade da família é mais
importante do que a felicidade individual.
Quando os seres humanos se casam, eles formam um novo ser psíquico que
é a família, com o núcleo primordial no casamento. Embora ambos sejam
provenientes de outras famílias, agora chamadas famílias maiores, o casamento
forma o início de uma família menor, uma família formada somente pelos cônjuges.
Esta família da qual, por óbvio, fazem parte os dois tem uma felicidade própria. Ou
seja, cada ser tem a sua fonte privada de felicidade; juntos têm outra fonte de prazer
e de dor também na família. A dor que não havia sozinho, agora há em dois. E a
felicidade que também não havia sozinho agora há na nova família formada. Este é
o aspecto profundo da união matrimonial. Assim, depois de formada a família não
basta pensar apenas na felicidade individual, mas sim na felicidade deste novo ente
formado da família, que, por vezes, pode ser incompatível com a felicidade
individual. Diante de uma incompatibilidade, é natural que para a manutenção do
élan da família seja priorizada a felicidade dela.
Esta nova família, quando surgem os filhos, fica bastante complexa,
minimizando ainda mais as vontades e os caprichos individuais e maximizando as
vontades da família. É natural que a vontade individual entre em conflito, algumas
vezes, com a vontade da família. Mas na maior parte das vezes, a vontade da
família deve prevalecer.
83

Evidente que um ser não pode ser renegado em sua vontade individual, a
ponto de submetê-la a zero. Isso não é saudável, justamente porque isso interfere
na felicidade da família. Uma pessoa que não tem vontade individual não tem
expressão individual, e fica somente escrava dos desejos e vontades da família,
acaba por diminuir o grau de felicidade da família. É bom que todos estejam plenos
e felizes na sua individualidade e no contexto familiar.
O dever de sustento, guarda e educação dos filhos pressupõe que cada um
dos cônjuges abra mão, na maior parte das vezes, de seus desejos individuais, para
que os dos filhos sejam satisfeitos, até que eles atinjam a maioridade civil e
psicológica. E aqui entra outro ponto importante: se os pais têm obrigação de
sustentar, guardar e educar os filhos, também têm obrigação de ensiná-los a um dia
sustentarem-se, guardarem-se e educarem seus próprios filhos.

4.5.5 Mútua assistência

A mútua assistência é decorrente do princípio da afetividade. É difícil imaginar


que um ser humano que ame outro não lhe dê assistência no momento de
necessidade. É natural que ambos estabeleçam um relacionamento que envolva a
companhia para os momentos de prazer, mas também para os dias de dificuldade.
A assistência pode ser moral, afetiva ou financeira. Não importa. O que o
legislador quis registrar foi este dever dentro do casamento que resulta na obrigação
de um dar assistência ao outro.
Ao longo da vida, o ser humano pode passar por doença, morte e velhice,
seja de si mesmo, seja de outras pessoas que ame. Viver este momento sem que
tenha alguém que possa assisti-lo não deve ser muito bom. A primeira pessoa com
quem deve contar é exatamente o companheiro ou companheira.
Será ela ou ele quem estará à noite ao seu lado, para dar apoio quando
receber algum telefonema sobre uma notícia ruim. Também se houver problema
financeiro, o casal deve se ajustar para um socorrer o outro em momentos assim. A
mútua assistência é um gesto natural decorrente do afeto.
Em uma sociedade capitalista, onde o capital às vezes tem mais valor do que
a família e o afeto, pode ocorrer que uma família seja arruinada por brigas que
envolva bens. Agora, colocar em risco um casamento feliz, por conta de problemas
84

financeiros, é, sem dúvida, inverter a ordem de valores. De qualquer forma, mesmo


se o casamento acabar, a obrigação legal de prestar assistência não termina, nos
termos do art. 1704 do Código Civil.

4.5.6 Respeito e consideração mútuos

O princípio da igualdade pressupõe respeito e considerações mútuos, na


medida em que, caso um ser considere o outro igual, ele poderá se colocar no lugar
do outro e, por consequência, procurar ter uma relação harmoniosa. Esse princípio
se apresenta como uma expressão abstrata, e demanda a perquirição da concepção
de respeito e das considerações mútuos. Respeito é sinônimo de consideração
(HOUAISS, 2001):

Respeito s.m. 1. ato ou efeito de respeitar(se) 2. sentimento que leva


alguém a tratar outrem ou alguma coisa com grande atenção,
profunda deferência; consideração, reverência. 3. obediência,
acatamento (...) 7. estima e consideração que se demonstra por
alguém ou algo.

Esse, sem dúvida, é um dos mais subjetivos princípios do casamento, na


medida em que dificilmente consegue-se detectar o que seria respeito para um
determinado casal.
No campo da responsabilidade civil, ou para se apurar a culpa em uma ação
de separação litigiosa que visa impedir que o cônjuge culpado receba alimentos, o
juiz deve se pautar, com cautela, perquirindo os hábitos daquele casal, para formar a
sua convicção sobre o liame entre o que seria o respeito e desrespeito.
Esse princípio no casamento é fortalecido pela ideia de temperança. É difícil
alguém não brigar no casamento. Mais difícil ainda é brigar respeitando e
considerando. Quando um casal se encontra nestes aspectos sombrios da alma,
isso ocorre porque há uma incompatibilidade entre desejos, uma disputa de poder. A
luta entre um casal é a luta da consciência relativa querendo se manter, diante do
absoluto que se quer apresentar, ainda que neste momento seja por seu aspecto
sombrio.
A violência com que se trata o cônjuge é, normalmente, a mesma violência
que o ser humano tem consigo próprio em seu inconsciente. Ele maltrata o cônjuge
85

da mesma forma que se maltrata internamente. De igual modo, um cônjuge pode


tratar muito bem o outro, porque também assim o faz com sua própria alma.
Por isso, este princípio faz com que o ser humano contenha o ódio em um
momento de briga, ódio este que poderá entorpecer o sentimento pelo qual o casal
se uniu, ou seja, o amor. Evidente que, no curso do casamento, e em especial com a
consideração de Foucault, se trata de um contrato repressão, o outro cônjuge atua
naturalmente como as cláusulas restritivas de poder.
Neste momento de choque de poder, violam parte do contrato pelo
descumprimento de uma cláusula, e com isso há uma repreensão por isso, ou ainda,
se quiser ser mantida a relação, renegociam o contrato. Não é raro ainda que este
contrato invisível gere dúvidas e estas dúvidas também originam debates às vezes
calorosos. Mas o que importa para o cônjuge que pretende manter a relação é tratar
destes temas, quando surgirem, com respeito e consideração, ainda que o outro, na
violação do contrato, ou na interpretação distorcida do mesmo, não tenha tido iguais
consideração e respeito.
Mesmo porque não é incomum que o motivo inicial do debate deixe de ser
importante para lhe tomar a frente não o objeto debatido, mas a forma com que a
discussão se deu. Sem respeito e sem consideração, quando um cônjuge chama a
atenção do outro por qualquer coisa que o desagrade, esse objeto desagradável
deixa de ser o motivo da briga, tomando-lhe o lugar a forma com que se deu a
disputa. Sobre isso, Gustavo Korte (1997, p.458) escreveu que os “apetites da alma
e do corpo, relativos ao amor entre homem e mulher, estarão também satisfeitos se,
da minha parte, eu souber conduzir com amor, respeito e carinho minhas relações
com minha companheira”. Por isso é fundamental que haja respeito e consideração
mútuos no casamento.

