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Julianna Costa

A 24ª Noite

São Paulo
2017

Gogo Books
Todos os direitos reservados e
protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998.

Este livro, ou qualquer parte dele, não


pode ser reproduzido por quaisquer meios sem
prévia autorização expressa da autora.
Prólogo
Eu sabia que era um sonho.
Eu aprendi a reconhecê-los muito bem de
modo que raramente seriam capazes de me
enganar.
Mas imagens - mesmo que apenas a ilusão
delas - ainda são capazes de criar emoções
reais.
E precisar assistir meu marido nu
estocando o corpo suado de uma mulher de
quatro era o tipo de imagem que certamente
causa emoções.
Seu corpo, firme e musculoso, era um que
eu conhecia melhor que o meu próprio. Cada
linha, cada parte deliciosa, cada imperfeição.
A mulher que ele comia com inabalável
convicção, no entanto, era completamente
desconhecida para mim. Suspeitava que, se o
sonho me permitisse vê-la, ela sequer teria um
rosto.
Não era da mulher que eu tinha medo.
Era da situação.
O conhecimento de que não era mais eu o
objeto do seu desejo era tudo que bastava para
prejudicar meu estômago e minha confiança.
Acordei sobressaltada.
Suando em meus lençóis.
Ouvindo meu coração reclamar das fortes
emoções a que fora submetido em um momento que
deveria ser de descanso.
Ao meu lado, Kio dormia á mercê de
sonhos pacíficos. Seu tórax despido oscilando
com o peso de sua respiração ritmada. As
pálpebras caídas e tranquilas.
Não havia nudez.
Não havia suor.
Não havia desconhecida de quatro ou
qualquer outra posição.
Mas ainda assim meu coração batia,
vítima de um agouro que meu melhor julgamento
não conseguia afastar.
Ergui a mão para tocar suas bochechas,
girando a aliança em meus dedos ao tocar sua
pele.
Talvez fosse o tempo de casamento,
talvez fosse o meu fatídico aniversário se
aproximando, ou talvez fosse a eterna
compreensão que nada dura para sempre e a
felicidade não pode ser exceção. De qualquer
um desses modos, minha reflexão sobre nossa
vida conjunta se tornava mais e mais cética.
O sonho se repetia com frequência… O
pesadelo.
Fechei os olhos deixando o corpo cair
sobre os travesseiros… tentando dormir…
tentando existir em minhas noites de algum
modo que não fosse nesse infindável suplício
de crer estar sozinha em uma interação que,
por definição, exige mais de uma pessoa.
“Estar casada” era meu verbo transitivo
para um complemento que parecia se esvair a
cada noite, forçando-me a acordar de cada
pesadelo sentindo que outro pedacinho de nós
dois tinha se perdido entre o então e o agora.
Pedaços de nosso relacionamento que ficavam
agarrados ao mundo dos sonhos. Dormiam comigo,
eu acordava sozinha.
Mais uma noite de sonhos atribulados.
Mais uma noite sem descanso.
Acordei com o sol nos meus olhos.
Levantei devagar, afastando os lençóis e a dor
de cabeça para descobrir que era possível ter
sucesso apenas em um dos dois. O porta-retrato
em minha mesa de cabeceira trazia minha foto
favorita de nós dois. Estávamos juntos há duas
semanas quando ela foi tirada. Ao acaso, no
meio da rua. Eu estava despenteada pelo vento,
ele com um olhar de surpresa. Mas nossos
sorrisos eram uma representação perfeita de um
amor que tínhamos acabado de descobrir. Um
amor que eu temia estar perdendo.
Tomei meu café com ceticismo: foi só um
sonho. Só uma sequência de ideias soltas e
incoerentes, fantasias horrorosas que minha
mente me presenteava depois de um dia nutrindo
receios do que se passava com meu marido em
minha ausência.
- Feliz aniversário. - ele murmurou,
quente, ao me abraçar.
- Bom dia. - ensaiei um sorriso culpado.
- Você é realmente terrível de
surpreender. - reclamou - Queria te levar o
café na cama, mas é impossível levantar antes
de você.
Ele se adiantou para a cozinha e eu
achei melhor interferir. Com um pincel e
canetas, Kio era um artista, mas com panelas e
temperos ele era um furacão do qual pouca
coisa era capaz de sobreviver.
- Por que não me deixa fazer isso? - ri.
- Você não confia mesmo em mim, não é? -
beijou meus cabelos fazendo-me congelar.
Alheio aos meus pesadelos, Kio se
referia apenas ao uso do sal, enquanto eu dava
à pergunta “você não confia em mim?” todo tipo
de significado. Engoli em seco.
- Não é seu melhor talento.
- Não. - ele me abraçou pela cintura e
ficou ali, me beijando, me respirando.
Eu gostava do toque de sua boca mais do
que de qualquer outra coisa. Fossem nos meus
lábios ou outra parte… quanto mais íntima,
melhor. Preparei os sanduíches com uma
agilidade cuidadosa, evitando que ele se
metesse em qualquer parte do processo.
- Meu Deus, mulher, são alfaces! Eu
consigo lavar alfaces.
- Sem usar detergente? - arregalei os
olhos.
- Fiz isso uma vez! Uma só. - cantarolou
ao meu redor, enchendo os copos de suco - E
porque eu realmente não sabia que…
Ergui as sobrancelhas para sua pífia
tentativa de defender uma conduta tão absurda.
- Tá, eu sou um desastre. - suas mãos
estavam na minha cintura mais uma vez,
metodicamente acompanhando meu trabalho - Não
sei cozinhar… Mas pelo menos eu sei comer. -
sussurrou a palavra quente em meu ouvido,
impondo-lhe um sentido que não seria seu por
natureza.
Deixei que mordesse minha orelha por uns
instantes, mas logo impedi seus avanços.
Kio acordava especialmente erótico. O
que seria ótimo, não fosse minha noite inteira
de divagações acerca de sua fidelidade. Eu era
a antítese de toda sua excitação matinal.
Claro que o dia mudava tudo… eu passava
horas cozinhando em críticas sobre nossa vida
sexual restrita e diminuta. Era até difícil
acreditar que nós dois - libertos e libertinos
- tínhamos atingindo um nível tão medíocre de
rotina. E isso me preocupava. O jargão de que
“ele buscaria na rua o que não tinha em casa”
me assombrava em minhas horas despertas tanto
quanto as visões de seu sexo com a
desconhecida me assombravam em minhas horas
dormentes.
Era um fato: eu mudei e me descobri
adoradora da vida sexual. Mas Kio era o
roteirista de quadrinhos eróticos que tinha
passado seus melhores anos com uma mulher
diferente na cama a cada noite.
No começo, enquanto me teve carnal e
animada, ele não deve ter sentido falta. Eram
novidades demais. Descobertas novas todas as
noites.
Mas o tempo passou e o calor esfriou com
as brisas da repetição. Mal tínhamos nos
tocado na última semana e eu sequer podia
dizer que isso era incomum.
Ele tinha sexo pouco e padrão. Se ainda
não estava enjoado, em breve estaria. Era uma
questão de tempo.
Esses pensamentos obsessivos não
estimulavam minha libido, mas estimulavam
minha necessidade. Às noites, eu era a erótica
do casal. Não por fome, mas por medo de perder
a refeição. E o sexo que era pouco e parco
tornava-se também ruim.
Não “ruim”. Mas… comum.
Não tão bom quanto um dia foi.
Eu sentia isso e sabia que ele também.
Estávamos fora de sincronia e eu não
sabia o que fazer para encontrar um ritmo que
funcionasse.
Eu tinha as noites. Ele tinha as manhãs.
Nunca estávamos juntos em nossa
excitação e desejo.
Mas era manhã, o que significava que Kio
estava insistindo em possibilidades, enquanto
eu estava vestida e pronta para sair. Ele
respeitava minhas negativas sem demonstrar
qualquer contrariedade. Um sorriso e uma
porção de beijos nos meus lábios. Um tapa
gostoso na minha bunda quando eu não dava um
na bunda dele.
- Vai lá encontrar o próximo bestseller!
- ele me desejava piscando um olho orgulhoso -
Ou outro Nobel, só pra diversificar. - dava de
ombros, como se aquilo tudo fosse simplório
demais pra mim.
- Vou tentar. - ri, beijando sua
bochecha.
Ele me agarrou pela cintura, me
impedindo de partir.
- Eu já te desejei feliz aniversário? -
seu beijo era doce. E, às vezes, eu sentia que
ele era mais doce do que eu merecia.
- Já. - murmurei, recebendo suas
lambidas discretas e carinhosas.
- A gente almoça?
- Faz parte das três principais
refeições do dia, amor. - brinquei.
- Juntos? - ele revirou os olhos para
minha piada sem jeito.
- Você pode? Tem andado tão ocupado com
esse projeto novo. - ergui um ombro, delicada
- Não quero incomodar.
- Na, amor… - roçou nossos narizes com
um sorriso contagiante - O que me incomoda é o
trabalho. - riu-se - Não você. Nunca você.
