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Apontamentos sobre Dislexia

AUTOMATISMOS NA LEITURA

Para poder compreender os textos, a criança disléxica deve ter um alto


nível de automatismo na identificação das palavras escritas. É o
desenvolvimento desta competência que lhe permitirá atingir um nível de
compreensão escrita igual ao da sua compreensão oral, libertando-a do
peso da descodificação lenta e laboriosa ou ao recurso de antecipações
contextuais árduas. A dislexia manifesta-se precisamente na incapacidade
de desenvolver este tipo de competência.

DISLEXIA E VELOCIDADE DE LEITURA

Os estudos realizados mostram que os treinos, relativos à descodificação,


não melhoram ou fazem-no de forma pouco eficiente, a velocidade de
leitura, que necessita de outro tipo de treino.

Segundo a literatura, o treino mais reconhecido como eficaz sobre a


fluidez, ou seja, a rapidez da leitura, é a técnica de repetição de letras,
sílabas, palavras e frases lidas. Esta consiste em repetir continuamente
até se obter uma determinada velocidade. É aconselhável um treino de
seis minutos diários, durante seis a nove meses.

DISLEXIA E CONSCIÊNCIA FONÉMICA

Actualmente, é sobejamente reconhecido que :

1. As crianças do pré-escolar e do 1º ano de escolaridade que apresentam


um atraso na aquisição da consciência fonémica, são crianças susceptíveis
de manifestarem dificuldades na leitura.
2. As crianças mais velhas e os adultos que revelam dificuldade em ler,
apresentam uma lacuna ao nível da consciência fonémica.

3. Os métodos utilizados na reeducação da dislexia que dão ênfase à


consciência fonémica reduzem, com sucesso, as dificuldades na leitura.
O TREINO DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NO PRÉ-ESCOLAR PODERÁ
FUNCIONAR COMO UMA PREVENÇÃO DA DISLEXIA?

Embora alguns autores desvalorizem a importância do desenvolvimento


das capacidades do processamento fonológico da língua materna, um
estudo realizado em 1999, na Alemanha, por Schneider, W., Ennemoser,
M., Roth, H. e Küsport, P., concluiu a importância do treino nas crianças
com baixa consciência fonológica.

O estudo foi realizado com crianças com QI dentro da média, às quais foi
passado um pré-teste que avaliou o seu nível de consciência fonológica
(classificado de fraco, médio ou elevado). Foi implementado um
programa de treino, com a duração de seis meses, não tendo o grupo de
controlo usufruído de qualquer treino. No final, foi realizado um pós-
teste. Às crianças do grupo experimental também lhes foram passados
testes de leitura e escrita, no final do 1º e 2ºanos de escolaridade. Para
mais pormenores, consultar o “ journal of Learning Disabilities”, Vol. 32,
nº5.
Neste estudo concluiu-se que:

1. As crianças que apresentavam fracas habilidades metalinguísticas (de


risco), apresentaram uma grande melhoria no desenvolvimento da sua
consciência fonológica;

2. As crianças de risco que participaram no treino fonológico


continuaram a progredir, comparadas com as crianças de risco, mas não
treinadas, até ao final do 2º ano de escolaridade;

3. É evidente e claro que o desenvolvimento da consciência fonológica não


foi proveitoso para todas as crianças que participaram neste estudo. No
entanto, a maioria beneficiou do treino, a curto e a médio prazo;

4. O potencial dos programas de desenvolvimento da consciência


fonológica, no pré-escolar, não deve ser subestimado, já que se pode
afirmar, com alguma certeza, que há redução da prevalência das
Dificuldades de Aprendizagem/dislexia, nas crianças de risco;
5. Ainda que o treino tenha ajudado a maioria das crianças do grupo
experimental, algumas, de cada grupo, não obtiveram qualquer benefício.

Na globalidade, foram as crianças de risco que mais usufruíram do treino


da consciência fonológica, porque houve uma influência significativa no
seu desempenho na leitura e na escrita.

As crianças de risco, treinadas, ultrapassaram consideravelmente os seus


colegas, não treinados, ao nível do 1º ano de escolaridade, enquanto que a
diferença entre os dois grupos diminuiu na leitura, no final do 2º ano, mas
foi mais marcante a nível da ortografia.
Os resultados indicam, de forma clara, que o treino das crianças
consideradas de risco, no pré-escolar, contribui para a diminuição das
dificuldades de aprendizagem/dislexia, não a eliminando totalmente.

DE QUE FORMA RECONHECEMOS AS PALAVRAS ISOLADAS?

Existem dois processos na identificação das palavras lidas.