4.5.7 Igualdade

O princípio da igualdade de modo geral está cristalizado no art. 5º, I, da


Constituição Federal: “I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações,
nos termos desta Constituição”.
O princípio da igualdade no casamento é extraído, como visto, do artigo 1511,
que determina: “o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na
86

igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”, tendo sido, portanto, abolida qualquer
discriminação entre os sexos, e, portanto, foram modificadas as divisões anteriores
do Código Civil de 1916, com relação aos direitos e deveres do marido (Capítulo II
do Título II do CC de 1916) e da mulher (Capítulo III do Título II do CC de 1916), que
davam sustentação à desigualdade materializada no que era o antigo art. 233: “O
marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da
mulher, no interesse comum do casal e dos filhos”.
Não vamos tratar da igualdade geral dos homens e das mulheres, que, para o
Direito, é indiscutível, e uma grande conquista da Constituição de 1988. O que nos
interessa aqui é procurar estabelecer o nível desta igualdade dentro do casamento,
e, principalmente, a forma de seu exercício.
Conforme Engels (2002), em certo momento da história, houve a transição
das famílias punaluanas, quando homens e mulheres tinham igualdade sexual,
quando eram comuns as poligamias e as poliandrias, para as famílias sindiásmicas.
Por muito tempo, o homem detinha o poder sexual aparentemente superior ao
da mulher. Diz-se aparentemente, porque tal poder era legitimado pela obediência e
talvez até mesmo pela ausência de desejo por parte da mulher. Ou seja, para o
equilíbrio da família, a mulher poderia entender que era melhor, naquele momento,
ceder a esse impulso, em determinadas épocas, especialmente na gravidez, mais
forte nos homens do que nas mulheres.
Por outro lado, a mulher era a dona da casa, era ela quem dava a última
ordem nas questões caseiras e “ai do pobre marido ou amante que fosse preguiçoso
ou desajeitado demais para trazer sua parte ao fundo de provisões da comunidade”.
E continua a seguir: “Por mais filhos ou objetos pessoais que tivesse na casa, podia,
a qualquer momento, ver-se obrigado a arrumar a trouxa e sair porta afora”
(ENGELS, 2002, p. 57).
Assim, se havia uma desigualdade na questão sexual, que era tolerada,
também havia uma desigualdade na relação de poder dentro do espaço da casa. E
essas desigualdades eram toleradas pelo bem da família. Ou seja, enquanto os
homens da família sindiásmica tinham o poder sexual e, portanto, a poligamia era
permitida, por outro lado, caso não exercessem a sua função de forma satisfatória,
sendo preguiçosos, não provendo a casa, poderiam ser expulsos pela mulher, que
era a dona da casa. E ficavam sem a casa, sem os filhos e evidentemente, sem a
87

mulher. A desigualdade sexual era equilibrada pela desigualdade na administração


da casa, e com isso a sociedade se mantinha.
Com a evolução da espécie, a monogamia foi instalada, e, conforme visto, o
patriarcado como modelo predominante. Junto com as famílias monogâmicas,
cresceram o adultério e a prostituição. Ou seja, se por um lado o homem se sentiu
privado das relações sexuais pelo sistema monogâmico, por outro, compensou essa
privação através do adultério e da prostituição.
Nesse momento a mulher começa a perder poder, mas não foi só pela
questão sexual. Ela perdeu o poder na medida em que apenas os homens tinham o
poder econômico. Então as mulheres que estavam sob o jugo do pai, que detinha o
poder econômico, passavam para o poder de seus maridos, que, por sua vez,
também detinham o mesmo poder. Se nas famílias sindiásmicas havia uma
desigualdade sexual em que havia a preponderância do poder do homem e, ao
mesmo tempo, uma desigualdade na administração da casa, onde preponderava o
poder da mulher e essas desigualdades equilibravam a sociedade, nas famílias
monogâmicas patriarcais esse equilíbrio foi desfeito.
Com a família monogâmica, o homem passou a dominar as riquezas e a
sexualidade por meio de uma monogamia, por ele disfarçada, porque
constantemente a violava. O desequilíbrio estava instaurado e durou por muito
tempo até o início do século XX.
À medida que as mulheres começaram a ingressar no mercado de trabalho,
tornaram-se mais respeitadas, porque produziam riquezas monetárias. Em uma
sociedade que atribui muito valor ao dinheiro, o valor das pessoas acaba
inexoravelmente, ainda que infelizmente, sendo relativo aos ganhos financeiros.
No casamento, o início da revolução da mulher se deu com a possibilidade do
divórcio. Isso porque, se por um lado a lei autorizava o desquite, desde 1949, a
Constituição Federal proibia a dissolução do casamento, e, desta forma, a mulher
desquitada não podia contrair outro matrimônio.
Naquela época, o mercado de trabalho para a mulher ainda era escasso, na
hipótese de ser casada. Sendo desquitada, a mulher era praticamente alijada da
sociedade uma vez que esta estava construída à sombra de valores morais do
patriarcado. Ou seja, a mulher não tinha opção, mesmo a que estava infeliz no
casamento. O marido podia diminuir o grau de infelicidade do casamento por meio
do convívio com amantes ou fomentando a prostituição, porque isso, à época, era
88

até sinônimo de virilidade e poder. Mas a mulher infeliz estava relegada à


sublimação.
A possibilidade de divórcio instituída pela Emenda 9 de 1977,
concomitantemente com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, tendo
acesso às riquezas, começou a equilibrar novamente a relação de poder. E é essa a
grande questão que se coloca; ou seja, por trás da discussão da necessidade de
igualdade estão de fato, de forma mais sutil, as relações de poder entre os seres
humanos.
Para Foucault, “os mecanismos de poder nunca foram muito estudados na
história. Estudaram-se as pessoas que detiveram o poder. O poder em suas
estratégias, ao mesmo tempo gerais e sutis, em seus mecanismos, nunca foi muito
estudado” (1979, p. 141).
O problema dessa falta de estudo dos mecanismos sutis de poder resultou
em que normalmente se admitem classes, umas se sobrepondo às outras, criando-
se uma luta sem fim. Aquela classe dominada almeja dominar, e, se num dado
momento alcança seu escopo, tudo o que criticava com relação à classe dominante
é reproduzido, e assim sucessivamente. George Orwell (2000) relatou essa sutileza
do mecanismo de poder, ao mostrar que os seres antes dominados pelos humanos
passaram a ser os dominantes dos outros animais, que eram antes, como eles,
dominados. Ou seja, nessa crítica ao marxismo, o autor diz que os proletários,
quando fizerem a revolução, deixarão de ser proletários e se tornarão burgueses.
Na opinião de Foucault (1979), do ponto de vista jurídico, poder é o poder
concreto que cada indivíduo detém e que cederia, total ou parcialmente, para
constituir um poder político, uma soberania política. Em outras palavras, um dos
esquemas de poder seria através do “contrato-opressão”, ou seja, aquele contrato
em que ambas as partes abrem mão de determinada soma de poder que tinham
individualmente, para exercerem um poder político maior na nova relação. É um
sistema de barganha. Perde-se de um lado, para se ganhar de outro.
O outro sistema por ele estudado reconhece o mecanismo de poder
repressivo e, consequentemente, o exercício de poder estabelece uma guerra
prolongada por outros meios. Assim, para ele, existem dois esquemas de análise de
poder: “contrato-opressão” ou “guerra-repressão”.
Se admitirmos como válidas as proposições de Foucault, somadas à de
Nietzsche (2008), ao afirmar que o ser humano anseia por poder, por mais poder
89

teríamos de concluir que a luta histórica entre o homem e a mulher não terá fim se
continuarem a se enxergar como opostos e não complementares, e um quiser
subjugar o outro, ao invés de harmonizarem suas vontades. Devem passar a
compreender-se como partes da relação mais importante à propagação e educação
da humanidade: a unidade homem-mulher.
De toda forma, ainda que esta luta persista no campo social, dificilmente ela
prosseguirá no campo do Direito. O princípio da igualdade entre o homem e a
mulher é uma realidade no nosso ordenamento jurídico, uma conquista das
mulheres depois de muitos anos de luta, sofrimento, repressão, dor, vergonha,
infelicidade. O Direito já distribuiu o poder de forma igualitária entre homens e
mulheres. Caberá aos seres humanos usarem essa distribuição de poder da melhor
maneira possível, em prol da felicidade do casamento. Se haverá ou não igualdade
real entre os cônjuges, ainda que obtida apenas pelo equilíbrio contratual isso só
será pertinente ao próprio casal.
No processo psíquico, porém, que envolve o casamento, a igualdade é um
fator fundamental. Primeiro, porque aquele que ama verdadeiramente não ama um
objeto, e sim outro ser humano. Ao reconhecer o ser humano amado não como um
objeto, mas como um ser humano, o amante reconhece no ser amado a existência
de um corpo e de uma alma, sendo esta última parte consciente e parte
inconsciente. Além disso, reconhece que no cônjuge há uma personalidade criada
(ego), mas também uma personalidade profunda (self) que é o centro do
inconsciente, e que está mais próxima da noção de Absoluto.
Esse processo não pode acontecer em sua plenitude se o homem não
enxergar na mulher um ser humano com as mesmas propriedades intelectuais e
sentimentais que ele. A percepção equivocada de um homem ser superior à mulher
ou a mulher superior ao homem deixa os dois estagnados na consciência relativa, o
que lhes impede a evolução para a consciência absoluta.
Quando se olha no espelho, a imagem que nele reflete é a mesma de quem o
observa e na mesma altura. Não é possível enxergar no espelho a própria imagem,
em alturas diferentes. Se o observador se eleva, a imagem no espelho também se
eleva. Se agachar, a imagem também agachará. Para que o homem chegue ao seu
aspecto mais sutil do feminino, ou seja, a sabedoria (a Monalisa), segundo o
processo de individuação de Jung, é fundamental que tenha na mulher um ser
humano igual, que lhe possa dar o espelho de sua alma, na mesma altura que tem.
90

Isto não significa que a mulher e o homem não possam exercer papéis
diferentes. Podem exercer papeis diferentes sim, mas não quer dizer com isso que
um será inferior ao outro.

