Você está na página 1de 32

UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

DIREITO

A POSSIBILIDADE DA DUPLA PATERNIDADE (SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA)


NO REGISTRO CIVIL

Adriana Pimenta Rezende

NITERÓI-RJ.
2020.1
ADRIANA PIMENTA REZENDE

A POSSIBILIDADE DA DUPLA PATERNIDADE (SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA)


NO REGISTRO CIVIL

Artigo Científico Jurídico apresentado à


Universidade Estácio de Sá, Curso de
Direito, como requisito parcial para
conclusão da disciplina Trabalho de
Conclusão de Curso.

Orientadora: Profa Mônica Cavalieri


Fetzner Areal

NITERÓI-RJ.
2020.1

A POSSIBILIDADE DA DUPLA PATERNIDADE (SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA)


NO REGISTRO CIVIL

Adriana Pimenta Rezende

RESUMO

Este trabalho versa sobre a análise da Possibilidade de Cumulação da


Paternidade Socioafetiva e Biológica no Registro Civil. Iniciamos o estudo
demonstrando os princípios que baseiam o Direito de Família e são essenciais
para garantir o melhor interesse da criança ou adolescente. Abordaremos na
sequencia os tipos de filiação e toda a sua evolução na sociedade, além de
analisar a Posse do Estado de Filho, base da mulltiparentalidade. Nesse passo,
estudamos os conceitos e aspectos gerais da multiparentalidade e a real
possibilidade da dupla paternidade na Certidão de Nascimento. Por fim, o artigo
expõe as consequencias legais do reconhecimento da multiparentalidade.

Palavras chave: Direito de Família. Multiparentalidade. Afetividade.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1 Princípios norteadores do


direito de família; 2.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana; 2.1.2. Princípio
da pluralidade familiar; 2.1.3. Princípio da afetividade; 2.1.4. Princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente; 2.1.5. Princípio da igualdade de filiação;
2.2. Da filiação; 2.2.1. Evolução conceitual; 2.2.2. Da filiação biológica; 2.2.3. Da
filiação socioafetiva; 2.2.4. Da posse do estado de filho; 2.3. Da multiparentalidade;
2.3.1. Conceito e aspectos gerais; 2.3.2. Cumulação da paternidade socioafetiva e
biológica no registro de nascimento; 2.4. Efeitos legais decorrentes do
reconhecimento da multiparentalidade; 2.4.1 O direito a alimentos; 2.4.2 O direito a
convivência; 2.4.3 O direito sucessório; 2.4.4 Do direito ao nome patronímico;
3. Conclusão; Referências bibliográficas.
2

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo o estudo da possibilidade de


cumulação da paternidade socioafetiva e da paternidade biológica no registro civil.
Com ênfase no instituto da afetividade, serão analisados os aspectos que tornam
este um dos principais critérios para o reconhecimento da paternidade.
Acerca do referido tema, é fundamental, primeiramente, trazer os conceitos
de algumas questões que norteiam o aspecto principal do trabalho, pretendendo
trazer clareza para o leitor em relação ao cenário em que este tema se encontra
inserido.
Assim sendo, é de suma importância adentrar no âmbito dos princípios que
norteiam o Direito de Família, uma vez que tais princípios são a base para a
constituição dos direitos do indivíduo. Serão abordados neste trabalho os princípios
entendidos como essenciais ao Direito de Família, nos quais se basearão todas as
decisões acerca do tema.
Antes de adentrar no tema principal do trabalho, é importante analisar a
evolução do conceito de filiação, onde será demonstrado que o termo filiação vinha
acompanhado de enorme discriminação, uma vez que só eram considerados filhos
aqueles constituídos dentro de um casamento, portanto, os filhos gerados fora da
relação não eram reconhecidos e sequer tinham seus direitos observados. Com o
passar do tempo e a evolução da sociedade, atualmente não é permitido que haja
qualquer discriminação entre filhos e o conceito de filiação sofreu ampliações.
Na sequência, foram abordadas as características das filiações biológicas e
socioafetivas, frisando o fato de que atualmente, o afeto se tornou o principal fator
de definição da paternidade.
Em seguida, adentramos no tema principal deste trabalho, que é a
multiparentalidade, conceituando-a e demonstrando seus aspectos gerais, além de
esclarecer sobre o cabimento da cumulação da dupla paternidade no registro civil,
sem que uma exista em detrimento da outra e apresentando alguns dos principais
efeitos legais decorrentes de seu conhecimento.
O presente trabalho, portanto, é resultado de uma pesquisa bibliográfica e
jurisprudencial que pretende esclarecer a ideia da Multiparentalidade e demonstrar
que essa só tende a trazer benefícios na vida da criança e/ou adolescente, trazendo
3

entendimentos doutrinários e jurisprudências referentes aos casos em tela e para tal


foi utilizado o método descritivo de pesquisa.

2.DESENVOLVIMENTO

2.1 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA

2.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

Este é um dos princípios fundamentais encontrados na Constituição Federal.


Ele está previsto no inciso III, do 1º artigo da Constituição Federal de 1988, que
dispõe:
Art. 1º, CF - A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana;1

A dignidade da pessoa humana pode ser descrita como o valor supremo a ser
buscado pela Carta Magna e por todo o sistema normativo, e como sendo um
princípio primordial do qual sucedem todos os outros direitos fundamentais. Sendo
assim, é possível perceber que este é de extrema importância para a proteção do
indivíduo, visto que vai contra discriminação de qualquer natureza, seja de raça, cor,
etnia, classe social, religião, entre outros.
É neste princípio que se constitui um dos cruciais alicerces argumentativos
para proteger os vários tipos de relações no âmbito familiar, necessitando ter a sua
escolha respeitada, sendo obrigação do Estado lhes assegurar a devida assistência.

2.1.2 Princípio da pluralidade familiar

Durante anos, apenas o casamento era reconhecido como modo de constituir


família, entretanto, esse exclusivismo teve fim com o surgimento da Carta Magna de
1
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art 1º. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 jan. 2020.
4

1988, quando em seu artigo 226 consagrou o princípio em questão, demonstrando


as probabilidades de constituir família, entre essas, o casamento, a união estável e
as famílias monoparentais. Entretanto, vale atentar-se para uma importante questão,
o artigo referido acima não deve ser visto como um rol taxativo e sim exemplificativo.
Haja vista as inúmeras transformações vivenciadas pela sociedade, aquela
ideia de família tradicional foi sendo abandonada na medida em que novos tipos de
família foram surgindo.

É da Constituição da República que se extrai o sustentáculo para a


aplicabilidade do princípio da pluralidade de família, uma vez que, em seu
preâmbulo, além de instituir o Estado Democrático de Direito, estabelece
que deve ser assegurado o exercício dos direitos sociais e individuais, bem
como a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores
supremos da sociedade. Sobretudo da garantia da liberdade e da igualdade,
sustentadas pelo macroprincípio da dignidade, é que se extrai a aceitação
da família plural, que vai além daquelas previstas constitucionalmente e,
principalmente, diante da falta de previsão legal. 2

Atualmente, existem diversos arranjos familiares na sociedade, podendo ser


constituídas, entre outras, por:

• Casamento;
• União estável;
• Monoparental (formada pelo(a) filho(a) e apenas um dos pais);
• Mosaico, multiparental, recomposta ou pluriparental (composta por
membros provenientes de outras famílias);
• Parental ou anaparental (todos possuem vínculo sanguíneo);
• Eudemonista (união de indivíduos por afinidade);
• Homoafetiva;
• Homoparentalidade (família homoafetiva com a adoção de filhos);

Sendo assim, fica claro que a família, como pilar da sociedade, deve ser
protegida, independente de como se deu a sua origem, logo, a proteção decorrente
do ordenamento jurídico se estende integralmente a qualquer grupo familiar
existente.

2PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2.ed. São
Paulo: Saraiva, 2012, p.194-195.
5

Isto posto, fica claro que “liberdade” é a palavra que norteia tal princípio, visto
que seu objetivo fundamental é assegurar às famílias a livre capacidade de se
constituir.

2.1.3 Princípio da afetividade

Este é considerado um dos princípios norteadores, imprescindível para a


constituição do vínculo familiar na sociedade. Durante muito tempo, o afeto não era
tratado como importante para o Direito de Família, tendo em vista que a legislação
era muito rígida e antiquada e a sociedade fundada em preconceitos e julgamentos,
o que tornava quase impossível a comparação entre as relações socioafetivas e as
relações biológicas.
Entretanto, ao longo dos anos e tendo em vista o aumento dos diferentes
arranjos familiares na sociedade, a afetividade foi conquistando um espaço cada vez
maior.
Atualmente, instituto é de extrema importância visto que o afeto é um requisito
fundamental para a constituição da família, sendo os laços afetivos respeitados
igualmente ou até mesmo de forma superior aos laços biológicos.
O princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar, os princípios
constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e
da solidariedade (art. 3º, I), e entrelaça-se com os princípios da convivência
familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que
ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família. 3

2.1.4 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

Visa assegurar que o menor “seja ouvido”, que este tenha seus direitos e
interesses priorizados tanto pela sociedade quanto pelo Estado. Sendo assim, todas
as decisões que forem tomadas pelos pais ou responsáveis em relação à vida do
menor devem ter como parâmetro o seu bem-estar, sendo obrigado o judiciário a
intervir quando necessário, para fazer valer tal princípio
.

3 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.65.
6

Trata-se de princípio orientador tanto para o legislador como para o


aplicador, determinando a primazia das necessidades da criança e do
adolescente como critério de interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou
mesmo para a elaboração de futuras regras.4

Tendo em vista toda essa importância que o menor passou a ter para o
direito, tendo seus direitos e interesses priorizados em relação aos outros membros
da família, a Constituição Federal de 1988 dispõe que:

Art. 227, CF - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à


criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 5

Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 13 de julho


de 1990 veio para reforçar expressamente a proteção ao menor e para garantir seus
direitos. Tal Estatuto foi um avanço na forma como a criança é vista na sociedade,
uma vez que ela deixou de ser apenas aquela que se submete às vontades alheias
e passou a ter seu processo de crescimento e formação devidamente respeitados e
passando a ter a devida importância.

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente


representa importante mudança de eixo nas relações paterno-materno-
filiais, em que o filho deixa de ser considerado objeto para ser alçado a
sujeito de direito, ou seja, a pessoa humana merecedora de tutela do
ordenamento jurídico, mas com absoluta prioridade comparativamente aos
demais integrantes da família de que ele participa. Cuida-se, assim, de
reparar um grave equívoco na história da civilização humana em que o
menor era relegado a plano inferior, ao não titularizar ou exercer qualquer
função na família e na sociedade, ao menos para o direito. 6

4 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e do Adolescente:
aspectos teóricos e práticos. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p.77.
5 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigo 227. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 15 jan. 2020.


6
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de Direito de Família: guarda
compartilhada à luz da Lei 11.698/08, família, criança, adolescente e idoso. 1º ed. São Paulo: Atlas.
2008, p.80.
7

Ademais, cumpre ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente é


totalmente baseado no amparo absoluto, uma vez que as crianças se encontram em
situação vulnerável e frágil, gerando assim tal benefício dessa proteção específica.

2.1.5 Princípio da igualdade de filiação

Vale recordar que por um longo tempo os filhos eram diferenciados tendo em
vista o estado civil de seus pais. Se um filho fosse concebido fora do casamento, ele
era considerado “ilegítimo”, muitas vezes fruto de um adultério, logo, não possuía os
mesmos direitos que um filho gerado dentro de um casamento, o chamado filho
“legítimo”. Não havia qualquer igualdade entre eles, apenas discriminação.

Ao lado da família “legítima” há a família constituída informalmente, e


ambas merecem a mesma proteção. A família mencionada no art. 226 da
Constituição em vigor deve ser entendida no sentido amplo, num plano de
igualdade, sem discriminações, sem qualificações, sem designações
depreciativas.7

Após a Constituição Federal de 1988, a discriminação existente acerca da


filiação foi parcialmente afastada, não ocorrendo mais o tratamento distinto em
relação aos direitos e no âmbito patrimonial para os filhos concebidos fora do
casamento. O avanço é notável no que se refere aos filhos biológicos e adotivos.

Com base nesse princípio da igualdade jurídica de todos os filhos,


não se faz distinção entre filho matrimonial, não-matrimonial ou adotivo
quanto ao poder familiar, nome e sucessão; permite – se o reconhecimento
de filhos extramatrimoniais e proíbe – se que se revele no assento de
nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade. 8

Atualmente, é claro perceber que a sociedade obteve um progresso relevante,


tendo em vista a força do princípio da afetividade e da dignidade da pessoa humana.
Em razão disso, o princípio da igualdade de filiação, que antes tratava apenas de
filhos biológicos concebidos dentro ou fora do casamento e de filhos adotivos, hoje
abrange também os filhos socioafetivos.

7VELOSO, Zeno. Direito Brasileiro da Filiação e Paternidade. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.86.
8
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 23.ed. São Paulo: Saraiva,
2008, p.27.
8

A incidência da isonomia entre os filhos produzirá efeitos no plano


patrimonial e no campo existencial. Com isso, pondo fim às discriminações
impostas aos filhos adotivos, a igualdade assegura que um filho tenha o
mesmo direito hereditário do outro. Ou seja, não há mais a possibilidade de
imprimir tratamento diferenciado aos filhos em razão de sua origem (se
biológica ou afetiva). Outrossim, nem sequer são admitidas qualificações
indevidas dos filhos, não mais sendo possível juridicamente atribuir a um
filho a designação de adulterino ou incestuoso.9

2.2 DA FILIAÇÃO

2.2.1 Evolução conceitual

A filiação veio ao longo da história sofrendo alterações em seu conceito, o


que tornou sua definição mais abrangente.

Filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre duas


pessoas, uma das quais nascida da outra, ou adotada, ou vinculada
mediante posse de estado de filiação ou por concepção derivada de
inseminação artificial heteróloga.10

Antigamente, a família tinha particularidades incontestáveis, sendo idealizada


em um ambiente completamente patriarcal, onde o homem tomava todas as
decisões em relação à todos os membros daquela família e o que fosse estabelecido
por este, era indiscutível. Não era dada a devida importância aos interesses e
vontades da criança e sequer existia uma lei que protegesse os seus interesses.