1. Leitura pela via lexical, ou seja, o reconhecimento global


Reconhecimento visual de toda da palavra

2. Leitura via fonológica, ou seja, mediação fonológica


Decomposição da palavra e conversão das letras em sons

Um leitor competente utiliza eficazmente as duas vias.

A título de exemplo apresentamos a seguinte frase:


Ontem, a mãe de Otrudokabé convidou-nos para lanchar em sua casa.
Quase todas as palavras desta frase são conhecidas. O leitor competente
vai utilizar a via lexical para ler a mensagem, excepto a palavra
Otrudokabé, para a qual vai utilizar a via fonológica. Com efeito, sendo
uma palavra desconhecida, tem de a decompor.

A CONSCIENCIALIZAÇÃO FONÉMICA
Recentemente foi publicado o livro,”Como aprender a ler?”, com prefácio
de José Morais e no artigo escrito por Roger Beard, refere a importância
da consciência fonémica (CF).

O relatório do National Reading Panel (Plano Nacional de Leitura)”


revelou que ensinar crianças a manipular os sons da linguagem ajuda-as a
aprender a ler. Os efeitos do treino da CF perduram muito além do final do
treino. O ensino da CF produziu efeitos positivos, quer na leitura de
palavras quer na leitura de pseudopalavras. Isto indica que a CF ajuda as
crianças a descodificar palavras que são visualmente novas para elas, tal
como as ajuda a lembrarem-se de como ler palavras familiares.

O treino da CF foi eficaz no estímulo da compreensão de leitura, apesar de


o impacto ser menor do que na leitura da palavra. …De acordo com o NRP,
a CF avaliada no início no jardim-de-infância é uma das melhores formas
de prever o nível de sucesso da criança na leitura, em paralelo com o
conhecimento das letras.

Tem havido um extenso debate profissional (por vezes referido como


“guerras da leitura”) sobre esta matéria. O debate tem-se focado na
hierarquia desenvolvimental e na importância  da  descodificação versus
competências de compreensão. Os compromissos actuais enfatizam:

· Um equilíbrio entre os dois tipos de competências numa fase precoce do


ensino

· O reconhecimento de que ambos os tipos de competências interagem e


podem compensar-se mutuamente durante a leitura (Adams, 1990;
Stanovich, 2000)”.

DISLEXIA, QUE FUTURO?

A evolução das dificuldades dependerá de vários factores:


1. Tipo de dislexia/disortografia e da sua gravidade;
2. Diagnóstico precoce;
3. A regularidade da intervenção;
4. A colaboração da família com todos os intervenientes no percurso
académico do aluno;
5. Os apoios necessários para manter a motivação, face ao insucesso escolar.

Nas dislexias leves a moderadas, as dificuldades reduzir-se-ão, não


desaparecendo totalmente e não comprometerão a escolaridade nem o
prosseguimento dos estudos secundários, ou mesmo universitários, apesar
de persistir um handicap na escrita.

Nos casos de dislexia mais severa poderão ser propostas orientações


escolares especializadas, assim como, orientações profissionais em função
dos interesses dos alunos.
Podemos então concluir que o diagnóstico precoce, a regularidade do
apoio e a atribuição de medidas pedagógicas adaptadas permitem,
actualmente, à maioria dos disléxicos, seguir um currículo escolar
normal, sem comprometer a sua inserção social e profissional.
fonte: http://dislexiapafid.blogspot.pt
Postado por Gabriela Guarnieri às 16:37 Nenhum comentário: 
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Marcadores: Consciência Fonológica, Dificuldades de Aprendizagem, Dislexia
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Consciência Fonológica e sua


importância para a leitura e escrita
Consciência Fonológica
 Capacidade metalinguística que permite analisar e
reflectir, de forma consciente, sobre a estrutura fonológica
da linguagem oral (Cardoso-Martins, 1991; Gombert, 1991, 1993;
Kamhi & Catts, 1991 cit. por Smit, 2004; Lane & Pullen, 2004; Pestun, 2005;
Morais, 1989 cit. por Freitas, 2004; Nascimento, 2009; Schuele & Boudreau,
2008; Sim-Sim, 1998; Tunmer & Nesdale, 1985 cit. por Melo, 2006 ) ;
 A CF envolve a capacidade de identificar, isolar,

manipular, combin ar e segmentar mentalmente, e


de forma deliberada, os segmentos fonológicos da
língua (Alves, Freitas & Costa, 2007; Bernthal & Bankson, 1998 cit. por
Smit, 2004; Ehri, 1989; Lopes, 2004; Nascimento, 2009) ;
 Esta competência compreende dois níveis: (Byrne &
Fielding-Barnsley, 1989 cit. por Nascimento, 2009)
- Consciência de que a língua falada pode ser segmentada
em unidades distintas: a frase pode ser segmentada em
palavras, as palavras em sílabas e as sílabas em fonemas;
- Consciência de que estas unidades se podem repetir em
diferentes palavras;

