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PUC

DEPARTAMENTO DE DIREITO

DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À ÁGUA:


ASPECTOS DE DIREITO INTERNACIONAL E
BRASILEIRO

por

ROBSON SANTOS DE ALMEIDA

ORIENTADORA: Virgínia Totti Guimarães

2017.2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

RUA MARQUÊS DE SÃO VICENTE, 225 - CEP 22453-900

RIO DE JANEIRO - BRASIL


DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO
À ÁGUA: aspectos de direito
internacional e brasileiro

por

ROBSON SANTOS DE ALMEIDA

Monografia apresentada ao
Departamento de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-Rio) para a obtenção do
Título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Virgínia Totti Guimarães

2017.2
RESUMO

A presente monografia tem como objetivo apresentar um panorama do atual


direito de acesso à água. Reconhecendo-o como um direito universal,
indispensável para sobrevivência, requisito para uma vida digna, necessário para
efetivação de outros direitos fundamentais, independente, já existente e
dependente somente da plena efetivação.

Palavras-chave: DIREITOS HUMANOS – DIREITOS


FUNDAMENTAIS – DIGNIDADE HUMANA – ACESSO À ÁGUA
Sumário
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 6
CAPÍTULO I - DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM E DIREITO
INTERNACIONAL ........................................................................................... 7
1.1 Alguns conceitos sobre direitos fundamentais .......................................... 7
1.2 Processo de formação e as dimensões dos direitos humanos ................. 11
1.3 Noções de Direito Internacional Público ................................................ 14
1.3.1 Sujeito no direito internacional .................................................... 15
1.3.2 Os fundamentos do direito internacional .......................................... 17
1.3.3 Fontes do Direito Internacional ........................................................ 19
CAPÍTULO II - O STATUS DE DIREITO HUMANO FORNECIDO À
ÁGUA PELO DIREITO INTERNACIONAL ................................................. 21
2.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos de (1948) ......................... 21
2.2 Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(1966) ............................................................................................................ 25
2.3 Carta Europeia da Água (1968) .............................................................. 27
2.4 Declaração Universal dos Direitos da Água (1992) ............................... 29
2.5 Comentário Geral Nº 15 (E/C.12/2002/11)............................................. 32
2.6 Resolução 64 - O Direito Humano à água e ao Saneamento (A/64/292) 36
CAPÍTULO III - O DIREITO DE ACESSO À ÁGUA NO ORDENAMENTO
BRASILEIRO ................................................................................................... 39
3.1 Fundamentos do direito de acesso à água nos princípios fundamentais da
constituição brasileira.................................................................................... 39
3.2 Direito de acesso à água como direitos e garantias fundamentais na
constituição brasileira.................................................................................... 40
3.3 A água como bem público e o dever de sua proteção pelo Estado ........ 41
3.4 A água como bem ambiental e o dever de tutela que deve ser exercido
por todos ........................................................................................................ 43
3.5 Propostas legislativas para o reconhecimento expresso do direito de
acesso à água ................................................................................................. 44
3.6 Normas gerais sobre recursos hídricos e saneamento básico.................. 45
3.6.1 Estatuto da Água - LEI Nº 9.433, DE 8 DE JANEIRO DE 1997 .... 45
3.6.2 Princípios e fundamentos do tratamento da questão hídrica na lei
9.433 .......................................................................................................... 46
3.6.3 Objetivos, diretrizes e instrumentos da lei 9.433.............................. 49
3.6.4 A LEI Nº 11.445, DE 5 DE JANEIRO DE 2007 ............................. 50
Conclusão ......................................................................................................... 52
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 54
INTRODUÇÃO
Norberto Bobbio, na introdução de seu livro A Era dos Direitos, afirma
que o “reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das
constituições democráticas” e que “a democracia é a sociedade do cidadão, e os
súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos
fundamentais”1. Partindo desse pensamento, pode-se definir como inaceitável
uma sociedade democrática em que o acesso a um bem indispensável à vida e
ao desenvolvimento social é segregado a uma parcela da população.

O acesso à água, por exemplo, é um direito necessário, indispensável


para a manutenção da vida, assim como a alimentação2. Como um dos principais
pilares das necessidades humanas básicas, portanto, o acesso à água pode ser
apresentado como um direito inerente à própria natureza humana.

No Direito Internacional, o acesso à água pode ser encontrado em


documentos diversos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de
1948, e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
de 1966. No entanto, o modo de reconhecimento e efetivação do direito de
acesso à água ainda deve ser discutido. No ordenamento brasileiro, o direito de
acesso à água encontra-se presente tanto no direito constitucional quanto no
infraconstitucional. No direito

1
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho - 4ª reimpressão. Rio de
Janeiro. Elsevier, 2014. pág 36.
2
MONTEIRO, Carlos Augusto. A dimensão da pobreza, da desnutrição e da fome no Brasil. Estud. av.,
São Paulo, v. 17, n. 48, p. 7-20, ago. 2003 . Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142003000200002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 03 nov. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-
40142003000200002. Nas palavras do autor: “Um indivíduo pode ser pobre sem ser afetado pelo
problema da fome, bastando que sua condição de pobreza se expresse por carências básicas outras que
não a alimentação – o instinto de sobrevivência do homem e de todas as outras espécies animais faz com
que suas necessidades alimentares tenham precedência sobre as demais. A situação inversa, ocorrência
da fome na ausência da condição de pobreza, não ocorre ou ocorre apenas excepcionalmente e por tempo
limitado por ocasião de guerras e catástrofes naturais.”
6

constitucional é possível apontar a abordagem do tema com uma questão


ambiental, como uma vertente dos direitos sociais e até como um dos requisitos
para a efetividade da dignidade humana, princípio assegurado pela Constituição
de 1988. Já no ordenamento infraconstitucional, o direito de acesso à água se
encontra em dispositivos como a Lei 9.433 de 1997, que institui a Política
Nacional de Recursos Hídricos, e a Lei 11.445 de 2007, que estabelece diretrizes
nacionais para o saneamento básico.

Porém, o direito de acesso à água encontra problemas no seu processo


de efetivação tanto no Direito Internacional como no Direito Nacional, e é essa
questão que será apresentada no presente trabalho.
CAPÍTULO I - DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM E
DIREITO INTERNACIONAL

Para entender o direito de acesso à água é necessário aceitar sua natureza


de direito fundamental. No entanto, o próprio conceito de direito fundamental já
apresenta diversas questões a serem definidas para viabilizar tamanha discussão.
Nesse contexto, devem ser abordadas quatro questões essenciais: 1) o próprio
conceito de direito fundamental do homem, 2) a nomenclatura adequada para
este trabalho, 3) o processo de formação dos direitos fundamentais do homem e
4) a divisão dos direitos fundamentais do homem em gerações.

1.1 Alguns conceitos sobre direitos fundamentais

Para definir o conceito de direitos fundamentais do homem é necessário


observar a fundamentação que o precede. E, nesse tocante, encontramos duas
vertentes de fundamentação bem definidas: a doutrina jusnaturalista e a pós-
positivista.

O jusnaturalismo defende a existência de um direito próprio ao ser


humano, sendo sua existência fruto da própria natureza humana. O homem como
fim em si mesmo o torna produtor e detentor de todos os direitos fundamentais.
Essa linha de pensamento, presente nas declarações de direito do século XVIII,
como, por exemplo, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão,3 datada
de 1789, que define os direitos do homem como naturais, inalienáveis e sagrados
ao homem e afirma a ideia de um direito divino, anterior ao Estado e detentor de

3
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão,3 datada de 1789 - Biblioteca Virtual de Direitos
Humanos. Universidade de São Paulo - USP. Disponível em:
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-
cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-
de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>. Acesso em 05 Out. 2017.
8

uma fundamentação absoluta4, o que está baseado na ideia de predestinação do


homem como imagem e semelhança de Deus.

A fundamentação absoluta é uma constante no conceito jusnaturalista,


mas é refutada por Norberto Bobbio5 como um objetivo inalcançável. Conforme
reforça o autor, a afirmação de tal conceito tende a produzir um efeito negativo,
pois cria uma barreira para formulação e defesa de novos direitos fundamentais.
Nesse sentido, “direitos que foram declarados absolutos no final do século
XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram submetidos a radicais
limitações”6 para atender a direitos sociais de terceira geração, direitos esses que
se tornaram grandes anseios da humanidade e estão presentes nas novas
declarações. Como exemplo dessas declarações anteriores que mencionam
expressamente o direito de propriedade, destaca-se a Declaração de Direitos do
Bom Povo de Virgínia, de 17767, que define os direitos de propriedade como
inatos, e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 8, que

4
BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 36. – Nas palavras do autor: “ O fundamento absoluto é o fundamento
irresistível no mundo de nossas idéias, do mesmo modo que o poder absoluto é o poder irresistível (que
se pense em Hobbes) no mundo de nossas ações. Diante do fundamento irresistível, a mente se dobra
necessariamente, tal como o faz a vontade diante do poder irresistível. O fundamento último não pode
mais ser questionado, assim como o poder último deve ser obedecido sem questionamento. Quem resiste
ao primeiro se põe fora da comunidade das pessoas racionais, assim como quem se rebela contra o
segundo se opõe fora da comunidade das pessoas justas ou boas.”
5
Bobbio, Norberto. Op. cit., p. 42.
6
Bobbio, Norberto. Op. cit., p. 38.
7
Declaração de direitos do bom povo de Virgínia – 1776. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos.
Universidade de São Paulo - USP: Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/
Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-
Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-bom-povo-de-virginia-
1776.html> Acesso em 04 Jun. 2017. “ I - Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e
independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem
por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os
meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança.”
8
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão datada de 1789 - Biblioteca Virtual de Direitos
Humanos. Universidade de São Paulo - USP. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/ Documentos-anteriores-%C3%A0-
cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-
de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>. Acesso em 05 Out. 2017. - “ Art. 2º. A finalidade de
toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos
são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão. Art. 17.º Como a propriedade é um
direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública
legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.”
9

apresenta como finalidade da sociedade a conservação de direitos naturais e


imprescritíveis do homem, entre esses, a propriedade, reforçando no artigo 17
sua natureza inviolável e sagrada9.

A impossibilidade do fundamento absoluto denota da constante


sobreposição de direitos, que obrigatoriamente requer a relativização de um em
detrimento do outro, produzindo também a necessária relativização dos
fundamentos, tornando insustentável qualificar como absoluto uma
fundamentação que, na dinâmica do cotidiano, requer sua constante
relativização.

A confirmação da impossibilidade de uma fundamentação absoluta


conduz o presente trabalho a seguir uma linha mais positivista dos direitos
fundamentais do homem, mais especificamente uma postura pós-positivista,10
adotando como conceito as lições que podem ser extraídas dos ensinamentos de
José Afonso da Silva,11 que, ao definir a nomenclatura mais adequada para
apresentar os direitos do homem, acaba por citar Pérez Luño, que define os
direitos fundamentais como um:

9
Declaração de direitos do bom povo de Virgínia – 1776. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos.
Universidade de São Paulo - USP: Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.
php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-
Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-bom-povo-de-virginia-
1776.html> Acesso em 04 Jun. 2017. - “Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado,
ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir
e sob condição de justa e prévia indenização.”
10
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (O triunfo tardio
do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-42,
abr. 2005. ISSN 2238-5177. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43618>. Acesso em: 30 Set. 2017.
doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v240.2005.43618. “O pós-positivismo busca ir além da legalidade
estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem
recorrer a categorias metafísicas.” pag 4.
11
SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 34ª ed. São Paulo, Malheiros, 2011.
P. 178.
10

[...] conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico


concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humana, as quais
devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional
e internacional. (PËREZ LUÑO, 1999, p. 48 apud SILVA, 2011, p. 178)12

Seguindo essa mesma linha de pensamento, é possível extrair da leitura


de Bobbio, a afirmação de que os direitos fundamentais são um produto
histórico, frutos de lutas e consensos em constante desenvolvimento. São o
reflexo de um consenso pontual capaz de elevar direitos latentes nos desejos e
anseios da sociedade ao patamar de direitos fundamentais.

