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Análise do Filme Mary Shelley

A autora do livro “Frankenstein ou Prometeu Moderno”, Mary Wollstonecraft Godwin (Mary Shelley,
depois do casamento com o poeta Percy Shelley), nasceu em Londres, dias antes de perder a mãe por
complicações no parto. Mais tarde, ao experimentar a primeira maternidade, sua filha morreu pouco
depois do nascimento, logo houve o suicídio da meia-irmã, Fanny Imlay. Da dor e da perda, nasceram
Criadora e Criatura.
É perceptível que Mary Shelley trouxe aspectos de sua vida para o livro, sobretudo para os
sentimentos experimentados pela Criatura, pois a solidão, o autoconhecimento, a rejeição e o
abandono estão presentes tanto no “monstro”, como na vida de Shelley. Além disso, o romance
explorou a formação de identidade a partir das relações humanas e como a monstruosidade das
próprias pessoas afeta a construção de caráter.
Depois de dar vida a um ser, o Dr. Frankenstein o lançou para a escuridão, para o silenciamento, para
o mito do mistério perigoso que permeia o outro que é diferente de si. E, para a Criatura, sobrou
apenas a insistência em se adaptar a um mundo no qual o seu corpo e sua aparência são levados em
conta antes de qualquer outro elemento da personalidade.
Até mesmo a experiência da escrita feminina, numa época em que a intelectualidade era de dominação
masculina, colaborou para a criação da narrativa. A primeira vez em que Mary Shelley teve seu
romance publicado foi sem seu nome, pois sua autoria era questionada, sob argumento de que uma
mulher tão jovem não poderia imaginar uma obra com aquela originalidade.
Mary Shelley foi fruto da relação entre o filósofo político William Godwin e a teórica feminista Mary
Wollstonecraft, que morreu por causa do parto da filha, deixando-a duas de suas maiores cicatrizes
emocionais: a culpa e a carência. Sentimentos que foram acentuados no segundo casamento de
Godwin com uma mulher de caráter mais conservador, que alimentava um certo ciúme da relação
entre pai-filha.
Na época em que a educação feminina ainda era um tema de debate, Mary Shelley crescia estudando
no isolamento de sua casa, através de métodos alternativos criados a partir das teorias de seu pai e sua
mãe, que versavam sobre o ensinamento crítico enquanto formador de sujeito e maneira de se
autoconhecer e conhecer o mundo ao redor. Sempre incentivada à intelectualidade e à literatura,
conheceu grandes pensadores do século 19, até que se apaixonou por um deles, Percy Shelley, poeta
rebelde e discípulo de seu pai.
Apesar dos princípios de liberdade sexual e matrimonial, Godwin não permitia o relacionamento entre
Mary, de 15 anos, e Percy Shelley, de 20 anos, o que resultou na fuga dos dois — acompanhados por
uma das irmãs da escritora. O ato de desobediência levou o pai a relegar a filha por cerca de três anos,
o que contribuiu para o sentimento de solidão e abandono que atingiu Mary durante muito tempo.
Ofuscada pela fama de Percy Shelley, ofendida pelas suas traições justificadas pela tese “amor livre” e
absorta num estado de devoção à sua intelectualidade, Mary abdica da sua própria personalidade. Os
círculos sociais do marido, os seus livros e os seus dramas ocupavam toda sua rotina. E, depois de
perder a primeira filha, o seu estado emocional se tornou ainda mais fragilizado. Certa vez chegou a
relatar em seu diário um sonho que tivera, no qual a menina voltava à vida — talvez o seu primeiro
impulso de desafiar o conceito de morte.
O contexto de nascimento da obra “Frankenstein” foi descrito por Mary Shelley no prefácio da edição
de 1831: ela e Percy Shelley estavam hospedados na casa do poeta Lord Byron, enquanto chuvas
incessantes os confinavam e eles mergulhavam em histórias de horror e longas conversas sobre
filosofia. Com o tédio, o anfitrião da casa lançou o desafio de escreverem histórias fantasmagóricas.
Afetada por um pesadelo que teve noites antes, por causa das impressões de uma conversa sobre
ressurreição por galvanismo, Mary resolveu escrever sobre o que lhe havia tirado o sono. O que surgiu
em forma de conto se transformou em um dos romances mais importantes da história: “Frankenstein
ou Prometeu Moderno”.
Se não posso inspirar amor, causarei medo, e principalmente a você, meu arqui-inimigo, que,
por ser meu criador, juro odiar sem trégua. Esteja atento para isto: trabalharei por sua
destruição e não descansarei até que tenha esfacelado seu coração, de tal modo que você
amaldiçoará o dia em que nasceu.
Frankenstein, Mary Shelley.
A melancolia de Mary Shelley transcendeu a narrativa e deu voz aos seus dramas e aos da Criatura,
que foi levada a alienar sua própria identidade e impugnar a sua existência até o seu último dia. Antes
de tudo uma transgressora, Mary Shelley (1797-1851) viveu o século 19 na pele de uma mulher que se
fez ouvida e lida.
A ideia de que o livro nasceu da própria experiência de Shelley e da sua frustração a respeito da
posição que as mulheres britânicas mantinham no início do século 19 é um fator crucial para a
compreensão de Frankenstein. Da mesma maneira, é importante reconhecer a crítica por meio das
figuras femininas apresentadas na narrativa, que são descritas como dependentes, delicadas e
maternais, ao mesmo tempo em que vão se dissolvendo rapidamente no decorrer da história pelo
apagamento ou pela morte. Mary Shelley, ao enfatizar a passividade das mulheres, expõe a fragilidade
na qual estavam submetidas, passíveis de serem vitimizadas.
Ambos, a Criatura e a Mulher, experimentaram da luta pelo espaço negado pela monstruosidade e
insensibilidade daqueles que estavam na posição de poder na sociedade e buscou caminhos
independentes para tentar se fazer acreditado, compreendido e aceito.
Frankenstein não é apenas uma história de cientificidades e fantasias, mas, para além disso, é uma
complexa mistura de metáforas e reflexões sobre a humanidade. Sobre uma sociedade que deveria ser
acolhedora, mas que é, na verdade, invasiva, segregadora, preconceituosa e cheia de sujeitos que
desumanizam aqueles que são opostos ou não se encaixam em seus parâmetros.

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