Beijos.
Outros beijos.
Tantos beijos.
Por que ele não podia ser assim nos meus
sonhos?
Seu celular apitou em cima da mesa e ele
me largou, correndo para apanhá-lo.
Eu respirei fundo.
É por isso.
Era por isso que meus sonhos eram
incertos.
Era por isso que minha convicção
falhava.
Notei pela primeira vez há algumas
semanas… logo antes dos pesadelos começarem.
Os pulos quando o celular dava qualquer
sinal de vida. O cuidado para que eu nunca
visse suas mensagens. As conversas sussurradas
quando ele acreditava que eu estava no banho.
A impressão digital cadastrada em um celular
que nunca antes teve senha.
Foi também nessa época que ele me disse
“não” pela primeira vez.
Naquela noite, eu insisti, apesar de
cansada, mas não houve sexo. Não houve porque
ele considerou que seria melhor irmos
simplesmente dormir.
O animal mais erótico que eu já tinha
conhecido, passava seus dias cercados por
quadrinhos de personagens fodendo a frente dos
mais variados backgrounds, envolvidos pelos
mais exóticos contextos.
E ainda assim, ele não me quis.
Algo estava acontecendo.
E isso me engolia por dentro.
Me engoliu a manhã inteira.
- E aí aniversariante, tudo pronto para
o fim de semana? - assim que cheguei ao
trabalho, Suzanne me cutucou com o cotovelo
depois de me desejar os parabéns.
- Fim de semana?
- É, você não vai para aquele resort
maluco?
- Ah… Não. Eu só… pensei em ir, mas não
cheguei a fazer a reserva.
- Por que não? Um fim de semana
romântico e erótico só pra você e o garanhão?
- riu.
- Não sei. Não sei se eu e Kio estamos
em um momento bom.
Era o melhor momento, na verdade. Talvez
eu pudesse aprender algo novo para deixar meu
homem entretido. Acho que algo em minha
expressão deve ter ativado o modo melhor amiga
de Suz.
- O que houve?
- Nada. - decidi - Ele tem estado bem
ocupado no trabalho. Eu também! Só isso.
- Hmm… - ela se afastou quando algo
exigiu sua atenção. Mas não acho que estava
convencida.
Não fazia diferença para mim.
Eu tinha coisas bem mais preocupantes
flutuando em minha mente naquela manhã.
“Ser traída” é verbo intransitivo.
Que se foda o complemento. Por mais que
ele te ame, acredite em você ou tenha te
dedicado anos da vida.
As companhias de um verbo intransitivo
podem ser muitas, mas são sempre
desnecessárias. Existem apenas para magoar.
Para te mostrar o quanto você estava errada em
acreditar que era diferente.
Eu já tinha passado por aquilo antes, o
suficiente para saber reconhecer os indícios.
As pequenas pistas que gritam “ele está
mentindo”, mas você escolhe ignorar porque a
confiança que tem para outro é maior que a
honestidade que tem para si mesma.
Da última vez, eu era noiva. Tinha
mudado de cidade por causa dele. Estava
entretendo sua mãe e irmã pela cidade enquanto
ele comia a desconhecida de quatro em cima da
nossa cama.
Precisei encarar partes de mim mesma que
eu sequer sabia que tinha em minha jornada
para superar as cicatrizes que aquele acaso
deixou em meu espírito. E verdadeiramente
acreditei que era uma nova mulher. Eu tinha
mudado, me tornado alguém que eu mesma
admirava. Uma mulher forte, segura, confiante.
E poucos anos depois, ali estava eu: batendo
na mesma porta. Insegura e perdida em
pesadelos de infidelidade.
- Oi, amor. - seu beijo se demorou em
minha boca quando o encontrei para o almoço.
Outro sanduíche rápido. Ele não tinha
tempo, mas queria me ver.
Ele nunca tinha tempo.
“Querer me ver” era a novidade na
equação.
- Desculpe a pressa! Mas eu realmente
preciso voltar ao trabalho. À noite, sou todo
seu. - tomou minha mão.
- Kio, você não precisa fazer isso! Se
está com pressa…
- Nahia, é seu aniversário. Não se faz
trinta anos todos os dias e eu vou ficar
grudado em você por cada minuto que puder.
Expirei, exausta, e vi sua expressão
mudar. Seu sorriso murchou como se ele também
estivesse cansado.
Eram raros os momentos em que ele me
deixava notar, e tenho certeza que nunca eram
intencionais… Mas acontecia. Aqui e ali eu
percebia seu humor se desfazendo, como se uma
máscara caísse no instante que ele acreditava
que eu não estava mais olhando.
Tudo isso contribuía para que eu não
conseguia afastar aquela sensação desagradável
de que algo estava errado.
Algo horrivelmente errado em minha vida
e eu precisava descobrir o que era, antes que
ela me destruísse.
- Preciso de uma água. - ele massageou
as têmporas antes de olhar ao redor, como se
quisesse se livrar de mim - Você quer mais
alguma coisa?
- Não, estou bem. - acenei quando ele se
levantou para o balcão.
Quando seu telefone vibrou entre o que
restou de nossos sanduíches, eu ainda tentei
me convencer que nada bom viria de investigar
sua intimidade.
Mas ele estava piscando bem em cima da
mesa, sem nenhum pudor.
Exibindo um rosto feminino que eu
conhecia bem e as palavras curtas de sua
mensagem que dizia “Esperando. Você vem?”
Meu receio sempre tinha sido da situação
e não da pessoa. Mas ver a foto, bela e
sorridente, de sua colega de trabalho apitando
na sua tela foi suficiente pra me mostrar o
nível do meu engano. E agora, eu também estava
com receio da pessoa.
Lana era a colorista nova do estúdio.
Kio a tinha contratado há uns dois meses… 22
anos, saída da faculdade e perfeitamente
apaixonada por todo tipo de arte que meu
marido desenvolvia. Ela provavelmente já tinha
esquecido mais sobre quadrinhos do que eu
jamais poderia saber e, sempre que eu via os
dois juntos, era claro que havia bastante
assunto.
A intimidade de sua mensagem me causou
desconforto.
Ele era seu chefe, não seu amigo.
Não era?
Kio estava de volta e sua atenção foi
primeiro para o celular e depois para mim.
- Ah, droga. Amor, preciso ir.
Olhei para o relógio calculando que ele
tinha passado comigo menos da metade do tempo
que normalmente dedica ao almoço.
- As coisas estão bem caóticas no
estúdio hoje. É esse projeto novo. - explicou,
beijando minha bochecha.
- Claro. - murmurei.
- Te vejo de noite? - sorriu, apontando
para mim, animado, misturando promessa e
convite.
Precisei de dez segundos inteiros para
decidir que queria segui-lo.
Precisava segui-lo porque realidade tem
limites, mas imaginação não. E a minha
imaginação estava completamente fora de
controle há algum tempo. Minha sanidade não ia
resistir.
Certo, Nahia, vamos fazer isso.
Eu me levantei com cuidado para não
perdê-lo de vista.
Ele fazia o caminho para o estúdio,
atravessando as ruas cheias, e eu estava
começando a me sentir ridícula quando ele
virou a esquerda em um momento que deveria
virar a direita.
Fiquei parada no cruzamento, ouvindo
minha própria respiração.
Ele não estava indo para o estúdio.
Apressei o passo para não perdê-lo na
multidão até vê-lo entrar em uma rua mais
vazia. Um prédio residencial pequeno. Ele
tocou a campainha e enfiou as mãos nos bolsos.
Alguém abriu a porta. Uma troca de sorrisos.
Uma troca de abraços. Um convite para entrar.
Era ela.
Lana.
A colorista.
Se eles estavam trabalhando, por que não
estavam no estúdio?
E se não estavam trabalhando, o que
estavam fazendo?
Esfreguei os olhos sentindo o ardor das
lágrimas.
Ter um homem que te trai no dia do seu
aniversário é melhor ou pior do que um que te
trai na sua cama enquanto você está na rua com
a mãe e irmã dele?
Eu estava quase calma com a descoberta.
Resignada.
Eu preferia saber.
Era melhor do que aquela dúvida permeada
de pesadelos e noites insones.
Colegas me desejavam os parabéns.
Trouxeram-me um bolo e flores. Mas nada
aquietava meu ânimo. Em certo momento da
tarde, decidi que seria melhor ir embora de
uma vez, porque se eu tivesse que forçar mais
um sorriso, iria explodir.
Eu ia precisar conversar com Kio a
respeito daquilo, mas não sabia como. Como ter
certeza que ele não ia mentir? E se ele
confessasse o romance com a jovem colorista…
eu ia mesmo querer ouvir?
Mas antes de conversas, mentiras ou
confissões… eu precisava de álcool.
Não se faz trinta anos todos os dias e
eu sentia o peso do dia e o peso dos anos
montados em meus ombros e quebrando minha
coluna.
Nahia, você é jovem pra caralho, pare de
ser neurótica.