Os direitos elencados na declaração não são os únicos e possíveis direitos do homem:


são os direitos do homem histórico, tal como este se configurava na mente dos
redatores da Declaração após a tragédia da Segunda Guerra Mundial, numa época
que tivera início com a Revolução Francesa e desembocara na Revolução Soviética.13

Junto ao conceito de direitos humanos fundamentais é possível


apresentar algumas das principais características apontadas pela doutrina como
inerentes à questão, entre as quais está a historicidade, a inalienabilidade, a
imprescritibilidade, a irrenunciabilidade, o caráter absoluto e a concepção supra
estatal.14

Outro tema frequentemente abordado pela doutrina é a nomenclatura


empregada aos direitos fundamentais do homem, que, devido à multiplicidade
de expressões usadas, tende a causar certa confusão quanto ao conteúdo versado,

12
Ibid. p. 178.
13
BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 53.
14
SILVA. José Afonso da.Op. cit., p. 181
11

o que cria a necessidade de definição do termo a ser empregado no presente


trabalho.15

Com as diversas expressões sendo utilizadas constantemente – como


direitos humanos, direitos do homem, liberdades públicas, direitos
fundamentais, direitos humanos fundamentais, direitos naturais, entre outras –,
optou-se por empregar aqui o termo “direitos fundamentais do homem”,
expressão apresentada por José Afonso da Silva16 como uma das mais
adequadas.

1.2 Processo de formação e as dimensões dos direitos humanos

É evidente que o processo histórico de formação dos direitos


fundamentais do homem tem sua origem em tempos bem mais remotos que a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, mas, para este estudo,
esse ponto na história serve como marco para a definição de um direito firmado
no reconhecimento estatal que garante aos indivíduos uma proteção à vida, à
propriedade e à igualdade.

Com a necessidade de reconhecimentos de novas garantias que


viabilizassem a efetiva aplicação dos direitos fundamentais, surgiu a
necessidade de se tornar universal o acesso a esses direitos. Assim, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos marca o início de um processo de propagação
e reconhecimento mundial dos direitos fundamentais do homem e sua
generalidade, o que se apresenta em seu art. 1º, que trata a necessidade de

15
GUERRA, Sidney. Direitos humanos: curso de elementar. São Paulo. Saraiva, 2013. pág 32.
16
SILVA. José Afonso da.Op. cit., p. 178. “Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais
adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e
informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do
direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantia de uma convivência
digna, livre e igual de todas as pessoas.”
12

reconhecer o homem como igual em dignidade e direitos: “Todas as pessoas


nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e
consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade.”

A Declaração Universal dos Direitos Humanos dá início ao processo de


internacionalização17 dos direitos humanos, produziram uma onda de
reformulação na interação Estado/Cidadão e introduzindo uma gama de direitos
negativos oponíveis ao Estado para o reconhecimento de liberdades individuais
que, em pouco tempo, mostraram-se inacessíveis sem o devido complemento de
garantias e direitos sociais.

Quanto às dimensões dos direitos humanos, é possível, para efeito de


estudo, definir os direitos de primeira dimensão como os direitos de liberdade,
os de segunda dimensão como os de igualdade e os de terceira dimensão como
os de fraternidade.

Existem autores18 que defendem a existência de mais duas dimensões


dos direitos humanos, em que os direitos de quarta dimensão representam os
direitos de bioética19, para alguns, ou o “direito à democracia, à informação e ao

17
GORCZEVSKI, Clóvis; DIAS, Felipe da Veiga. A Imprescindível Contribuição dos Tratados e Cortes
Internacionais para os Direitos Humanos e Fundamentais. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos,
Florianópolis, p. 241-272, dez. 2012. ISSN 2177-7055. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index. php/sequencia/article/view/23899> Acesso em: 04 nov. 2017. Doi:
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2012v33n65p241. Nas palavras do autor: “O marco histórico no
processo de internacionalização dos direitos humanos se dá em 10 de dezembro de 1948, quando a
Assembleia Geral das Nações Unidas aprova, sem nenhum voto contrário, a Declaração Universal dos
Direitos do Homem²; cabendo também aludir que, segundo a doutrina, esse documento serve de base
para o reconhecimento como sujeito de direitos na órbita internacional.”
18
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26 ed. São Paulo. Malheiros. p. 570 e 579.
19
BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 25. Nas palavras do autor: “Mas já se apresentam novas exigências
que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais
traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada
indivíduo.
13

pluralismo20”, para outros. Os direitos de quinta dimensão são definidos como o


direito à paz.

Como os direitos de quarta e quinta dimensão não apresentam uma


normatização definida ou uma doutrina consolidada quanto a sua abrangência,
sendo muitas vezes abordados pelos direitos de terceira dimensão, optou-se por
não se abordar o tema no presente trabalho.

Assim, os direitos de primeira dimensão são direitos de liberdade, a


saber, os direitos civis e políticos. Já consolidados no Direito Internacional e
estando presente na totalidade dos ordenamentos, não existe, portanto, uma
Constituição digna desse nome que não os reconheça em toda sua extensão. 21

Considerados como direitos de liberdade, os direitos negativos de


oposição ao Estado viabilizam o processo de individualização da pessoa em face
ao Estado, têm como base de seus fundamentos o contratualismo liberal do
século XVIII e representam uma resposta do Estado Liberal ao Absolutista.

Já os direitos de segunda dimensão correspondem aos direitos sociais,


econômicos e culturais.22 São liberdades positivas que possuem sua origem no
processo de superação ao individualismo possessivo decorrente das
transformações econômicas e sociais do século XIX e XX. São caracterizados
pela proteção ao princípio da igualdade material entre o ser humano. Os direitos
de segunda dimensão, ao invés de negarem ao Estado a atuação, exige dele a
efetiva prestação de serviços, tratando-se, portanto, de direitos positivos, que
impõem ao Estado uma obrigação de fazer, de prestar e de viabilizar a atuação
do cidadão. São os direitos necessários à efetiva participação do cidadão na

20
GUERRA, Sidney. Op. cit., p. 63.
21
BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 563.
22
GUERRA, Sidney. Op. cit., p. 61.
14

sociedade, à garantia da qualidade de vida minimamente adequada e ao pleno


desenvolvimento do ser humano.

Por sua vez, os direitos de terceira dimensão consagram os princípios da


solidariedade, protegendo interesses de titularidade coletiva ou difusa. Alfredo
Culleton apresenta como direito de terceira dimensão o “direito ao meio
ambiente equilibrado, à paz, ao desenvolvimento, à qualidade de vida, à
conservação e à utilização do patrimônio histórico e cultural23”. O direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado é apresentado por Bobbio como o
mais importante entre os direitos de terceira geração: “O mais importante deles
é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente
não poluído24”. Não se destinando especificamente à proteção dos interesses
individuais, de um grupo ou de um determinado Estado, esses direitos se
difundem pela sociedade como um todo, mostrando uma grande preocupação
com as gerações humanas, presentes e futuras.

1.3 Noções de Direito Internacional Público

Reafirmando a postura de acompanhar o pensamento pós-positivista25 de


construção social dos direitos, é necessário apresentar o que sustenta a
normatividade do Direito Internacional e quais são seus atores.

23
CULLETON, Alfredo Santiago. Curso de direitos humanos. 1 ed. São Leopoldo. Unisinos, 2009, pág
99.
24
BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 25.
25
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (O triunfo tardio
do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-42,
abr. 2005. ISSN 2238-5177. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43618>. Acesso em: 30 Set. 2017. doi:
http://dx.doi.org/10.12660/rda.v240.2005.43618. Nas palavras do autor: “O pós-positivismo busca ir
além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do
Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas.”
15

1.3.1 Sujeito no direito internacional

Para definir o conceito de sujeito no Direito Internacional,


acompanhamos os ensinamentos de Mazzuoli26, que realiza uma distinção inicial
baseada na soma de direitos e deveres, realizando uma divisão em “duas
conotações: uma passiva – a quem tal Direito é destinado – e outra ativa – que
se traduz na capacidade de atuação no plano internacional”.27 Essa distinção
produz primeiramente o conceito de pessoa de Direito Internacional, definindo-
o como “seres ou organismos cuja conduta é regulada pelo Direito
Internacional”28. E em seguida o conceito de “personalidade jurídica no plano
internacional, entendendo-se como tal a capacidade para agir
internacionalmente.”29

As definições apresentadas por Mazzuoli são de grande valor, pois,


como já mencionado, a proteção do direito de acesso à água encontra-se
diretamente ligada ao ente capaz de produzir o direito e ao grau de generalidade
das pessoas que serão protegidas por tal direito. O autor classifica ainda outros
quatro grupos: “a) os Estados; b) as coletividades interestatais; c) as
coletividades não estatais; e d) os indivíduos (ou particulares).”30 Os Estados são
apresentados como pessoas jurídicas de Direito Internacional por excelência,
ocupando uma posição dominante, sujeitos primários31 e plenos desse direito.
Sendo sujeito não só de direitos como também de obrigações no âmbito
internacional.

Quanto à capacidade para produzir o direito de acesso à água no Direito


Internacional, as Organizações Internacionais, ou seja, as “coletividades

26
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 7ª ed.rev., atual. e ampl. -
São Paulo. Revista dos Tribunais, 2013.
27
Ibid. p. 431.
28
Ibid. p. 431
29
Ibid. p. 432
30
Ibid. p. 433
31
Ibid. p. 433
16

interestatais”, como definidas pelo Mazzuoli, necessariamente exigem um olhar


diferenciado devido a seu grau de atuação. Variando segundo suas finalidades,
seu âmbito de atuação e natureza dos poderes exercidos,32 as Organizações
Internacionais (OI) apresentam-se como grandes formadoras do Direito
Internacional, atuando constantemente em temas como o Meio Ambiente 33,
Direito dos Refugiados, Direitos Humanos, entre outros. Como exemplo de OI
e da capacidade de produção do Direito Internacional, o autor apresenta a ONU
e as resoluções de sua Assembleia -Geral.34

Já os indivíduos, apresentados como detentores de personalidade


jurídica internacional, são exemplos da dinâmica de direitos e deveres dos
agentes internacionais. É indiscutível hoje a capacidade do indivíduo de postular
em direito próprio no Direito Internacional,35 indiscutível também a
possibilidade de ser diretamente responsabilizado36 por atos atentatórios à
normativa internacional, podendo sua conduta ser plenamente desvinculada do
Estado e sua culpa ser individualizada. Nesse sentido, persiste somente o

32
Ibid. p. 435
33
Ibid. p. 159. Nas palavras do autor: “No Direito Internacional do Meio Ambiente tem emergido uma
variedade de órgãos internacionais, instituídos por tratados, com poderes decisórios, dos quais é um
exemplo a chamada Conferência das Partes (presente na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima, de 1992), que recebe do tratado respectivo poderes normativos explícitos…”
34
Ibid. p.161. Nas palavras do autor: “Aliás, segundo alguns autores, muito desses atos, a exemplo de
algumas resoluções da Assembleia-Geral da ONU, podem até mesmo deter o valor jurídico de jus
cogens.”
35
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Dilemas e desafios da Proteção Internacional dos Direitos
Humanos no limiar do século XXI. Rev. bras. polít. int., Brasília , v. 40, n. 1, p. 167-177, jun. 1997 .
Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73291997000100007&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 15 out. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-
73291997000100007. Nas palavras do autor: “Uma das grandes conquistas da proteção internacional
dos direitos humanos, em perspectiva histórica, é sem dúvida o acesso dos indivíduos às instâncias
internacionais de proteção e o reconhecimento de sua capacidade processual internacional em casos de
violações dos direitos humanos.”
36
REIS, Rossana Rocha. Os direitos humanos e a política internacional. Rev. Sociol. Polit., Curitiba ,
n. 27, p. 33-42, Nov. 2006 . Disponivel em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
44782006000200004&lng=en&nrm=iso>. acesso em 15 out. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-
44782006000200004. Nas palavras do autor: “ O Tribunal tem como finalidade lidar com os crimes
contra a humanidade, de genocídio, crimes de guerra e crime de agressão. Seu funcionamento se baseia
no princípio da responsabilidade penal de indivíduos pela prática de delitos contra o Direito
Internacional.”
17

questionamento quanto à viabilidade da real participação do indivíduo na


produção do direito, questão que tende ao dilema da representação37 na tomada
de decisões e na produção do ordenamento, algo que não se encontra
devidamente solucionado em grande parte da produção normativa interna e que
acaba por contaminar o Direito Internacional.

1.3.2 Os fundamentos do direito internacional

Quando a questão se depara com os fundamentos do Direito


Internacional, é possível encontrar um número relativamente diverso de
doutrinas que abordam essa temática38.No entanto, a concentração dessa
diversidade em dois troncos estruturais, quais sejam, o voluntarista e o
objetivista, é possível e necessária.

