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PALESTRA NA UNIVERSIDADE POSITIVO

Anotações

 Convenção n° 169 sobre povos indígenas e tribais e Resolução referente à ação da OIT /
Organização Internacional do Trabalho. - Brasilia: OIT, 2011
 Substituição à Convenção 107, que “até então considerada um marco histórico no
processo de emancipação social dos povos indígenas, passou a ser criticada por suas
tendências integracionistas e paternalistas, fato admitido pelo próprio Comitê de
Peritos que, em 1986, considerou-a obsoleta e sua aplicação inconveniente no mundo
moderno” (:7).
 Adotada em 1989: “com vistas a garantir a preservação e sobrevivência dos sistemas
de vida dos povos indígenas e tribais e sua ativa e efetiva participação no
planejamento e execução de projetos que lhes dissessem respeito” (:7).
 Crítica, no corpo do texto, à orientação assimilacionista das normas anteriores.

“primeiro instrumento internacional vinculante que trata especificamente dos


direitos dos povos indígenas e tribais” (:8).

“A Convenção aplica-se a povos em países independentes que são


considerados indígenas pelo fato de seus habitantes descenderem de povos da
mesma região geográfica que viviam no país na época da conquista ou no período
da colonização e de conservarem suas próprias instituições sociais, econômicas,
culturais e políticas. Aplica-se, também, a povos tribais cujas condições sociais,
culturais e econômicas os distinguem de outros segmentos da população
nacional.
A autoidentidade indígena ou tribal é uma inovação do instrumento, ao
instituí-la como critério subjetivo, mas fundamental, para a definição dos povos
sujeito da Convenção, isto é, nenhum Estado ou grupo social tem o direito de
negar a identidade a um povo indígena ou tribal que como tal ele próprio se
reconheça” (:8).

“Outra inovação é a distinção adotada na Convenção entre o termo


“populações”, que denota transitoriedade e contingencialidade, e o termo
“povos”, que caracteriza segmentos nacionais com identidade e organização
próprias, cosmovisão específica e relação especial com a terra que habitam” (:9).

 Preocupação da Convenção 169 com o direito à terra dos povos indígenas e tribais,
inclusive aquelas às quais tradicionalmente tiveram acesso para suas atividades e
subsistência, mesmo que não ocupadas exclusivamente por eles.

“Ao ratificarem a Convenção, os Estados membros comprometem-se a


adequar sua legislação e práticas nacionais a seus termos e disposições e a
desenvolver ações com vistas à sua aplicação integral. Assumem também o
compromisso de informar periodicamente a OIT sobre a aplicação da Convenção e
de acolher observações e recomendações dos órgãos de supervisão da
Organização” (:14).

 O Brasil se torna signatário da Convenção 169 em 2002.


 Reconhecimento, no corpo do texto da convenção, do desejo à autonomia dos povos
indígenas e tribais.
 Afirmação da situação de desigualdade social e econômica que marca a realidade de
vários desses povos.
 Valorização da diversidade.
 A partir destes princípios, a convenção afirma em seu Artigo 1º. que:

“1. A presente Convenção aplica-se a;


a) povos tribais em países independentes cujas condições sociais, culturais e
econômicas os distingam de outros segmentos da comunidade nacional e
cuja situação seja regida, total ou parcialmente, por seus próprios costumes
ou tradições ou por uma legislação ou regulações especiais;
b) povos em países independentes considerados indígenas pelo fato de
descenderem de populações que viviam no país ou região geográfica na
qual o país estava inserido no momento da sua conquista ou colonização ou
do estabelecimento de suas fronteiras atuais e que, independente de sua
condição jurídica, mantêm algumas de suas próprias instituições sociais,
econômicas, culturais e políticas ou todas elas.
2. A autoidentificação como indígena ou tribal deverá ser considerada um critério
fundamental para a definição dos grupos aos quais se aplicam as disposições
da presente Convenção.” (:17).
A Convenção 169 da OIT: Reflexões sobre a questão da identidade e dos processos de
autoidentificação

Liliana Porto

 Comentar a complexidade da Convenção sobre povos indígenas e tribais da OIT de 1989