4.5.8 Afetividade

O ser humano é um ser social. Por essa característica é da sua essência ter
vontade de estar junto de outro. Essa vontade pode ser motivada por meio do afeto.
É o afeto34 que faz com que os seres humanos unam-se uns aos outros. Esse afeto
pode ser utilitário ou verdadeiro, segundo a definição aristotélica, ou interessado e
verdadeiro, segundo a definição platônica. O afeto utilitário (ou interessado) depende
da condição de a relação gerar prazer ou algum outro benefício, e, portanto, a
relação dura enquanto esse prazer ou benefício durar. O afeto verdadeiro pode
gerar – e acaba gerando – prazer e sendo útil, mas não é esse o seu fim. O seu fim
reside nele mesmo. O ser humano carece de afeto. O afeto verdadeiro tem fim na
própria relação, independentemente de seus efeitos. A intenção é de estar juntos e
fazer o bem um para o outro, ainda que em determinados contextos esse bem não
fique evidente.
Dentro do afeto verdadeiro há quatro tipos: eros, filia, storgè e ágape.
Eros é o amor romântico, erótico, o afeto entre duas pessoas apaixonadas;
filia é a amizade, aquele afeto que difere do eros, porquanto não há desejo sexual,
sendo encontrado entre seres humanos que se querem bem, independente de
qualquer interesse; storgè é o amor pela família, ou seja, aquele ligado aos laços
sanguíneos; e o amor ágape35 é o amor a tudo e a todos indistinta e

34 No sentido de amor, pois o afeto pode ter a acepção de tudo aquilo que afeta o ser humano, logo,
tanto o amor quanto o ódio seriam afetos dos seres humanos. Mas aqui utiliza-se o afeto apenas no
sentido do amor.
35 O amor ágape é citado entre as virtudes expostas em Coríntios I; 13: Ainda que eu falasse a língua

dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. / E
ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que
tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. / E
ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu
corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. / O amor é sofredor, é
benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. / Não se
porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita não suspeita mal; / Não folga com a
injustiça, mas folga com a verdade; / Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. / O amor nunca
falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência,
desaparecerá [...] / Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, mas o maior destes é o
amor.
91

incondicionalmente, é aquele amor que é verbo intransitivo, pois não há objeto de


desejo ou de amor. Ama-se a tudo e a todos, e, portanto, a tudo e a todos se sente
integrado. O ser fica em estado de amor, e não em amor com relação a algo ou a
alguma pessoa. Esse é o amor que se sente no Absoluto.
Para uma correta descrição dos sentimentos da alma, é de fundamental
importância a compreensão dessas quatro espécies de amor, por conta de que “há
uma relação entre a linguagem e as operações do espírito” (NEF,1995, p. 8), de
forma que a alma do ser humano cria um universo de palavras para se comunicar
consigo próprio e com o outro. A linguagem representa uma realidade e,
consequentemente, gera uma compreensão. Se a linguagem for pobre, a
comunicação do ser humano também o será, e provavelmente refletirá uma
realidade também pobre ou até mesmo falsa.
O que é verdadeiro para o amor, na conotação filia, pode ser falso em relação
ao sentido de ágape, ou storge. Se uma pessoa diz que “ama” a outra, este
sentimento pode ter diversas conotações (eros, filia, storge e ágape), que não são
contraditórias nem necessariamente excludentes. Em suas introspecções o ser
humano pode achar que não mais ama uma pessoa, porém ele pode estar, com esta
afirmação, representando para si uma realidade diferente da que poderia perceber
se tivesse o conhecimento dos outros significados da palavra “amor”. Isso porque
poderá, de fato, ter deixado de sentir um determinado tipo de amor e talvez apenas
por algum tempo, mas não necessariamente todos eles. Enfim, com a compreensão
destas quatro palavras gregas para a definição de diferentes espécies de amor, a
alma tem mais elementos para classificar e identificar seus afetos, e, com isso, tem
uma compreensão melhor de uma possível realidade percebida, conhecer-se, e,
com isso, cuidar de si mesma.
Dentro do amor à família (storgè) há subespécies: o amor de mãe, o amor de
pai, o amor de filho, amor fraterno/conjugal e o conjugal. O amor de mãe é aquele
que “cuida, que nutre que fertiliza” (GÁLIAS, 2005, p. 107); o amor de pai é aquele
“que dá e recebe os limites, ele ensina e aprende o certo e o errado, o “pode não
pode”, o sim bem separado do não, a lei, a ordem do pai”; o amor de filho é aquele
que “busca a conquista do amor parental”, ou seja, aquele que incessantemente
deseja ser reconhecido e premiado pelos pais.
92

Esses três amores têm a característica de serem amores em uma escala


vertical, pois se pressupõe uma hierarquia entre as pessoas que os vivem; já o amor
fraterno/conjugal é aquela:

Forma de amor constatada entre o eu e o outro em que a busca é da


simetria, da dialética, do igual e do diferente, do eu concorda e do eu
discorda, porém simetricamente. Ambos, eu e outro, são “do mesmo
tamanho”, equivalentes em suas diferenças e semelhanças (GÁLIAS,
2005, p. 107).

Na relação matrimonial podem existir todos esses amores, amor de pai, amor
de mãe, amor de filho, amor fraterno/conjugal (que seria o filia com laços
sanguíneos, na relação fraternal, ou apenas laços matrimoniais), na medida em que
tais amores estão ligados às atividades da alma e não necessariamente coincidem
com os papéis biológicos. Ou seja, a esposa pode fazer o papel da mãe, em um
determinado momento, de pai em outro, de irmã, de amiga, além do de fêmea. Da
mesma forma, o marido pode exercer esses papéis, de pai, de mãe, de irmão, de
amigo, além do de macho.
Ademais, o segundo mandamento de Cristo, segundo o qual devemos amar o
próximo como a nós mesmos, consiste em um dos preceitos fundamentais da cultura
ocidental, porque sem este preceito, “a vida civilizada seria insuportável” (FREUD,
1996). Por outro lado, acrescenta Bauman (2003, p.97), “é também o que mais
contraria o tipo de razão que a civilização promove: a razão do interesse próprio e da
busca da felicidade”.
Ocorre que, como vimos anteriormente, nos pensamentos de Michel Foucault,
não é uma tarefa fácil definir o que seria amar a si mesmo — que estaria implícita no
“cuidar de si mesmo” (epimeleia heautoû) — na medida em que tal conhecimento
demandaria outro, que seria o de “conhecer a si mesmo” (gnôthi seatón). Da mesma
forma, o cuidar do outro, o amar o outro pressupõe a necessidade de conhecer o
outro. E aqui reside um grande problema: o ser humano está em constante
movimento e sofre dinâmicas alterações.
Quando um ser ama o outro, ele está diante de um ser que não será o ser do
momento imediatamente posterior. A pessoa amada não é um objeto inanimado,
imóvel, constante. É um ser animado, em transformação, inconstante, tanto no seu
aspecto material (do corpo), quanto no aspecto imaterial (da alma), e a cada
momento adquire novas realidades.
93