Nessa linha evolutiva, a modificação do papel familiar na vida


sentimental dos séculos XVI a XIX, desde a família medieval até a moderna
e das atitudes com as crianças contribuíram para as mudanças operadas no
direito de filiação, especialmente com a superação do modelo patriarcal,
fundada no critério biológico ou por imposição legal, para cumprimento de
suas funções tradicionais, especialmente a sucessão dos bens. 11

9
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: famílias. 4. ed. rev.,
ampl. e atual. Bahia: Jus Podivm, v. 6, 2012, p.133.
10
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.199.
11
SANCHES, Helen Crystine Corrêa; VERONESE, Josiane Rose Petry. Dos filhos de criação à
filiação socioafetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p.67.
9

Além disso, existia uma forte discriminação em relação aos filhos que eram
concebidos fora do casamento, eram chamados de ilegítimos e estes não possuíam
os mesmos direitos que os filhos “legítimos”, uma vez que aquele que era filho
“ilegítimo” não tinha direito ao reconhecimento da paternidade, à proteção, ao
patrimônio e muito menos ao amor daquele “pai”.

A norma retrata verdadeira mudança de paradigmas, envolvente da

concepção de família. A desigualdade entre filhos, particularmente entre


filhos legítimos, ilegítimos e adotivos, era a outra e dura face da família
patriarcal que perdurou no direito brasileiro até praticamente os umbrais da
Constituição de 1988, estruturada no casamento, na hierarquia, no chefe de
família, na redução do papel da mulher, nos filhos legítimos, nas funções de
procriação e de unidade econômica e religiosa. A repulsa aos filhos
ilegítimos e a condição subalterna dos filhos adotivos decorriam dessa
concepção.12

A sociedade foi evoluindo com o passar do tempo e junto com o surgimento


da Constituição Federal de 1988 veio o fim da distinção de filiação.

Somente com a normatividade garantista da Constituição-Cidadã de


1988 é que foi acolhida a isonomia no tratamento jurídico entre os filhos.
Aliás, preceito oriundo da própria Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, apelidada de Pacto de San José da Costa Rica, que já prescrevia
dever cada ordenamento ‘reconhecer direitos aos filhos nascidos fora do
casamento como aos nascidos dentro dele.13

A partir daquele momento, todos os filhos passaram a ter os mesmos direitos,


não importando a circunstância em que foram concebidos, se chegaram por meio de
adoção ou através do vínculo afetivo. O princípio da igualdade de filiação proibiu que
houvesse qualquer tipo de hierarquia entre eles, o que gerou uma enorme
transformação no âmbito do direito de família, tendo em vista que o judiciário passou
a coibir qualquer tipo de discriminação desse gênero.

Essa nova concepção da filiação impõe uma nova arquitetura ao


instituto, que passa a ser compreendido como instrumento garantidor do
desenvolvimento da personalidade humana. Os filhos não podem sofrer

12
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.200.
13
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008, p.479.
10

diferentes efeitos em razão de terem nascido de uma relação matrimonial,


ou não. Promoveu-se, dessa maneira, uma total desvinculação, um
desatrelamento completo, entre a filiação e o tipo de relação familiar
mantida pelos genitores (ou mesmo não mantida por eles).14

No momento atual, o afeto se transformou no pilar das relações familiares,


sendo assim, além do laço sanguíneo e do fato da adoção, o vínculo afetivo passou
a ser respeitado como meio de constituir relações familiares.

2.2.2 Da filiação biológica

Esta é a primeira que vem em nossa memória quando pensamos na relação


entre pais e filhos. Afinal, é a forma mais comum de ter filhos, desde o início dos
tempos. A filiação biológica é determinada pelo vínculo sanguíneo entre pais e filhos.
Este tipo de filiação pode se dar através da forma natural ou das variadas formas de
reprodução assistida.
A forma natural de concepção é aquela proveniente da relação sexual entre
os pais. Sendo assim, pode-se afirmar que a filiação biológica por meio natural:

É aquela que envolve uma relação sexual entre um homem e uma


mulher com a consequente concepção, pouco importando a sua origem: se
ocorreu dentro do matrimônio, ou fora do matrimônio, ou entre noivos ou
namorados, ou entre meros “ficantes” (termo contemporaneamente utilizado
que significa aqueles que, ocasional e descompromissadamente, decidiram
ter momentos de intimidade sexual), dos quais resultaram a gravidez e o
consequente nascimento de uma criança. 15

Já a reprodução assistida é um complexo de procedimentos, aplicados por


médicos que são capacitados e especializados, tendo como finalidade primordial
possibilitar a gravidez em mulheres que possuem dificuldades de engravidar por
meio natural.

As principais técnicas de reprodução assistida podem ser divididas


em grupos: a inseminação artificial homologa ou heteróloga [...] Na

14
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010, p.538.
15
FUJITA, Jorge Siguemitsu. Filiação. 2. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2011, p. 63.
11

inseminação artificial, técnica mais simples e antiga, na qual a fecundação


se dá dentro do corpo da mulher, temos técnicas de reprodução assistida
homologa e heteróloga. A reprodução assistida homóloga é aquela na qual
o material genético empregado é proveniente do casal interessado na
reprodução. Já a reprodução assistida heteróloga é aquela na qual há a
impossibilidade de utilizar o seu material genético, e nesse caso é
necessária a utilização de gametas de terceiros (doadores) para que ocorra
a reprodução. 16

Este vínculo sanguíneo pode ser comprovado através do Exame de DNA, que
possui um grau de confiabilidade bem alto, 99,9% de certeza. Este exame contribui
tanto para o Direito de Família, que o STJ em sua Súmula nº 301 dispõe que:

Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao


exame de. DNA induz presunção juris tantum de paternidade. 17

Entretanto, cabe ressaltar que o Exame de DNA apenas determina a


existência da relação sanguínea, não devendo ser utilizado como critério isolado no
momento de definir uma paternidade, uma vez que os termos “pai” e “genitor” podem
coexistir no mesmo indivíduo, mas não são sinônimos, visto que genitor é aquele
que fornece o material genético, enquanto pai é aquele que detém a filiação.

Esse exame (de DNA) revela o verdadeiro genitor, o qual nem


sempre se confunde com a figura do verdadeiro pai, visto que este está
ligado pelos laços de afeto, mas não necessariamente pelos laços
sanguíneos. 18

16 PINTO, Carlos Alberto Ferreira. Reprodução assistida: inseminação artificial homologa post mortem
e o direito sucessório. Disponível em: <https://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/879805>.
Acesso em: 15 fev. 2020.
17 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 301. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_23_capSumula
301.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2020.
18 CANEZIN, Claudete Carvalho; EIDT, Frederico Fernando. Filiação socioafetiva: um passo do direito

ao encontro com a realidade. Manaus: Revista Síntese Direito de Família, 2012, p.13.
12

2.2.3 Da filiação socioafetiva

Tendo em vista a evolução que ocorreu no Direito de Família, resta claro que
não se pode mais estabelecer a filiação tendo como pilar apenas o vínculo
sanguíneo, uma vez que o afeto é a base de qualquer relação familiar.
A filiação socioafetiva não deriva do elo biológico e sim do afeto e da convivência
familiar. É resultado do respeito mútuo, da vontade e do amor desenvolvido ao com
o passar do tempo, no dia a dia, baseando-se no afeto, pouco importando se há um
elo sanguíneo.