(Convenção 169), que traz aspectos relacionados à definição desses povos e a vários
direitos sociais, culturais e políticos – entre os quais ao território, à autonomia, a uma
legislação própria, a processos de formação e ensino específicos, etc., além de acesso aos
direitos garantidos às populações nacionais como um todo.
 Ressaltar que, em publicação de 2011 sobre o tema, a OIT critica sua própria legislação
anterior como tendo tendências paternalistas e integracionistas. Também o texto da
convenção fala em ruptura com uma orientação assimilacionista característica das
normas anteriores. Marca, portanto, uma nova perspectiva de valorização da
diversidade e da autonomia de povos indígenas e tribais frente às sociedades nacionais
em que se inserem.
 Embora haja vários temas significativos na convenção segundo um olhar antropológico,
proponho-me a me deter no Artigo 1º., que define os sujeitos a que se refere a convenção,
bem como de que maneira serão reconhecidos/legitimados.
 Da definição:
“1. A presente Convenção aplica-se a;
a) povos tribais em países independentes cujas condições sociais, culturais e
econômicas os distingam de outros segmentos da comunidade nacional e
cuja situação seja regida, total ou parcialmente, por seus próprios costumes
ou tradições ou por uma legislação ou regulações especiais;
b) povos em países independentes considerados indígenas pelo fato de
descenderem de populações que viviam no país ou região geográfica na
qual o país estava inserido no momento da sua conquista ou colonização ou
do estabelecimento de suas fronteiras atuais e que, independente de sua
condição jurídica, mantêm algumas de suas próprias instituições sociais,
econômicas, culturais e políticas ou todas elas”.

1. É importante se ater ao que está sendo colocado como “tribal”, pois é esta parte
da definição dos sujeitos de direito que permite que os povos tradicionais
brasileiros – e não somente os indígenas – se incluam entre aqueles de que trata
a Convenção 169;
 A noção de senso comum de “tribal” como vinculada a uma organização
social em “tribos” pode levar a uma interpretação equivocada dos sujeitos
de direito a que a convenção se refere.
2. A especificidade dos povos em questão pode ser total ou parcial – o que abre
espaço para o reconhecimento de particularidades que não impliquem em um
grupo social isolado ou com características socioculturais radicalmente diversas
da sociedade nacional;
 Rompe-se, portanto, com uma noção substancializada de identidade – que
pressupõe uma unidade específica, coesa e totalizadora – e a consequente
negação de historicidade que a perspectiva assimilacionista traz – em que
qualquer mudança em um suposto “modelo original” implica em perda de
legitimidade, aculturação e, consequentemente, perda de direitos.
 Do reconhecimento:
“2. A autoidentificação como indígena ou tribal deverá ser considerada um
critério fundamental para a definição dos grupos aos quais se aplicam as
disposições da presente Convenção.”

1. Na medida em que é a autoidentificação a base da definição de identidade, não


cabe ao Estado “certificar”, por meios técnicos, a afirmação identitária de grupos
específicos.
 Isto nos faz pensar sobre o papel dos relatórios antropológicos em
processos judiciais relativos a estes grupos: eles não têm por objetivo
“atestar” a legitimidade da autoidentificação, mas tornar compreensível
para os operadores do direito de que maneira esta se constrói – além,
claro, de indicar o território tradicional do grupo (também definido pela
convenção de maneira ampla);
 São, portanto, documentos de mediação entre duas linguagens muito
diversas – do direito e dos povos tradicionais –, aproximando-se, a
meu ver, muito mais de uma tradução que de uma peça técnica.
2. A discussão sobre identidade passa a ocupar o centro das discussões jurídicas em
torno dos direitos dos povos indígenas e tribais (que denominarei, de forma mais
ampla, como povos tradicionais).

