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[R. Sanzio (1483-1520). Virtudes Cardeais (1511).

Stanza della Segnatura, Palazzi


Pontifici, Vaticano]

santo Tomás de Aquino para os tempos atuais:


virtudes e vícios

24 de maio
de 2022
notas
preliminares

i. “Tomás repensa a experiência acumulada sobre o homem ao longo dos séculos. Se o


filosofar do Aquinate é sempre voltado para a experiência e para o fenômeno, mais do
que em qualquer outro campo é quando trata dos vícios que seu pensamento mergulha
no concreto, pois citando o sábio (pseudo-)Dionisio, “malum autem contingit ex
singularibus defectis” – para conhecer o mal é necessário voltar-se para os modos
concretos em que ele ocorre” (LAUAND, Introdução, p.65)

ii. “ Assim é frequente encontrarmos nas discussões de Tomás sobre os vícios - para além
da aparente estruturação escolástica – expressões de um forte empirismo como:
“Contingit autem ut in pluribus” (o que realmente acontece na maioria dos casos).
(LAUAND, Introdução, p.65)
iii. “O De malo [...] parecem ser questões disputadas em Roma durante o ano letivo
1266-7, ou segundo outros críticos contemporâneos, em Paris, no ano letivo 1269-
70. Boa parte desse tratado é dedicada aos pecados capitais e se articula com a
discussão dos mesmos na segunda parte da Summa theologica (escrito não antes
do De Malo)” (LAUAND, Introdução, p.71)

iv. “S.Tomás começa – De malo, 8, 1 – por discutir as razões pelas quais se define o
conceito de vício capital e conclui que isto se dá pela articulação objetiva de
finalidades: o pecado capital, pecado “capitão”, impõe uma cadeia de motivações.
Assim, por exemplo, à avareza estão subordinadas a fraude e o engano. A análise
dessa ordo de fins estabelece sete linhas fundamentais de causalidade: os sete
vícios capitais” (LAUAND, Introdução, p.71)
“S. Tomás ensina que recebem este nome
[vício capital] por derivar-se de caput” [..]o “Toda uma experiência milenar sobre o
vício é uma restrição à autêntica liberdade e homem traduz-se em Tomás em sete
um condicionamento para agir mal” (LAUAND, vícios capitais, que arrastam atrás de
Introdução, p.67)
si ‘filhas’, exércitos, totalizando cerca
de cinquenta outros vícios...” (LAUAND,
Introdução, p.66)

Vaidade, Inveja, Acídia, Ira, Avareza, Gula e


Luxuria: “sete poderosos chefões que comandam
outros vícios subordinados” (LAUAND, Introdução,
p.67)
[H.Bosch
(1450-1516).
Os sete
pecados
capitais.
1505/10.
Museu do
Prado]
“Todo pecado se fundamenta
em algum desejo natural, e o
homem, ao seguir qualquer
desejo natural, tende à
semelhança divina, pois todo
bem naturalmente desejado
é uma certa semelhança com
a bondade divina. O pecado
é o desviar-se da reta
apropriação de um bem. Se a
busca da própria excelência [H.Bosch
é um bem, a desordem, a (1450-
1516). Os
distorção dessa busca é a pecados
capitais.
soberba que, assim, se 1520/30
Fundação
encontra em qualquer outro Scripps
pecado” (Tomás de Aquino apud Fine Arts..
Genebra]
LAUAND, Introdução, p.72)
A vaidade (De Malo. questão
9, artigo 1): vanglória [glória
vã]

i. “quando alguém se gloria


em falso: de um bem que
não tem
ii. ‘quando alguém se gloria de
um bem que passa
facilmente
iii. Quando ela [vaidade] não
se dirige ao devido fim

filhas da vaidade: ‘aqueles


vícios pelos quais o homem
tende a manifestar a própria
excelência, que pode ser de
modo direto ou indireto.

[ detalhe de Os Sete pecados capitais (H. Bosch).Disponível em


https://es.wikipedia.org/wiki/Mesa_de_los_pecados_capitales]
i. jactância: manifestação da própria
excelência por meio de palavras
ii. presunção de novidades: suscitar
admiração por fatos verdadeiros
iii. hipocrisia: suscitar admiração por fatos
fingidos
iv. pertinácia: apego à sua própria opinião
v. discórdia: não ajustar sua vontade à
vontade de homens melhores
vi. contenda: quando alguém não quer ser
superado por outro em discussões
verbais
vii. desobediência: quando alguém não quer
[M. Caravaggio (1571-1610) Narciso, 1597-99.
submeter as próprias ações ao preceito de um Galeria Nacional de Arte Antiga. Palacio
Barberiuni, Roma]
superior
.
A inveja ( De malo, Questão 10, art 2)

“Da inveja nasce o ódio” (II-


II, 34,6,c)

[detalhe de Os Sete
pecados capitais (H.
Bosch).Disponível
em
https://es.wikipedia.
org/wiki/Mesa_de_lo
s_pecados_capitale
s]
Filhas da inveja: murmuração, detração,
ódio, exultação pela adversidade,
aflição pela prosperidade.