A visão voluntarista, para Mazzuoli39, possui uma base positivista na


qual a obrigatoriedade decorre do consentimento comum dos Estados. Nesse
sentido, há a teoria da autolimitação do Estado40, pois o Estado reconhece uma
ordem internacional, mas não reconhece que essa ordem deriva de um poder
superior e sim da própria escolha do Estado. Como críticas a essa visão o autor
aponta a impossibilidade de vinculação imediata de um novo Estado sem sua

37
ALMEIDA, Debora Rezende de. Representação como processo: a relação Estado/sociedade na teoria
política contemporânea. Rev. Sociol. Polit., Curitiba , v. 22, n. 50, p. 175-199, June 2014 . Disponivel
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
44782014000200011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 15 out. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/1678-
987314225011. Nas palavras do autor: “Por fim, o trabalho enfatizou a importância do reconhecimento
do Estado das demandas de representação da sociedade civil. O acúmulo de estudos sobre as ICGs tem
mostrado que embora o Estado brasileiro frequentemente promova momentos e crie espaços de relação
com a sociedade, nem sempre esse reconhecimento tem ultrapassado as barreiras da simples
formalidade.”
38
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Op. cit., p.144. Nas palavras do autor: “A questão do fundamento
do Direito Internacional Público tem sido desde longo tempo, objeto de inúmeros estudos, existindo
várias doutrinas que buscam demonstrar o fundamento jurídico de sua obrigatoriedade e eficácia”
39
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Op. cit., p. 114
40
CARVALHO, Kildore Gonçalves. Direito constitucional. 14ª ed., rev. atual. e ampl. - Belo Horizonte.
Del Rey, 2008. p. 179. Nas palavras do autor: "O Estado, assim, por sua própria vontade, sem nenhuma
transcendência no Direito Natural, elabora sua ordem jurídica que o limita. O Estado não pode estar
obrigado a nada, senão em virtude de sua própria vontade."
18

prévia aceitação; a fragilidade demonstrada pela vinculação estar condicionada


somente à vontade do Estado, podendo ser alterada a qualquer momento; a
incapacidade de justificar normas cogentes que regem o Direito Internacional
independentemente da vontade do Estado.

A visão objetivista aparece como resposta à incapacidade da visão


voluntarista de resolver o problema do fundamento do Direito Internacional,
pois ela “apregoa que a obrigatoriedade do Direito Internacional advém da
existência de princípios e normas superiores aos do ordenamento jurídico
estatal”41. Para essa visão, a legitimidade e a obrigatoriedade do Direito
Internacional devem ser fundamentadas fora do âmbito de vontade do Estado,
reforçando que o Direito Internacional possui autonomia e independência que se
sobrepõem ao Direito Estatal. Como visto, na visão objetivista, o autor aponta a
quase total exclusão da soberania dos Estados.

Uma terceira corrente também é conceituada pelo doutrinador e


defendida como a mais coerente, corrente essa que possui uma visão objetivista
temperada, pois tem como fundamento a preponderância do Direito
Internacional, mas reconhece na vontade dos Estados um dos fatos geradores da
normativa internacional. Ela tem como base o princípio do pacta sunt
servanda,42 onde o dever de obediência do Estado, decorre da obrigação aceita
no livre exercício de sua soberania. Sendo o Estado fonte criadora do
ordenamento jurídico internacional, ele também é ente desejoso da manutenção
desse direito. E a razão do desejo de manutenção dessa norma seria a
salvaguarda de um bem comum da sociedade internacional, qual seja, a paz
social.

41
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Op. cit., p. 116.
42
SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. Disponível
em: <http://www.ceap.br/artigos/ART12082010105651.pdf> Acesso em 15 Out. 2017.
p. 311 “Pacta sunt servanda – (Lê-se: páquita súnt servânda.) Os pactos devem ser observados
(cumpridos).”
19

1.3.3 Fontes do Direito Internacional

Quanto às fontes do Direito Internacional, Mazzuoli43 apresenta um rol


para o Direito Internacional Público, o qual é dividido em “fontes primárias” e
“meios auxiliares e novas fontes”44. Como fontes primárias, ele elenca tratados,
costumes e princípios gerais do direito45. Como meios auxiliares e novas fontes,
a jurisprudência, a doutrina, a analogia e a equidade, os atos unilaterais do
Estados e, finalmente, as decisões das organizações internacionais46. Frisa-se
que o próprio autor afirma que essas fontes não são, de fato, “tecnicamente
fontes do direito, pois delas não nasce e não ganha forma nenhum direito”;
assim, “são apenas meios auxiliares para que se determine corretamente o direito
alegado”47.

Quando aborda especificamente a questão dos tratados, Mazzuoli


produz uma definição lato sensu dos tratados capaz de abranger uma gama de
acordos internacionais: “acordo formal de vontades, concluído entre Estados ou
organizações internacionais entre si, regido pelo direito das gentes e destinado a
produzir, imprescindivelmente, efeitos jurídicos para as partes contratantes.”48
Nesse contexto, o termo “tratado” representa uma “expressão-gênero”49, que
abrange também as declarações e demais acordos internacionais bilaterais ou
unilaterais de expressivo relevo político, qualquer que seja sua denominação.

Reconhecendo que grande parte da normativa do Direito Internacional


que trata da questão de acesso à água encontra-se presente em declarações,
resoluções, acordos de cooperação e metas de comprometimento, torna-se

43
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Op. cit., p.
44
Ibid. p. 117.
45
Ibid. p. 118 - 135.
46
Ibid. p. 136 - 155.
47
Ibid. p. 136.
48
Ibid. p. 184.
49
Ibid. p. 184.
20

evidente que a capacidade para produzir e reconhecer o direito de acesso à água


vai muito além das salas de Estado e que o reconhecimento dessas normas é
indispensável para assegurar o direito à água.

Dentro da necessidade de afirmação da normativa internacional,


Mazzuoli apresenta os conceitos de obrigações erga omnes e obrigações jus
cogens. Como obrigações erga omnes o autor define as “obrigações a todos
impostas, independente de aceitação e, por consequência, sem que seja possível
objetá-las.”50 Uma de suas características é o objetivo de assegurar os valores
fundamentais da sociedade internacional. Para as normas jus cogens, talhou-se
a definição de norma imperativa do Direito Internacional geral, “insusceptíveis
de derrogação pela vontade das partes”51 e oponíveis a todos. O autor apresenta,
como exemplo desse tipo de norma, o Direito Internacional especial sobre
direitos e garantias fundamentais do homem, tema que necessariamente abrange
a problemática do direito de acesso à água.

50
Ibid. p. 164.
51
Ibid. p. 170.
21

CAPÍTULO II - O STATUS DE DIREITO HUMANO FORNECIDO


À ÁGUA PELO DIREITO INTERNACIONAL

Definidos os direitos humanos e reconhecida a diversidade de fontes,


sujeitos e fundamentos do Direito Internacional, bem como sua vinculação
produzida nos Estados, nas organizações e nos indivíduos, cabe agora expor a
construção do direito de acesso à água como um direito humano no
ordenamento internacional.

A construção normativa com intuito de tutelar a água como objeto do


direito ambiental internacional já é algo aceito e reconhecido
internacionalmente, mas sofre ataques constantes, tendo sua força limitada ou
relativizada diante da autonomia dos Estados e do reiterado argumento da
necessidade de desenvolvimento econômico para atender outros direitos
socioeconômicos52. Diante disso, tem-se a necessidade de se discutir, cada vez
mais, o reconhecimento do direito de acesso à água no rol de direitos humanos
a partir dos documentos internacionais que tratam do tema, o que será feito a
seguir.

2.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos de (1948)53

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada


pela Resolução nº 217 A da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de

52
MARTINE, George; ALVES, José Eustáquio Diniz. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21:
tripé ou trilema da sustentabilidade?. Rev. bras. estud. popul., São Paulo, v. 32, n. 3, p. 433-460, Dec. 2015.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
30982015000300433&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 21 out. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
3098201500000027. Nas palavras do autor: “ As crises econômicas, sociais e ambientais refletem a
incapacidade de se gestar os graves problemas planetários provocados pelo modelo de desenvolvimento.
O grande dilema da humanidade hoje se resume em como reduzir a pobreza e a desigualdade no mundo
sem transgredir ainda mais os limites planetários.”
53
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade
de São Paulo - USP. Disponível em:
22

dezembro de 1948, é um marco no processo de reconhecimento do ser humano


como indivíduo de direito e detentor de prerrogativas diante do Estado. Sua
promulgação reflete os anseios históricos produzidos e acumulados por uma
sociedade crescente e insatisfeita. Essa declaração possui como característica
uma visão construtiva e vanguardista, mas inevitavelmente encontra-se
vinculada também às necessidades e realidades pregadas em sua época. Logo, é
fruto de seu tempo e de seu meio, mas deve ser lida com um olhar atual,
viabilizando atender as necessidades e os anseios da sociedade corrente.

Reconhecer que já existiam problemas ambientais no momento de sua


produção não requer grande esforço, pois o processo de industrialização já se
apresentava como uma realidade e suas mazelas caminhavam em constante
expansão. Ainda assim, esse drama, que se espelhava e progredia a cada dia, não
foi forte o suficiente para produzir na então sociedade o desejo e a necessidade
de incluir de forma expressa, na declaração, o direito à água com um direito
humano fundamental, fato que não inviabiliza o destaque a esse direito dentro
do texto da declaração.

Realizando-se uma leitura da Declaração Universal dos Direitos


Humanos, é possível identificar o direito de acesso à água como requisito
indispensável para efetivação dos demais direitos expressos na declaração, pois
torna-se evidente a impossibilidade de prover o direito à vida54 sem reconhecer
a dependência do acesso mínimo à água, substância necessária e insubstituível
para manutenção de toda e qualquer forma de vida humana na Terra. Nesse

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-
Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html> Acesso em: 18 Out. 2017.
54
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade
de São Paulo - USP. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-
Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html> - "Artigo 3º Toda pessoa tem direito à vida,
à liberdade e à segurança pessoal.”Acesso em: 18 Out. 2017.
23

sentido, é impossível conceber o respeito à dignidade humana55, princípio


presente no preâmbulo da declaração, elemento tão defendido e exaltado como
instituto de valoração mínima para a vida, sem acesso ao mínimo existencial56,
sem a admissão do direito de acesso à água e a sua efetivação.

Também é impensável aspirar a um padrão de vida capaz de


proporcionar saúde e bem-estar57 sem a efetivação do acesso à água58, tornando
manifesto, assim, a imprescindibilidade do reconhecimento e da efetivação do
direito de acesso à água.

A visão derivativa59 do direito de acesso à água aplicada até o momento


é extremamente valiosa para construção do reconhecimento desse direito. Ela

55
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade
de São Paulo - USP. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-
Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html> - "Considerando que o reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.” Acesso em: 18 Out. 2017.
56
RESENDE, Augusto César Leite de. O acesso à água potável como parcela do mínimo existencial:
reflexões sobre a interrupção do serviço público de abastecimento de água por inadimplemento do
usuário. Rev. Bras. Polít. Públicas (Online), Brasília, v. 7, nº 2, 2017 p. 265-283
<https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/download/4728/pdf> Acesso em: 18
Out. 2017 doi: 10.5102/rbpp.v7i2.4728 - Nas palavras do autor: “A água é elemento constitutivo da
vida, essencial para a composição dos seres vivos e as suas funções biológicas e bioquímicas são
indispensáveis para a manutenção da própria vida com dignidade, daí reconhecer-se que o acesso à água
é um direito decorrente do direito fundamental ao mínimo existencial, que deverá ser efetivado, dentre
outras formas, por meio da prestação do serviço público de abastecimento de água potável, o qual se
submete ao princípio da continuidade.” p. 267.
57
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade
de São Paulo - USP. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Declara%C3%A7%C3%A3o-Universal-dos-Direitos-
Humanos/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.html> - "Artigo 25 - §1. Toda pessoa tem direito
a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em
caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência em circunstâncias fora de seu controle.” Acesso em: 18 Out. 2017.
58
RIVA, Gabriela R Saab. Água, um direito humano. São Paulo. ed. Paulinas, 20016 - (Coleçã
cidadania) p. 76 - 77. Nas palavras do autor: “Apesar de não citar expressamente a água em sua redação
o art. 25, §1, a Declaração Universal de 1948, que versa sobre o “direito à saúde e ao bem-estar” e
apresenta um rol meramente exemplificativo de direitos, poderia ser interpretado extensivamente no
sentido de incluir o direito à água sob sua proteção, uma vez que a inviabilidade do exercício desse
direito configura um obstáculo claro à plena satisfação dos demais direitos.”
59
BULTO,Takele Soboka. MUITO FAMILIAR PARA IGNORAR, MUITO NOVO PARA
RECONHECER: A situação do direito humano à água em nível global p. 25 - 56 - O direito à água como
política pública na América Latina : uma exploração teórica e empírica / editores: José Esteban Castro,
24

proporciona uma perspectiva ampla das lacunas impossíveis de serem sanadas


na ausência do reconhecimento desse verdadeiro bem maior, o direito à água, e
torna claro que a busca pela efetivação dos direitos humanos encontra-se
condicionada aos princípios que os regem, a saber: a universalidade e a
indivisibilidade.60 Assim, enquanto não for reconhecido e concretizado o direito
de acesso à água, todos os demais permanecerão latentes.