 Sobre a reflexão em torno da identidade da perspectiva antropológica:


 Quatro perspectivas distintas – sendo que a primeira a ser citada é vista como
ultrapassada na disciplina (embora ainda muito presente no senso comum), enquanto
as três outras dialogam entre si:
1. Identidade como substância: tem por base uma ideia de cultura como mônada,
com sua unidade ameaçada por qualquer forma de mudança frente a um modelo
“original” – o que se expressa pela noção de aculturação.
 Este modelo nega historicidade aos grupos, pois toda mudança é vista
automaticamente como sinônimo de desagregação e, consequentemente,
perda de legitimidade;
 Há apenas duas alternativas: ou se permanece em um “passado”
idealizado, ou se assimila à sociedade nacional (o que ocorre sempre em
uma situação de fragilidade e subordinação);
 Os grupos, em geral, são vistos a partir de uma perspectiva idealizada que
nega conflitos e dominações internas – aspecto relacionado à negação de
historicidade, pois os estímulos para a mudança seriam sempre fatores de
desagregação externos;
 Identidade é vista, portanto, como única, inquestionável e absoluta.
2. Identidade contrastiva: constituída no jogo político das identidades, que também
será responsável pela definição de quais aspectos distintivos serão valorizados e
qual identidade será mobilizada.
 Rompe com a ideia essencialista de identidade, apontando para seu
caráter contextual e a importância do jogo político em sua definição;
 Primeira reflexão neste sentido a partir de Evans-Pritchard em Os Nuer –
em que o autor, ao abordar a estrutura segmentar de identificação política
nuer, explicita como a identidade será definida a partir do contexto de sua
afirmação;
 Importância de Fredrik Barth na consolidação desta perspectiva, através
do texto de 1969 “Os grupos étnicos e suas fronteiras” – a identidade só é
afirmada a partir do contraste, e os elementos de distinção têm não um
valor substancial, mas de demarcador de diferenças;
 Esta perspectiva é fundamental na superação (inclusive política) das
limitações trazidas pela anterior, mas também provoca uma série de
controvérsias e incompreensões;
 Principalmente a ideia de que, por ser política e contrastiva, a
identidade é simplesmente instrumental, podendo ser mobilizada por
qualquer um, sempre que isto pareça vantajoso.
3. Identidade simbólica: os aspectos definidores da identidade são sempre abertos e
flexíveis o suficiente para permitir a identificação, como membros de um grupo, de
pessoas que se percebem de maneiras muito distintas.
 Novamente a questão da dinâmica das identidades se coloca, pois o
caráter de abertura simbólica de seus elementos constituintes possibilita
não somente mudanças visíveis, mas também interpretações várias sobre
o mesmo conjunto de símbolos.
 Se o contraste pode ser o impulso para a afirmação de uma identidade,
isto não implica em que o indivíduo não se sinta pertencente a certos
grupos – embora tal pertencimento não possa ter seus aspectos
inventariados de forma clara.
 Anthony Cohen é um expoente desta perspectiva.
4. Identidade como fator de constituição do sujeito: ênfase nas consequências dos
processos identitários para aqueles que passam por eles – pois, mesmo que
contextos políticos gerem determinadas identidades, a partir do momento em que
são assumidas, elas passam a ter consequências na organização do grupo e de seus
membros.
 A identidade nunca é totalmente instrumental: ela tem por base
memórias, a experiência de um passado comum, a possibilidade de
acionar tais memórias como base de afirmação identitária (a partir, claro,
de um contexto presente), e, ainda, de legitimá-la frente aos outros
grupos;
 Noção de etnogênese (João Pacheco de Oliveria, José Maurício Arruti para
os quilombolas) como expressão deste processo de mobilização de
elementos presentes na memória que estavam esquecidos, silenciados ou
reprimidos em um contexto político anterior. A valorização diferenciada
de tais elementos permite sua mobilização como base de uma nova
identidade no novo contexto;
 A partir do momento em que uma identidade é assumida a fim de
responder a uma nova situação política e de direitos, ela passa a ter
consequências significativas na vida do grupo e de seus membros – e
novamente a historicidade é aqui colocada.

 Para concluir, gostaria de ressaltar as complexidades dos contextos sociais, e como a


diversidade não se expressa da mesma forma para todos os grupos. Não é por acaso que a
Convenção 169 fala em “valores e práticas sociais, culturais, religiosos e espirituais” (Art.
5º.).
 Responsabilidade dos operadores do direito em reconhecer as sutilezas que devem ser
consideradas na avaliação de cada caso, bem como levar a sério a questão da
autoidentificação;
 Pensar na tarefa do antropólogo como mediador entre os grupos, na tentativa de
traduzir aspectos muitas vezes de difícil apreensão e interpretação para quem não tem
formação e experiência no contato com a diversidade.

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