“Invejar, pelo seu próprio objeto, implica algo


contra a caridade, pois é próprio do amor de
amizade querer o bem do amigo como se fosse
para si mesmo, porque – como diz o Filósofo (IX
Ethic.4;1166ª, 30-2) – o amigo é como se fosse
outro eu. Dai que entristecer-se com a felicidade
do outro é claramente algo oposto à caridade,
pois por ela amamos ao próximo. Daí que
Agostinho diga (De Vera rel.47): “Quem inveja a
quem canta bem não ama ao que canta bem”
(LAUAND, A gravidade da inveja, p.90)

[Giotto (1267-1337) A Inveja (1306) Cappela


Scrovegni (ou Cappela Arena), Pádua.
A acídia, (De Malo, questão
11, art. 1)

“a acídia é o
tédio ou tristeza
em relação aos
bens interiores
e aos bens do
espírito” (LAUAND.
Acídia, p.93.)

[detalhe de Os Sete pecados capitais (H.


Bosch).Disponível em
https://es.wikipedia.org/wiki/Mesa_de_los_p
ecados_capitales]
filhas da acídia: desespero,
pusilanimidade, torpor, rancor,
malícia, divagação da mente

“E como os homens
fazem muitas coisas por
causa do prazer – para
obtê-lo ou movidos pelo
impulso do prazer –
assim também fazem
muitas coisas por causa
da tristeza: para evitá-la
ou arrastados pelo peso
da tristeza” (LAUAND, J. As
filhas da acídia, p.94)

Hieronymus Wierix (1553-1619). Acedia.


(c.1573-1619) Metropolitan Museum of Art..
Nova York.
A ira (De Malo, questão 12, artigo 1)

“Se atentarmos à
realidade, diremos
que a ira é um
movimento do apetite
sensitivo e esse
movimento pode ser
regulado pela razão,
põe-se à serviço dela
para sua pronta
execução. E como a
condição da natureza
humana exige que o
apetite sensitivo seja
movido pela razão, é
necessário afirmar,
com os peripatéticos,
que algumas iras são
boas e virtuosas”
(LAUAND, A ira, p.98) [detalhe de Os Sete pecados capitais (H. Bosch).Disponível
em
https://es.wikipedia.org/wiki/Mesa_de_los_pecados_capitales]
Filhas da ira: rixa, perturbação da mente, insultos, clamor,
indignação e blasfêmia

“Acaso é próprio do sábio encher seu


“A ira pode ser ventre de vento ardente?” (Jo, 15,2)
considerada de
três modos: de
O outro grau de ira nas palavras dá-
se quando alguém prorrompe em
acordo com o que palavras injuriosas, como diz a seu
ela é no coração, irmão: ‘imbecil!, e aí é o caso do
na boca e nas
insulto.

ações” (LAUAND, As Quando a ira entra nas vias de fato,


filhas da ira, p.99) causa a rixa e tudo o que dela deriva:
ferimentos, homicídios etc.” (LAUAND, As
filhas da ira, p. 100)
“O desordenado
amor
de si é a causa de
qualquer
pecado” (I –II,77-4)”

[Guido Reni (1545-1672).José e a


esposa de Potiphar. 1625/6. Itália]
A avareza (De Malo, questão 13, artigo 3)

“A palavra avareza
está ligada a uma
desordenada ambição
de dinheiro [avarus
aeris]...Mas,
por extensão, avareza
é tomada também
como desordenada
cobiça de quaisquer
bens” (LAUAND, A avareza,
p.100)

[detalhe de Os Sete pecados capitais (H. Bosch).Disponível em


https://es.wikipedia.org/wiki/Mesa_de_los_pecados_capitales]
filhas da avareza
“A avareza comporta duas atitudes, uma das quais é o excesso de apego ao que se
tem, do qual procede a dureza do coração, o ser desumano, que se opõe à
misericórdia. [...] A outra atitude própria do avaro é o excesso no afã de juntar para si,
do qual procede a inquietude, que impõe ao homem preocupações e cuidados
excessivos: “O avaro nunca se sacia de dinheiro”, diz o Eclesiastes.
Quando consideramos a avareza do ponto de vista da execução da ação, ao procurar
para si bens alheios ela pode servir-se da força e dá origem à violência ou, em outros
casos, ao engano: se este se verifica por simples palavras, com que se engana
alguém para lucrar, será mentira; se as palavras enganosas são acompanhadas de
juramento, será perjúrio.
Quanto ao engano no próprio ato: se é em relação a coisas, dá-se a fraude; se a
pessoas, traição, como é evidente no caso de Judas, que por sua avareza tornou-se
um traidor de Cristo” (LAUAND, As filhas da avareza, p.102-3).
“Seus príncipes estão no
meio deles como lobos
predadores que atacam
a presa para derramar
sangue e obter lucros com
a avareza” (Ezequiel, 22,27)