Uma das mais relevantes consequências do princípio da afetividade


encontra-se na juridicização da paternidade socioafetiva, que abrange os
filhos de criação. Isto porque o que garante o cumprimento das funções
parentais não é a similaridade genética ou a derivação sanguínea, mas,
sim, o cuidado e o desvelo dedicados aos filhos.19

Sendo assim, a filiação era fundamentada em um vínculo biológico e


exclusivo, de modo que todos os demais tipos parentalidade não eram admitidos e
respeitados, logo, quem não se encaixava no vínculo biológico não recebia a mesma
proteção pelo ordenamento jurídico.
Esse cenário começou a mudar e a filiação socioafetiva começou a conquistar
espaço quando a Constituição Federal de 1988 passou a admitir famílias diferentes
daquelas aceitas até o antigo Código, criando chance para o início da
regulamentação das novas famílias geradas por elo afetivo, em que não há a
necessidade da presença de laços sanguíneos. Neste sentido, a família socioafetiva
começou a ganhar forças no Direito de Família por meio das doutrinas e
jurisprudências, uma vez que o Código Civil de 2015 em seu art. 1.593 dispõe que:

O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade


ou outra origem.20

Quando se usa o termo “outra origem”, há uma abertura para que a filiação
socioafetiva seja reconhecida, fundamentada na posse do estado de filho,
equiparando-a com a filiação biológica na definição da parentalidade.

19
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de
família. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 215.
20
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil 2002. Artigo 1.593. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 19 fev. 2020.
13

Assim compreende o Superior Tribunal de Justiça:

A filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da


CF/88, envolve não apenas a adoção, como também, parentescos de outra
origem‟, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles
decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a
contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural. 21

Fato é que o número de famílias “recompostas” vem aumentando


consideravelmente e o vínculo afetivo vem adquirindo uma importância cada vez
maior no âmbito do Direito da Família, não sendo suficiente apenas o vínculo
biológico isolado para a definição da paternidade. É imprescindível que haja afeto na
relação entre pais e filhos, tendo em vista que a paternidade e a maternidade são
mais do que um simples elo sanguíneo, devendo haver o cuidado, o amor e a
dedicação ao filho.

Nunca foi tão fácil descobrir a verdade biológica, mas essa verdade
tem pouca valia frente à verdade afetiva. Tanto assim que se estabeleceu a
diferença entre pai e genitor. Pai é o que cria e dá amor, e genitor é
somente o que gera. Se durante muito tempo por presunção legal ou por
falta e conhecimentos científicos confundiam-se essas duas figuras, hoje é
possível identificá-las em pessoas distintas.22

2.2.4 Da posse de estado de filho

Tal instituto nada mais é do que alguém usufruir do status de filho em relação
à outra pessoa, independente do vínculo sanguíneo ou da realidade legal. Neste
caso, fica caracterizada a posse de estado de filho uma vez que estiverem
presentes, concomitantemente, os seus requisitos básicos, sendo eles: o trato, fama
e o nome.

[...] quando há tractatus (comportamento dos parentes aparentes: a


pessoa é tratada pelos pais ostensivamente como filha, e esta trata aqueles

21 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. REsp 1000356 SP. Terceira Turma.
Recorrente: N V DI G E S. Recorrido: C F V. Relator: Min. Nancy Andrighi. São Paulo, 25 de maio de
2010. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14318607/recurso-especial-resp-
1000356-sp-2007-0252697-5>. Acesso em: 19 fev. 2020.
22
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009, p.331.
14

como seus pais), nomen (a pessoa porta o nome de família dos pais) e
fama (imagem social ou reputação: a pessoa é reconhecida como filha pela
família e pela comunidade; ou as autoridades assim a consideram). Essas
características não necessitam estar presentes, conjuntamente, pois não há
exigência legal nesse sentido e o estado de filiação deve ser favorecido em
caso de dúvida. 23

Em relação ao tractatio, requisito imprescindível, para que este seja


caracterizado é necessário provar que o pai concedia ao filho tratamento como se
filho fosse. E que o filho considera o referido pai como sendo realmente o seu pai.

A reputação e o tratamento de filho dependem da personalidade de


cada pessoa, do seu temperamento e caráter, da sua categoria e condição
social, situação econômica e familiar, grau de instrução e hábitos, isso
porque se pode chamar alguém de filho, sem lhe dar, entretanto, o
tratamento de filho. (…) o tratamento de filho é (des)velado através de duas
condutas: a primeira pelos atos de proteção e amparo econômico (sustento,
vestuário, educação); a segunda, pela afetividade por parte dos pretensos
pais (carinho, ternura, desvelo, amor, respeito). 24

A fama é como o mundo exterior vê a relação entre os envolvidos. É quando a


sociedade reconhece esse vínculo como verdadeiramente de pai e filho. Quando o
tratamento é algo notório na sociedade, não bastando haver boatos sobre tal
familiaridade, a comunidade ao redor do suposto pai e pretenso filho deve crer que
estes são de fato pai e filho.
Já o nome seria a utilização do nome da família. Entretanto, diferente do trato
e da fama, o elemento nome, não tem muita relevância na caracterização da posse
de estado de filho, podendo esta ser definida sem o uso do nome do pretenso pai
pelo suposto filho.
A jurisprudência atual ratifica tal entendimento, como se vê no acórdão
proferido na Apelação Cível APC: 20150510068078, pela colenda 1ª Turma Cível do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que possuía o propósito de modificar a
admitida existência de paternidade socioafetiva, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO


DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTEM. INVESTIGAÇÃO DE
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. FILHA DE CRIAÇÃO.

23
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.217.
24
SANTOS, Eduardo dos. Direito de Família. Coimbra: Almedina, 1999. p.459-460.
15

EXISTÊNCIA DE PAI E MÃE REGISTRAL/BIOLÓGICO. POSSE DO


ESTADO DE FILHO. EXISTÊNCIA. NATURAL TRATAMENTO DA AUTORA
COMO FILHA. APELAÇÃO CONHECIDA E NÃO PROVIDA. SENTENÇA
MANTIDA. 1. Pretende a parte apelante a modificação da r. sentença da
instância a quo para que se reforme a declaração da existência de
paternidade socioafetiva entre a apelada e os falecidos genitores dos
apelantes, e determinação de supressão da paternidade biológica e
registral, bem como a alteração do nome da apelada para contemplar o
patronímico dos pretendidos pais afetivos, com o que poderia habilitar-se
como herdeira dos de cujus; 2. Diz respeito a quaestio juris aqui debatida à
chamada paternidade socioafetiva, conceito relativamente recente na
doutrina e jurisprudência pátrias, segundo o qual, apartando-se da filiação
meramente biológica ou natural, e mesmo da filiação civil, pela adoção
regular, tem-se o desenvolvimento da relação parental de filiação pelos
laços afetivos que se podem estabelecer entre pessoas que, entre si e
socialmente, se apresentem e se comportem como pai/mãe e filho; 3. A
jurisprudência, mormente na Corte Superior de Justiça, já consagrou o
entendimento quanto à plena possibilidade e validade do estabelecimento
de paternidade/maternidade socioafetiva. 4. A consagração da chamada
paternidade socioafetiva, na doutrina e na jurisprudência, não pode
representar a transformação do afeto e do amor desinteressado em
fundamento para a banalização da relação parental de filiação não
biológica, porque a efetiva existência desta, antes de tudo, há de decorrer
de um ato de vontade, de uma manifesta intenção de estabelecimento da
paternidade ancorada na densidade do sentimento de afeição e de amor
pelo outro ente humano.[...] 6. “A posse do estado de filho, condição que
caracteriza a filiação socioafetiva, reclama, para o seu reconhecimento, de
sólida comprovação que a distinga de outras situações de mero auxilio
econômico, ou mesmo psicológico. Rolf Madaleno cita o nomen, a tractacio
e a fama como fatores caracterizadores da posse do estado de filho” (REsp
1189663/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 06/09/2011, DJe 15/09/2011); 7. O que se comprovou nos autos foi o
laço sentimental socioafetivo entre a apelada e os de cujus de forma
declarada e pública. Segundo se extrai dos depoimentos das testemunhas,
a apelada era tratada publicamente como filha de casal, e os chamava de
mãe e pai. É dizer que havia, quer na relação privada, quer socialmente, a
caracterização de uma verdadeira relação paterno-filial; 8. Recurso
conhecido e não provido. Sentença mantida integralmente. 25