Porém, mesmos reconhecendo o valor da visão derivativa, não será essa


a abordagem preponderante neste trabalho, e essa escolha tem um motivo bem
simples, qual seja, o fato de que esse meio de construção do reconhecimento não
produz somente pontos positivos, criando também o que tende a ser um grande
problema, que é o condicionamento indesejado do direito de acesso à água
defendido a outros direitos humanos. Assim, é necessário reconhecer no direito
de acesso à água a sua autonomia e, para isso, será mantida uma abordagem

Léo Heller, Maria da Piedade Morais. – Brasília : Ipea, 2015. Disponível em


<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/150505_web_o_direito_a_agua.pdf>
Acesso em: 18 Out. 2017. Nas palavras do autor: “O CESCR levou em consideração a relação íntima do
direito humano à água com outros direitos mais explícitos do ICESCR, os quais, para a sua
concretização, dependem do cumprimento concomitante do direito à água. O CESCR afirmou que o
direito humano à água deveria ser visto em conjunção com as garantias do Artigo 12, § 1o , do ICESCRs
notadamente o direito ao mais alto padrão possível de saúde, os direitos à moradia e alimentação
adequadas, além de “outros direitos consagrados na Lei Internacional de Direitos Humanos, o primeiro
entre eles o direito à vida e à dignidade humana” (CESCR, 2002, § 3o ).” p. 38.
60
PIOVESAN, Flavia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos.Sur, Rev. int.
direitos human., São Paulo , v. 1, n. 1, p. 20-47, 2004 . Disponivel em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-
64452004000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 18 Out. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-
64452004000100003. Nas palavras do autor: “É nesse cenário que se desenha o esforço de reconstrução
dos direitos humanos como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional
contemporânea. Se a Segunda Guerra significou uma ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra
deveria significar sua reconstrução. Como marco maior desse esforço, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos é aprovada em 10 de dezembro de 1948. Introduz ela a concepção contemporânea de
direitos humanos, caracterizada pela universalidade e pela indivisibilidade desses direitos.
Universalidade, porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a
condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como
um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade. Indivisibilidade, porque a
garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e
culturais – e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos
compõem, assim, uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o
catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais. Consagra-
se, desse modo, a visão integral dos direitos humanos.”
25

extensiva e teleológica para a interpretação dos tratados e declarações, visando


alcançar o máximo de efetividade dos objetivos dos documentos.

2.2 Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e


Culturais (1966)61

Reconhecida a existência do direito de acesso à água na Declaração


Universal de Direitos Humanos, faz-se necessário analisar o seu reconhecimento
no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Assim
como a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, o Pacto
Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 não
deixou expresso o direito de acesso à água, mas a sua redação possibilita chegar
à conclusão de sua existência com uma leitura extensiva de seus artigos 11 e 12.

O artigo 11, §1º do Pacto versa que “Os Estados-partes no presente


Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si
próprio e para sua família, inclusive...”62. Se aceitarmos que o termo “inclusive”
possui como função iniciar uma lista exemplificativa das necessidades mínimas
para uma vida digna, torna-se claro que novamente, assim como ocorreu na
construção da Declaração Universal de Direitos Humanos, o momento histórico
não apresentava a inacessibilidade do acesso à água como um risco real,
tornando, o que hoje é um grito de socorro, uma demanda inaudível aos redatores

61
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) - Biblioteca Virtual de
Direitos Humanos. Universidade de São Paulo - USP. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Sistema-Global.-Declara%C3%A7%C3%B5es-e-
Tratados-Internacionais-de-Prote%C3%A7%C3%A3o/pacto-internacional-dos-direitos-economicos-
sociais-e-culturais-1966.html> Acesso em: 18 Out. 2017.
62
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade
de São Paulo - USP. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Sistema-Global.-
Declara%C3%A7%C3%B5es-e-Tratados-Internacionais-de-Prote%C3%A7%C3%A3o/pacto-
internacional-dos-direitos-economicos-sociais-e-culturais-1966.html> Acesso em: 18 Out. 2017.
“Artigo 11 §1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de
vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia
adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida.”
26

da época. Mas, como já afirmado, os direitos humanos são frutos da construção


social63 de suas necessidades, representam a defesa dos anseios suprimidos
historicamente; essa visão é facilmente afirmada com o prosseguimento da
leitura do referido artigo, que segue sua redação enumerando como requisitos
para vida digna “alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma
melhoria contínua de suas condições de vida.”64. Reconhecer que a água, dentro
de suas características biológicas, é indiscutivelmente mais relevante que o
vestuário, a moradia e até mesmo a alimentação, não requer um esforço
descomunal.

Acredita-se que a ausência do acesso à água como garantia não foi fruto
de uma opção e sim da irrelevância do tema nos debates65 durante o processo de
construção do pacto. Dessa forma, se a elaboração do pacto ocorresse hoje,
certamente a questão não deixaria de entrar em pauta e ganharia destaque na
redação. Logo, negar o caráter exemplificativo da lista é reconhecer que a
ausência do direito à água na lista o torna um bem indispensável à vida e que o
mesmo poderia ocorrer com o ar, que hoje aparece nas discussões como tema e
na busca de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas que, se algum

63
BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 19. Nas palavras do autor: “A expressão “direitos do homem”, que é
certamente enfática, ainda que oportunamente enfática, pode provocar equívocos, já que faz pensar na
existência de direitos que pertencem a um homem abstrato e, como tal, subtraídos ao fluxo da história,
a um homem essencial e eterno, de cuja contemplação derivaríamos o conhecimento infalível dos seus
direitos e deveres. Sabemos hoje que também os direitos ditos humanos são o produto não da natureza,
mas da civilização humana; enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de
transformação e de ampliação. Basta examinar os escritos dos primeiros jusnaturalistas para ver quanto
se ampliou a lista dos direitos: Hobbes conhecia apenas um deles, o direito à vida.”
64
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade
de São Paulo - USP. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Sistema-Global.-
Declara%C3%A7%C3%B5es-e-Tratados-Internacionais-de-Prote%C3%A7%C3%A3o/pacto-
internacional-dos-direitos-economicos-sociais-e-culturais-1966.html> Acesso em: 18 Out. 2017.
“Artigo 11 §1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de
vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia
adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida.”
65
BULTO,Takele Soboka. Op. cit., p. 37 - Nas palavras do autor: “A situação envolvendo a omissão
do direito humano à água da listagem sob o Artigo 11, § 1o , representa, assim, uma neutralidade dos
elaboradores em relação ao direito, do tipo que “nem era desejado nem rejeitado” (Craven, 2006, p. 38),
de modo que a ausência do direito humano à água da lista nem é ausência inclusiva nem excludente,
“mas simplesmente resulta da falta de conhecimento/reconhecimento” (Craven, 2006, p. 38).”
27

dia se tornar inacessível e, de alguma forma, segregável, inevitavelmente entrará


na lista de direitos humanos a ser garantido. Resta, portanto, a indagação: quem
será capaz de negar o reconhecimento do direito de acesso ao ar usando para isso
o frágil argumento de que ele não consta expressamente nos pactos e tratados
até então emitidos?

O reconhecimento de um direito não se encontra condicionado a sua


expressa inclusão no sistema normativo. O frágil argumento de inexistência de
norma expressa só seria aceito em uma sociedade com visão extremamente
positivista, o que já foi afastado dos meios de interpretação do Direito
Internacional.

2.3 Carta Europeia da Água (1968)

Em 1968, o Conselho da Europa proclamou a Carta Europeia da Água,


vinculando a água às atividades humanas e a definindo como condição
necessária para a manutenção da vida: “1. Não há vida sem água. A água é um
bem precioso indispensável a todas as atividades humanas.” 66 E, em seus
parágrafos seguintes, reconhece sua natureza jurídica de bem comum e o dever
de cuidado que deve ser observado por todos:

2. Os recursos hídricos não são inesgotáveis. É necessário preservá-los, controlá-los


e, se possível, aumentá-los.10. A água é um património comum cujo valor deve ser
reconhecido por todos. Cada um tem o dever de a economizar e de a utilizar com
cuidado.

66
Carta Europeia da Água. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade de São Paulo - USP.
Disponível em:
<http://www.pucsp.br/ecopolitica/documentos/seguranca/docs/carta_europeia_agua.pdf> Acesso em:
19 Out. 2017.
28

12. A água não tem fronteiras. É um bem comum que impõe uma cooperação
internacional.67

Esse dever de cuidado e o reconhecimento de seu caráter vital para


manutenção da vida representam uma vertente do direito de acesso à água que
qualifica e possibilita a mútua fiscalização por parte dos Estados. Esse dever-
poder é representado no Direito Internacional dentro do princípio da cooperação
internacional.68

Os parágrafos 3º e 4º definem a necessidade de observação de uma


qualidade mínima para água, que satisfaça exigências de saúde pública, não
sendo prejudicial para a vida humana e a de outros seres vivos: “3. Alterar a
qualidade da água é prejudicar a vida do Homem e dos outros seres vivos que
dela dependem. 4. A qualidade da água deve ser mantida em níveis adaptados às
utilizações e, em especial, satisfazer as exigências da saúde pública.”69

No âmbito da normativa internacional, a Carta Europeia da Água é


representada pelo seu valor histórico na construção de uma postura colaborativa
entre os Estados e apresenta-se como o escopo de tratados que a sucederam no
processo de negociação e proteção dos direitos de acesso à água na esfera

67
Ibid.
68
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira; AYALA, Patryck de Araújo. Cooperação internacional para a
preservação do meio ambiente: o direito brasileiro e a convenção de Aarhus.Rev. direito GV, São Paulo
, v. 8, n. 1, p. 297-327, June 2012 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-
24322012000100012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 19 Out. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S1808-
24322012000100012. Nas palavras do autor: “Os problemas decorrentes da degradação ambiental têm
assumido alcance cada vez mais global, tornando premente a soma de esforços dos Estados a fim de
evitá-los, impedindo também novos danos ao meio ambiente como meio de resguardar as gerações
futuras. Essa ação conjunta estatal se faz por meio do instituto da cooperação internacional, que encontra
na seara ambiental um universo vasto de possibilidades e também desafios.”
69
Carta Europeia da Água. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade de São Paulo - USP.
Disponível em:
<http://www.pucsp.br/ecopolitica/documentos/seguranca/docs/carta_europeia_agua.pdf> Acesso em:
19 Out. 2017.
29

europeia. Possui, assim, como legado, o fortalecimento da cooperação


internacional na questão da proteção da água70.

2.4 Declaração Universal dos Direitos da Água (1992)71

Em 22 de março de 1992, a Organização das Nações Unidas apresentou


a Declaração Universal dos Direitos da Água com o seguinte preâmbulo:

A presente Declaração Universal dos Direitos da Água foi proclamada tendo como
objetivo atingir todos os indivíduos, todos os povos e todas as nações, para que todos
os homens, tendo esta Declaração constantemente no espírito, se esforcem, através
da educação e do ensino, em desenvolver o respeito aos direitos e obrigações
anunciados e assumam, com medidas progressivas de ordem nacional e internacional,
o seu reconhecimento e a sua aplicação efetiva.72

O preâmbulo da Declaração fala de seus objetivos e o seu papel


almejado no âmbito internacional. Ele apresenta, ainda, os princípios dos
direitos fundamentais já mencionados, como a indivisibilidade e a
universalidade.