 Manifestações da CF: (Alves, Freitas & Costa, 2007; Freitas,


2004)- Nível implícito: sensibilidade para o sistema de sons
da língua e para o conhecimento fonológico funcional,
manifestando-se durante jogos espontâneos com os sons
das palavras. Por exemplo: identificação de rimas por parte
das crianças do pré-escolar;
- Nível explícito: análise consciente dos sons das palavras,
nomeadamente em actividades de isolamento de fonemas
de uma palavra.
A CF expressa-se em dois níveis de
crescente complexidade – consciência silábica e
consciência fonémica – cujo treino deve respeitar esta
ordem, antes e durante a iniciação à leitura e escrita (Alves,
Freitas & Costa, 2007; Freitas, 2004).
 
A consciência fonológica e o processamento
fonológico
 O processamento fonológico é a capacidade de
utilizar informações fonológicas para processar a
linguagem oral e a escrita, englobando capacidades como
a discriminação, memória e produção fonológicas, bem
como a consciência fonológica (Avila, 2004 cit. por Nascimento,
2009; Lopes, 2004);
 Operação mental, na qual o indivíduo recorre à
estrutura fonológica ou a sons da língua oral, com a
finalidade de aprender a descodificá-la no plano
escrito (Figueiredo, 2006 cit. por Nascimento, 2009);

 Envolve:
SSS- CF;ssss- Discriminação fonológica: capacidade de
discriminar fonemas;
ssss- Memória fonológica: capacidade de memorizar
palavras, sílabas e fonemas;
ssss- Produção fonológica: articulação das palavras e
uso dos fonemas na fala.
(Santos & Navas, 2002 cit. por Nascimento, 2009)
Capacidades e Tarefas
Metafonológicas
ssssExistem tarefas específicas, hierarquicamente
organizadas (Tabela 1), através das quais é possível
observar os diferentes níveis de CF adquiridos pela
criança, nomeadamente:

ssss1. Noção de palavrasssssssTambém denominada por


consciência sintáctica, requer a capacidade de segmentar a
frase em palavras, bem como, de organizá-las numa frase,
de forma a dar-lhe sentido (Nascimento, 2009).

ssss2. Noção de rima


sssssssAs palavras rimam quando há semelhanças entre
os sons desde a vogal ou ditongo tónico até ao último
fonema da palavra, podendo abranger a rima da sílaba, a
sílaba inteira ou mais do que uma sílaba. Para identificar
rimas, as crianças necessitam ter a capacidade de
identificar sons finais das palavras (coração –
melão) (Freitas, 2004). Esta capacidade é um nível natural e
espontâneo da CF que integra precocemente as vivências
das crianças através de músicas, histórias e
brincadeiras (Freitas, 2004; Nascimento 2009).

ssss3. AliteraçãosssssssCapacidade de identificar ou


repetir a sílaba ou fonema na posição inicial das
palavras (Nascimento, 2009; Schuele & Boudreau, 2008).

ssss4. Consciência silábica


sssssssÉ a capacidade de segmentar palavras em sílabas,
exigindo a execução de dois processos, a identificação e a
discriminação de sílabas, sendo que o primeiro processo é
facilitado aquando da produção isolada das
sílabas (Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe, & Bandini, 2006;
Nascimento, 2009; Sim-Sim, 1998).
sssssssA consciência silábica reflecte-se na capacidade de
realizar actividades de segmentação, aliteração, síntese e
manipulação (Nascimento, 2009).

ssss5. Consciência fonémicasssssCapacidade para


manipular e isolar as unidades sonoras que constituem a
palavra (Lane & Pullen, 2004; Nascimento, 2009; Vale & Caria, 1997).
Reflecte-se através da capacidade de segmentar, omitir ou
substituir fonemas em palavras, bem como de evocar
palavras com base no fonema inicial (Nascimento,s2009). Este
nível requer ensino explícito pela introdução de um sistema
alfabético e fornecimento de instruções acerca da estrutura
da escrita alfabética (Lopes, 2004).