Por conta disso, o amor eros que ligou inicialmente os dois jovens
apaixonados, pode não se manter na mesma intensidade ou qualidade, mas nem
por isso, deixa de ser amor. O amor eros pode se transformar em amor storgè, o
afeto à família, ou ainda, em filia (a amizade), ou até mesmo ágape e assim,
sucessiva ou inversamente.
Para Schoppenhauer (2001, p. 12), “contentarmo-nos com a felicidade, o
bem-estar e o prazer de outro, mas isto é secundário e mediado pelo fato de que,
antes, seu sofrer e sua carência nos perturbaram”. E, em razão desta perturbação,
ou simplesmente, da possibilidade de ela ocorrer é que agimos ou não de acordo
com a mais natural e pura moral. Para ele é a compaixão que nos move para
promover a ação moral, estamos:

Todos inclinados para a injustiça e a violência, porque nossa


necessidade, nossos apetites, nossa ira e nosso ódio aparecem
imediatamente na consciência e têm por isso o “ius primi occupantis”
[o direito do primeiro possuidor]. Em contrapartida, os sofrimentos
alheios que causam nossa injustiça e violência chegam à consciência
só através do caminho secundário da representação e só através da
experiência, mediatamente, portanto. Por isso diz Sêneca: “Ad
neminem ante bona mens venit quam mala” [A ninguém vem antes a
boa mente, mas sim a má] (Episctulae, 50). O primeiro grau do efeito
da compaixão é o fato de que ela se opõe ao sofrimento que eu
próprio posso causar aos outros, por inibir as potências antimorais
que habitam em mim. Ela me grita “pare!” e se coloca como arma
defensiva diante do outro, protegendo-o da ofensa a que, não fora
isso, meu egoísmo ou minha maldade me teriam impelido. Desta
forma, deste primeiro grau da compaixão surge a máxima “neminem
laede”, isto é, o princípio da justiça, virtude que só aqui e em mais
nenhum outro lugar tem sua origem mais pura, meramente moral e
livre de qualquer mistura, pois, do contrário, teria de repousar no
egoísmo (SCHOPPENHAUER, 2001, p. 209).

Afirma ainda que será essa compaixão que o:

Deterá onde e quanto eu possa empregar o sofrimento alheio para alcançar


meus fins; tanto faz que este sofrimento sobrevenha instantaneamente ou
um pouco mais tarde, direta ou indiretamente, agredirei tão pouco a
propriedade, seja espiritual, seja corporal, e, portanto, não me absterei
apenas de toda ofensa física, mas também de, por via espiritual, causar-lhe
dor, através da humilhação, inquietação, desgosto ou calúnia
(SCHOPPENHAUER, 2001, p. 209).

Do que foi dito, assume a importância substancial o afeto nas relações


humanas, pois é ele quem dá causa, quem remedia e torna-se a finalidade das
relações matrimoniais, e familiares. A conduta moral de um indivíduo dentro dessas
94

relações só terá válido fundamento se decorrer do afeto e, portanto, será este


sentimento primordial que dará ao ser humano a qualidade necessária do convívio
familiar.
O primeiro e basilar princípio do casamento é o afeto, no sentido de amor, de
comunhão, de respeito, de querer a felicidade do outro, porque é a felicidade do
outro que lhe faz bem. O afeto deve ser o primeiro sentimento que leva os seres
humanos a se constituírem em matrimonio, aquele primeiro sentimento que os
fizeram abandonar a individualidade de suas vidas para compartilhar uma vida
comum, uma casa comum, um orçamento comum e filhos comuns.
O princípio da afetividade é o que faz com que os seres humanos
permaneçam juntos e, por isso, representa o mais relevante dos princípios para a
relação matrimonial. O afeto é o sentimento que está ligado à ideia do sagrado,
aquele que os seres humanos experimentam antes de se casarem e de tomarem a
decisão do matrimônio, com o fim de o repetirem ao longo da vida. É o afeto
substância essencial ao élan do casamento.
Não há dúvida de que os seres humanos, quando resolvem casar-se estão
procurando a própria felicidade. De um jeito ou de outro, quaisquer que sejam as
motivações manifestadas, buscam a felicidade. Porém, não há promessa de que o
casamento seja um estágio da vida em que se experimentará apenas momentos de
felicidade. Não há registro que isso ocorra.
Mesmo porque, para os que casam seguindo tais seitas religiosas,
normalmente o alerta é de que haverá momentos de tristeza e de alegria, de
prosperidade e de pobreza, de doença e de saúde, enfim, momentos que serão
infelizes e outros felizes. A afetividade contribui para que os cônjuges não
abandonem o casamento nos momentos de infelicidade, doença ou dificuldade
financeira. Nestes momentos tristes, a afetividade faz com que os seres humanos
busquem estratégias infinitas para transformá-los em momentos de aprendizado e
de futura alegria, encontrando forças para juntos encontrarem dias melhores.
A afetividade é a razão pela qual os seres humanos se impulsionam para
casar, e é ela que proporciona a intensidade que eleva a alma a superar o arquétipo
feminino do 3º estágio, de Maria e alcançar o 4º, à Monalisa, onde encontra a
sabedoria no Absoluto.
Romeu e Julieta concordam em dar a vida um ao outro. Ou seja, não vale a
pena viver sem o ser amado. Esta é a intensidade de amor necessária para a
95

catarse final. Para o homem compreender que sua mente é absoluta e carrega
dentro de si todos os arquétipos que possui a mulher amada e que nela busca, há
um estágio anterior que precisa ser superado. A consciência natural necessita de um
ingrediente para se transformar em absoluta: o amor.
É este ingrediente em sua intensidade máxima, ou seja, de só valer a pena a
vida, se for ao lado do ser amado que eleva o ser ao Absoluto. Porque, é neste
instante que, por uma catarse mágica, a consciência se dá conta de ser absoluta. E,
aí sim, livre das paixões e do apego do ser amado, escolhe ficar com ele ou não,
mas livre e consciente de que a plenitude almejada já estava latente dentro de si e é
independente das coisas e das pessoas a sua volta, pois todos fazem parte do
Absoluto.

4.5.9 Tolerância

O casamento, como contrato, possui cláusulas que impõem uma relação de


poder entre os cônjuges. O mesmo acontece com o casamento pela ótica da
instituição, com o adendo de, além das cláusulas estabelecidas entre os cônjuges
para o convívio comum, existirem outras de natureza institucional impostas pelo
Estado. Isso significa que, se um ser humano se propõe ter uma vida em comum
com outro, este impulso abre mão de um punhado de liberdade em prol de uma
promessa de felicidade. Essa limitação de poder conjuminada com a promessa de
maior felicidade se dá em todo o contrato.
O que acontece corriqueiramente é que as cláusulas do contrato, por vezes,
são violadas parcial ou totalmente, de forma aparente ou secreta. Neste caso, em
um contrato de direito civil ou comercial, resolver-se-ia a violação por meio de uma
multa contratual, via da arguição da exceptio non adimplenti (o que faria com que a
parte lesada deixasse de cumprir outras obrigações até que a outra cumprisse as
suas), ou ainda, dependendo da gravidade, acarretaria a resolução do contrato.
No casamento, deve ser um pouco diferente. As pequenas violações são
normalmente toleradas por um ou por outro cônjuge, de forma que o casamento não
seja considerado um conjunto de regras dotadas de imperativo categórico que,
sendo violadas, traga à tona a crueldade humana para fazer valer estas regras e
penalizar o culpado. Essa crueldade faz com que o ser humano se esqueça do
96

objetivo norteador do pacto inicial e se restrinja exclusivamente a espezinhar o


deslize do outro, trazendo todo o tipo de ódio para combater uma falta que nem
sempre é tão grave. Assim, por causa de um ou outro percalço na relação,
assenhoreia-se dela o desejo de vingança, causando muito sofrimento, podendo
levar o casamento à ruptura. Fazer isso é o mesmo que em uma sociedade que visa
gerar lucros um dos sócios cometa um erro, causando prejuízo à sociedade, e o
outro, por conta disso, enfurecido com seu parceiro, comete mais erros causando
ainda mais prejuízos à sociedade. Se um dá um tiro na canoa, o outro pode tampar
o furo ou dar mais tiros. Evidente que há um limite em cada relaç. E este limite é
medido pelo amor, mas também pela tolerância.
A tolerância é um espaço, um amortecedor que há nas relações humanas,
que faz com que os laços persistam, independente de ter havido uma ou outra falha
no ser humano que se desviou, por incontinência ou intemperança do contrato
estabelecido.
No caso do casamento, a tolerância deve ser aplicada, não como reforçador
de condutas incômodas, imorais e desrespeitosas, mas como uma forma de não se
levar as regras e os princípios do casamento a ferro e a fogo, tornando a vida
insuportável.
A medida de aplicação deste princípio é subjetiva, e dependerá de cada
cônjuge. Na escala de valores do ser humano, relatada anteriormente, elaborada por
Kunzmann, Burkard e Wiedmann (2003, p. 198) têm-se:

1º sagrado x profano;
2º belo x feio;
3º justiça x injustiça;
4º verdadeiro x falso;
5º nobreza x vulgaridade;
6º agradável x desagradável.