*A riqueza e a pobreza.
Sermões do Boca de ouro [H. Bosch (1450-1516). A
São morte do avarento.1494.
João Crisóstomo. São Paulo: National Gallery of Art.
Paz e Terra, 2022 Washington] :,
A gula ( De Malo, questão 14, art. 1)

“Entre todas as
paixões, a coisa
mais difícil de
ordenar é o prazer
segundo a razão
e principalmente
os prazeres
naturais que são
“companheiros da
nossa vida”[...] “a
gula é a falta de
[detalhe de Os Sete pecados capitais (H. Bosch).Disponível moderação no
em
https://es.wikipedia.org/wiki/Mesa_de_los_pecados_capitales]
comer e no beber”
(LAUAND, A gula, p.104)
filhas da gula: imundície, embotamento da inteligência, alegria néscia,
loquacidade desvairada, expansividade debochada

[..[] há uma
desordem nos
atos da
vontade, que
ficam como
que à deriva
pelo
adormeciment
o de seu
piloto, a
razão”

(LAUAND. As filhas
da gula, 105)

[Pieter Breugel
(1526-1569)
Gula1558].
A luxúria (De Malo,
questão 15,artigo 4)

“O fim da luxúria é o prazer


sexual, que é o máximo. E
sendo este prazer o que
exerce maior atração ao
apetite sensível, quer pela sua
veemência, quer pela
conaturalidade dessa
concupiscência, é manifesto
que a luxúria é vicio capital”
(LAUAND. A luxúria, p. 107)

detalhe de Os Sete pecados capitais (H.


Bosch).Disponível em
https://es.wikipedia.org/wiki/Mesa_de_los_peca
dos_capitales
[Pieter Breugel (1526-1569) Luxúria, 1558].

Filhas da
luxúria:
cegueira da
mente,
irreflexão,
inconstânci
a,
precipitaçã
o, amor de
si, ódio a
Deus,
apego ao
mundo,
desespero
em relação
ao mundo
futuro
Para terminar, um caso e
uma canção (In taberna summus) -
medievais.
“O senhor de Maimundo ordenou-lhe, certa noite, que fosse fechar a porta.
Maimundo – que oprimido pela preguiça, nem podia se levantar –
respondeu que a porta já estava fechada.
Ao alvorecer, disse-lhe o senhor:
- Maimundo, vai abrir a porta.
- Como eu sabia que o senhor havia de querê-la aberta hoje, nem cheguei
a fechá-la ontem.
O senhor, percebendo que, por preguiça, não a tinha fechado, disse-lhe:
- Levanta-e e faz o que tens de fazer, pois é dia e o sol já está a pino.
- Se o sol já está a pino, então dá-me de comer – respondeu Maimundo.
- Servo mau, nem amanheceu e já queres comer?
- Bom, se não amanheceu, então deixa-me continuar dormindo”

(LAUAND, J. Cultura e Educação na Idade Média. p.247)


“As paixões de per si não
têm caráter de bem nem de
mal. Pois o bem e o mal do
homem se dão no âmbito
da razão. Daí que as
paixões em si
consideradas são para o
bem ou para o mal,
conforme correspondam à
razão ou a contradigam. (I-
II, 59,1)

Pedro D'Apremont/. Disponível em :


https://super.abril.com.br/mundo-
estranho/quem-definiu-os-sete-pecados-
capitais/https://2018
Para aprofundar:

DE BONI, Luis Alberto. Estudos sobre Tomás de Aquino. Pelotas: UFPEL, 2018.
(Dissertatio Filosofia). Disponível em https://wp.ufpel.edu.br/nepfil/59-2/

LAUAND, L.J. Cultura e Educação na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LAUAND, L. J. Filosofia, Linguagem, Arte e Educação. 20 conferências sobre Tomás de


Aquino. São Paulo: Factasch, 2007. Disponível em:
https://www.jeanlauand.com/FilosofiaArte.pdf

NASCIMENTO, Carlos A. R. Um mestre no ofício. Tomás de Aquino. São Paulo: Paulus,


2011

SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Disponível em:


vhttps://sumateologica.files.wordpress.com/2017/04/suma-teolc3b3gica.pdf

TOMÁS DE AQUINO. Os sete pecados capitais. Tradução de Luiz Jean Lauand. São
Paulo: Martins Fontes, 2001, p.63-113

TORREL, Jean-Pierre. Iniciação a Santo Tomás de Aquino. Sua pessoa e obra. São
Paulo: Loyola,1999

SANTO TOMÁS DE AQUINO. Sobre o Mal. Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2005, Tomo 1.
sílvia contaldo

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