Esfreguei as têmporas e pedi mais uma
dose ao garçom. Mandei uma mensagem para Kio
dizendo que ia me atrasar.
Se apenas houvesse um superpoder em que
você conseguisse se obrigar a acreditar em
algo apenas por dizer as palavras em voz alta.
Um superpoder em que genuíno bom senso pudesse
afastar receios irreais.
Acho que seria um poder muito mais
interessante que invisibilidade, por exemplo.
Quadrinhos mostram super-heróis que tem o
controle sobre a mente dos outros, enquanto
vivemos em um mundo onde sequer temos controle
sobre nossas próprias mentes. Nossas neuroses,
receios e mais íntimas aflições engolem nossa
carne enquanto nós sorrimos e fingimos que
nunca nos preocupamos com nada daquilo porque
sabemos que é absurdo.
Mas, o horror da vida é a Cruz que só
pesa nos ombros de quem a carrega e de ninguém
mais. Se apenas, aos nossos olhos, nossos
problemas parecessem tão simples quanto
parecem aos dos outros, tudo na vida estaria
resolvido.
Outra dose.
Outra dose para aceitar a realidade que,
infelizmente, a vida não é tão simples assim.
E não havia nada que eu pudesse dizer em voz
alta para mudar o fato de que ele virou à
esquerda quando deveria ter virado à direita.
Meu celular tocou longamente. Mas eu
sequer fiz menção de retirá-lo da bolsa.
Era meu aniversário e a cada dose que
passava eu percebia que queria mais uma.
Fui abordada três vezes por homens
interessados em minha companhia e, na quarta,
quando me percebi sorrindo, notei que já devia
estar na hora de ir pra casa.
Minha dor de cabeça não tinha me
abandonado. Mais fiel que meu marido, ao que
tudo indicava.
Demorei para conseguir fazer a fechadura
aceitar a chave e tropecei para dentro do
apartamento quando a porta finalmente se
abriu. Kio estava de pé, no meio da sala.
Tinha o telefone colado no ouvido e uma
expressão que era um misto de alívio e fúria.
- Onde você estava? - rugiu, me puxando
para um abraço desesperado - Ela está aqui. -
falou para o telefone - Ela chegou. Obrigado,
a gente se fala depois. - desligou o telefone,
largando-o sobre o sofá - Nahia, minha próxima
ligação ia ser pra polícia! - explicou em
pânico - Ninguém sabia onde você estava!
Disseram que você saiu do trabalho há horas!
Ele estava indignado comigo?
Ele?
Comigo?
Se alguém deveria estar indignado, era
eu!
Respirei fundo para começar a lhe
explicar isso, mas as comidas e copos de papel
espalhados pela sala chamaram minha atenção.
- O que… O que é isso?
- Isso foi a festa surpresa que eu
passei o último mês preparando pra você. -
seus ombros caíram - Mas você desapareceu e as
pessoas precisaram ir embora. Elas trabalham
amanhã.
Olhei para o relógio. Já passava das
onze horas. Eu não tinha percebido quanto
tempo passei.
- Kio, nós precisamos conversar. -
engoli em seco.
- Ótimo, podemos começar com onde você
estava? Por que desapareceu? O que… o que
aconteceu? Nahia, você quase me mata. -
sentou-se no sofá com uma expressão cansada de
quem não devia ter parado para respirar há
algumas horas.
- Sinto muito. - acenei - Mas eu vi uma
coisa que me perturbou bastante.
- Tá…? - incentivou que eu continuasse.
- Por favor, não minta pra mim. - prendi
os lábios, desejando não ter bebido tanto, meu
raciocínio estava nebuloso e dificilmente
conseguiria colocar as palavras na ordem
certa.
- Não vou mentir pra você. - estreitou
os olhos sem compreender - Você está… bêbada?
- Você está tendo um caso com a Lana?
- O quê? - seu rosnado foi baixo e
indignado. Sua careta foi de nojo.
- Só responda a pergunta. - pedi.
- Não, eu não estou tendo um caso com a
Lana. Nem com ninguém. O quê… - levantou-se e
era a epítome da indignação - Você me seguiu?
- ele estava de pé e eu congelei - Você me
seguiu. - acenou, com raiva - Você me seguiu.
- repetiu, baixinho, só para si, como se
aquilo doesse mais que meu desaparecimento.
- Segui. - engoli em seco - E vi você
entrando no apartamento dela. O que estava
fazendo lá?
Kio ficou muito sério. Encarava-me como
se ofensa nenhuma na vida pudesse ser maior
que aquela. Como se eu estivesse destruindo
nosso casamento e dizendo “nunca mais”.
E então começou a rir.
Não foi um riso divertido de
descontração, mas um riso surdo de desespero
furioso.
- Ainda bem que eu tenho provas, não é?
- O quê?
- Provas. - repetiu devagar, colérico -
Provas do que eu estava fazendo lá. Porque
acho que se fosse só minha palavra você não ia
acreditar.
- Kio…
- Aqui. - ele apontou para algo no canto
da sala que eu ainda não tinha percebido.
Estava embrulhado em um papel de presente, era
grande e retangular - Seu presente de
aniversário. Mas deixa que eu abro.
Ele rasgou o papel e colocou a enorme
tela em cima da mesa.
Era a foto.
Nossa foto.
A minha favorita.
As duas semanas do começo do namoro.
Tinha sido reproduzido no traço de
mangá… no traço dele. A assinatura no canto da
tela não deixava dúvidas…. Ele tinha desenhado
nossa foto nos mais ínfimos detalhes em uma
tela imensa. Aquilo deve ter dado um trabalho
horrível, um trabalho de… semanas.
Minha dor de cabeça piorou.
O desenho estava pintado.
Minha dor de cabeça estava horrível.
- Paguei Lana para pintar a ilustração.
- apontou, furioso - Sombras nunca foram meu
forte, como você bem sabe. Pedi que ela
mantivesse o desenho na casa dela enquanto
trabalhávamos, porque às vezes você vai ao
estúdio e eu não sabia como esconder. -
sorriu, amarelo - Queria que fosse surpresa.
Quer ver nossa troca de emails e mensagens?
Aqui. - entregou-me o celular - Pode acessar
meu computador também se quiser.
- Kio…
- Ativar o gps, assim sempre pode saber
onde eu estou. - sua cólera estava aumentando
- Pode marcar um polígrafo também, um soro da
verdade.
- Kio…
- EU NÃO SOU ELE! - enfiou o indicador
no próprio peito - Não sou o Brian, não sou o
Colin… não sou nenhum deles, Nahia. E eu
entendo… eu entendo de verdade que quando
essas coisas acontecem com a gente, é difícil
superar. É impossível esquecer. Quebra nossa
confiança pra sempre. Eu sei. Mas se você me
confunde com um deles, você me ofende. Me
ofende muito.
Senti uma lágrima descendo pelos meus
cílios.
- Ah, droga. - seus ombros caíram - Eu
te amo. - ele disse as palavras como se elas
doessem - Achei que… que era diferente, com a
gente. Achei que você acreditava nisso.
- Eu acredito.
- Agora? Mas não antes?
- Você estava estranho, Kio. Arredio,
cheio de segredos.
- Era uma surpresa!
- No último mês! Mas antes disso, nossa
vida sexual já… - eu engoli as palavras
Ele esperou por muitos segundos antes de
aceitar que aquilo era tudo que eu pretendia
dizer.
- “Já…” o quê? O que houve?
Como eu poderia responder aquela
pergunta? Como você olha pro homem que você
ama e admite que sabe que você não está sendo
suficiente? Como promete que as coisas vão
melhorar quando você mesma não tem certeza
disso?
- Nahia? - ele pediu - Me diz. Conversa
comigo! Me explica.
Eu encarei o chão, procurando as
palavras embora soubesse que elas não
existiam.
- Eu não quis te magoar. Eu só…
- Você só me seguiu, Na. - suas palavras
foram quietas, murmuradas quase como um
segredo indecente - Sabe o que isso faz com
nosso casamento?
- Eu só precisava ter certeza. - as
palavras mal saíam - Precisava saber os fatos.
- Você não confia em mim. - ele tinha as
mãos nos cabelos - Esse é o fato.
- Eu… eu…
Ele tinha razão.
Aquele era o fato.
O que fazer agora?
Ele balançou a cabeça, percebendo que eu
não ia conseguir terminar a frase por não
saber o que dizer. Aproximou-se devagar e me
abraçou. Fiquei miúda entre seus braços
enormes, me encolhendo no seu calor sem saber
como pedir desculpas. Sem saber como consertar
o que eu tinha quebrado.
- Feliz aniversário, amor. - ele estava
querendo encerrar a briga, mas não havia
emoção em sua voz.
- Amor, por favor, eu sinto muito. -
murmurei.