Será razoável aplicar a tolerância, transigindo com aquilo que é vulgar ou


nobre, verdadeiro ou falso, belo ou feio, justo ou injusto, mas não transigir, de forma
alguma, com aquilo que seja sagrado ou profano.
Usando esta escala de valores, aplica-se o princípio da tolerância, sendo mais
toleráveis às questões referentes ao agradável ou ao desagradável, e menos
97

toleráveis e até mesmo intoleráveis às questões que estão em nível do sagrado ou


profano.
Todos os mandamentos do casamento são sensíveis à violação dos
contratantes, em maior ou menor escala. Certamente cada casal deve adotar aquilo
que realmente importa para si, e entender como sagrado e procurar respeitar e não
violar este ponto. Se houver violação, caberá ao cônjuge inocente acionar sua
tolerância e seu afeto e verificar se vale ou não a pena manter a relação.

4.5.10 Perenidade da família

A antropologia nos ensina que a família sempre existiu. Em concepções


diferentes, mas sempre existiu. Por outro lado, não há previsão de que ela deixará
de existir. Platão defendeu essa ideia na República, porém foi combatida com
veemência por Aristóteles. Para Platão, as esposas deveriam ser possuídas em
comum, e os filhos seriam todos destinados à República, e ninguém diria este é meu
filho, ou minha filha, minha esposa ou meu marido. A ideia seria potencializar a
energia gasta com o amor storgè, destinado apenas aos familiares, ao amor ágape,
usufruídos por todos indistintamente, em seu ideal de República. Esse seria o fim da
família, ou melhor, ela se fundiria à ideia de Estado. Aristóteles criticou essa ideia da
seguinte forma (1999, p. 170):

a)Sócrates não deixa claro nenhum motivo pelo qual esse costume
deva ser parte do sistema social; b) quando vista como meio para
alcançar um fim (par o qual, diz-se no diálogo, o Estado Existe), a
proposta é inviável; c) em nenhum lugar é explicada a maneira como
a proposta pode ser posta em prática. Refiro-me à seguinte fala de
Sócrates:” “É melhor que o Estado cresça na unidade”. Certamente
isso não é verdade. O estado que se tornar progressivamente uma
unidade deixará de ser Estado. A pluralidade, neste caso, é natural; e
quanto mais o Estado se afastar da pluralidade, em direção à
unidade, menos Estado será e mais próximo estará de uma família,
que por sua vez tornar-se-á um indivíduo. Digo isso porque a família,
está claro, é mais unidade do que o Estado, assim como o indivíduo
o é em relação à família. Assim, mesmo que fosse possível realizar
essa unidade, ela não deveria ser feita, pois destruiria o Estado.
98

Com relação ao amor, Aristóteles (1999, p.174) afirma que a consequência


seria inversa da pretendida por Platão:

Onde se partilham esposas e filhos existe menor afeição, e a


ausência de fortes laços afetivos entre os dominados leva à
obediência, não à revolução”, e., “acreditamos que a existência de
sentimento de afeto e de amizade, nas cidades, seja um enorme
benefício, é uma salvaguarda contra os conflitos civis” Acrescenta
“um mínimo de vinho doce dissolvido numa grande quantidade de
água não se revela ao gosto, assim também os sentimento de
solidariedade tornar-se-iam diluídos até o nada; e numa cidade
dessa espécie, não há o que faça os pais cuidar dos filhos ou os
filhos dos pais, ou os irmãos dos irmãos. Existem dois impulsos que,
mais do que todos, levam os seres humanos a amar e a zelar uns
pelos outros: “este é meu filho” e “ eu o amo”. Num Estado
constituído segundo A República de Platão, ninguém seria capaz de
dizer frases como essas.

Assim, por mais linda, romântica e idealista que fosse a ideia de Platão, que
em muito se assemelha à ideia cristã de que todos somos irmãos e irmãs, na prática
esta ideia não se aplica, pelo menos ainda. Não se aplica porque o que move o
mundo do ser humano para a eternidade é justamente o amor entre um pai/mãe e
um filho. Todos foram cuidados em algum berço, bom ou ruim, mas foram
amamentados, tiveram suas fraldas trocadas, cuidados quando estavam doentes, e
isso foi feito por um ou mais genitores, ou por aqueles que fizeram este papel.
Especialmente na atualidade, quando as instituições perderam muito seu
valor, é difícil alguém morrer pelo Estado, pela Igreja, ou por uma ideia, mas pelo
filho certamente a maioria dos pais e mães morreriam.
O art. 226 da Constituição Federal reconhece que a família é a base da
sociedade, o que corrobora a ideia aristotélica da Política, sendo, pois, a base
fundamental da sociedade e consequentemente do Estado. Sem a família a
sociedade ruiria e colocaria fim ao Estado. Essa grande relevância da família,
considerada em sua maior parte constituída pelo casamento, leva-nos a extrair um
dos princípios do casamento — o da perenidade da família.
É através deste princípio que se percebe que a família não tem fim como
instituição. Também no campo concreto de uma família específica, vê-se que ela só
tem fim com a morte de todos os seus membros. É a existência de dois ou mais
seres humanos consanguíneos até quarto grau, que se pode considerar como sendo
família, e, portanto, dificilmente uma família tem fim. Mesmo porque, ainda que
99

sobreviva apenas um membro, este poderá se juntar a outro e juntos formarem uma
nova família, mantendo, evidentemente, parte do DNA da família que o originou.
O vínculo jurídico decorrente do casamento não se extingue totalmente com a
separação. Mesmo não tendo filhos, os cônjuges são obrigados a assistirem-se
mutuamente para o resto de suas vidas. A obrigação é vitalícia. Ainda que tenha
havido o divórcio e ambos tenham constituído novos casamento e outras famílias, ou
tenham tido outros filhos, o vínculo com o primeiro cônjuge não se extingue e o
dever de prestar alimentos continua.36
É bem verdade que esse dever pode ficar suspenso enquanto o cônjuge
separado mantiver um segundo convívio, porém tal obrigação é reestabelecida
quando esta relação cessa e o ex-cônjuge necessita do auxílio (ainda que tenha
havido separação litigiosa e o necessitado tenha sido o culpado art. 1704, parágrafo
único37 do Código Civil).
Agora, quando dessa relação nasce(m) filho(s) a condição de perpetuidade da
família é ainda mais reforçada: o cônjuge divorciado continuará a ser o pai ou a mãe
do filho do casamento desfeito. Por mais que as separações tenham uma forte carga
emocional, o vínculo entre o pai e a mãe não se dissolve, nem mesmo com a morte
do filho.
Ademais, o casamento no Brasil não admite prazo determinado. Não é
possível efetuar um casamento com prazo para terminar. Podem-se estabelecer
cláusulas que prevejam hipóteses de ruptura, suas formas e consequências. Mas
não se pode firmar um casamento com prazo determinado.38
O dever de prestar assistência permanece enquanto dura o matrimônio, e
mesmo após a sua dissolução por toda a vida, caso o cônjuge dele necessite e o
outro possa pagá-lo. Seja o casamento um contrato ou uma instituição, é uma