ssssO desempenho da criança, durante a execução de


uma determinada tarefa, depende da exigência cognitiva da
mesma e do nível linguístico que esta requer (Treiman & Zukowski,
1996 cit. por Freitas, 2004), uma vez que as actividades que avaliam a
mesma capacidade podem exigir diferentes níveis de CF
ou exigências cognitivas (Salles, Mota, Cechella, & Parente, 1999 cit. por Freitas,
2004).
ssssDesta forma, existem alguns critérios a ter em conta
que podem tornar as tarefas mais simples ou mais
complexas para as crianças, nomeadamente (Freitas, 2004):

Desenvolvimento da consciência
fonológica
 Inicia-se desde cedo (Bradley & Bryant, 1983; Carraher & Rego,
1984; Capovilla & Capovilla, 1998; Liberman et al., 1974; Torgensen,
Wagner & Rashotte, 1994, cit. por Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe &
Bandini, 2006; Freitas, 2004);
 Desenvolvimento progressivo ao longo da
infância (Freitas, 2004);
 Depende de:
- Experiências linguísticas (Lane & Pullen, 2004);
- Desenvolvimento cognitivo da criança (Bernardino, Freitas,
Souza, Maranhe & Bandini, 2006);
- Características específicas de diferentes capacidades de
CF (Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe & Bandini, 2006);
- Exposição formal ao sistema alfabético, com a aquisição
de leitura e escrita (Goswani & Bryant, 1990; Lane & Pullen, 2004;
Maluf & Barrera, 1997; Morais et al., 1979; Morais, Mousty & Kolinsky, 1998
cit. por Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe & Bandini, 2006) .
 Apesar deste desenvolvimento nem sempre ocorrer
na mesma ordem, os estudos são unânimes quando
referem que o nível mais complexo de CF e, portanto, a
última capacidade a surgir, é a consciência
fonémica (Freitas, 2004; Lane & Pullen, 2004; Sim-Sim, 1998).

Desenvolvimento fonológico

 1 – 2 meses
- Distinção dos sons com base no fonema (Sim-Sim, 1998).
 30 meses
- Detecção de eventuais erros na produção do seu
enunciado ou no dos outros interlocutores (auto-
correcções) (Sim-Sim, 1998).
 36 meses

- Distinção de todos os sons da sua língua materna, pelo


que consegue distinguir as cadeias sonoras aceitáveis na
sua língua, corrigindo as não passíveis (Sim-Sim, 1998).
 3 - 4 anos
SS- Sensibilidade às regras fonológicas da sua língua (Sim-
Sim, 1998);
SS- Manifestam capacidades de CF: reconhecem rimas e
aliterações, identificando as primeiras (Cardoso-Martins, 1994 cit.
por Freitas, 2004; Treiman & Zukowski, 1996 cit. por Freitas, 2004) ;
SS- Prazer lúdico com as rimas através de jogos de sons e
de palavras, nas quais a criança faz deturpações
voluntárias, criando palavras novas (aldrabão/trapalhão –
traldrabão) (Sim-Sim, 1998);
SS- A produção de rimas é uma tarefa mais fácil,
comparativamente à de segmentação de sons ou de
identificação fonémica (Duncan, Seymour & Hill, 1997 cit. por Freitas,
2004);
SS- Dificuldades em identificar a palavra no contínuo
sonoro, competência que é consolidada ao longo do
percurso escolar (Alves, Freitas & Costa, 2007).

 4 anos- Maiores dificuldades em tarefas de


consciência fonémica quando comparada à silábica (Freitas,
2004);
- Capacidade de segmentar silabicamente unidades
lexicais compostas por duas sílabas (Sim-Sim, 1998);
- Maiores dificuldades na segmentação de palavras
polissilábicas e/ou monossilábicas (Sim-Sim, 1998).
 5 anos- Capacidades metafonológicas ao nível do

fonema  e do
traço distintivo, desde que as tarefas sejam adaptadas à
realidade linguística e cognitiva da criança (Coimbra, 1997 cit.
por Freitas, 2004).
 6 anos
- Domínio, quase total, da capacidade de segmentação
silábica (Sim-Sim, 1998);
- Maiores dificuldades nas tarefas relativas à consciência
fonémica, pois ainda não há o apoio da escrita. No entanto,
com a aprendizagem da leitura há conhecimento adicional
sobre a estrutura linguística (Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe &
Bandini, 2006);
- A CF vai-se complexificando, sendo necessário receber
instruções formais que explicitem as regras de
correspondência dos sons da fala na escrita alfabética
(relações fonema/grafema) (Jenkins & Bowen, 1994 cit. por
Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe & Bandini, 2006);
- Desenvolvimento da consciência fonémica (Jenkins & Bowen,
1994 cit. por Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe & Bandini, 2006) .
 A partir dos 6 anos- Maior desenvolvimento das
capacidades metafonológicas, devido à aquisição da
escrita (Freitas, 2004);
SSS- Domínio de todos os níveis de CF (Cielo, 2000 cit. por