- Tá bem. A gente conversa amanhã. - deu
de ombros, finalmente derrotado pela exaustão
- Acho que os dois precisamos descansar. E
você tem que comer alguma coisa. - apontou
para os pratos espalhados pela casa - Não fui
eu que fiz, pode ficar tranquila. - tentou
sorrir dando um ar leve a brincadeira, mas
falhou.
Já estava no corredor, quando se voltou
para mim.
- Ah… a ilustração foi só um dos
presentes. Fiz a reserva para o fim de semana,
no resort erótico para casais. Não sei se
ainda vai valer a pena ir, considerando, mas…
- seu sorriso não tinha vida.
“Considerando” o quê?
- Acho que devemos ir. - sorri,
estimulando-o, mas eu sentia o nervosismo em
cada um de meus trejeitos - Acho que vai ser
divertido.
Ele não respondeu.
Apenas deu de ombros e se foi.
Desaparecendo nas sombras, devagar.
Comi alguma coisa apesar de meu estômago
não estar particularmente receptivo, tomei um
banho longo e me deitei.
Kio estava deitado. Não sei se já
dormia… De todo modo, não se manifestou com
minha presença e eu achei melhor lhe dar seu
espaço.
Maldita insegurança.
Maldita insegurança que tinha sido
palpável a ponto de me fazer questionar algo
que não deveria ter sido questionado. Nosso
relacionamento sempre tinha sido tão limpo.
Imaculado. E então isso.
Dentro de mim, acumulava-se um rancor
dedicado às minhas próprias ações que se
combinava a uma certeza de minhas suspeitas.
Demorei uma eternidade para conseguir
dormir e, quando o sono finalmente veio, Kio
estava esperando por mim.
Usava as mesmas roupas com as quais me
recebeu em casa. Tinha o misto de alívio e
fúria no rosto. Os braços cruzados, uma
postura triste.
- Achei que você não precisava mais de
mim. - ele disse.
Enfiei as mãos nos cabelos. Ele nunca
interagia comigo, em meus pesadelos. Era
sempre ele e a desconhecida.
Mas hoje não era um dia comum e meu
subconsciente devia ter preparado algo
especialmente desagradável.
- Onde está sua amiga? - suspirei - Não
vai ficar com ela hoje?
Kio sorriu.
Não seu sorriso safado ou romântico.
Um sorriso amigo.
Quase fraternal.
Um que não lhe cabia.
- Não. - ele estava desabotoando a
camisa - Hoje, eu vou ficar com você.
Respirei fundo para lhe perguntar o que
queria dizer, mas sua camisa estava aberta.
Seu tórax nu de músculos desenhados que
eu conhecia tão bem, não fosse por um único
detalhe.
Uma cicatriz longa e rosada lhe
atravessava o peito.
Uma cicatriz que meu Kio nunca teve.
Uma cicatriz que só podia significar uma
coisa.
Avancei para perto dele, enlaçando seu
pescoço com meus braços. Mantendo-o perto e
apertado.
- Olá, Nahia.
- Eu achei que você tinha ido embora.
- E fui. - ele tentou se livrar dos meus
braços, mas não sei se era capaz de soltar.
Não ainda.
- Mas agora está de volta? - ele
insistiu e eu precisei me afastar. Sentia as
lágrimas lavando meu rosto. Ele não respondeu
- Está?
- Talvez. - acenou - Mas não sei se vai
gostar do que eu tenho pra dizer.
A 1ª Noite
Eu nunca descobri o que Amadeo era.
Mas ele me salvou em mais sentidos do
que o dicionário seria capaz de definir.
Anos atrás, quando eu tinha medo de
viver e vergonha de existir, ele visitou meus
sonhos por muitas noites, vinte e três delas,
para ser exata, e me desafiou a experimentar
ser mais do que eu era. Ir além do que eu
estava habituada a ir.
E eu aceitei seu desafio: foi a decisão
que mudou tudo.
- É bom que esteja de volta. - decidi -
Porque seja lá o que você fez comigo da última
vez, está falhando.
- O que eu fiz com você?
Era estranho assisti-lo usar o corpo de
Kio.
- Nahia, eu não fiz nada.
- Tá, eu sei, fui eu que fiz. Mas está
falhando. Você pode usar outro corpo?
- Outro corpo?
- É. Por favor. - suspirei, abraçando-
me.
Amadeo inclinou o rosto de Kio para me
observar com seus olhos estreitos e escuros.
Ele poderia me perguntar por que eu pedia
aquilo, mas algo me dizia que ele saberia
responder essa pergunta melhor do que eu.
Fosse Amadeo uma representação do meu
subconsciente ou um evento sobrenatural, a
consequência era a mesma: ele me conhecia
melhor. Não havia segredos que eu pudesse
manter dele, ou mentiras que permanecessem
críveis.
O tempo, nos sonhos, age sem regras. E a
mudança de Amadeo não foi diferente. Um
instante fugaz e o olhar carinhoso de meu
marido se foi, como se nunca estivesse ali.
Foi o corpo de Brian que meu conselheiro
noturno escolheu usar. O corpo do homem que me
traiu de verdade, ao invés de apenas em minha
imaginação.
- Prefere assim? - desafiou - Falar
verdades para um homem que você despreza é
mais fácil do que para um que você ama?
- Não prefiro assim. - rosnei - Troque
de novo.
- E você acha que está falhando. A Nahia
que eu conheci não saberia impor suas decisões
desse modo, porque ela mesma sequer sabia o
que queria.
- Troque, Amadeo.
- E que diferença vai fazer? As verdades
vão mudar?
- Não quero ter que encarar meu ex
enquanto falo sobre como não sei satisfazer
meu marido.
- Não sabe?
- O sexo não é como antes.
- Elabore.
- Não é como antes! O que mais há para
dizer? Quando nos conhecemos mal conseguíamos
tirar as mãos um do outro. Eu o deixava louco.
Tudo que ele fazia me excitava, me comia
devagar misturando o foder com fazer amor,
todas as noites. Me beijava no chuveiro com
tanta lascívia que quando eu deitava para
dormir já estava molhada de novo. Uma vez me
levou ao orgasmo com nada além de sussurros. E
hoje…
- Não há mais orgasmos? Não há mais
beijos molhados de lascívia?
- Não é isso. - respirei fundo - A
primeira vez aconteceu sem que eu percebesse.
Estávamos casados já há dois anos, o estúdio
tinha começado a trabalhar com animação e a
editora estava desenvolvendo um novo selo.
Quando me notei com desejo, percebi que há
duas semanas ele não me tocava. Eu não o
tocava. Duas semanas, eu… - engasguei - Foi
absurdo. Algo que nunca tinha acontecido
conosco. Duas semanas inteiras sem sexo não é…
não é… normal.
Amadeo estava rindo, mas era o sorriso
de Brian que ele usava e isso me enfurecia.
- Não é normal para nós. - acrescentei.
- Porque vocês são entidades diferentes
do resto do mundo?
- É frustrante! Decepcionante saber que
nos perdemos em mediocridade depois do começo
que tivemos. Sinto como se a vida tivesse me
enganado.
- E “medíocre”, no caso, é ter um
relacionamento feliz e saudável com alguém que
te ama há anos? Ou “medíocre” é como você
chama a vida que não é o que comédias-
românticas te prometeram? É “medíocre” chegar
em casa cansado e preferir um banho quente e
um filme a uma noite suada de sexo? “Medíocre”
ultrapassar o estágio da relação em que a
paixão furiosa se desfaz dando lugar a um
companheirismo verdadeiro? “Medíocre”
descobrir que o companheirismo é real e
profundo o suficiente para manter duas pessoas
unidas por um vínculo arbitrário de carinho
por anos e anos? Isso é o que você chama de
medíocre? Isso é o que você considera mundano?
Isso é o que você considera falhar? Então não
foi a vida que te enganou, Nahia. Foi você
mesma.
- Eu não esperava sexo selvagem para
sempre, Amadeo.
- É exatamente isso que você esperava.
Não minta pra mim. É inútil. Mas todo
relacionamento passa por estágios e o seu não
é diferente. O tesão inesgotável se esgota.
Nada mata sexo selvagem como a rotina. Mas
isso não é sinal de fracasso. Acho que desde
que as pessoas estejam felizes, nada é.
- Ah não?
- Você se separou de Brian. Foi um
fracasso? Ter se livrado dele?
- NÃO!
- Você está com Kio porque o ama. Mas se
não o amasse… se há anos atrás quando o sexo
começasse a diminuir em frequência, vocês não
tivessem encontrado um companheiro um no
outro, e tivessem buscado seus caminhos
separados: teria sido um fracasso?
- Seria. - murmurei.
- Ah é mesmo? A alternativa sendo ficar
com um homem que você não amava, que não era
seu companheiro e com quem não havia sexo.
Isso seria sucesso pra você? Um relacionamento
bem sucedido é aquele que te deixa feliz. Seja
ele como for. E, se ele não te deixa feliz,
“sucesso” é termina-lo.
- Então, se eu sou feliz com Kio tenho
que me conformar com nossa vida sexual?
Amadeo me encarou com os olhos de Brian
e havia decepção em todo o seu semblante.