36 ALIMENTOS. Exoneração. Separação de fato. Filho com outro homem. — O fato de a mulher ter
um filho depois da separação do casal não é motivo suficiente para a exoneração da pensão
alimentar, se não concorrerem outros fatores. Precedentes: REsp 21.697/SP; REsp 11.476. — O
nascimento de filho havido com outro homem, fato ocorrido há mais de trinta anos e união da qual
não resultou convivência duradoura, não pode servir de fundamento para o pedido de exoneração
dos alimentos que o marido presta à mulher desde quando se separaram. Mulher com setenta anos,
sustentada pelo marido há meio século, com dificuldade de visão e sem outra renda, não pode ser
privada da pensão pela única razão do nascimento daquele filho. Recurso conhecido e provido (STJ -
REsp 300165 / RJ).
37 Art. 1704. [...] Parágrafo único: Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e

não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será
obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável para a sobrevivência.
38
O direito islâmico autoriza o que eles chamam de o casamento por prazer, este sim, com prazo
determinado chamado de mut'ah, sighe ou misyar.
100

relação que surge para durar a vida toda e essa é a intenção que deve ser
enaltecida no momento do seu estabelecimento: sua perenidade.
O casamento traz em si uma face institucional, e, portanto, representa a
família também no âmbito institucional. Cada dupla de seres humanos que se unem
em um casamento está colaborando para eternizar a ideia de família. Embora seja
um ato de vontade individual, o casamento tem toda uma repercussão social. Não
são apenas os noivos que torcem e vivem as emoções, boas ou ruins, do
casamento, mas também todos que estão a sua volta e, com isso, a felicidade de um
casamento influencia a felicidade da sociedade.
Se o casamento traz os seus caracteres do passado, pelos rituais e
significados de cada cultura, ele reforça, ainda que faça algumas modificações, a
tradição, levando-a para o futuro, para a eternidade.
Cada casal que se une legalmente não está apenas adotando um método ou
um símbolo particular para a sua vida, mas sim um hábito cultural que vem sendo
construído pelo passado das tradições humanas e, ao mesmo tempo, reforçado e
projetado para o futuro. A responsabilidade da ligação não está adstrita ao
casamento frente aos cônjuges ou aos seus filhos, mas também frente a toda a
humanidade, e, por essa razão, também deve ser considerado como regido pelo
princípio da perenidade da família.
101

5 O ENCONTRO COM O ABSOLUTO

A alma humana está em movimento. Este movimento tem o sentido de


aperfeiçoar-se com a finalidade de sentir-se melhor, de sentir-se bem e ser mais
feliz. Então a alma olha o mundo fora do corpo e pensa de que modo pode, nele,
sentir-se bem. Escolhe o que gosta, o que não gosta, fica perto dos seres humanos
que lhe agradam ou que lhe tem alguma utilidade e se afasta dos seres humanos
que não lhe agradam ou que não lhe trazem qualquer utilidade.
Neste primeiro momento a consciência é natural e relativa, ou seja, entende-
se separada dos objetos, das coisas e das pessoas e relativiza as suas relações
com as coisas de acordo com suas experiências. Aprende, desde a infância, o que é
bom e o que é ruim, formando assim um conjunto de valores que a acompanham
durante a sua vida.
Ocorre que, às vezes, o conjunto de valores recebidos na infância pode não
levar o ser humano à felicidade. Casar, ter filhos, ter uma casa, uma família, um
trabalho, ganhar dinheiro, ter um corpo saudável, são valores comuns. Mas o ser
humano, tendo atingido todos estes objetivos, pode não se sentir feliz. Pode
continuar com a angústia de que lhe falta algo, com a sensação de existir dentro de
si uma parte que não está completa, certa dor, uma angústia inexplicável.
Por outro lado, pode haver outro ser humano que esteja feliz com tudo o que
ele conquistou e que disseram para ele conquistar, com a promessa da felicidade.
Aquele que conquistou bens e pessoas e está feliz por suas conquistas, pode não se
sentir angustiado em um primeiro momento. Lógico, não poderia estar angustiado se
tem tudo aquilo que todos lhe disseram que o faria feliz. Porém, se a felicidade do
ser humano depender das coisas que ele tem ou dos seres com quem se relaciona
na vida profissional, familiar ou social, esta felicidade é temporária. Se o ser humano
perde o emprego do qual sente tanto orgulho, um parente ou amigo querido, ou tem
qualquer evento que lhe tira uma parte daquilo que preenchia a felicidade, ele volta à
angústia, à sensação de não ter, ao sentimento de incompletude.
No primeiro exemplo ele busca conquistar pessoas e bens para ser feliz, e
não se satisfaz. No segundo exemplo, ele as tem e está satisfeito, porém sua
felicidade depende da manutenção de todas estas condições, e por isso tem medo
de perdê-las. Nestes dois exemplos, a consciência do ser humano está relativa na
102

qual existe um eu observador (ainda que construtor do mundo) e um mundo que são
os objetos e os seres que estão a sua volta. O ser humano considera como limite de
sua alma, os próprios limites do corpo e interage com o Universo, dentro destes
limites.
O amor é um sentimento que faz o ser humano perceber que a alma não tem
os mesmos limites do corpo. O amor transcende o corpo no ser amado. O amor
expulsa o ser humano da compreensão limitada que tem de si, e se lança no espaço
do outro, como se pudesse entrar na própria epiderme do outro. Ao mesmo tempo, o
amor recepciona a parte imaterial do outro dentro da sua. Se os corpos podem se
encaixar, com alma há uma fusão, não um encaixe. É a entrega total, mas também a
receptividade total.
No primeiro estágio deste processo de fusão de almas, no movimento do
homem até a mulher, ele busca Eva, o seu primeiro arquétipo feminino. Eva é a
mulher que impulsiona o homem pela força instintiva e natural de reprodução da
espécie. Ele quer procriar, conscientemente ou não, e, por isso, precisa achar uma
fêmea, pois é através desta união que ele, como macho, poderá gerar filhos. O
enorme prazer dado pela natureza ao ato sexual mostra a sua vontade de se manter
viva e de se eternizar. O prazer não é a finalidade do ato sexual em sua concepção
natural. O prazer é um chamariz, um artifício que a natureza criou, para atrair os
gêneros opostos para realizarem este ato que perpetua a espécie. Eva, portanto, é a
primeira mulher, o estágio mais primitivo dentro do arquétipo feminino do ser
humano em sua parte imaterial. Eva é a mulher que garante a perpetuação da
espécie.
Ao encontrar Eva, o ser humano pode refinar sua escolha e procurar Helena,
que é o segundo estágio, um pouco mais sofisticado, pois agora não basta que seja
apenas uma fêmea, mas sim uma mulher com belos traços estéticos e cuja relação
tenha certo romantismo. Se Eva representa a perpetuação da espécie, Helena
representa a melhora da espécie. Porém, nesta fase, o ser humano já não está
apenas preocupado com a perpetuação e melhora da espécie, mas sim em obter
certo prazer sexual e mantê-lo. Além disso, Helena é representada por Jung, como a
descrita por Fausto, aquela em que ele primeiramente a reconhece no espelho e se
encanta por sua beleza e que o arrebata de tal maneira que ele pede ajuda a
Mefistófeles (que faz o papel da sombra) para sua conquista. Embevecido por este
amor, o ser humano pode fazer loucuras para encontrar Helena, para tê-la em sua
103