25
DISTRITO FEDERAL. Apelação Cível: 20150510068078. Rel. Romulo de Araújo. Julgamento em
02 set. 2015. Publicação em 11 set. 2015. Disponível em:
16

2.3 DA MULTIPARENTALIDADE

2.3.1 Conceito e noções gerais

Conforme demonstrado ao longo deste trabalho, o Direito de Família teve


uma enorme evolução nos últimos anos, trazendo uma nova perspectiva no que diz
respeito à família, maternidade, paternidade e filiação, que atualmente são
embasados no afeto, no melhor interesse da criança e na dignidade da pessoa
humana.
Em razão disso, vem crescendo o número de famílias recompostas e assim,
os casos de multiparentalidade têm sido mais frequentes, mesmo quando os
genitores biológicos são presentes na vida dos filhos e exercem tal função.

A multiparentalidade é um avanço do Direito de Família, tendo em vista que


efetiva o princípio da dignidade da pessoa humana de todas as pessoas
envolvidas, demonstrando que a afetividade é a principal razão do
desenvolvimento psicológico, físico e emocional.26

Esse instituto consiste na existência de dois ou mais pais ou mães. Onde o


vínculo biológico e o vínculo afetivo coexistem, não podendo ser excludentes e sim
complementares, pois ambos são de extrema importância na vida do menor.
É nesse cenário que se encaixam os novos tipos de constituição familiar,
incluindo a filiação socioafetiva e o instituto da multiparentalidade, uma vez que a
família deixou de ter caráter patriarcal, se tornando um lugar de afeto que objetiva
preservar a felicidade e dignidade de seus integrantes, tendo como responsabilidade
o desenvolvimento dos indivíduos, razão pela qual a família é a base da sociedade.

<https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/231587105/apelacao-civel-apc-20150510068078>.
Acesso em: 20 fev. 2020.
26
SHIKICIMA, Nelson Sussumu. Sucessão dos ascendentes na multiparentalidade - Uma lacuna a
ser preenchida. Revista ESA. Formatos Familiares Contemporâneos, 2014, p.73.
17

2.3.2 Cumulação da paternidade socioafetiva e biológica no registro de


nascimento

A Lei 11.924/2009 alterou a Lei de Registros Públicos e possibilitou a inserção


do sobrenome do padrasto ou da madrasta ao nome do enteado, reconhecendo
nitidamente a socioafetividade e, assim, a multiparentalidade.

Art. 1° Esta Lei modifica a Lei n° 6.015, de 31 de dezembro de 1973 –


Lei de Registros Públicos, para autorizar o enteado ou a enteada a adotar o
nome de família do padrasto ou da madrasta, em todo o território nacional. 27

A multiparentalidade é um meio de legitimar no âmbito jurídico o que acontece


no dia a dia. A ideia é incluir o nome do pai ou mãe socioafetivos no registro de
nascimento do menor e manter o nome dos pais biológicos.
Cada caso concreto deverá ser analisado de acordo com suas
especificidades, pois da mesma forma que o pai biológico que exerce sua função na
vida do filho teria sua dignidade violada se houvesse a exclusão de seu nome do
registro de nascimento, a dignidade do pai afetivo também seria ferida caso a ele
não fosse permitido o direito de incluir seu nome na certidão do filho, uma vez que
não estaria sendo apreciado todo o afeto e zelo dedicado ao seu filho.

A multiparentalidade, ou seja, a dupla maternidade/paternidade tornou-se


uma realidade jurídica, impulsionada pela dinâmica da vida e pela com-
preensão de que paternidade e maternidade são funções exercidas. a força
dos fatos e dos costumes como uma das mais importantes fontes do Direito,
que autoriza esta nova categoria jurídica. Daí o desenvolvimento da teoria
da paternidade socioafetiva que, se não coincide com a paternidade
biológica e registral, pode se somar a ela.28

Sendo assim, é correto afirmar que o registro de nascimento da criança ou


adolescente deve ser um meio de demonstrar a realidade por ele vivida em seu
cotidiano.
A Lei 11.924/2009 viabiliza a inclusão do nome do padrasto ou madrasta no
registro de nascimento do enteado ou enteada por via judicial, entretanto, é possível
que esta inclusão seja realizada por via extrajudicial através do reconhecimento
voluntário da filiação socioafetiva em cartório.
27 BRASIL. Lei n. 11.924, de 17 de abril de 2009. Artigo 1º. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11924.htm>. Acesso em: 20 mar. 2020.
28 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de Direito de Família e Sucessões Ilustrado. São Paulo:

Saraiva, 2014, p.471.


18

O Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento de n° 83, em 14 de


agosto de 2019, que modificou significativamente o Provimento nº 63 no que diz
respeito aos critérios para o reconhecimento extrajudicial socioafetivo.
De acordo com o novo provimento, o registro da filiação socioafetiva pela via
extrajudicial só poderá ser realizado nos casos em que o filho possua mais de 12
anos e esteja de acordo com tal ato, restando aos menores de 12 anos a
possibilidade apenas da via judicial.
Outra mudança significativa foi a de que agora somente poderá ser realizada
a inclusão via extrajudicial de um ascendente socioafetivo. Nos casos em que há o
desejo de inclusão de mais de um ascendente socioafetivo, esta deverá ser
requerida por via judicial.
Além disso, atualmente o solicitante deverá comprovar a existência do vínculo
afetivo da paternidade ou maternidade socioafetiva e não mais somente apresentar
a declaração dos interessados, como era previsto antes.
Art. 10-A. A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e
deve estar exteriorizada socialmente.
[...]
§ 2º O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito
admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar
como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em
plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem
na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou
união estável – com o ascendente biológico; inscrição como dependente do
requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações
relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida. 29

Posto isso, visto que já existe a possibilidade da inclusão do sobrenome do


padrasto e/ou da madrasta ao nome do enteado, por via judicial ou por via
extrajudicial, não há empecilho para que a multiparentalidade seja regularizada no
registro de nascimento, uma vez que, sendo da vontade do filho, este será o maior
beneficiado.