- O que foi? - assustei-me.
- Você estava com medo de voltar ao
ponto de partida por ter se sentido insegura.
Mas não foi sua insegurança que te levou de
volta à Nahia que você era antes de nos
conhecermos. O que te levou de volta foi isso
que disse. Isso, agora mesmo.
- Amadeo…
- Você não precisa se conformar com
nada, Nahia. Nada. Achei que já tinha
entendido isso.
- Mas eu não estou conformada!
- Se não faz nada pra mudar, então está
conformada.
- Mas eu tento mudar!
- Como? Forçando investidas sexuais
todas as noites, apesar de seu cansaço, apenas
por acreditar que é isso que ele quer?
- Pare de me fazer perguntas! - implorei
- Pare de me jogar hipóteses! Só me diga! Me
diga como consertar!
Ele deu um passo para trás e eu percebi
que usava um corpo diferente. Brian tinha ido
embora. Amadeo era um jovem de cabelos
dourados de sol e pele bronzeada. Seu corpo
estava molhado, pingando pelos braços e
cabelos. O tórax, ainda desnudo, trazia sua
eterna cicatriz que não me deixaria enganar.
- Você quer melhorar a vida sexual do
casal. - segurou meus ombros com intensidade.
- Sim? - encarei o corpo definido do
estranho, tentando entender o que Amadeo
queria dessa vez.
- Mas o sexo do casal é bom e frequente.
A vida sexual do casal não precisa mudar. -
sorriu - O que precisa mudar é a sua.
- A minha? Está querendo que eu fique
com outras pessoas, Amadeo? Querendo que eu
fique com ele? - apontei para o corpo que ele
escolheu usar - Porque eu e Kio experimentamos
isso, às vezes, mas não acho que é a solução
aqui.
- Não é uma questão de com quem você
fica, ou onde. É uma questão de “como” e de
“porque”
- “Como” e “Porque”?
- Por que você transa? Você está com
vontade? E como você transa? De um jeito que
você gosta?
- Ah, então eu só devo ficar com ele do
jeito que eu quiser?
- Você fica com ele cansada e sem
vontade. Fica sem se dar tempo para aquecer ou
excitar. Fica porque se sente obrigada. Porque
se sente responsável. Porque se sente
pressionada se muito tempo passar em
abstinência. Nenhuma dessas coisas é motivo
para carne e prazer, Nahia. Só existe um
motivo para carne e prazer.
- Que é?
- Você estar excitada. Você estar com
vontade.
- Isso me parece muito egoísta…
- Não. O nome é “amor próprio”. - ergueu
as sobrancelhas - Não há nada de errado em
experimentar algo novo pela outra pessoa, ou
até mesmo ceder em uma discussão. Mas fazer
pela outra pessoa sempre, porque acha que
deve, ignorando o que seu corpo pede… não é
altruísmo. É falta de amor próprio.
- Então, sua solução para o meu problema
sexual com meu marido é que eu só faça o que
eu quiser?
- Minha solução é que você pare de se
preocupar com o que deve fazer para que ele,
ou qualquer outra pessoa, te ame. Minha
solução é que você ame a si mesma, primeiro.

****************************

Amadeo tinha o hábito de me fazer


acordar mais confusa do que eu tinha ido
dormir.
Mas eu não tive muito tempo para me
perder em divagações sobre o que ele tinha
dito…
Os dias da semana se passaram como um
amálgama com eu e Kio tentando sobreviver ao
redor do outro. Eu tentava me desculpar de
modos que nunca soavam exatamente como uma
desculpa, pelo simples fato de que, no fim, eu
ainda sentia como se tivesse algo errado em
nosso relacionamento, e o fato dele não
admitir isso não tornava minhas suspeitas -
imediatamente - culpa minha. Ele, por sua vez,
insistia em conversas que não levariam a lugar
algum, com suas perguntas discretas e
indiretas, que se traduziam - todas - para “o
que te fez suspeitar do meu carinho?”.
Mas ele não queria conversar. Não de
verdade.
Era mais fácil deixar suas ações falarem
por você.
Dizer pra sua mulher que ela não te
agrada mais, é algo forte. Difícil de colocar
em palavras. Mas lhe dar um vale presente para
uma porção de aulas de sexo em um resort
erótico era um jeito suave de fazer acontecer.
Eu não o excitava como antes e ele
queria me dar uma dica… mensagem recebida.
A sexta-feira a noite chegou e eu não
saberia dizer se foi muito rápido ou muito
lento. Parecia que minha vida, nos últimos
dias, também passou a ter um tempo fora do
compasso. Todas as noites esperando ser
atormentada pelas palavras de Amadeo ou pelas
cenas de traição de Kio. Ambos, no entanto,
pareciam ter me abandonado.
A única decisão que eu tinha me
permitido tomar naqueles dias, foi a ida para
o resort erótico. Eu tinha visto notícias
sobre essa oficina há dois meses e a ideia de
usufruir um fim de semana plenamente sexual
com meu marido não se afastou desde então.
Agora, mais que antes, acho que
precisávamos desses dois dias.
- Não vai fazer as malas?
- Nahia… - ele estava no sofá com o
controle do video game nas mãos - Acha mesmo
uma boa ideia?
- Um fim de semana de sexo? - eu ri -
Kio, o que aconteceu com você? - brinquei.
Mas ele não estava com humor para
brincadeiras.
E a verdade é que eu também não.
Se seu marido te sugere fazer aulas de
sexo, ele está tentando melhorar sua vida em
casal.
Mas se ele desiste que você faça as
aulas… certamente não significa que você
melhorou sozinha.
Significa que ele está desistindo.
Inclinou o braço sobre o sofá,
observando-me com cuidado.
- Nós não estamos bem, Na. Precisamos
resolver isso.
- E esse fim de semana pode ser a
solução.
- A gente precisa sentar e conversar.
- A gente precisa trocar de ambiente! É
disso que a gente precisa.
Kio balançou a cabeça como se duvidasse.
- Por favor. - pedi - Por favor, faça as
malas.
Ele acenou como um criminoso aceitando
uma pena de morte e se levantou.

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- Sexo é permitido e encorajado em todos


os cômodos e dependências da mansão, inclusive
os campos, estábulos, piscinas externas ou
internas. - ela tinha o cabelo loiro quase
branco preso em um coque apertado a ponto de
lhe marcar o contorno da cabeça. Cada peça de
vestimenta escura estava alinhada como se ela
tivesse nascido daquele jeito - Dentro do
resort, não operamos com nenhum tipo de
palavra de segurança. O “não” precisa ser
respeitado em qualquer circunstância. O
desrespeito ao “não” implica em expulsão
imediata, além da ações penais cabíveis.
Compreendem?
Não era o primeiro evento daquele tipo
que eu ou Kio frequentávamos. Compreendíamos
muito bem.
- Apesar de todos os participantes terem
apresentado exame de sangue prévio,
recomendamos o uso de preservativos que podem
ser encontrados em todos os aposentos. - olhei
ao redor do quarto que nos foi designado e
encontrei elegantes pacotes dourados de
preservativos em pelo menos dois lugares -
Nossa variedade é grande, em tamanhos,
sensibilidades, texturas e sabores. No
entanto, se sentirem falta de algum de sua
preferência, basta informar à recepção e eles
cuidarão para que tenham tudo que precisam.
Também temos uma seleção rebuscada de
brinquedos, acessórios e itens. São todos
novos e higienizados, à sua disposição na
biblioteca do segundo andar. Brinquedos usados
a ser descartados devem ser deixados no chão,
caso encontrem algum que querem reutilizar ou
levar para casa, baste mantê-los acima da
mobília. A equipe de limpeza específica
cuidará de higienizá-los do modo apropriado. O
mesmo vale para as toalhas. - ergueu uma
sobrancelha.
A mansão era um castelo medieval
reformado, ao sul da França. Pedras cinzas
formavam toda a estrutura, interrompidas
apenas pelas gigantescas tapeçarias,
espalhadas como um mosaico. A mobília pelos
corredores era tão minimalista quanto um
ambiente clássico se permite ser, e todos os
móveis pareciam muito mais antiguidades
preservadas e obras de arte do que coisas que
foram colocadas ali para serem efetivamente
utilizadas.
- Os únicos ambientes em que sexo é
proibido são as duas enfermarias, cozinha e
área de preparo de alimentos. Caso queiram uma
experiência sexual gastronômica, basta que
informem à recepção e eles cuidarão para que
tudo que precisam lhes sejam entregues em seu
quarto, ou cômodo de sua preferência.
Busquei Kio com o canto do olho,
tentando capturar suas reações. Ele, no
entanto, permanecia impassível, aguardando a
conclusão de nossas instruções.
- Por favor, notem que sexo em qualquer
lugar público será automaticamente
compreendido como exibicionista. Se preferem
privacidade em suas interações, recomendamos o
uso de seus quartos pessoais que não são
acessíveis por nenhum outro convidado. Fora
desse local, não poderá ser exigido que
terceiros mantenham a distância. Eles podem
assistir, ou abordá-los caso tenham interesse
em interagir. Lembrando que o “não” deve ser
respeitado.