companhia. Mas enquanto está com Helena, o ser humano ainda se encontra no
estágio de consciência relativa, percebendo ela como um outro ser humano
separado dele, um ser que lhe esquenta a sua alma e seu corpo, atende os seus
prazeres sexuais (afrodisia) e que lhe faz completo, pelo menos por algum tempo.
Ou seja, o homem precisa da mulher neste estágio, para se sentir completo. Sem ela
ele é incompleto e infeliz.
É comum que, quando a mulher não dá mais este espelho de Helena para o
homem, ele procure outra mulher para tal fim. Helena é fácil de encontrar. Há muitas
Helenas espalhadas pelo mundo. Muitos rostos bonitos e curvas perfeitas que
podem dar este espelho ao homem. Inclusive as cortesãs e as prostitutas podem
fazer este papel. O homem, quando está com Helena, se sente forte, poderoso, tem
sua autoestima elevada e fica feliz.
Em todo este processo surge a importância crucial das regras e dos princípios
matrimoniais. O direito, por meio das dez normas vistas neste trabalho, pode ajudar
o ser humano a manter o foco, seguindo o mesmo rosto anteriormente escolhido,
consciente ou inconscientemente para transcender. O direito aqui representa a
limitação do desejo, o sacrifício dos prazeres sensíveis, a canalização de eros. As
margens que impedem eros transbordar, mas que dão o contorno e a força
necessária para o rio chegar ao mar. Neste estágio de Helena, o ser humano pode
cumprir o direito, especialmente a regra da fidelidade, mas é tarefa difícil. Sabe que
é bom e verdadeiro, mas muitas vezes age de forma contrária a ele. Mas se amou
intensamente Helena, o homem pode encontrar o terceiro arquétipo que é a Maria.
Se existem várias Helenas, ou seja, várias mulheres bonitas Virgem Maria é
uma só. A Virgem Maria é o terceiro estágio da anima dentro do homem. Nela, a
mulher passa a ter uma conotação sagrada. Nesta fase, o homem é inferior à
mulher, pois ela é sacra. Ele é o devoto e ela a santa. A vida dela é mais importante,
muito mais importante, do que a própria vida dele. A felicidade de Maria é
infinitamente mais importante do que a felicidade do homem que a ama. Tudo é para
ela, ainda que nada fique para ele. Neste momento, já é mais fácil atender as
limitações do direito, como no estágio anterior. Aqui as regras e os princípios do
matrimônio são cumpridos de forma mais pacífica pela alma, pois a amada é
sagrada, inviolável, santa e aquela intensidade do amor, acalma o ser e o faz
deslumbrar apenas por um rosto e por suas curvas, sem ter olhos para outras.
104

Neste estágio da Virgem Maria, o ser humano entrega tudo a ela em


sacrifício, seus desejos, seus prazeres, sua vontade. A intensidade de amor é tão
grande, tão forte que nada mais importa a não ser ver o ser amado feliz. Aqui ele
está preso à imagem, apegado ao ser e profundamente tolhido em sua vontade
individual, pois esta vontade se restringe à de devoção. Ele adora, em todos os
sentidos, a mulher amada e por ela faz qualquer coisa. A sua personalidade pouco
importa, seus desejos individuais pouco importam, ele é servo da mulher, ela é a
rainha. Ele é o devoto, o fã, o fanático pela mulher que está a sua frente. Não tem
olhos para outras Evas ou Helenas, por mais lindo que sejam seus rostos ou
atraentes suas curvas. Ele enxerga na mulher amada todas as três mulheres, Eva,
Helena e Maria, todas juntas, em uma só mulher, uma mulher perfeita e idolatrada.
Contudo, há um momento em que aquele ideal de mulher começa a ruir,
momento em que o homem entra no seu aspecto sombrio. Começa a reconhecer
que aquela idealização era artificial, criada pela mente, não se sabe ao certo o
porquê. Começam a vir as decepções e o espelho da mulher não mais corresponde
à santidade outrora a ela atribuída, mesmo sem ela querer, mesmo sem ela agir de
forma diferente, mesmo sem ela sequer ter almejado ser sacra. A verdade se
sobrepõe à ilusão e o homem entra em crise para possibilitar sua transformação
seguinte.
Desta forma, diante da verdade que começa a ser revelada, em choque pela
deterioração da ilusão, da substancia, o homem entra na sua sombra. Ao ver o
abismo escuro, a possibilidade de destruir toda a sua personalidade, moldada sobre
aquelas ilusões de Eva, Helena e Maria, mas motivado por profundo amor, o
homem, ainda amando, dá em sacrifício sua própria personalidade ao ser idolatrado,
ainda que confuso, com os olhos embaçados, promove o salto anímico, sem medo,
sem receio, com muita força e por amor, profundo amor entregando não seu corpo,
como descreveu Shakespeare em Romeu e Julieta, mas sim sua alma a parte
imaterial do seu ser ao outro ser.
Quando o ser humano dá este salto, como num susto, encontra seu último
estágio da anima, Monalisa (ou Sophia – sabedoria) onde o eu relativo, já sacrificado
por amor, dá lugar a um eu absoluto, fundido às coisas e às pessoas, e, com isso,
transcende, experimentando a sua realização, para um lugar em que não existem
bem nem mal, que não comporta julgamento de belo e o feio, justo e o injusto: o
Absoluto.
105

Este Absoluto não pode ser expresso em conceito, mas somente sentido e
intuído (HEGEL, 1999, p. 298), no êxtase do espírito que sente encontrar-se consigo
mesmo, em uma realidade que já existia desde o início, mas que dela não tinha
consciência. Não convém nomear o Absoluto (TOMÁS DE AQUINO, 1973, p. 109),
justamente porque, ao nomeá-Lo, é travado um diálogo relativo no qual Ele é o
objeto e há um observador externo ao objeto, o que não se concebe no Absoluto. O
Absoluto deve ser sentido, intuído, inominado, inexplicável. Não há nada fora do
Absoluto.
O Absoluto pode ser comparado ao mar, como fez Gibran Khalil Gibran, onde
a consciência relativa faz a função do rio, que, entre curvas, rochedos, planícies e
planaltos, vai ao encontro do mar, querendo ou não, consciente ou não do processo
que culmina com o fim do rio, que une suas águas doces ao mar salgado. Onde
termina o rio? Podemos definir, apenas por uma questão de forma, e para facilitar o
diálogo, que ele termina onde acabam as suas margens. Mas a água que fazia parte
do rio agora desemboca no mar. A água se funde ao mar e, portando, é correto dizer
que parte do rio também está no mar, e o rio não acabou quando terminaram suas
margens.
Da mesma forma, a flor, quando surge, substitui a forma de botão que tinha
anteriormente, mas guarda dentro de si alguns elementos do botão. O fruto também
faz o mesmo com a flor. Onde termina um e começa o outro é definição da
linguagem. Da mesma forma com os corpos. Onde começa um homem e termina
também é uma definição da linguagem. Dizer que o homem termina em sua
epiderme seria limitá-lo ao seu aspecto material, da mesma forma que seria dizer
que a água do rio termina onde ele termina.
Mas o homem não é somente o corpo. Ele tem a parte imaterial que não tem
limites definidos pela linguagem, e está em movimento, ainda quando o corpo está
dormindo e parado. Quando o ser humano se comunica ele dá um pouco de si para
o outro e, também, recebe um pouco do outro para si. Quando ama e é amado, esta
comunicação é ainda mais intensa com a fusão de almas. Nesta fusão são mantidos
os aspectos individuais do ser humano, mas criam-se outros, fundidos um ao outro,
comuns a um e ao outro. E estes aspectos não estão limitados pela epiderme. Os
pensamentos de um influenciam os pensamentos do outro, de forma que, muitas
vezes, é difícil definir onde termina um e começa o outro. E esta fusão, na
intensidade máxima que o amor permite, pode levar o homem a encontrar este
106