70
DE QUADROS, Jefferson Rodrigues. Lima, Adriana Almeida. DIREITO INTERNACIONAL DE
ÁGUAS: A importância dos marcos instrumentais na formação dos princípios XXIV Congresso Nacional
do CONPEDI - UFMG/FUMEC/Dom Helder Câmara (25. : 2015 : Belo Horizonte, MG). Disponivl em:
<https://www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/lu54np98/5JEc0HF5ZswE4dB7.pdf> Acesso em:
19 Out. 2017. Nas palavras do autor“A relevância do princípio cooperação se justifica porque ele
representa a condição para a consecução dos demais princípios de direito internacional de águas. Dada
a importância do princípio da cooperação no que tange ao avanço e disseminação da preocupação da
comunidade internacional quanto à proteção dos recursos hídricos, resultaram viabilizadas uma série de
outros eventos e diplomas internacionais que culminaram no avanço do direito de águas, sendo este o
principal legado deixado pela Carta Europeia da Água.”
71
Declaração Universal dos Direitos da Água. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade de
São Paulo - USP. em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-
universal-dos-direitos-da-agua.html> Acesso em: 19 Out. 2017.
72
Declaração Universal dos Direitos da Água. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade de
São Paulo - USP. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-
Ambiente/declaracao-universal-dos-direitos-da-agua.html> Acesso em: 19 Out. 2017.
30

No art. 2º é possível apontar o reconhecimento do direito à água como


um dos direitos fundamentais do ser humano: “Artigo 2º [...] O direito à água é
um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é
estipulado do Art. 3 º da Declaração dos Direitos do Homem.”73

Os artigos da declaração apresentam, também, preceitos do direito de


acesso à água apresentados como sua natureza de bem comum; 74 o
reconhecimento da água como condição necessária para a manutenção da vida;75
a confirmação do dever de cuidado76, que deve ser observado entre seus
usuários, enfatizando que cabe à atual geração a manutenção e a busca da
melhoria do meio ambiente para as futuras gerações.77

73
Declaração Universal dos Direitos da Água. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade de
São Paulo - USP. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-
Ambiente/declaracao-universal-dos-direitos-da-agua.html> Acesso em: 19 Out. 2017.
74
Declaração Universal dos Direitos da Água. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade de
São Paulo - USP. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-
Ambiente/declaracao-universal-dos-direitos-da-agua.html> Acesso em: 19 Out. 2017. “Art. 1º - A água
faz parte do patrimônio do planeta.Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade,
cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.”
75
Declaração Universal dos Direitos da Água. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade de
São Paulo - USP. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-
Ambiente/declaracao-universal-dos-direitos-da-agua.html> Acesso em: 19 Out. 2017. “Art. 2º - A água
é a seiva do nosso planeta.Ela é a condição essencial de vida de todo ser vegetal, animal ou humano.”
76
Declaração Universal dos Direitos da Água. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Universidade
de São Paulo - USP. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-
Ambiente/declaracao-universal-dos-direitos-da-agua.html> Acesso em: 19 Out. 2017. “Art. 5º - A água
não é somente uma herança dos nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos
sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do homem
para com as gerações presentes e futuras.”
77
AITH, Fernando Mussa Abujamra; ROTHBARTH, Renata. O estatuto jurídico das águas no Brasil.
Estud. av., São Paulo , v. 29, n. 84, p. 163-177, Aug. 2015 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142015000200163&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 19 Out. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-
40142015000200011. Nas palavras do autor: “Ainda que esses documentos internacionais não possuam
caráter vinculativo do ponto de vista jurídico, a ONU não tem medido esforços para que os Estados
passem a reconhecer em seus ordenamentos jurídicos internos o direto à água como um direito humano.
Dessa forma, o órgão internacional defende que todos merecem ter acesso contínuo e suficiente à água
para usos pessoais e domésticos, devendo esse ser utilizado e preservado de maneira sustentável tanto
para as presentes quanto para as futuras gerações.”
31

O artigo 3º aponta a questão da lentidão, fragilidade e limitação do ciclo


das águas, exigindo uma conduta mais cuidadosa no trato com a água, que deve
primar pela racionalidade, precaução e parcimônia.

A questão do desperdício é novamente abordada nos artigos 6º e 7º. O


artigo 7º aponta para a possibilidade de escassez, solicitando que o consumo seja
realizado com consciência e discernimento. Já o artigo 6º define a valoração
econômica da água, no intuito de racionalizar seu consumo com base em
princípios mercadológicos.

Essa abordagem mercadológica é apontada com grande receio por parte


da doutrina, tendo em vista que a realização da proteção do direito de acesso à
água, com base somente na valoração financeira da água, tende a agravar os
resultados da segregação econômica. Nesse sentido, podem ser considerados
momentos de crise social devidos ao processo de elevação nas tarifas da água78
sem que ocorressem benefícios ou melhorias direcionados à população
inicialmente atingida. Assim, torna-se claramente possível apontar o aumento
do processo de segregação econômica derivada da elevação do preço do
fornecimento de água. Nesse contexto, ocorrem visíveis melhorias em bairros
com elevado nível econômico e ausência de investimento em bairros pobres.
Como não será oportuno abordar com profundidade o tópico neste momento,
pois voltará a ser tratado em outro capítulo, é forçoso anuir que a prática de
valoração econômica sem outras políticas de proteção tende inevitavelmente a
acarretar mais desigualdade sem necessariamente conduzir à redução no
consumo ou ao aumento na proteção ambiental.

78
PFRIMER, Matheus Hoffmann. A Guerra da Água em Cochabamba, Bolívia: desmistificando os
conflitos por água à luz da geopolítica. 2010. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
doi:10.11606/T.8.2010.tde-08022011-153835. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-08022011-153835/pt-br.php> Acesso em: 21
Out. 2012.
32

2.5 Comentário Geral Nº 15 (E/C.12/2002/11)

Apontado como a interpretação mais abrangente e impositiva do direito


humano à água,79 o Comentário Geral (CG) nº 15, emitido pelo Comitê de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (CESCR) representa o que
pode ser apresentado como o início do reconhecimento expresso do direito de
acesso à água. Apesar de já existirem previsões que assegurem o direito de acesso
à água, como já demonstrado acima, não havia até o CG nº 15 um instrumento
específico sobre a água que declarasse o acesso a ela como um direito humano.

Como já apresentado, o direito de acesso à água dependia do processo


de interpretação extensiva para ser reconhecido, sendo seu suporte pautado em
outros direitos expressos, como o direito à vida, à saúde, à alimentação e o direito
a um padrão de vida adequado. Mas, a partir dos anos 2000, o Comitê de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais do Conselho Econômico e Social da ONU
(CESCR)80, ao exercer sua função como órgão encarregado de supervisionar a
aplicação do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, passou a
posicionar-se sobre o direito de acesso à água. O comitê definiu esse direito
como um direito humano indispensável para levar uma vida digna e um pré-
requisito para a realização de outros direitos.81

O Comentário prevê que o direito de acesso abranja liberdades e


direitos, entre eles o direito de manutenção do acesso, o direito de estar livre de
interferências, de desconexões arbitrárias e de contaminação da água, além de

79
BULTO,Takele Soboka. Op. cit., p. 25 - 56.
80
“O Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi instituído em 1985 pelo Conselho Econômico
e Social (ECOSOC) das Nações Unidas a fim de controlar a aplicação, pelos Estados Partes, das disposições
do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.” Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/abc/onu/comites_economicos.htm> Acesso em: 2017-10-21.
81
General Comment No. 15 (2002) - No original: “1. Water is a limited natural resource and a public good
fundamental for life and health. The human right to water is indispensable for leading a life in human dignity.
It is a prerequisite for the realization of other human rights.” Disponivel em:
<http://www2.ohchr.org/english/issues/water/docs/CESCR_GC_15.pdf> Acesso em: 21 Out. 2017.
33

um sistema que promova a igualdade de oportunidades para as pessoas gozarem


do direito à água.82

Segundo o Comentário, a água deve ser tratada como um bem social e


cultural e não somente como um bem econômico, afastando assim a
possibilidade de um tratamento estritamente econômico do direito de acesso à
água,83 fato que tenderia a agravar o dilema socioeconômico já latente quando
observado o mapa de acesso à água.84

Há também o reconhecimento de elementos do direito à água como


necessariamente adequado à dignidade humana, à vida e à saúde, podendo essa
adequação ser variável conforme as circunstâncias. No entanto, há fatores que
devem ser considerados invariáveis, entre eles a disponibilidade, a qualidade e
a acessibilidade85. A acessibilidade aparece com quatro significados:

82
General Comment No. 15 (2002) - No original: “10. The right to water contains both freedoms and
entitlements. The freedoms include the right to maintain access to existing water supplies necessary for the
right to water, and the right to be free from interference, such as the right to be free from arbitrary
disconnections or contamination of water supplies. By contrast, the entitlements include the right to a system
of water supply and management that provides equality of opportunity for people to enjoy the right to water.”
Disponivel em: <http://www2.ohchr.org/english/issues/water/docs/CESCR_GC_15.pdf>Acesso em: 21 Out.
2017.
83
General Comment No. 15 (2002) - No original: “11. The elements of the right to water must be
adequate for human dignity, life and health, in accordance with articles 11, paragraph 1, and 12. The
adequacy of water should not be interpreted narrowly, by mere reference to volumetric quantities and
technologies. Water should be treated as a social and cultural good, and not primarily as an economic
good. The manner of the realization of the right to water must also be sustainable, ensuring that the right
can be realized for present and future generations.” Disponivel em:
<http://www2.ohchr.org/english/issues/water/docs/CESCR_GC_15.pdf> Acesso em: 21 Out. 2017.
84
Organização Pan-Americana da Saúde: OMS: 2,1 bilhões de pessoas não têm água potável em casa e
mais do dobro não dispõem de saneamento seguro. Disponivel em:
<http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5458:oms-2-1-bilhoes-
de-pessoas-nao-tem-agua-potavel-em-casa-e-mais-do-dobro-nao-dispoem-de-saneamento-
seguro&Itemid=839 > Acesso em: 21 Out. 2017. : “12 de julho de 2017 – Em todo o mundo, cerca de
três em cada 10 pessoas (2,1 bilhões) não têm acesso a água potável e disponível em casa e seis em cada
10, ou 4,5 bilhões, carecem de saneamento seguro, de acordo com novo relatório da Organização
Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).”
85
General Comment No. 15 (2002) - No original: “ 12. While the adequacy of water required for the
right to water may vary according to different conditions, the following factors apply in all
circumstances…...” Disponivel em:
<http://www2.ohchr.org/english/issues/water/docs/CESCR_GC_15.pdf> Acesso em: 2017-10-21.
34

“acessibilidade física, acessibilidade econômica, acessibilidade sem


discriminação, e acesso à informação”86

Os objetivos principais de dessedentação e produção de alimento


também são mencionados no Comentário, que afirma ainda que os Estados
devem estabelecer que a prioridade do uso da água deve ser para fins domésticos
e pessoais, além de disporem os recursos hídricos necessários para prevenir a
fome e doenças.87

Os artigos 15 e 16 referenciam a questão das minorias e suas limitações


específicas, definindo como dever do Estado a observação dessas
especificidades88. Eles preveem também como obrigação do Estado o dever de
realização progressiva do direito89 e o emprego de meios possíveis para que o

86
BRZEZINSKI, Maria Lúcia Navarro Lins. Op. cit., p. 60 a 82.
87
General Comment No. 15 (2002) - No original: “6. Water is required for a range of different purposes,
besides personal and domestic uses, to realize many of the Covenant rights. For instance, water is
necessary to produce food (right to adequate food) and ensure environmental hygiene (right to health).
Water is essential for securing livelihoods (right to gain a living by work) and enjoying certain cultural
practices (right to take part in cultural life). Nevertheless, priority in the allocation of water must be
given to the right to water for personal and domestic uses. Priority should also be given to the water
resources required to prevent starvation and disease, as well as water required to meet the core
obligations of each of the Covenant rights.” Disponivel em:
<http://www2.ohchr.org/english/issues/water/docs/CESCR_GC_15.pdf> Acesso em: 21 Out. 2017.
88
General Comment No. 15 (2002) - No original: “15. With respect to the right to water, States parties
have a special obligation to provide those who do not have sufficient means with the necessary water
and water facilities and to prevent any discrimination on internationally prohibited grounds in the
provision of water and water services.
16. Whereas the right to water applies to everyone, States parties should give special attention to those
individuals and groups who have traditionally faced difficulties in exercising this right, including
women, children, minority groups, indigenous peoples, refugees, asylum seekers, internally displaced
persons, migrant workers, prisoners and detainees. In particular, States parties should take steps to ensure
that:” Disponivel em: <http://www2.ohchr.org/english/issues/water/docs/CESCR_GC_15.pdf> Acesso
em: 21 Out. 2017.
89
General Comment No. 15 (2002) - No original: “19. There is a strong presumption that retrogressive
measures taken in relation to the right to water are prohibited under the Covenant.19 If any deliberately
retrogressive measures are taken, the State party has the burden of proving that they have been introduced
after the most careful consideration of all alternatives and that they are duly justified by reference to the
totality of the rights provided for in the Covenant in the context of the full use of the State party's
maximum available resources.” Disponivel em:
<http://www2.ohchr.org/english/issues/water/docs/CESCR_GC_15.pdf> Acesso em: 21 Out. 2017.
35

direito de acesso à água seja implementado com o máximo de efetividade no


menor tempo possível.90

O Comentário Geral impõe ainda aos Estados o dever de cumprir com


as obrigações de respeitar, de proteger e de implementar;91 assegurar o acesso a
uma quantidade mínima e essencial de água; assegurar que o acesso se dê de
forma não discriminatória; assegurar o acesso à água de forma contínua, segura
e com razoável proximidade das residências; assegurar a distribuição equitativa;
adotar programas de proteção a grupos vulneráveis.