Na realidade, a alteração do registro, com a inclusão, no caso de


multiparentalidade, de todos os pais e mães no registro, só traz benefícios
aos filhos, auferindo-lhes, de forma incontestável e independentemente de

29BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento 83. Disponível em:


<https://atos.cnj.jus.br/files/provimento/provimento_83_14082019_15082019095759.pdf>.
Acesso em: 23 fev. 2020.
19

qualquer outra prova (pela presunção que o registro traz em si) todos os
direitos decorrentes da relação parental.30

2.4 Efeitos legais decorrentes do reconhecimento da multiparentalidade

O Instituto Brasileiro de Direito de Família prevê em seu Enunciado de n° 9


que: “A multiparentalidade gera efeitos jurídicos.”31 Portanto, caso a
multiparentalidade seja reconhecida, por via judicial ou extrajudicial, novos
elementos devem ser observados, tais como guarda, visitas, alimentos, filiação,
nome e herança.

Direito aos alimentos, à guarda e visitas dos filhos menores, de participar


da sucessão, de modificar o nome e receber novos avós no registro civil, de
exercer o poder familiar, de receber benefícios previdenciários, de ser
inelegível, dentre outros.32

2.4.1 Do direito a alimentos

Cabe ressaltar que o art. 227 da Carta Magna de 1988 estabelece que é
dever, primeiramente da família, assegurar aos filhos o direito à vida, saúde,
educação, alimentação e todos os demais direitos que pertencem aos cidadãos.
Ademais, o art. 1.694 do Código Civil dispõe sobre o pedido de alimentos.

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos


outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com
a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua
educação.33
Portanto, uma vez reconhecido o vínculo socioafetivo, os dispositivos
mencionados acima são perfeitamente aplicáveis ao pais socioafetivos, tendo em
vista que não deve existir distinção de paternidade, logo, todos serão responsáveis

30 PÓVOAS, Mauricio Cavallazzi. Multiparentalidade: a possibilidade de múltipla filiação registral e


seus efeitos. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p.91. n
31 IBDFAM, Instituto Brasileiro de Direito de Família. Enunciado n°9. Disponível em:

<http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam>. Acesso em: 23 fev. 2020.


32 CASSETTARI, CHRISTIANO. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 2015, p.235.


33 BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil 2002. Artigo 1.694. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 23 fev. 2020.


20

de forma igual pelo desenvolvimento, custeio e suporte do filho, obviamente


observando à capacidade econômica de cada um.

Já existem decisões que corroboram com o entendimento de que existe a


obrigação de alimentos no que diz respeito ao parentesco socioafetivo reconhecido.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS. PEDIDO DE EXONERAÇÃO.


TRAMITAÇAO PARALELA DE AÇÃO PARA DESCONSTITUIÇÃO DE
VÍNCULO DE PARENTALIDADE.
1. Em que pese o resultado do exame de DNA confirmando a alegação de que
não é o pai biológico da alimentanda, na atualidade a relação de parentalidade
se funda também na relação socioafetiva, cuja eventual configuração está
sendo averiguada em ação própria.
2. Enquanto persistir, no plano jurídico, o vínculo de parentesco entre o
agravante e a agravada impossível exonerá-lo da obrigação alimentar sob o
fundamento de que não é o pai da menina.
NEGARAM PROVIMENTO, À UNANIMIDADE.34

Vale destacar que essa obrigação não será imposta para qualquer padrasto
ou madrasta cujo enteado resida no mesmo local. O fato destes serem casados com
os ascendentes biológicos não os torna responsáveis pela prestação de alimentos,
uma vez que essa é uma obrigação dos pais, e na falta deles, de outros parentes.
Apenas será caracterizada a obrigação de prestar alimentos àqueles que realmente
exercerem função de pais, no caso em que a multiparentalidade foi reconhecida e o
nome consta no registro de nascimento da criança ou na hipótese em que a posse
do estado de filho está caracterizada.

2.4.2 Do direito a convivência

Em relação à guarda, é importante salientar que o seu propósito é resguardar


o melhor interesse da criança ou adolescente, verificando o que será mais adequado
para que esta tenha um bom desenvolvimento.

Tendo em vista que a guarda é proveniente da parentalidade, esta pode ser


desempenhada tanto pelos pais biológicos como pelos pais afetivos, sendo assim,
ambos podem pleiteá-la.

34BRASIL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento. AI-AgR 70021582382/RS. Sétima Câmara


Cível. Agravante: G V S. Agravado: J C S. Relator: Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. Rio
Grande do Sul, 05 de dezembro de 2007. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 25 fev. 2020.
21

Em um eventual litígio envolvendo o pai biológico e o pai afetivo, existem


jurisprudências que estão sendo adotadas como meio de resolução de conflitos
entre a filiação biológica x socioafetiva. O Estatuto da Criança e do Adolescente
dispõe em seu art. 3° que:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais


inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade.35

Portanto, fica claro que todas as decisões no que diz respeito à guarda
deverão ser pautadas no melhor interesse da criança, decisões estas que
necessitam de estudos a serem realizados por uma equipe multidisciplinar, uma vez
que vários aspectos precisam ser levados em consideração. Atualmente são cada
vez mais comuns decisões que utilizam como critérios decisivos a afetividade e a
afinidade, como constata-se na decisão a seguir:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE


REGISTRO C/C GUARDA. MENOR ENTREGUE PELA MÃE BIOLÓGICA A
SUSPOSTO PAI. REGISTRO EM NOME DE AMBOS. AUTOR QUE
AVOCA PARA SI A PATERNIDADE. EXAME DE DNA CONCLUSIVO-1.
Apelação cível – ação de investigação de paternidade c/c anulação de
registro c/c guarda – menor entregue pela mãe biológica a suposto pai –
registro em nome de ambos – autor que avoca para si paternidade – exame
de dna conclusivo – acerca de sua paternidade – caso peculiar – menor que
já conta com mais de três anos – inércia do pai biológico na tomada de
medidas de urgência para tomada da criança – contribuição decisiva para
consolidação dos laços afetivos – estudo social indicando as dificuldades
que a modificação da situação acarretará à menor – paternidade
socioafetividade – princípios da proporcionalidade e da razoabilidade –
mantença da guarda com o casal que vem criando a menor – artigos 6° e 33
do eca – pedido inicial parcialmente procedente – ônus sucumbenciais
modificados – recurso provido. TJSC. Apelação cível. Processo n°

35BRASIL. Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Artigo 3°.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 25 fev. 2020.
22

2005.042066 Apelante: M.A.G. Apelado: J.M. Relator: Des.Sérgio Izidoro


Heil. Ponte Serrada. DP 01/06/2006.36

Caso haja concordância entre os pais, poderá haver a divisão dos encargos,
garantindo a aproximação da criança com todos os seus pais e garantindo uma
ampla participação na vida desta.
Além disso, existe o direito de visita, que está previsto no art. 1.589 do Código
Civil e assegura que:

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá
visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro
cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e
educação.37

Sendo assim, ambos os pais têm direito à visita, não cabendo distinção entre
biológicos e afetivos. O fato é que o pai afetivo do filho da pessoa com quem havia
convivido, não deve cortar os laços formados com a criança, visto que tal ruptura
poderia gerar um efeito negativo na formação da personalidade do menor.

2.4.3Do direito sucessório

Após reconhecida a multiparentalidade, o filho socioafetivo assume a


condição de herdeiro, não havendo qualquer distinção entre o filho afetivo e o
biológico, logo, ambos serão igualmente herdeiros necessários.
Na circunstância em que a criança possua dois pais e uma mãe, esta deverá
ser herdeira de todos eles, visto que o direito de sucessões tem vínculo com a
parentalidade, portanto, o número de pais que a criança possuir será o número de
vezes que ela será herdeira.