- Claro. Isso é tudo? - perguntei.
- Quase. Aqui vão encontrar os horários
de todas as refeições e quais salões comuns
elas serão servidas. - entregou-me uma pasta
escura de couro brilhante - Também o mapa da
propriedade, informações sobre as atividades
programadas de lazer coletivo e cursos
específicos da oficina. Não é necessário fazer
nenhuma reserva adicional para nenhuma delas.
Basta comparecer ao que lhes convier. Há algo
mais em que possa ajudar?
- Não, obrigada.
- O mordomo do seu andar é o senhor
Eddis ou a senhorita Èmile. Estão aqui para
servir à sua conveniência, agendar massagens
ou serviços de spa, e oferecer qualquer
informação adicional que necessitem. A
recepção também está à disposição.
- Obrigado. - Kio acenou.
- A Willex Entretenimento Adulto
agradece sua preferência pelo nosso resort.
Esperamos que tenham um fim de semana
prazeroso.
Ela fez uma reverência curta e se foi,
deixando-nos a sós.
- Eu me sinto em um avião. - Kio
resmungou, desfazendo a mala.
- Han?
- Sabe, quando você já viajou um milhão
de vezes e os comissários de bordo começam a
explicação das normas de segurança?
- Você já sabe tudo que eles vão dizer,
mas tem que ouvir ainda assim. - compreendi.
- É assim que me sinto quando esses
instrutores começam a falar sobre “uso de
preservativo é recomendado”.
Eu precisei rir.
- Essa aeronave conta com seis saídas de
emergência. - brincou e eu ri mais alto - E
“atividades programas de lazer coletivo”? Qual
o problema com a palavra “orgia”? É um resort
erótico... TODO MUNDO sabe o que veio fazer
aqui.
- É, amor, mas com certeza tem uma
porção de marinheiros de primeira viagem que
preferem eufemismos. Eu sei que eu preferia. -
engasguei nas palavras.
- Preferia? - ele abandonou as malas e
me puxou pela cintura - Na época que você
achava inteligente ir pra festas de orgia com
roupa íntima? - provocou, rindo.
- Ah! Eu avancei muito de lá pra cá! -
devolvi, beliscando seu ombro.
- É… avançou. - tinha um carinho enorme
em suas palavras e em seu sorriso.
Meu Kio.
Ele encostou nossos narizes e eu
acariciei seus braços. Eu o amava e precisava
salvar nosso casamento.
- Aqui! - peguei a pasta e ele se
afastou, sobressaltado - Vamos ver o que nos
aguarda?
- Ah… - ele parecia decepcionado. Com o
que, eu não saberia explicar - Tudo bem.
Passei os olhos pela lista de
possibilidades.
Droga.
Eram muitas. Nunca conseguiríamos fazer
todas. Seria preciso priorizar.
Meus olhos dançaram pelas descrições e a
aula marcada como “ideal para casais que
querem revigorar a vida sexual” foi a
vencedora.
- Certo. - avisei, piscando um olho para
meu marido confuso - Vamos lá.

****************************

A instrutora da oficina dizia quase nada


que fosse novidade para mim ou para Kio.
Em um determinado momento, ela começou a
explicar por que as pessoas deveriam ficar a
vontade com o assunto “sexo” e como era
contraproducente ter medo de palavras ou
termos que poderiam ser considerados vulgares,
eu vi Kio despencar a cabeça em uma
representação teatral da sensação “o que
diabos eu estou fazendo aqui?”
- Sensação de avião de novo? - murmurei.
- Acha que se a gente gritar “boceta”
bem alto, ela nos libera com nota máxima? -
sussurrou.
- Não acho que vai ter nota. - ri.
- Não vai? E o que a gente tá fazendo
aqui?
- Tentando aprender algo novo.
Ele se enrugou em uma careta de
desagrado.
- Achei que a gente tinha vindo fazer,
não ouvir.
- Vamos fazer os dois.
- Acho que até ensinar seria mais
interessante. Eu faria um trabalho melhor que
nossa professora. Será que ela dá licença?
- … aí então podem avançar para
compreensões mais plenas de suas próprias
vidas sexuais. - ela continuava - Que é
exatamente a percepção de que a libido começa
antes do sexo.
Kio fingiu um som baixo de ronco e eu o
cutuquei com o cotovelo.
- O clima que precede o sexo é tão
importante, ou mais importante, que o próprio
sexo, na hora de alcançar o orgasmo.
Eu me remexi na cadeira, como se
melhorar minha postura pudesse aprimorar minha
audição.
- Isso se torna muito comum em casais
juntos há muito tempo. No começo do
relacionamento, sexo é novidade. Não há
oportunidades constantes, então as provocações
eróticas diárias se concentram e cada encontro
sexual parece ser o último. Isso é ótimo para
a libido. Mas não é duradouro. Nunca poderia
ser. Quando a novidade passa, o erotismo
esfria. E se “erotismo” é tudo que o casal
tinha, o relacionamento frequentemente acaba.
Ou perdura em infelicidade. Se, no entanto, o
casal tem algo a mais… essa parte adicional
passa a ser trabalhada. É a amizade, o
companheirismo, a parceria. O amor. -
gesticulou - E, ao descobrir que sexo não é
tudo que importa, muitos casais acabam
esquecendo que sexo também importa. E sua vida
sexual desaparece. Ou pior: permanece, mas com
uma sensação de obrigação.
Eu engoli em seco. Ao meu lado, Kio
permanecia entretendo brincadeiras. Mas agora
eu não estava mais interessada em suas piadas.
A mulher, a frente das apresentações, falava
algo que me interessava.
- Você vai ouvir opiniões em todos os
sentidos mas, para mim, o sexo por obrigação
pode ser pior do que sexo nenhum. Porque, por
obrigação, ele agrada apenas uma das partes,
ou nenhuma. E desgasta em rancor e
ressentimento um relacionamento que seria
saudável, se apenas houvesse maior honestidade
entre as partes.
“A vida sexual do casal não precisa
mudar” era o que Amadeo tinha dito.
“O que precisa mudar é a sua”.
Eu estava fazendo por obrigação.
Eu tinha transformado nossa vida sexual
em item de uma lista que precisava sem
cumprido algumas vezes na semana.
- O bom desse problema é que sua solução
é simples. Percebam: eu não disse “fácil”. Mas
“simples”. Basta mudar a dinâmica sexual do
casal. O clima de sua rotina. Esqueçam sexo
como uma obrigação. Se você não sente vontade
de fazer por uma semana inteira, não faça. Mas
se sentir, quando sentir… deixe seu parceiro
notar. E mais que isso… provoque-o
eroticamente para que ele te acompanhe. Não há
nada pior do que chegar cansado depois de um
dia de trabalho, ouvir um “você quer?” de um
parceiro semi-nu na cama que se joga por cima
de você e depois rola para o outro lado. -
arregalou os olhos - Se você está com vontade,
não só olhe para o seu parceiro e diga “e aí?
Agora?”. Ao invés disso tente seduzi-lo. Tente
provocá-lo.
Ninguém ria ao nosso redor, apesar da
professora estar sendo perfeitamente leve e
adorável. Talvez. Assim como eu, as pessoas
naquela turma estivesse vestindo a carapuça
como se ela tivesse sido feita sob medida e
descobrindo que não dá para rir de meias-
piadas enquanto você está repensando sua vida.
- Bem… foi interessante. - Kio deu de
ombros quando a aula terminou - Ela ganhou
pontos por tentar. O que quer fazer agora?
Aquela pergunta era complexa demais para
responder de um jeito simples.
Mas eu precisava tentar.
- Piscina? - sugeri.
O mapa dizia que duas delas eram
aquecidas, nós escolhemos a mais próxima por
pura arbitrariedade.
Estava vazia, a não ser por outro casal,
o que me parecia bem apropriado. A maior parte
das pessoas em um resort assim insistia em
participar das atividades. Eu já fui uma
dessas pessoas: que precisa ser conduzida
eroticamente porque não tem certeza para onde
está indo. Mas não mais.
Deitei em uma das espreguiçadeiras e
aceitei o drink que o garçom trouxe.
O clima estava fresco e agradável. O céu
nublado não colocava o “tomar sol” no topo da
lista de prioridades, mas era relaxante ver o
céu de nuvens amorfas sentindo a brisa amena
brincando em minha pele. Ou seria, se eu não
estivesse me perdendo em divagações sobre como
provocar meu marido.
Kio deixou o livro ao meu lado e decidiu
experimentar a água antes de começar a
leitura.
Talvez uma roupa. Ou um gesto. Eu nunca
sabia o que dizer para provocá-lo. Kio era tão
melhor que eu em tudo aquilo.