Por fim, cabe mencionar as obrigações direcionadas a outros atores


internacionais, como os programas e as agências especializadas da ONU, o
Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Cruz Vermelha,
atribuindo-lhes o papel de cooperar com os Estados para a implementação dos
direitos humanos no âmbito nacional92.

90
General Comment No. 15 (2002) - No original: “18. States parties have a constant and continuing duty
under the Covenant to move as expeditiously and effectively as possible towards the full realization of
the right to water. Realization of the right should be feasible and practicable, since all States parties
exercise control over a broad range of resources, including water, technology, financial resources and
international assistance, as with all other rights in the Covenant. ” Disponivel em:
<http://www2.ohchr.org/english/issues/water/docs/CESCR_GC_15.pdf> Acesso em: 21 Out. 2017.
91
General Comment No. 15 (2002) - No original: “20. The right to water, like any human right, imposes
three types of obligations on States parties: obligations to respect, obligations to protect and obligations
to fulfil.” Disponivel em: <http://www2.ohchr.org/english/issues/water/docs/CESCR_GC_15.pdf>
Acesso em: 21 Out. 2017.
92
General Comment No. 15 (2002) - No original: “60. United Nations agencies and other international
organizations concerned with water, such as WHO, FAO, UNICEF, UNEP, UN-Habitat, ILO, UNDP,
the International Fund for Agricultural Development (IFAD), as well as international organizations
concerned with trade such as the World Trade Organization (WTO), should cooperate effectively with
States parties, building on their respective expertise, in relation to the implementation of the right to
water at the national level. The international financial institutions, notably the International Monetary
Fund and the World Bank, should take into account the right to water in their lending policies, credit
agreements, structural adjustment programmes and other development projects (see General Comment
No. 2 (1990)), so that the enjoyment of the right to water is promoted. When examining the reports of
States parties and their ability to meet the obligations to realize the right to water, the Committee will
consider the effects of the assistance provided by all other actors. The incorporation of human rights law
and principles in the programmes and policies by international organizations will greatly facilitate
implementation of the right to water. The role of the International Federation of the Red Cross and Red
Crescent Societies, International Committee of the Red Cross, the Office of the United Nations High
Commissioner for Refugees (UNHCR), WHO and UNICEF, as well as non-governmental organizations
and other associations, is of particular importance in relation to disaster relief and humanitarian
36

2.6 Resolução 64 - O Direito Humano à água e ao Saneamento (A/64/292)

Em 28 de julho de 2010, colocou-se em votação na 64ª reunião da


Assembleia Geral da ONU uma resolução sobre o direito humano à água e ao
saneamento, dando origem à Resolução A/64/292. A Resolução A/64/292, de 3
de agosto de 2010, é bem concisa em comparação ao Comentário Geral Nº 15.
Com apenas três artigos em seu preâmbulo, ela reconhece a importância da água
como requisito substancial para a efetivação dos direitos humanos93 e o dever
dos Estados de promover e proteger os direitos humanos, reafirmando, assim, o
caráter universal, indivisível e de interdependência dos direitos humanos.

Cabe observar, contudo, o reconhecimento do compromisso adotado


pelos Estados e as Metas do Milênio,94 que, no tocante ao acesso à água,
teoricamente, foi alcançado com cinco anos de antecedência no Brasil.95

assistance in times of emergencies. Priority in the provision of aid, distribution and management of water
and water facilities should be given to the most vulnerable or marginalized groups of the population. ”
Disponivel em: <http://www2.ohchr.org/english/issues/water/docs/CESCR_GC_15.pdf>Acesso em: 21
Out. 2017.
93
Resolução 64/292. El derecho humano al agua y el saneamiento - Disponível em:
<http://www.un.org/es/comun/docs/index.asp?symbol=A/RES/64/292&referer=/spanish/&Lang=S>
Acesso em: 21 Out. 2017. No original: “Reconociendo la importancia de disponer de agua potable y
saneamiento en condiciones equitativas como componente esencial del disfrute de todos los derechos
humanos”
94
Resolução 64/292. El derecho humano al agua y el saneamiento - Disponível em:
<http://www.un.org/es/comun/docs/index.asp?symbol=A/RES/64/292&referer=/spanish/&Lang=S>
Acesso em: 21 Out. 2017. No original: “Reafirmando la responsabilidad de los Estados de promover y
proteger todos los derechos humanos, que son universales, indivisibles, interdependientes y están
relacionados entre sí, y que deben tratarse de forma global y de manera justa y equitativa y en pie de
igualdad y recibir la misma atención, Teniendo presente el compromiso contraído por la comunidad
internacional de cumplir plenamente los Objetivos de Desarrollo del Milenio y destacando, en este
contexto, la determinación de los Jefes de Estado y de Gobierno, expresada en la Declaración del
Milenio, de reducir a la mitad para 2015 el porcentaje de personas que carezcan de acceso a agua potable
o no puedan costearlo y, según lo convenido en el Plan de Aplicación de las Decisiones de la Cumbre
Mundial sobre el Desarrollo Sostenible (“Plan de Aplicación de las Decisiones de Johannesburgo”),
reducir a la mitad para 2015 el porcentaje de personas que no tengan acceso a servicios básicos de
saneamiento,.
95
ONU Brasil- Artigo: Novo relatório da ONU avalia implementação mundial dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM) - Disponível em: <https://nacoesunidas.org/novo-relatorio-da-
onu-avalia-implementacao-mundial-dos-objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio-odm/> Acesso em:
21 Out. 2017. “Água e saneamento: A região alcançou o objetivo de água potável dos Objetivos de
37

Essa declaração reconhece o acesso à água como um direito humano e


coloca aos Estados o dever de cooperação financeira e tecnológica, a fim de
intensificar os esforços para viabilizar água potável, limpa, segura, acessível e
com preço razoável96.

Como crítica, pode-se apontar seu caráter genérico, que sequer


incorpora pontos importantes da Observação Geral nº 15, a saber, a prevalência
da noção da água como bem de valor meramente econômico e a redução de toda
a questão do direito humano à água aos imperativos tecnológicos e financeiros.97
Outro ponto a ser criticado é o número de abstenções da resolução, 41, estando
entre os que se abstiveram: Austrália, Áustria, Canadá, Etiópia, EUA, Holanda,
Israel, Japão, Nova Zelândia, Suécia e Turquia98. Há, ainda, o questionamento
quanto à real afirmação do direito de acesso à água como direito autônomo,
tendo em vista que sua redação não expressa essa questão. O posicionamento
posterior do Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou duas Resoluções,
a de nº 15/9 em 30 de setembro de 2010 e a nº 16/2 de 24 de março de 2011 com
o intuito de esclarecer e aprofundar a questão. Assim, a Resolução nº 15/9 trata
a questão da vinculação do direito humano à água potável segura e ao
saneamento, afirmando que este é derivado do direito a um padrão adequado de
vida e intrinsecamente relacionado com o direito ao mais alto padrão de saúde

Desenvolvimento do Milênio (ODM) cinco anos antes do previsto. A proporção da população que utiliza
uma fonte de água melhorada era de 95% em 2015, acima dos 85% em 1990. A região também está bem
próxima de alcançar o objetivo de reduzir para metade a proporção da população sem saneamento básico.
A parcela da população que utiliza um melhor serviço de saneamento aumentou de 67% para 83%, entre
1990 e 2015.” - Publicado em 06/07/2015 - Atualizado em 08/07/2015. .
96
Resolução 64/292. El derecho humano al agua y el saneamiento - Disponível em:
<http://www.un.org/es/comun/docs/index.asp?symbol=A/RES/64/292&referer=/spanish/&Lang=S>
Acesso em: 21 Out. 2017. No original: “1. Reconoce que el derecho al agua potable y el saneamiento es
un derecho humano esencial para el pleno disfrute de la vida y de todos los derechos humanos;
2. Exhorta a los Estados y las organizaciones internacionales a que proporcionen recursos financieros y
propicien el aumento de la capacidad y la transferencia de tecnología por medio de la asistencia y la
cooperación internacionales, en particular a los países en desarrollo, a fin de intensificar los esfuerzos
por proporcionar a toda la población un acceso económico al agua potable y el saneamiento; ”.
97
BRZEZINSKI, Maria Lúcia Navarro Lins. Op. cit., p. 60 a 82.
98
BRZEZINSKI, Maria Lúcia Navarro Lins. Op. cit., p. 60 a 82.
38

física e mental, bem como o direito à vida e à dignidade humana99. A Resolução


nº 16/2 também define o direito de acesso à água potável e ao saneamento como
sendo derivado do direito a um padrão de vida adequado e estando
indissoluvelmente associado ao direito do mais alto padrão possível de saúde
física e mental, bem como à vida e à dignidade humana100.

Diante do exposto no presente capítulo, é possível admitir a existência do


direito de acesso à água no Direito Internacional, bem como sua infeliz evolução
em direção à preponderância da valoração econômica dos recursos hídricos, fato
que pode produzir efeitos positivos, como a cobrança pelo uso dos grandes
consumidores, mas que também tende a ampliar o processo de segregação social
do acesso à água

99
Resolução 15/9. Los derechos humanos y el acceso al agua potable y el saneamiento - Disponivel em:
<https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G10/166/36/PDF/G1016636.pdf?OpenElement>
Acesso em: 21 Out. 2017. - No original: “3. Afirma que el derecho humano al agua potable y el
saneamiento se deriva del derecho a un nivel de vida adecuado y está indisolublemente asociado al
derecho al más alto nivel posible de salud física y mental, así como al derecho a la vida y la dignidad
humana;.
100
Resolução 16/2. El derecho humano al agua potable y el saneamiento - ;” Disponivel em:
<https://documents-dds-
ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/G11/124/88/PDF/G1112488.pdf?OpenElement> Acesso em: 21
Out. 2017. No original: “1. Acoge con beneplácito el reconocimiento del derecho humano al agua
potable y el saneamiento por la Asamblea General y el Consejo de Derechos Humanos, y la afirmación,
por este último, de que el derecho humano al agua potable y el saneamiento se deriva del derecho a un
nivel de vida adecuado y está indisolublemente asociado al derecho al más alto nivel posible de salud
física y mental, así como al derecho a la vida y la dignidad humana;”.
CAPÍTULO III - O DIREITO DE ACESSO À ÁGUA NO
ORDENAMENTO BRASILEIRO

Após a leitura de algumas das normas asseguradoras do direito de acesso


à água no Direito Internacional, cabe agora apontar, no ordenamento brasileiro,
as bases desse direito. Nesse sentido, inicia-se a leitura pela normativa
constitucional, e em seguida pelas normas infraconstitucionais.

3.1 Fundamentos do direito de acesso à água nos princípios


fundamentais da constituição brasileira

A Constituição Federal de 1988 não deixou expresso em seu texto o


direito de acesso à água, mas isso não representa a inexistência desse direito, já
que a simples realização de uma leitura do preâmbulo da Constituição viabiliza
encontrar na redação do texto constituinte o desejo de um Estado Democrático.
Além disso, extrai-se que esse Estado possui como objetivo de sua existência a
defesa de preceitos, tais como a garantia ao exercício dos direitos sociais, o bem-
estar e o desenvolvimento, objetivos que são inalcançáveis sem o devido
reconhecimento do direito de acesso à água.