Seriam estabelecidas tantas linhas sucessórias quantos fossem os


genitores. Se morresse o pai/mãe afetivo, o menor seria herdeiro em
concorrência com os irmãos, mesmo que unilaterais. Se morresse o pai/mãe
biológico também o menor seria sucessor. Se morresse o menor, seus
genitores seriam herdeiros.38

36 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação cível n° 2005.042066-1. Rel. Des. Sérgio Izidoro
Heil. Disponível em: <http://tjsc.jus.br>. Acesso em 26 fev 2020.
37 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil 2002. Artigo 1.589. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 26 fev. 2020.


38 PÓVOAS, Mauricio Cavallazzi. Multiparentalidade: A possibilidade de múltipla filiação registral e

seus efeitos. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p.98.


23

O Instituto Brasileiro do Direito de Família possui um Enunciado que acaba


por consolidar o entendimento sobre a filiação socioafetiva no direito sucessório.

Enunciado 33 - O reconhecimento da filiação socioafetiva ou da


multiparentalidade gera efeitos jurídicos sucessórios, sendo certo que o filho
faz jus às heranças, assim como os genitores, de forma recíproca, bem
como dos respectivos ascendentes e parentes, tanto por direito próprio
como por representação.39

Sendo assim, fica evidente que, na hipótese em que uma criança possua um
pai biológico e um pai socioafetivo e ambos exercendo a função de pai, esta criança
será herdeira necessária de ambos os pais. Entretanto, há uma complicação no que
diz respeito ao reconhecimento da multiparentalidade, caso esta seja apenas um
meio para tirar proveito patrimonial, isto é, puramente em virtude ao interesse
financeiro.
É que seria possível ao filho socioafetivo buscar a determinação de
sua filiação biológica, apenas, para fins sucessórios, reclamando a herança
de seu genitor, muito embora não mantenha com ele qualquer vinculação,
ou, sequer, aproximação. Ademais, poder-se-ia, com isso, fragilizar o
vínculo socioafetivo estabelecido, permitindo uma busca inexorável do
vínculo biológico. Até porque a concepção familiar que decorre da filiação
não permite escolhas de ordem meramente patrimonial. 40

Portanto, verifica-se que há uma enorme necessidade de avaliação e


pesquisa do caso concreto, a fim de averiguar se estão presentes os elementos
fundamentais para a caracterização da multiparentalidade e se as intenções de
quem está solicitando o reconhecimento são pautadas no vínculo de afeto e
afinidade e não meramente baseadas em questões financeiras.

2.4.4 Do direito ao nome patronímico

O uso do sobrenome paterno faz parte do direito de personalidade da criança,


além de ser o sinal que a identifica na família e na sociedade. O Código Civil

39 IBDFAM, Instituto Brasileiro de Direito de Família. Enunciado n°33. Disponível em:


<http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam>. Acesso em: 26 fev. 2020.
40 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil:

famílias. Volume 6/ Cristiano Chaves de Farias; Nelson Rosenvald. 7 ª ed. rev.


Ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p.
24

estabelece em seu art. 16 que “Toda pessoa tem direito ao nome, nele
compreendidos o prenome e o sobrenome.”41
Sendo assim, uma vez reconhecida a paternidade socioafetiva, a criança
deve receber o nome patronímico em seu registro de nascimento, uma vez que é o
sobrenome que indica o pertencimento de uma pessoa à determinada família.

O nome é um dos direitos mais essenciais da personalidade e goza


de todas essas prerrogativas. Reconhecido como bem jurídico que tutela a
intimidade e permite a individualização da pessoa, merece a proteção do
ordenamento jurídico de forma ampla. Assim, o nome dispõe de um valor
que se insere no conceito de dignidade da pessoa humana. 42

Vale recapitular que a inclusão do nome patronímico no Registro Civil de


Pessoas Naturais poderá ser feita por via judicial, de acordo com a Lei 11.924/2009
ou por via extrajudicial, observando os critérios do Provimento n° 83 editado pelo
Conselho Nacional de Justiça, conforme demonstra decisão a seguir.

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PEDIDO DE INCLUSÃO DO


PATRONÍMICO DO PADRASTO DO AUTOR. SENTENÇA QUE JULGOU
EXTINTO O PROCESSO. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL.
APLICAÇÃO DO ART. 57, § 8º, DA LEI DE REGISTROS PUBLICOS. Na
hipótese dos autos, o autor pediu a retificação de seu registro civil para a
inclusão do patronímico de seu padrasto, por ter sido ele a pessoa que lhe
prestou assistência moral e material desde sua tenra idade. A imutabilidade
do nome e dos apelidos de família não é mais tratada como regra absoluta.
Tanto a lei, expressamente, como a doutrina, buscando atender a outros
interesses sociais mais relevantes, admitem sua alteração em algumas
hipóteses. Assim, a despeito de a Lei de Registros Públicos prever no art.56
que o interessado, somente após a maioridade civil, pode alterar o nome,
desde que não prejudique os apelidos de família, a menoridade, por si só,
não implica em obstáculo à alteração pretendida, desde que plenamente
justificado o motivo da alteração. "O enteado ou a enteada, havendo motivo
ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz
competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de
família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa
concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família" (art. 57, §

41
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil 2002. Artigo 16. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 03 mar. 2020.
42 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais

2011 p. 130.
25

8º, da Lei 6.015/73). O pedido formulado pelo autor é juridicamente


possível.
(TJ-SP - APL: 00051202220118260363 SP 0005120-22.2011.8.26.0363,
Relator: Carlos Alberto Garbi, Data de Julgamento: 18/03/2014, 10ª Câmara
de Direito Privado, Data de Publicação: 19/03/2014) 43

Além disto, no que diz respeito ao reconhecimento da paternidade


socioafetiva, não é permitido fazer anotações nos registros e certidões, a respeito da
origem da filiação, conforme dispõe o art. 5° da Lei 8.560/1992:

Art. 5° No registro de nascimento não se fará qualquer referência à


natureza da filiação, à sua ordem em relação a outros irmãos do mesmo
prenome, exceto gêmeos, ao lugar e cartório do casamento dos pais e ao
estado civil destes.44

Ante o exposto, verifica-se que os efeitos jurídicos gerados através do


reconhecimento da multiparentalidade são equivalentes aos da biparentalidade.
Sendo importante frisar que todas as filiações devem se basear na igualdade entre
os filhos, não devendo permitir interpretações que tenham como objetivo restringir a
aplicação dos direitos e deveres dos pais afetivos.
O estudo em foco evidencia que é possível a cumulação da paternidade
socioafetiva e biológica no registro civil, porém o melhor interesse da criança sempre
deverá ser priorizado, necessitando que uma análise detalhada seja feita em relação
a cada caso concreto, para assim concluir se a multiparentalidade no caso concreto
será benéfica á criança e consequentemente, se haverá ou não o seu
reconhecimento.