aspecto profundo de sua parte imaterial, onde terminam suas angústias, suas
ilusões, onde reside e tem consciência o Absoluto.
Esta mudança de consciência natural para a absoluta pode se dar através do
casamento, mediante o processo de individuação, superando os seus arquétipos
femininos, Eva, Helena, Maria e Monalisa (ou Sophia, sabedoria), e sua sombra
como aqui descrito. A sombra representa aquilo que muitas vezes comanda nossas
ações, mas que não nos damos conta, e principalmente tudo aquilo que o ser
humano não conhece dentro de si. O ser humano precisa da sombra para conhecer
melhor a si mesmo, ela faz parte dele. São os vícios, os impulsos negativos, que, se
negados, segundo Lacan, são reforçados. São os instintos mais primitivos, os que
aproximam os seres humanos dos animais, que precisam ser compreendidos e
aceitos para se chegar ao Absoluto.
Se havia alguma dúvida com relação à necessidade de estipulação de regras
para o casamento, este processo, apresenta a solução desta dúvida. Não é razoável
que um cônjuge busque um juiz para definir uma indenização por dano moral, por ter
sido desrespeitado pelo outro cônjuge. Muito menos, que um juiz obrigue um marido
a dormir na mesma casa que a mulher, por ser esta a obrigação do casamento.
Também, na hipótese de vontade mútua de manutenção do casamento, não é
razoável, nem muito menos eficaz, que ambos procurem um juiz para que ele os
obrigue a amar um ao outro ou serem mutuamente fiéis. Mas todas estas regras do
matrimônio, selecionadas aqui e nomeadas como os dez mandamentos do
casamento, funcionam como elementos de um ritual mágico para que o casal
chegue ao Absoluto.
Importante se faz ressaltar, mais uma vez, que a realização do homem, que
atravessa os três primeiros estágios da anima, Eva, Helena e Maria, para encontrar
Sophia, pode se dar, mesmo com o descumprimento destas regras, porém, é mais
difícil. Ulisses talvez tivesse passado pelas sereias, sem ter seguido as orientações
do Oráculo. Entretanto, pelo que conta a história, só o fez porque seguiu as
instruções. Da mesma forma, a consciência absoluta por meio do casamento, neste
caminho do homem em direção da mulher, tem determinadas regras, que podem
não ser seguidas, mas seguindo-as parece ter mais êxito.
Mesmo porque, o encontro com o Absoluto traz uma euforia atrelada a uma
certa decepção. Euforia porque o homem tem contato com a eternidade, aquilo que
não é limitado pelo espaço, nem pelo tempo, ele se identifica com o Universo, e
107

consegue sentir o Sol, as estrelas, as nuvens, os ventos, dentro de si. Porém, há a


decepção porque não é uma experiência automaticamente duradoura. Ou seja, se
através de um susto, o homem, neste processo de relacionamento com a mulher,
encontra o Absoluto, não quer dizer que Lá ficará para sempre, por melhor que seja.
Este estado de consciência não é constante. Não é um lugar que se chega e fica. É
um lugar que se alcança, mas no momento seguinte pode ser perdido. A força do
hábito da consciência relativa é muito forte. A visão relativa é um vício. O desejo, a
sensação de falta, a natureza bestial, muitas vezes falam mais forte e derrubam a
consciência absoluta, acostumada aos hábitos relativos.
Em analogia ao “Mito da Caverna de Platão”, seria o mesmo que o cidadão
que já tomou consciência da ilusão das sombras, e, mesmo maravilhado pela luz e
pelas cores de fora da caverna, voltasse para dentro da escuridão, e continuasse a
acreditar nas sombras como se fossem realidade. Ou seja, mesmo consciente de
que Eva, Helena e Maria são ilusões da mente, reproduzidas pelos arquétipos
femininos, e muito inferiores à Sophia, ele volta a estes arquétipos anteriores, e
acredita que através deles poderá ser completo e feliz. Ou seja, a consciência do
Absoluto, de Sophia, não é estável, por mais maravilhosa, bela, prazerosa e perfeita
que seja. Técnicas milenares de ioga, meditação, oração, vigilância, respiração
tentam criar hábitos no ser humano para fazer com que se mantenha nesta
consciência absoluta. Esta manutenção deve ser buscada individualmente por cada
um. Aqui, para o fim deste trabalho, basta a demonstração, que é um testemunho,
de que é possível encontrar o Absoluto, ainda que por um pequeno lapso de tempo,
por meio do casamento, tendo como papel fundamental as regras estabelecidas no
art. 1566 do Código Civil, mas especialmente o afeto aqui ressaltado com veemência
e férvido entusiasmo.
108

6 CONCLUSÃO

No início do casamento, o homem se depara com uma mulher sólida. Seus


corpos se tocam e, nesta limitação, ele se percebe um ser e ela outro ser. A atração
inicial se dá naturalmente pela força vital e natural da vontade de procriação. Uma
mulher chama a atenção do homem, para estes fins, especialmente em razão de
esta força violenta da natureza querer perpetuar-se. Ali, naquele instante, são dois
corpos que, unidos, podem formar mais um ou mais alguns por meio da relação
sexual.
Esta força os impulsiona a unir-se em casamento e, dentro dele, as relações
consigo próprios começam a ficar mais sutis e complexas. Encontram dentro de si
sentimentos de êxtase e de terror antes não experimentados, e percebem que
aquela limitação do corpo pela epiderme não se dá da mesma forma com suas
almas. As almas são mais líquidas do que sólidas, se misturam quando se tocam e
se relacionam. Os corpos que se encaixam no beijo, no abraço, ou no ato sexual têm
uma limitação, mas as almas, neste processo, perdem sua identidade inicial e se
fundem, ora pela dor, ora pelo amor. Contudo, o final deste processo, se exitoso, é a
elevação ao Absoluto.
O casamento age como forma de o ser humano acessar o seu inconsciente,
espelhando-se no outro. A esposa pode perceber que seu marido é o espelho de
seu lado masculino da alma (animus), e, portanto, através do marido, ela pode
ingressar, dentro de si mesma, em lugares antes por ela desconhecidos, alcançando
assim uma compreensão melhor de si (Self), ou até mesmo a sua plenitude no
Absoluto. O mesmo pode ocorrer com o marido, ao perceber que sua esposa
representa o espelho necessário para que ele reconheça seu lado feminino da alma
(anima) e, com isso, tenha melhor compreensão de si. Enfatize-se que, neste
processo, o ser humano, por meio do casamento, além de poder adquirir melhor
compreensão de si, abandona a consciência relativa e se alça à consciência
Absoluta.
Indo do Céu ao Inferno e vice-versa, por meio do casamento, o ser humano
pode experimentar o Absoluto. Pois Céu e Inferno, metáforas para expressar o
significado do bem e o do mal, representam parte do Absoluto. E, no casamento,
109

vive-se estes dois extremos. Conforme Levinas (1991, p. 56-57), o domínio da


totalidade se faz “pelo encontro dum ser que não está no sistema, um ser
transcendente”.
Os dez princípios conjugais – os ditados pelo art. 1566 CC somados aos
demais aqui mencionados – são as regras para se alcançar o Absoluto, mas
especialmente o afeto. São os dizeres do oráculo que salvou Ulisses, sua nau, e
seus marinheiros dos encantos das sereias. São os votos que devem fazer os noivos
para não se afastarem do caminho escolhido e atingirem um maior grau de
consciência. São os elementos de um ritual mágico, pois fazem mais do que
estabelecer relações contratuais entre indivíduos (MAUSS, 2003, p. 56). Este
processo não precisa se dar necessariamente na primeira relação, pode ser na
segunda, na terceira, ou na quarta, não importa. Mesmo porque, como visto, o ser
humano sempre está se relacionando consigo próprio, não importa o rosto que
esteja a sua frente.
Por fim, nos dias atuais, não mais se faz necessário o sacrifício de um animal
ou de um ser humano para tal catarse em busca da divindade (Girard, 2008). O
sacrifício que se faz necessário para alcançar tal graça é o sacrifício de uma
identidade construída psiquicamente desde o nascimento, identidade limitada,
relativa, que, em sua maior parte, imita e é finita.
Com a morte desta identidade no homem, nasce outra, não necessariamente
mais feliz, mas certamente menos angustiada, mais plena, consciente de si e eterna
nos raros momentos em que se consegue manter no Absoluto que conheceu por
meio da mulher.
110

PÓSFACIO

Eu, Ela e Você

Por quanto tempo Te procurei?!

Viajei por muitos lugares,

Vi muitas pessoas.

E encontrei uma.

Em um primeiro momento tive que escolher entre Você e ela.

Eram dois caminhos contraditórios. Você era o simples, ela o complexo.

Decidi ficar com ela e abri mão de Você, por mais maravilhosa que Você
pudesse ser.

Mas sua presença continuou sentida. Parecia que a minha escolha não havia
sido definitiva.

Via Você de longe,..., ela parecia me distanciar de Você.

A castidade, o desapego, a pobreza, o amor universal eram incompatíveis


com o meu Amor por ela.

Porém, aos poucos, as imagens foram se aproximando. Você e ela pareciam


mais próximos.

Pouco a pouco foram se fundindo, e, como num passe de mágica, após um


susto percebi, ela era Você, Você era ela e nós juntos nos tornamos o que
sempre fomos: Um.

São Paulo, 27 de abril de 2016

Paulo Thomas Korte


111

REFERÊNCIAS

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