Pode-se- apontar ainda que assim como a Declaração Universal dos


Direitos Humanos, a Constituição da República defende o direito à dignidade
humana como um de seus princípios fundamentais101 e apresenta a prevalência
dos direitos humanos como um dos princípios que devem reger a república.

101
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 25 Out.
2017. “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: inc. III - a dignidade da pessoa humana;” e “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-
se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: inc. II - prevalência dos direitos humanos;”
40

Esses princípios, tão abrangentes e importantes, tornam-se


inalcançáveis sem uma leitura ampla de suas vertentes, por isso torna-se
necessário entender que a dignidade humana abrange mais do que o seu simples
reconhecimento, pois requer também a sua efetividade. Em outras palavras, a
prevalência dos direitos humanos não se limita a sua busca, abrangendo também
a sua efetivação.

Assim, reconhecendo que a efetivação dos princípios da dignidade


humana e da prevalência dos direitos humanos depende diretamente do
reconhecimento e da efetivação do direito de acesso à água, torna-se possível
encontrar nos artigos 1º e 4º da Constituição de 1988, após uma leitura derivativa
e extensiva, a defesa e reconhecimento do direito de acesso à água.

3.2 Direito de acesso à água como direitos e garantias fundamentais na


constituição brasileira

Assim como os princípios fundamentais apresentados no tópico


anterior, o direito à vida, presente no caput do art. 5º102 da Constituição, bem
como o rol de direitos sociais apresentado pelo o art. 6º 103, são incapazes de
garantir todos os direitos necessários a uma vida plena e digna, existindo
inevitavelmente a dependência de outros direitos para tornar viável o alcance da
plenitude de garantias pregadas na Constituição.

102
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 25 Out.
2017. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
103
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 25 Out.
2017. “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.”
41

Já consciente da incapacidade de enumerar todas as garantias e direitos


inerentes ao homem, o legislador originário, ao redigir a Constituição, garantiu
o reconhecimento e a inserção de outros direitos decorrentes de seus princípios
ou de tratados internacionais reconhecidos pelo Brasil. Essas possibilidades de
acréscimo de direito se encontram expressos em seus § 2º e 3º do artigo 5º104 nos
quais é possível reconhecer que a redação constituinte possui plena ciência do
caráter meramente exemplificativo da lista de direitos e garantias presentes na
Constituição. Isso torna possível evidenciar a relação jurídica de dependência do
direito de acesso à água com os demais direitos fundamentais reconhecidos pela
constituinte de 88, pois a proteção jurídica das águas torna-se, necessariamente,
uma consequência inevitável do reconhecimento constitucional de direitos
humanos e de suas garantias constitucionais.

3.3 A água como bem público e o dever de sua proteção pelo Estado 105

Antes da promulgação da Constituição de 88, o direito de propriedade


privada, que também abrangia a água, era disciplinado pelo denominado Código
de Águas de 1934106. Com a promulgação da atual Constituição e a não
recepção107 do Código de Águas de 34 em sua totalidade, a possibilidade do

104
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 25 Out.
2017. “Art. 5º - § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”
105
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 903. Nas palavras do autor: “Bens públicos são todos os bens que pertencem às pessoas jurídicas
de Direito Público, isto é, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e
fundações de Direito Público(estas últimas, aliás, não passam de autarquias designadas pela base
estrutural que possuem), bem como os que, embora não pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à
prestação de um serviço público.”
106
Código de Águas. DECRETO Nº 24.643, DE 10 DE JULHO DE 1934. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d24643.htm> Acesso em 27 Out. 2017.
107
EVANGELISTA, Eva. A proteção jurídica das águas. In Revista Centro de Estudos Jurí- dicos.
Brasília, n. 12, p. 42, set/dez. 2000. Disponível em:
42

direito de propriedade particular das águas deixou de existir, uma vez que as
águas particulares previstas nesse diploma legal foram retiradas do ordenamento
jurídico brasileiro. Assim, com o advento da Constituição de 88, somente os
Estados e a União passaram a possuir a água como um de seus bens, fato que
pode ser observado com a leitura dos artigos 20, III e 26, I da CF 108, deixando
de existir, com o advento do novo ordenamento jurídico, o direito de propriedade
privada das águas.

Junto ao reconhecimento da natureza de bem público, as águas


receberam também a característica de bem de uso comum do povo 109, da qual
decorre a sua indisponibilidade, bem como a obrigação do Estado de tutelá-las110
e defendê-las111.

<http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/357/505> Acesso em: 25 Out. 2017. Nas


palavras do autor: “Por sua vez, no que se refere à legislação infraconstitucional específica sobre águas,
o Código de Águas (Decreto n. 24.643, de 10/07/34, mantido e modificado pelo Decreto-lei n. 852, de
11/11/38), não foi recepcionado na integralidade pela Constituição Federal de 1988, permanecendo em
vigor a parte que disciplina as proibições de construções capazes de poluir ou inutilizar a água dos poços
e nascentes e a que trata da poluição das águas e da responsabilidade dos poluidores, notadamente dos
agricultores e industriais.”
108
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 25 Out.
2017. “Art. 20. São bens da União: “III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu
domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a
território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;” e “Art.
26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes
e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;”
109
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
p. 499. “A água é um dos elementos do meio ambiente. Isto faz com que se aplique à água o enunciado
do caput do art. 225 da CF: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo…””
110
Agência Nacional de Águas – ANA. Disponível em:
<http://www2.ana.gov.br/Paginas/institucional/SobreaAna/abaservinter1.aspx> Acesso em: 27 Out.
2017. “A Agência Nacional de Águas tem como missão implementar e coordenar a gestão compartilhada
e integrada dos recursos hídricos e regular o acesso a água, promovendo seu uso sustentável em benefício
das atuais e futuras gerações.”
111
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 25 Out.
2017. “Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: VI -
fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas
e águas para consumo humano;”
43

3.4 A água como bem ambiental e o dever de tutela que deve ser exercido
por todos

Constantemente, o direito de acesso à água é vinculado ao direito


ambiental. Assim, apesar de o presente trabalho defender a autonomia do direito
de acesso à água e afirmar seu grau de abrangência mais amplo, é necessário
reconhecer a importância do direito ambiental como companheiro no processo
de defesa do direito de acesso à água.

Ao versar sobre o direito ao meio ambiente, a Constituição Federal


estabelece em seu art. 225 o direito universal ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, reconhecendo-o como essencial à sadia qualidade de vida. O
referido artigo determina também, o dever de preservação do meio ambiente
como obrigação de todos, vinculando não só o Estado, mas também o cidadão e
a sociedade.

Acompanhado os ensinamentos de Paulo Affonso Leme Machado, que


em seu livro Direito Ambiental Brasileiro112 reconhece a água como um dos
elementos do meio ambiente, é concebível afirmar que a proteção do meio
ambiente é equivalente à proteção das água; que o direito de acesso ao meio
ambiente equilibrado é o direito de acesso à água limpa e saudável; que o dever
de proteção e manutenção da qualidade do meio ambiente se estende às águas;
e, finalmente, que é possível afirmar que o acesso à água, assim como o acesso
ao meio ambiente, é essencial à qualidade de vida. Pode-se então, com base na
construção realizada, fundamentar a existência do direito constitucional de
acesso à água com base na proteção ambiental.

112
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 499. “A água é um dos elementos do meio ambiente.
Isto faz com que se aplique à água o enunciado do caput do art. 225 da CF: “Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo…”
44

3.5 Propostas legislativas para o reconhecimento expresso do direito de


acesso à água

O reconhecimento do direito de acesso à água como um dos direitos


fundamentais ainda é constantemente discutido, e, em grande parte, isso decorre
da inexistência do reconhecimento expresso de sua defesa no texto
constitucional. Porém, como afirmado anteriormente, a sua ausência no rol de
direitos expressos na Constituição não é um argumento sustentável para excluir
sua existência.

No entanto, é inegável que o expresso direito de acesso à água na


Constituição acabaria com grande parte das discussões, pois tornaria imediato o
reconhecimento de sua existência, fato que, infelizmente, não acarretaria a sua
efetividade, a exemplos de outros direitos que são expressamente reconhecidos,
mas que ainda não saíram do papel.

Ciente da conveniência que seria produzida com o reconhecimento


expresso do direito de acesso à água, as casas legislativas, no exercício de seu
poder reformado, tentam, embora, infelizmente, sem obtenção de êxito até
momento, emendar o texto e incluir o acesso à água como um dos direitos
fundamentais expressos na Constituição.

Como exemplo da tentativa de tornar expresso o direito à água, é


possível apontar a Proposta de Emenda à Constituição n° 35113 de 2017, que
tramita no Senado e possui como objetivo elevar ao patamar de direitos
fundamentais constitucionais o acesso à água potável e ao saneamento básico,
incluindo-os no rol dos direitos sociais do art. 6º da Constituição Federal. Assim
como no Senado, na Câmara dos Deputados também está em tramitação uma

113
Proposta de Emenda à Constituição n° 258, de 2016. Disponivel em:
<http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131293> Acesso em 27 Out. 2017.
“Eleva ao patamar de direitos fundamentais constitucionais o acesso à água potável e ao saneamento
básico, incluindo-os no rol dos direitos sociais do art. 6º da Constituição Federal”
45

Proposta de Emenda à Constituição almejando a inclusão do acesso à água como


direito fundamental expresso.114

3.6 Normas gerais sobre recursos hídricos e saneamento básico

A Constituição Federal define como competência da União a instituição


do sistema nacional de gerenciamento de recurso hídricos (inc. XIX do art. 21
da constituição de 88)115, que fundamenta a edição da Lei 9.433, de 08 de janeiro
de 1997.Este trabalho não possui o objetivo exaustivo de leitura de toda
normativa brasileira, mas sim uma apresentação, de modo geral, do tratamento
normativo sobre o tema. Nesse sentido, serão destacados alguns aspectos da
Política Nacional de Recursos Hídricos e das diretrizes gerais sobre saneamento
básico.

3.6.1 Estatuto da Água116 - LEI Nº 9.433, DE 8 DE JANEIRO DE 1997

Acompanhando o entendimento do professor Christian Guy Caubet 117 e


reconhecendo na Lei 9.433 o seu caráter de documento político, com aspectos
de gerenciamento das ações públicas a serem empregadas no tratamento da
questão hídrica nacional, torna-se possível encontrar, na referida lei, princípios
e metas que são velados como norteadores da questão hídrica brasileira. Além

114
Proposta de Emenda à Constituição n° 35, de 2017. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2093044> Acesso em
27 Out. 2017. “Dá nova redação ao art. 6º da Constituição Federal, para introduzir o direito humano ao
acesso à terra e à água como direito fundamental.”
115
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 28 Out.
2017. “Art. 21. Compete à União: XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos
e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;”
116
CAUBET, Christian Guy. A água, a lei, a política...e o meio ambiente. Curitiba: Ed. Jurua, 2004. p.
p. 137. Acompanhando o autor, o termo, “Estatuto da Água”, foi utilizado com o intuito de apresentar a
relevância na tratativa do tema.
117
CAUBET, Christian Guy. Op. cit., p. 137.
46

disso, reconhece-se que as políticas públicas interferem diretamente na questão


de acesso à água, sendo necessário fazer a leitura da lei e apontar as condutas
que aproximam e afastam o reconhecimento e a efetividade do direito de acesso
a ela.

3.6.2 Princípios e fundamentos do tratamento da questão hídrica na lei


9.433

Já em seu Art. 1º, a Lei 9.433 apresenta os fundamentos da política hídrica


nacional, definindo, em seus incisos, que:

I – a água é um bem de domínio público; II – a água é um recurso natural limitado,


dotado de valor econômico; III – em situações de escassez, o uso prioritário dos
recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV – a gestão
dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; V – a
bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional
de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos; e VI – a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e
contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

O inciso I acompanha e ratifica a construção constitucional do


reconhecimento das águas como um bem de domínio público, apresentado no
art. 20, inc. III da Constituição de 88, tema já abordado na proteção
constitucional do direito de acesso à água. Já o inciso II aborda duas questões
extremamente importantes. A primeira questão é a definição da água como
recurso natural limitado, bem como a capacidade118 ambiental de atender o

118
CORTE, Thaís Dalla. O DIREITO À ÁGUA NO PERÍODO DO ANTROPOCENO PERANTE AS
MUDANÇAS CLIMÁTICAS.- 21º CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO AMBIENTAL Teses
de Estudantes de Pós-Graduação / PhD and Master Student’s Papers - Disponível em:
<http://www.planetaverde.org/arquivos/biblioteca/arquivo_20161118140350_2664.pdf> Acesso em 27
Out de 2017. Nas palavras do autor “ A vida humana tem impactos significativos sobre o meio ambiente
e o meio ambiente também possui forte influência sobre a vida humana. A própria ideia de Gaia,
desenvolvida em 1969 pelo pesquisador James Lovelock (pai do ambientalismo moderno) e pela bióloga
Lynn Margulis, já informava que é a própria Terra a responsável pela manutenção e pela recriação das
47

crescente consumo da população. A segunda questão é a valoração econômica


da água.