Freitas, 2004). W

Relação entre a consciência


fonológica e a leitura e escrita
sssssA capacidade de pensar conscientemente sobre os
sons da fala e suas combinações assume especial relevo
para a aprendizagem da leitura e escrita, que é a aquisição
mais importante nos primeiros anos de escolaridade da
criança. De forma sucinta, pode dizer-se que esta
complexa tarefa resulta da relação entre a escrita das
palavras e a oralidade, o que implica a capacidade de
identificar os sons da fala (fonemas) e manipulá-los, de
forma a estabelecer a relação necessária entre eles e a sua
representação ortográfica (Lane & Pullen, 2004; Vale & Caria, 1997;
Viana, 2006) .
sssssA escrita alfabética da língua portuguesa é,
essencialmente, fonémica, a qual se estabelece através do
princípio alfabético da escrita: a unidade escrita (grafema) é
relacionada à unidade sonora da palavra
(fonemas) (Gathercole & Bradedeley, 1993 cit. por Freitas, 2004) através
da reflexão acerca dos sons da fala e sua relação com os
grafemas, o que, por sua vez, requer o acesso à CF (Freitas,
2004; Teles, 2004).

ssAssim, é possível compreender a existência de uma


relação entre a CF e a aprendizagem da leitura e escrita,
verificando-se que, durante algum tempo, os investigadores
se questionaram acerca do tipo de relação que se
estabelecia entre estas capacidades.

sssssAlguns autores afirmavam que a CF melhorava a


leitura e escrita, refutando a situação inversa (Lundberg et al.,
1988 cit. por Freitas, 2004).
sssssContrariamente, Morais, Cary, Alegria e Bertelson
(1979) e Read et al. (1986) referiam que era no decorrer do
processo de aprendizagem de leitura e escrita que a CF se
desenvolvia (Freitas, 2004; Pestun, 2005).

sssssAlgumas destas concepções não contemplavam


todos os níveis de CF, pelo que Treiman e Zukowski (1996)
explicam que a consciência de sílabas, aliteração e rimas
pode desenvolver-se sem o conhecimento da escrita; o
mesmo não se pode afirmar para a consciência fonémica,
que resulta, parcialmente, do contacto com a escrita, o que
também foi confirmado nos estudos de Coimbra (1997) e
Freitas (2004) (Freitas, 2004).

ss Adams (1990) e Morais, Mousky e Kolinsky


(1998), numa perspectiva de reciprocidade entre a CF e a
aquisição da escrita, defendem que alguns níveis de CF
antecedem a aprendizagem da leitura, enquanto outros,
mais complexos, derivam dessa aprendizagem, pelo que as
crianças já detêm capacidades metafonológicas prévias à
aquisição da escrita, desenvolvendo outras e
aperfeiçoando as que já possuem através desta
aquisição (Freitas, 2004; Sim-Sim, 1998).s

sssssNa mesma perspectiva, Yavas (1989) argumenta que


a aprendizagem da leitura origina o desenvolvimento das
capacidades metalinguísticas, as quais, por sua vez,
facilitam esta aprendizagem. Para Cardoso-Martins (1991),
a aprendizagem da correspondência entre a sílaba falada e
a escrita contribui, possivelmente, para a
consciencialização mais directa dos fonemas (Freitas, 2004).

sssssActualmente, sabe-se que há uma relação de


reciprocidade e interdependência entre a CF e a aquisição
de leitura e escrita. Assim, a CF facilita o processo da
aprendizagem da leitura e escrita e este último processo
favorece o desenvolvimento da CF, particularmente da
consciência fonémica (Adams, 1990; Freitas, 2004; Morais, Mousty,
Kolonsky, 1998, cit. por Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe & Bandini,
2006; Pestun, 2005; Viana, 2006).

sssssEmbora o desenvolvimento desta capacidade se


inicie desde cedo (Bradley; Bryant, 1983; Carraher; Rego,
1984; Capovilla; Capovilla, 1998; Liberman et al., 1974;
Torgensen; Wagner; Rashotte, 1994, citados por
Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe, & Bandini, 2006) , é
através da exposição formal ao sistema alfabético, com a
aquisição da leitura e escrita, que se dá o aprimoramento e
pleno desenvolvimento da CF (Goswani & Bryant, 1990; Maluf &
Barrera, 1997; Morais et al, 1979; Morais, Mousty, Kolinsky, 1998 cit. por
Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe & Bandini, 2006).
sssssssAssim, a CF parte de um nível implícito, de análise
de sons, para um explícito, essencial na correspondência
fonema-grafema (Freitas, 2004).