43
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Civel 00051202220118260363. Rel. Carlos Alberto
Garbi. Julgamento 18 mar 204. Publicado 19 mar 2014. Disponível em: <www.tjsp.jus.br>. Acesso em
03 mar 2020.
44
BRASIL. Lei 8.560/1992, de 29 de dezembro de 1992. Artigo 5°. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8560.htm>. Acesso em: 03 mar. 2020
26

3.CONCLUSÃO

Após observar os temas tratados no decorrer do referido trabalho,


demonstrou-se que não só existe a possibilidade da cumulação da paternidade
socioafetiva e da paternidade biológica no registro civil, como também deixou claro
que, se o caso concreto for estudado e observado de acordo com as suas
peculiaridades, trazer a multiparentalidade para o caso só tende a ser benéfico para
a criança ou adolescente.
Evidenciou-se que todos os princípios apontados neste trabalho servem como
base para o próprio Direito de Família e para o Instituto da Multiparentalidade, uma
vez que todos esses princípios precisam ser observados a fim de garantir o bem
estar da criança e do adolescente.
Entrando no âmbito da filiação, foi apresentada toda a sua evolução na
sociedade, onde um filho que era concebido fora do casamento e antes não era
considerado como tal e não tinha seus direitos resguardados, atualmente é tão filho
quanto aquele concebido dentro do casamento e inclusive com os mesmos direitos.
Essa evolução contribuiu para que o Direito de Família pudesse ser mais
abrangente, flexível e principalmente, mais justo e menos discriminatório.
Tendo em vista todo o exposto no presente trabalho, pode-se concluir, de
maneira amparada pelo entendimento jurisprudencial e doutrinário que é
perfeitamente possível a cumulação da paternidade socioafetiva e da paternidade
biológica no Registro Civil de Pessoas Naturais, sem que uma exista em detrimento
da outra, podendo ambas coexistirem, uma vez que a Certidão de Nascimento deve
ser apenas o reflexo da vida e do dia a dia da criança.
Sendo assim, resta claro que a hipótese de ser adicionado o nome do pai
socioafetivo junto ao do pai biológico traz consigo benefícios consideráveis para a
vida deste filho, devendo ser considerada quando estiver demonstrada a
configuração do estado de posse de filho.
27

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigo 1º.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
Acesso em: 17 dez. 2016.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de


família. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 6. ed. São Paulo : Saraiva, 2015.

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e do


Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 77.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigo 227.


Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de Direito de


Família: guarda compartilhada à luz da Lei 11.698/08, família, criança, adolescente e
idoso. 1º ed. São Paulo: Atlas. 2008, p. 80.

VELOSO, Zeno. Direito Brasileiro da Filiação e Paternidade. 1.ed. São Paulo:


Malheiros, 1997, p. 86.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 23.ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, p.27.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: famílias.
4. ed. rev., ampl. e atual. Bahia: Jus Podivm, v. 6, 2012, p.133.

LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. 6. ed. São Paulo : Saraiva, 2015, p.199.

SANCHES, Helen Crystine Corrêa; VERONESE, Josiane Rose Petry. Dos filhos de
criação à filiação socioafetiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p.67.

LÔBO, Paulo. Direito civil : famílias. 6. ed. São Paulo : Saraiva, 2015, p.200.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.479.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.538.
FUJITA, Jorge Siguemitsu. Filiação. 2. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2011, p. 63.

PINTO, Carlos Alberto Ferreira. Reprodução assistida: inseminação artificial


homologa post mortem e o direito sucessório.
<https://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/879805>. Acesso em: 15
Fevereiro de 2020.
28

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 301. Disponível em:


<https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-
2011_23_capSumula301.pdf>. Acesso em: 15 de Fevereiro de 2020.

CANEZIN, Claudete Carvalho; EIDT, Frederico Fernando. Filiação socioafetiva: um


passo do direito ao encontro com a realidade. Manaus: Revista Síntese Direito de
Família, 2012, p.13.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de


família. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil 2002. Artigo 1.593.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso
em: 19 fev. 2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. REsp 1000356 SP.


Terceira Turma. Recorrente: N V DI G E S. Recorrido: C F V. Relator: Min. Nancy
Andrighi. São Paulo, 25 de maio de 2010. Disponível em:
<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14318607/recurso-especial-resp-1000356-
sp-2007-0252697-5>. Acesso em: 19 fev. 2020.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 331

LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.217.

SANTOS, Eduardo dos. Direito de Família. Coimbra: Almedina, 1999. p.459-460.


DISTRITO FEDERAL. Apelação Cível: 20150510068078. Rel. Romulo de Araújo.
Julgamento em 02 set. 2015. Publicação em 11 set. 2015. Disponível em: <https://tj-
df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/231587105/apelacao-civel-apc-20150510068078>.
Acesso em: 20 fev. 2020.

SHIKICIMA, Nelson Sussumu. Sucessão dos ascendentes na multiparentalidade -


Uma lacuna a ser preenchida. Revista ESA. Formatos Familiares Contemporâneos,
2014.

BRASIL. Lei n. 11.924, de 17 de abril de 2009. Artigo 1º. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11924.htm>. Acesso
em: 20 mar. 2020.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de Direito de Família e Sucessões


Ilustrado. São Paulo: Saraiva, 2014, p.471.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento 83. Disponível em:


<https://atos.cnj.jus.br/files/provimento/provimento_83_14082019_15082019095759.
pdf>. Acesso em: 23 fev. 2020.

PÓVOAS, Mauricio Cavallazzi. Multiparentalidade: a possibilidade de múltipla


filiação registral e seus efeitos. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p.91. n

IBDFAM, Instituto Brasileiro de Direito de Família. Enunciado n°9. Disponível em:


29

<http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam>. Acesso em: 23


fev. 2020.

CASSETTARI, CHRISTIANO. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva. 2. ed.


São Paulo: Atlas, 2015, p.235.

BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil 2002. Artigo 1.694.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso
em: 23 fev. 2020.

BRASIL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento. AI-AgR 70021582382/RS.


Sétima Câmara Cível. Agravante: G V S. Agravado: J C S. Relator: Desembargador
Luiz Felipe Brasil Santos. Rio Grande do Sul, 05 de dezembro de 2007. Disponível
em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 25 fev. 2020.

BRASIL. Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.


Artigo 3°. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>.
Acesso em: 25 fev. 2020.

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação cível n° 2005.042066-1. Rel. Des.


Sérgio Izidoro Heil. Disponível em: <http://tjsc.jus.br>. Acesso em 26 fev 2020.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil 2002. Artigo 1.589.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso
em: 26 fev. 2020.

PÓVOAS, Mauricio Cavallazzi. Multiparentalidade: A possibilidade de múltipla


filiação registral e seus efeitos. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p.98.

IBDFAM, Instituto Brasileiro de Direito de Família. Enunciado n°33. Disponível em:


<http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam>. Acesso em: 26
fev. 2020.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil:


famílias. Volume 6/ Cristiano Chaves de Farias; Nelson Rosenvald. 7 ª ed. rev.
Ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil 2002. Artigo 16.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso
em: 03 mar. 2020.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais 2011 p. 130.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Civel 00051202220118260363. Rel.


Carlos Alberto Garbi. Julgamento 18 mar 204. Publicado 19 mar 2014. Disponível
em: <www.tjsp.jus.br>. Acesso em 03 mar 2020.

BRASIL. Lei 8.560/1992, de 29 de dezembro de 1992. Artigo 5°. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8560.htm>. Acesso em: 03 mar. 2020

Você também pode gostar