Abordando a primeira questão, é possível definir que o direito de acesso à água


está diretamente condicionado aos três pilares do consumo, o primeiro pilar é a
capacidade de captação, o segundo é o custo e velocidade do tratamento da água
e o terceiro é o padrão de consumo da sociedade. Assim, para superar a questão
da limitação natural do recurso hídrico, é necessário equalizar os três pilares do
consumo. Assertivamente, o reconhecimento da limitação natural dos recursos
hídricos, no texto da lei, aponta para uma política estatal pautada na utilização
racional dos recursos. Esse padrão de busca da racionalização do consumo
também é encontrado no capítulo II119 da Lei 9.433, que trata dos objetivos da
Política Nacional de Recursos Hídricos, em que o art. 2º define como objetivos
para a política nacional a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, a
asseguração da disponibilidade de água para a atual e para as futuras gerações e
a prevenção e defesa contra eventos hidrológicos.

Agora, retornando à questão da valoração econômica, é possível


observar que a visão economicista dos recursos hídricos é uma constante na lei,
sendo abordada em diversos artigos.120 Esse viés econômico no olhar hídrico

condições de vida nela. Nessa perspectiva, Gaia representa um superorganismo autorregulador.824


Contudo, com o passar dos anos, a capacidade regeneradora de Gaia não tem mais conseguido conservar
o equilíbrio ambiental em razão da exacerbada interferência humana na natureza.” p. 413.
119
LEI Nº 9.433, DE 8 DE JANEIRO DE 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9433.htm> Acesso em 28 Out. 2017.
“Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos:
I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de
qualidade adequados aos respectivos usos;
II - a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com
vistas ao desenvolvimento sustentável;
III - a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes
do uso inadequado dos recursos naturais.”
120
LEI Nº 9.433, DE 8 DE JANEIRO DE 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9433.htm> Acesso em 28 Out. 2017.
“Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos: II - a água é
um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;” “Art. 3º Constituem diretrizes gerais de ação
para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos: II - a adequação da gestão de recursos
48

tende a prejudicar a efetivação do direito de acesso à água, pois em uma


sociedade onde a desigualdade econômica é a regra,121 um olhar meramente
financeiro tende a deixar grande parte da população desejosa das promessas de
igualdade.

Retornando aos incisos do art. 1 da Lei 9.433 e aos fundamentos da


Política Nacional de Recursos Hídricos, cabe agora a leitura do inciso III, que
define como prioridade, nas situações de escassez, a satisfação do consumo
humano e da dessedentação de animais. Podendo ser compreendida como
decorrência lógica do inciso II, a definição de prioridade de atendimento é
indispensável durante um cenário de insuficiência hídrica, pois a incapacidade
de atender todas as demandas da sociedade, já reconhecida no inciso II, é
agravada em momentos de crise.

Já inciso IV, que determina o uso múltiplo das águas, deve ser lido com
atenção ao inciso III, observando a constante formação de conflitos sociais
produzidos pelos diversificados fins que demandam o consumo hídrico.
Caubet122 afirma que não há uma ordem de prioridades preestabelecida e que os
critérios de seleção do uso devem ser definidos com base na realidade da bacia
hidrográfica, dando como exemplo a desapropriação de grandes áreas para
construção de usinas hidrelétricas, onde o interesse público prevalecerá em
detrimento da população local.

hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas
regiões do País;” “Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva:
I - reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor;”
121
Relatório do PNUD destaca grupos sociais que não se beneficiam do desenvolvimento humano
Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2017/03/21/relat-
rio-do-pnud-destaca-grupos-sociais-que-n-o-se-beneficiam-do-desenvolvimento-humano.html> acesso
em 28 Out. 2017. Trecho da notícia: “No Brasil, a renda média per capita familiar, em 2010, era de R$
793,87. Na cidade de São Caetano do Sul (SP), porém, chegava a R$ 2.043,00, enquanto em Marajá do
Sena (MA) – município de menor renda do país – alcançava apenas R$ 96,25.”
122
CAUBET, Christian Guy. Op. cit., p. 149.
49

Os incisos V e VI passam a definir a necessidade de participação social


na construção de políticas hídricas e o raio de abrangência dessa participação, o
que, teoricamente, tornaria a participação social uma realidade na gestão dos
recursos hídricos e seria de grande valia no processo de efetivação do direito de
acesso à água, possibilitando o reconhecimento da real necessidade da
população envolvida. Mas, infelizmente, o objetivo de participação social na
tomada de decisões não configura uma realidade, chegando em muitos
momentos a representar simplesmente um direito de oitiva em debates.123

3.6.3 Objetivos, diretrizes e instrumentos da lei 9.433124

O Estatuto da Água define como objetivos a garantia da disponibilidade


de água para a presente e futuras gerações, em padrões adequados para o uso, a
utilização racional dos recursos hídricos e a prevenção contra eventos
hidrológicos.

Como instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos ficaram


definidos os Planos de Recursos Hídricos como planos diretores que visam:
fundamentar e orientar a implantação da política nacional e o gerenciamento dos
recursos hídricos; o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os
usos preponderantes da água, visando assegurar a qualidade da água compatível
com o seu uso e a redução no custo de combate à poluição; a outorga dos direitos

123
CAUBET, Christian Guy. Op. cit., p. 211. Nas palavras do autor “A lei criou novas entidades, de
caráter administrativo, aberta à presença de representantes e associações civis de recursos hídricos e de
usuários. Usa-se a palavra presença, não participação, a partir de um ponto de vista que considera a
possibilidade de influir efetivamente na tomada de decisão. Apesar da aritmética muitas vezes usda para
demonstrar, retoricamente, que os CBH são democráticos (40% de membros dos poderes executivos +
20% de representantes da sociedade civil = 60% do poder de decisão, em relação aos 40% dos usuários),
deve-se refletir para indagar o que poderão fazer os 20% da sociedade civil, no CBH, face aos 80% de
representantes dos poderes políticos executivos e dos agentes econômicos. Em certos Estados, como o
Paraná, a legislação transformou as possibilidades de participação em simples caricatura de debate.”
124
LEI Nº 9.433, DE 8 DE JANEIRO DE 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9433.htm> Acesso em 28 Out. 2017. Artigos 2º, 3º e 5º da
lei.
50

de uso de recursos hídricos, que tem como objetivo assegurar o controle e


qualidade dos usos da água e o exercício do direito de acesso à água; a cobrança
pelo uso de recursos hídricos, que possui como objetivo o reconhecimento da
água como bem econômico, fornecendo ao usuário a indicação do seu real valor
econômico; a criação do Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos, que
possui como objetivo a coleta, reunião e divulgação de informações hídrica,
servindo de subsídio para elaboração dos planos de recursos hídricos.

Cabe observar que os instrumentos da Política Nacional de Recursos


Hídricos possuem em sua base a valoração econômica como um de seus
principais fatores de controle, onde o enquadramento dos corpos de água visa a
redução dos custos no combate à poluição125, mas também prevê cobrança pelo
uso dos recursos hídricos126, sem fazer menção a questões socioeconômicas da
população envolvida. Mas há um ponto importante a ser reconhecido, qual seja,
o de que a previsão de dispensa de outorga, pelo poder público, no uso de
recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos
populacionais127, é um facilitador da efetivação do direito de acesso à água.

3.6.4 A LEI Nº 11.445, DE 5 DE JANEIRO DE 2007

A Lei 11.445 estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento


básico, reconhecendo a água como um dos conjuntos de serviços que integram128

125
LEI Nº 9.433, DE 8 DE JANEIRO DE 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9433.htm> Acesso em 28 Out. 2017. Art. 9º inc. I.
126
LEI Nº 9.433, DE 8 DE JANEIRO DE 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9433.htm> Acesso em 28 Out. 2017. Art. 20.
127
LEI Nº 9.433, DE 8 DE JANEIRO DE 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9433.htm> Acesso em 28 Out. 2017. Art. 12, § 1º inc. I
128
LEI Nº 11.445, DE 5 DE JANEIRO DE 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento
básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>
Acesso em 28 Out. 2017. “Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações operacionais de:
51

o saneamento básico e estabelecendo princípios e fundamentos que asseguram


o acesso a ela. Nessa lei, o os serviços públicos de saneamento básico são
representados pelos princípios de universalidade do acesso; integralidade da
prestação; proteção à saúde e ao meio ambiente; respeito às particularidades
locais e regionais; articulação com políticas de desenvolvimento urbano e
regional, de habitação, de combate à pobreza, de proteção ambiental, de saúde e
outras de relevante interesse social; sustentabilidade econômica;
progressividade das soluções, considerando a capacidade de pagamento dos
usuários; transparência; controle social; segurança e integração com a gestão de
recursos hídricos.129

A lei reconhece princípios que são de extrema valia para a efetivação do


direito de acesso à água e aborda a questão da sustentabilidade econômica da
atividade sem deixar de observar a desigualdade social e regional do país,
reafirmando as questões ambientais, a participação social na tomada de decisões
e prevendo o processo contínuo de implementação da infraestrutura. Ela serve,
assim, como uma grande ferramenta de efetivação do direito de acesso à água.

a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações


necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e
respectivos instrumentos de medição;”
129
LEI Nº 11.445, DE 5 DE JANEIRO DE 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento
básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>
Acesso em 28 Out. 2017. Art. 1º e 2º.
Conclusão
A água sempre foi um fator essencial para o desenvolvimento das
civilizações, sendo um recurso imprescindível para praticamente todas as
atividades que o ser humano desenvolve. A relativa abundância hídrica do
planeta conduziu o comportamento humano ao uso inadequado e desenfreado,
sem a observância aos cuidados devidos e com a falsa premissa de ser a água
um recurso renovável e inesgotável. Com o crescimento da população e aumento
da demanda, bem como com o crescimento do número de usos possíveis para os
recursos hídricos, o que se apresentava como inesgotável e plenamente
renovável passou a apresentar indícios de um provável colapso. Assim, a
escassez hídrica se tornou uma realidade.

Junto à crise hídrica, desenvolve-se a crise social. O acesso à água, que,


até então, encontrava-se livre, passou a ser valorado e segregado, tornando
necessário o reconhecimento do direito de acesso à água. Diante dessa
constatação, foi possível, com base na interpretação dos tratados e declarações
que formam o direito internacional dos direitos humanos, afirmar que existe um
direito humano à água. Foi também possível reconhecer o aceso à água como
condição necessária para a efetivação de outros direitos fundamentas, como
alimentação, saúde e dignidade. Contudo, a qualidade de condição necessária
para efetivação de outros direitos não afasta a autonomia do direito de acesso à
água, pois ela é um requisito necessário para sua própria efetivação.

No ordenamento brasileiro, o direito de acesso à água encontra-se


presente na Constituição Federal e em normas infraconstitucionais. Na
Constituição, o direito de acesso à água não aparece de forma expressa, sendo
necessária uma interpretação extensiva dos direitos fundamentais e sociais
elencados pelo constituinte. Já no direito infraconstitucional, é possível
53

encontrar norma expressa que trate diretamente da questão hídrica e o acesso à


água.

Junto ao reconhecimento do direito de acesso à água, foi introduzida a


valoração econômica dos recursos hídricos, mas a valoração econômica deve ser
devidamente ponderada, pois o seu uso pode acarretar no aumento da
desigualdade social e inviabilizar o acesso a recursos hídricos pela população
mais carente.

Portanto, deve-se reconhecer o direito de acesso à água tanto no


ordenamento nacional, quanto no ordenamento internacional. Sua efetivação
plena, seguindo o princípio da interdependência dos direitos humanos, depende
do reconhecimento e efetivação dos demais direitos humanos fundamentais.

O reconhecimento do direito de acesso à água no ordenamento nacional


e internacional é somente o primeiro passo de uma jornada, sendo necessária a
busca por sua efetivação. Infelizmente esse processo de efetivação ainda possui
um grande caminho a trilhar e o processo de valoração econômica pode
representar um grande obstáculo para a garantia do direito de acesso à água
como direito fundamental do homem.
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