ssssA adequação desta capacidade metalinguística,


aquando do inicio da escolaridade, assume extrema
importância, uma vez que este é um forte preditor para a
aquisição e desenvolvimento adequados da leitura e
escrita (Vale & Caria, 1997).

ssssEstudos mais aprofundados tentam identificar quais os


níveis da CF que mais influenciam o sucesso na
aprendizagem da leitura e escrita. Alguns autores referem
que a consciência silábica, mais especificamente, o
domínio da capacidade de segmentação e manipulação
silábica, são essenciais para o sucesso na aprendizagem
da leitura e escrita, devendo estar consolidados
previamente à entrada na escola (Sim-Sim, 1998).

sssssContudo, estudos recentes referem que a consciência


fonémica é a capacidade que melhor prediz o sucesso na
aprendizagem da leitura e escrita, constituindo um pré-
requisito para esta aprendizagem (Bernardino, Freitas, Souza,
Maranhe & Bandini, 2006; Blachman, 1994; Bradley & Bryant, 1978 cit. por
Smiley & Goldstein, 1998; Hoien et al., 1995; Hatcher & Hulme, 1999 cit. por
Nancollis, Lawrie, & Dodd, 2005; Viana, 2006).
sssss
sssssTodavia, aquando da entrada na escola, as crianças
demonstram maior dificuldade nas tarefas relativas à
consciência fonémica, não só por serem tarefas mais
complexas, mas também porque ainda não têm o apoio da
escrita (Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe, & Bandini, 2006).
sssssNeste sentido, as crianças em início de escolaridade
adquirem conhecimento adicional sobre a estrutura
linguística à medida que decorre a aprendizagem da leitura
o que favorece o desenvolvimento da CF. É essencial que
as crianças recebam instruções formais que explicitem as
regras de manipulação dos sons da fala na escrita
alfabética (relações fonema – grafema), para promover
maior desenvolvimento da consciência fonémica (Alves,
Freitas & Costa, 2007; Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe & Bandini,
2006; Bradley & Bryant, 1978 cit. por Smiley & Goldstein, 1998; Freitas,
2004; Jenkins & Bowen, 1994 cit. por Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe
& Bandini, 2006; Sim-Sim, 1998).
sssssA combinação de ambos os factores deverá culminar
no domínio do princípio alfabético (Byrne, 1998; Byrne, Fielding-
Barnsley, 1989 cit. por Bernardino, Freitas, Souza, Maranhe & Bandini,
2006).
sssssSendo um bom leitor, um bom descodificador do
código alfabético e visto esta etapa ser tão importante para
que seja possível atribuir um significado a um texto, o treino
da CF pode ser bastante útil, facilitando a aprendizagem da
leitura e escrita, acelerando-a e minimizando eventuais
frustrações que possam advir desta complexa
aprendizagem (Vale & Caria, 1997).

Estudos científicos

sssssA influência da CF na aquisição e desenvolvimento da


leitura e escrita tem sido estudada por muitos
investigadores. Estes colocaram questões e encontraram
respostas fundamentadas em dados estatísticos e
resultados significativos, os quais justificaram o
empreendimento da investigação nesta área por várias
décadas e até aos nossos dias.

sssss1. A consciência fonológica melhora o


desenvolvimento da leitura e escrita?
sssEsta questão foi alvo de inúmeros estudos tendo-se
estabelecido os seguintes pressupostos:

sss- É o mais estável e robusto preditor de sucesso na


aprendizagem da leitura e escrita (Lonigan, Burgess & Anthony,
2000 cit por Hogan, Catts & Little, 2005);

sss- É um facilitador na aprendizagem da leitura e escrita


de crianças com e sem dificuldades de aprendizagem (Ball &
Blanchman, 1991; Barrera & Maluf, 2003; Bradley & Bryant, 1983; Byrne &
Frielding-Barnsley, 1989; Calfee, Lindamood & Linda Mood, 1973; Capovilla,
2000; Capovilla & Capovilla, 2000 cit. por Melo, 2006; Cardoso-Martins,
1991, 1995; Cunnigham, 1990; Ehri et al., 2001; Hatcher, Hulme &
Snowling, 2004; Juel, Griffith & Gough, 1986; Hatcher & Hulme, 1999 cit. por
Santos & Maluf, 2007; Liberman, et al, 1974; Lundberg, Frost & Petersen,
1988; Nancollis, Lawrie & Dodd, 2005; Pestum, 2005; Scanlon & Vellutino,
1996; Vellutino & Scanlon, 1987, entre outros cit. por Bernardino, Freitas,
Souza, Maranhe & Bandini, 2006; Santos 2004 cit. por Santos & Maluf) .