Eu ainda estava encarando o céu através
dos óculos escuros quando ouvi os primeiros
gemidos. Já sabia o que eles significavam
antes mesmo de baixar os olhos, mas ainda não
tinha certeza se estava pronta para aquilo. Se
Kio quisesse sexo agora e eu não o
satisfizesse como gostaria, seria o fim de
minha confiança. Não excitar o marido na cama
de casa pode fazer parte. Mas não excitar o
marido em um resort de sexo seria arrasador.
Se ele me recusasse ali, seria ainda pior.
Os gemidos se tornaram mais altos e eu
precisei virar minha atenção para o casal já
na piscina que deveria estar apenas esperando
companhia para começar os trabalhos.
Eram jovens. Ele, com os cabelos e o
corpo dourado do sol, músculos esguios das
costas desaparecendo na superfície da água
antes da curva da bunda. Ela, alva como um
copo de leite, os cabelos de um vermelho muito
vivo, grudados ao rosto devido a umidade. Era
pequena, principalmente comparada ao porte
atlético de quem lhe fazia companhia. O
biquíni tinha sido arrancado para os lados,
para exibir o par de mamilos rosados nos cumes
pequenos que eram seus peitos. Havia timidez
em seus gestos e seus olhos, no modo como
tapava os seios diminutos… mas não havia
timidez em seu sorriso. Ali havia apenas
promessa de muita sensualidade.
Ele tomou com os lábios os carocinhos
que eram os pontos sensíveis em seus seios
meio escondidos, os chupou como se fossem
uvinhas pequenas que pudessem se desfazer. Foi
apenas quando se virou sobre ela que pude ver
seu rosto… o mesmo que Amadeo me apresentou
algumas noites atrás. Os mesmos cabelos
dourados. O mesmo corpo bronzeado. Buscou os
peitos dela com avidez similar a que eu
busquei meu homem.
Eu tinha aprendido a confiar em Amadeo o
suficiente para tremer diante da
possibilidade.
Meu sexo esquentou como se ressuscitado.
Um ardor delicioso que antecede seu suco que é
característico apenas do desejo que não pode
mais ser evitado. Nossos olhares se cruzaram.
Kio, na piscina, assistindo de perto o jovem
de costas bronzeadas que erguia sua pequena
para apoiá-la na borda de pedra, que lhe
despia a parte baixa do biquíni com um fome
nos gestos, que lhe engolia a bocetinha
molhada sem intenção de, um dia, lhe
abandonar.
Contraíam-se os meus músculos internos.
Aqueles que só se movem quando acreditam que
vão ser penetrados e usufruídos.
Meu ofego, sem dúvida, audível, atiçou o
caçador que meu marido sempre foi e, embora
meu gesto claramente sugeria que ele se
aproximasse mais do casal, ele se retirou da
piscina caminhando em minha direção.
Os sons do sexo se tornavam mais puros,
mais absolutos, reverberando pelas paredes
ocas de pedra nos corredores ao nosso redor e
se amplificando como uma sinfonia. Kio usava
um calção de banho azul que pendurava em seus
quadris fortes de um jeito libidinoso. Os
músculos do tórax desenhando um peito firme e
um abdômen dividido que se retorcia sobre si
em entrâncias pélvicas, descendo de seu umbigo
para dentro do calção, na promessa de
princípios de pelos escuros que cobriam sua
ereção já evidente, embora curta, por baixo do
pano azul.
Meu lábio trêmulo enquanto eu assistia
as gotas de água dançando pelo seu corpo
delicioso, pingando de sua pele em gotas
gordas como as que logo pingariam pelas minhas
pernas.
Ele me cobriu como um animal. Não me
tocava, mas apenas a sugestão bastou para me
excitar infinitamente. Ainda era capaz de
fazer isso, meu Kio. Mesmo depois de todo
aquele tempo.
Eu só queria fazer o mesmo por ele.
Seu corpo duro, erótico e forte,
rastejando sobre mim até estar ao meu redor.
Largo e imenso em seus músculos imponentes de
macho que domina com uma facilidade grande
demais.
- O que você quer? - ele suspirou contra
minha boca. Sequer me tocava e eu já me
contorcia. O casal na piscina não poderia ser
ignorado tamanhos eram os seus gemidos - Diga
pra mim. - tocou meu rosto, virando-o para que
eu assistisse a demonstração que acontecia tão
perto de nós. Respirei pela boca entreaberta
enquanto o rapaz continuava engolindo sua
moça. Ela tinha as pernas cruzadas sobre seus
ombros e as mãos dos dois se confundiam ao
agarrar seus peitinhos. Os cabelos escorridos
pelas pedras enquanto suas costas se arqueavam
de prazer.
- O que você quer? - implorei - Faço o
que você quiser.
Os dedos de Kio atingiam o meio das
minhas pernas. Tocando o pano do meu biquíni
para sentir o calor que se condensava por
baixo. E logo estava, eu também, fazendo parte
da sinfonia. Seu dedo médio provocava a
entrada da minha carne em uma carícia
preguiçosa que jamais seria mais que aquilo a
não ser que eu implorasse.
- Não. - ele murmurou - O que quer?
Fechei os olhos, esfregando-me contra
seu único dedo.
“Não é egoísmo. É amor próprio”.
Eu queria que fosse bom pra ele. Queria
que fosse épico e sublime!
Mas também queria outra coisa…
- Não quero que me coma. - confessei.
- Tudo bem. - sua língua estava em meu
queixo após uma única mordiscada - Mas você
quer alguma coisa.
- Quero. - urrei.
- O quê?
- Quero que me provoque.
Eu podia sentir seu sorriso. Preso ali
contra meu rosto.
O dedo médio que me atiçava juntou-se ao
polegar, beliscando a parte baixa do biquíni,
tirando-a do caminho para me encontrar úmida e
convidativa. Empurrando minhas coxas com um
tapa, abrindo meu vale para o peso de seu
corpo que descia sobre mim devagar, enquanto
ele levava a mão livre para dentro do calção
azul e para a protuberância em si. Sem dúvida
salivando de desejo. Eu, ele. Pela boca, por
qualquer outra parte.
Por toda parte.
Profusamente.
Um de seus braços cuidava de manter seu
peso erguido, pairando sobre mim, enquanto o
outro se perdia em investidas curtas a sua
própria rigidez. Com Kio ocupado em todos os
frontes, restou minha vagina sozinha e a
ausência de toques em minha sensibilidade me
aborrecia e inflamava, enquanto eu me forçava
a assistir tanto os agrados que meu marido
fazia em si mesmo, quanto os que eram trocados
pelo jovem casal na piscina.
Eu começava a encharcar.
- Me toque. - pedi.
Encostou o sorriso em minha boca o
suficiente para que eu o lambesse, não por
intenção, mas por desespero.
- Não. - desafiou, tirando para fora sua
carne dura e imensa - Você disse que queria
ser provocada, meu amor. - lambeu a curva do
meu pescoço causando torturas em meu anseio -
Agora aguente.
Meus músculos pélvicos se contraíam e
relaxavam tentando criar fricção onde nenhuma
existia, encorajando meu corpo a buscar um
alívio. Kio flutuava sobre mim, sempre na
iminência de um toque prometido, mas nunca
realizado. Eu sentia o calor de sua ereção,
com sua cabeça gorda e vermelha atentando
minha entradinha que se mostrava mais e mais
faminta.
Rebolei no ar, sua mão forte me segurou
o estômago.
Apoiado nos joelhos em uma demonstração
esguia de condicionamento físico, Kio guiou a
ponta de seu sexo para a ponta do meu.
Por um instante, pensei que ele
desconsideraria minhas instruções de “apenas
provocar”.
Por um instante, desejei que fizesse
exatamente isso.
Mas ai de mim, ignorante das torturas
que me aguardavam no futuro próximo. Sua
glande injetada de sangue, babando de cobiça
pelo meu corpo, tocou meu clitóris inchado,
deslizando pelo topo de minha boceta em um
estímulo que não se comparava ao de dedos ou
vibradores, mas transcendia os dois em
qualidade e resultado.
Eletricidade transmitiu-se de seu corpo
para o meu no ponto, ínfimo e único, em que a
junção de nossos corpos acontecia. Ele não me
penetrava e deixou claro que não faria isso ao
afastar sua ereção de minha vagina gulosa.
Quando Kio segurou o pau pela base e
encarou minha boceta com um sorriso sacana, eu
soube que estava fodida.
Seu cacete era grande, mas sempre foi a
grossura o que mais me deixava faminta. Aquele
membro pesado e grosso, inchado com suas veias
evidentes… Ele o moveu com a mão em um gesto
rápido, estapeando meu grelinho com a cabeça
redonda.
Eu gemi, repuxando as pernas, reflexo
das cócegas deliciosas.
- Acho que ele está gostando do show. -
suspirou.
O rapaz na piscina tinha os dedos
enfiados na boceta clara que se contorcia, mas
seus olhos estavam grudados em nós.