sssss2. Há diferenças entre a aplicação do treino da


consciência fonológica antes ou depois do processo
de alfabetização?
sssEsta hipótese foi levantada em estudos que possuíam
amostras com pré e pós leitores, isto é, crianças do pré-
escolar e crianças que já tinham iniciado o processo de
alfabetização. As conclusões diferem entre os autores, tal
como se observa nos estudos abaixo enunciados:

sss- De acordo com Schneider (1997) e Lundberg, Frost e


Petersen (1998), a intervenção pode já ser realizada em
crianças do pré-escolar (Santos & Maluf, 2007);

sss- Segundo Hatcher e Hulme (1999), a intervenção


obtém resultados mais significativos se o treino da CF for
conjugado com o ensino institucional da leitura (Santos &
Maluf, 2007);

sss- No estudo de Santos (2004), o autor refere que,


apesar de haver benefícios na articulação entre as
capacidades metafonológicas e as actividades de ensino
de leitura e escrita, tal relação é facultativa (Santos & Maluf,
2007).

sssss3. A intervenção ao nível da CF dá acesso directo


ao conhecimento do princípio alfabético?

sssResultados de investigações reforçam a ideia de que o


treino de CF, por si só, não permite às crianças o domínio
do princípio alfabético.

sss- O estudo de Byrne e Fielding-Barnsley (1991) concluiu


que o conhecimento das letras e da identidade dos
fonemas são capacidades necessárias, embora
insuficientes, para a aquisição do princípio alfabético (Santos
& Maluf, 2007);
sss- Segundo Torgesen, Morgan e Davi (1992), o
conhecimento de que as palavras são constituídas por
fonemas não assegura a compreensão do princípio
alfabético (Santos & Maluf, 2007).

sssss4. Todas as capacidades da CF influenciam,


igualmente, a leitura e a escrita?
sssVários estudos têm procurado identificar diferenças na
influência que cada uma das capacidades da CF tem na
aprendizagem da leitura e escrita. Embora os resultados
dos estudos não sejam unânimes, parece prevalecer a
ideia de que a consciência fonémica é aquela que mais
influencia esta aprendizagem.

sss- No estudo de Hohn e Ehri (1983) foram


implementados dois programas de treino de consciência
fonémica. Os resultados revelaram que a associação dos
fonemas aos grafemas favorece a aquisição de um sistema
visual símbolo-som, que é usado pela criança na distinção
e representação dos fonemas (Santos & Maluf, 2007);
sss- Cunningham (1990) investigou o papel da instrução
implícita e explícita no treino da CF, com o intuito de
averiguar a influência das capacidades fonológicas na
melhoria das capacidades leitoras. Os resultados desta
investigação indicaram que as crianças podem adquirir
capacidades de consciência fonémica através de ensino
directo (explícito) e que a consciência fonémica influencia
as capacidades de leitura (Santos & Maluf, 2007);
sss- Wise, Ring e Olson (1999) revelaram que as
metodologias que contemplam, não só a manipulação dos
sons, mas também a consciência articulatória (atenção
explicita à articulação), resultam em melhorias mais
acentuadas na leitura e escrita, comparativamente a
metodologias que contemplem apenas uma área (Santos &
Maluf, 2007);

sss- De acordo com o estudo de Cardoso-Martins (1996)


concluiu-se que a aliteração contribui para a aprendizagem
da leitura e da escrita. Por outro lado, a sensibilidade à
rima, aparentemente, não exerce um papel fundamental no
domínio do princípio alfabético, por parte das crianças
brasileiras (Melo, 2006);

sss- Goswami & Bryant (1997) postularam que a


capacidade para detectar rimas e aliterações são factores
preditivos do sucesso na aprendizagem da leitura e
escrita (Nascimento, 2009);
sss- Diferentes autores consideram que a análise
fonológica, ao nível da sílaba e em tarefas de aliteração,
assumem uma importância particular na aquisição da
leitura e da escrita (Capovilla, Colorni, Nico, & Capovilla, 1995; Correa,
1997; Correa, Meireles, & Maclean, 1999; Maluf & Barrera, 1997 cit. por
Melo, 2006).

sssss5. A influência da CF na melhoria da leitura e


escrita também se aplica a casos de insucesso escolar
ou a crianças com deficiência?

sssEstudos comprovam que existem benefícios no treino


desta capacidade em casos de insucesso escolar e em
determinadas patologias, como Trissomia 21, Dislexia e
Perturbações Específicas do Desenvolvimento da
Linguagem.

sss- Cardoso-Martins (1996) empreendeu um estudo em


que era trabalhada a capacidade de detecção de rimas em
crianças e adultos com e sem Síndrome de Down, tendo-se
concluido que para ambos os grupos a capacidade de
identificação do fonema inicial foi benéfica para a
aprendizagem da leitura e escrita (Santos & Maluf, 2007);

sss- Estudos conduzidos por Cárnio e Santos (2005)


revelaram que a intervenção ao nível da CF, mesmo em
casos de insucesso escolar grave, melhora
significativamente a leitura e escrita (Santos & Maluf, 2007).

Trabalho em equipa
Terapeutas da Fala (TF) - Professores: Relação
de cooperação
 O TF deve colaborar com os professores no aumento
da instrução da CF no currículo geral de educação, de
forma a alcançar um maior sucesso em situações de
dificuldades nesta área (Nancollis, Lawrie, & Dodd, 2005; Schuele &
Boudreau, 2008);
 O TF pode auxiliar os professores na selecção de
instruções e estratégias adequadas, de acordo com as
necessidades de aprendizagem de cada
grupo/criança (Schuele & Boudreau, 2008).

Considerações no treino da
consciência fonológica
 A CF é muito importante para a aprendizagem
posterior da leitura e da escrita, pelo que a implementação
de estratégias promotoras desta capacidade é essencial,
tanto em contexto de jardim-de-infância como nas escolas
de 1º ciclo (Viana, 2006);
 É essencial que os educadores/professores conheçam
as principais etapas do desenvolvimento da CF, através do
contacto com um TF, para poderem mobilizar as
estratégias pedagógicas mais eficientes para compensar
défices de CF previamente existentes nas crianças,
evitando o insucesso escolar (Alves, Freitas, & Costa, 2007;
Schuele & Boudreau, 2008; Viana, 2006);
 Em idade pré-escolar é importante desenvolver
actividades de discriminação auditiva, rimas infantis e
contos rimados, pois permitem trabalhar, de forma lúdica, a
CF, o vocabulário e a memória auditiva. Com estes jogos,
as crianças começam a reflectir sobre a estrutura da
linguagem oral e a analisar a língua nos seus constituintes
sonoros: discurso – palavras – sílabas – fonemas (Alves,
Freitas, & Costa, 2007; McLean, Bryant & Bradley, 1987; Viana, 2006) ;
 As actividades realizadas em grupo aumentam

a  curiosidade, pa
rticipação e interesse das crianças (Yopp, 1992);
 A ponte para os símbolos gráficos deve ser efectuada
quando as crianças identificarem as sílabas e fonemas na
oralidade (Alves, Freitas, & Costa, 2007);
 A colaboração entre o professor e o TF é crucial, para
se adaptar correctamente os exercícios aos alunos a quem
se destinam e aumentar gradualmente a sua complexidade,
no que respeita ao grau de dificuldade dos exercícios e
estímulos linguísticos (Alves, Freitas, & Costa, 2007; Schuele &
Boudreau, 2008) .
Sinais de alerta

 Fonologia - Crianças com alterações severas ao nível


da fonologia apresentam um desempenho inferior às
da sua idade em tarefas de CF, principalmente em tarefas
de soletração, pelo que há maior risco de ocorrência de
dificuldades na aprendizagem da leitura (Clarke-klei & Hodson,
1995; Smiley, 1977 cit. por Smiley & Goldstein, 1998; Stackhouse, 1997 cit.
por Smit, 2004).
 Articulação - Crianças com perturbações
articulatórias apresentam, geralmente, maior probabilidade
de iniciarem a escolaridade com capacidades fonológicas
atrasadas, o que influencia a aprendizagem da leitura e
escrita (Raitano, Pennington, Tunick, Boada & Shriberg, 2004; Rvachew,
Ohberg, Grawburg & Heyding, 2003; Webster, Plante & Couvillion, 1997 cit.
por Rvachew, Chiang & Evans, 2007).
 Meio Socioeconómico - Crianças que vivem em
meios socioeconómicos desfavorecidos exibem menor
sensibilidade à estrutura fonológica da linguagem, pelo que
apresentam níveis de realização de leitura inferiores às das
provenientes de meios sociais mais favorecidos (Bowey, 1995
cit. por Gamelas, Leal, Alves, & Grego, 2003; Gamelas, Leal, Alves &
Grego; 2003) .

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