- Aqui, vamos experimentar uma coisa. -
Kio sugeriu. Sentou-se ao meu lado, puxando
meu corpo como faria a uma boneca sob seu
controle. Abriu-me para o público, despindo a
parte superior do meu biquíni.
O garoto na piscina ofegou, os olhos
castanhos presos nos meus peitos como por um
feitiço.
Kio estava sentado atrás de mim e era
quase um contraponto perfeito ao moleque ainda
com metade do corpo na água. Seu corpo jovem
era altivo mas inexperiente. Deveria ser sua
primeira visita a um resort assim e ele quase
não conseguia decidir o que fazer com os
próprios olhos, quem dirá com as próprias
mãos.
Atrás de mim, no entanto, Kio era um
homem. As coxas largas, o pênis gordo e
enorme, a respiração suave, os toques
precisos. Ele me abriu para o jovem na água e
agora era ele quem estava ocupado dando uma
aula.
- O que acha? - riu para o garoto,
tomando um de meus peitos nas mãos, para então
tomá-lo na língua.
- Você… ahm… - o garoto se inclinou em
nossa direção. Estava a menos de dois metros
de nós. Eu podia sentir o cheiro do seu sexo,
o que significa que ele, com certeza,
conseguia sentir o cheiro do meu - Você quer
trocar? - sugeriu.
Kio emitiu uma gargalhada de jocoso
desdém.
- Amigo, não leve a mal, mas você ainda
precisa praticar um bocado. - enfiou um dedo
em mim e eu ofeguei, me agarrando aos seus
braços - Você não faria ideia do que fazer com
uma mulher assim. - Espalhada nas pedras, na
beira da piscina, a moça continuava a gemer,
mesmo que o toque de seu parceiro a tivesse
abandonado. Ela está exagerando, sorri para
mim mesma, não está se divertindo tanto quanto
quer fazer parecer. Kio, no entanto, fazia
pouco esforço para conseguir resposta demais.
Seu dedo se arqueou, tocando a parte interna
do meu clitóris e eu fechei os olhos.
- Você não quer que eu te coma. -
sussurrou, mordendo meu lóbulo - Mas quer que
ele faça isso?
- Não. - rebolei, apertando seus dedos
em minhas coxas - Mas ele pode me tocar, se
quiser.
Kio riu baixinho de minha safadeza.
- Venha até aqui, vou te mostrar uma
coisa. - convidou.
O garoto se aproximou, rápido demais.
Ainda tinha uma mão em sua parceira. Mas era
um toque superficial e desinteressado. Seu
foco eram as palavras de meu marido.
- Me dê sua mão. - ordenou. - Você curva
os dedos assim. - indicou com o indicador e
dedo médio enquanto me pirraçava por dentro -
E coloca assim. Venha aqui.
Ele guiou a mão do estranho para dentro
de mim junto com a sua própria.
- Você procura um ponto dentro dela que
fica na mesma altura do grelo. Pode dedilhar
como se estivesse provocando o grelinho, por
dentro, entendeu?
Ele estava entendendo.
Tinha dois pares de dedos cutucando meu
ponto G com vontade e minhas pernas tremiam
fora do meu controle. Espasmos involuntários
se espalhando pelas coxas até se transformar
em vibrações intermináveis dos meus pés.
Enfiei as unhas em carnes ao meu redor. De
Kio, do estranho… eu não me importava.
- Tente na sua amiga, também. - Kio
instruiu - Vamos ver como se sai.
A mão de Kio me abandonou e a imperícia
do rapaz logo se tornou evidente. Ele era
esforçado, mas só acertava o lugar certo em
metade das investidas.
Era bom, mas podia ser bem melhor.
Kio, por sua vez, se ocupou em libertar
meu corpo para o seu próprio divertimento. Meu
biquíni tinha sido repuxado para os lados para
exibir meus seios, mas a tarefa tinha sido
executada sem maiores cuidados e o pano ainda
subia de volta até a altura dos meus mamilos.
Seus dedos eram suaves e exatos, afastando
pano e cordões para que eles ficassem sob seu
controle. Suas mãos pesaram em minha cintura
enquanto ele respirava minha pele, lambendo
meu pescoço.
- Eu… eu posso? - o jovem rapaz quis
saber.
Estava se referindo aos meus peitos.
Mais fartos e redondos que os de sua amiga,
talvez algo diferente em seu cardápio.
Kio me observou, esperando minha
autorização. Mas eu apenas deixei a cabeça
cair sobre seu ombro, libertando meu corpo a
quem quisesse toma-lo. Era a mão firme de meu
marido segurando meu peito e oferecendo-o para
o estranho que o pegou entre os dentes e mamou
com vigor. Lambendo a auréola e puxando a
ponta do meu biquinho com os lábios.
A mão que tomou meu grelo com um
beliscão poderoso era bem mais experiente. A
mão que conhecia os meandros do meu corpo. Kio
me bolinava com empenho, por ciúmes ou inveja,
tomou na boca meu peito livre e o chupou com
violenta sede.
Com o toque dele me estimulando por
fora, o toque interno do desconhecido se
tornou imediatamente mais atrativo, enquanto
eu perdia o controle do meu corpo, presa entre
dois homens que me tocavam e lambiam.
Agarrei a ereção de Kio e a senti
encorpada como ficam na iminência de se
desfazerem em esporro. Ele precisaria de pouco
mais. Deslizei o polegar por seu comprimento,
enquanto ele mordia gemidos entregando-se aos
meus peitos e pescoço.
Sua ejaculação subiu em uma trajetória
alta, preenchendo o ar com seu leite grosso e
abundante. O cheiro forte de seu clímax me
enchendo de tesão, arrebatando—me também em
uma crise incontrolável, desfazendo-me em
orgasmo sobre mãos demais.
A 2ª Noite
Kio estava excitado como o caralho.
Passou o resto do dia me cheirando como
um carnívoro. Rondando meus passos e minha
bunda como se eu fosse uma presa de abate
certo. Até suas palavras perderam a leveza
brincalhona que lhe eram típicas, enchendo-se
do peso do desejo constante.
Nada era dito acima de um murmúrio rouco
ou na ausência de um toque libidinoso. Ele me
beliscava e mordia e chupava e roçava.
E eu adorava cada instante.
“Provocações” era o que a professora
tinha dito e abençoada fosse.
Em meu desespero de manter meu homem
sexualmente satisfeito eu segui todo o clichê
da mulher que faz sexo por obrigação e
amaldiçoei o momento em que passei a abrir mão
de preliminares. Eu sempre corria para a
penetração em minhas noites, cansada, querendo
me ver livre do sacrifício que nunca deveria
ter deixado de ser um prazer.
Fazer apenas quando quer.
Estimular o outro a querer.
Melhorar minha vida sexual para melhorar
a do casal.
Tudo começava a fazer perfeito sentido.
Instruções que sempre deveriam ter sido
naturais e que eu não entendia como um dia
pude ignorá-las, mesmo que nunca tenha sido
explícitas.
Poucas horas depois, Kio estava excitado
como um animal. Erótico, acossando minha bunda
como se eu estivesse no cio.
- O que você quer? - sorri, provocando
seu tórax com os dedos longos, quando ele se
aproximou, dominante, pela milésima vez.
- Você sabe. - mordeu as palavras
sussurradas em meu ouvido.
- Diga mesmo assim.
- Quero comer essa tua bunda.
- Só isso? - pretendia lamber meus
lábios, mas os dele estavam tão perto que
foram lambidos também.
- E depressa, por favor.
Agarrou-me pela cintura, esfregando-se
em mim como um tarado fora de controle.
Eu ainda tinha algum poder sobre ele.
Ainda tinha o poder de fazer aquilo.
Só precisava das ferramentas adequadas.
Havia música no salão principal onde o
jantar seria servido. Alguns grupos interagiam
em diversas rodas de discussão, talvez apenas
para incluir boa conversa em um fim de semana
erótico, talvez apenas para encontrar os novos
parceiros para a próxima aventura. Eu e Kio
experimentamos uma troca de ideias aqui e ali,
mas ninguém parecia nos interessar mais que um
ao outro.
Eu tinha me afastado apenas por alguns
segundos para pedir uma bebida no bar próximo
à mesa de sushi. “Alguns segundos” deve ter
sido tempo demais, porque Kio estava de volta
e colado em mim. Eu sentia sua ereção em meu
corpo.
Depois de nosso encontro na piscina, ele
precisou de alguns minutos para se recuperar,
mas, depois disso ficou ereto novamente e, eu
suspeitava, não tinha se permitido abaixar
desde então.
O homem estava ficando azul e
esverdeado, mas não desistia do tesão.
- O que acontece se eu levantar tua saia
e te comer agora? Por cima do sashimi?
- Acho que conta como “área de
preparação de alimentos”. - lembrei - Não é
permitido sexo aqui.
- Hmhum. Na, vem até aqui, então, que
quero te mostrar uma coisa.
- Ir aonde? - pisquei os olhos.
- Para longe da área de preparação de
alimentos. - recitou.
- Acho que vou ficar aqui, onde estou
segura. - provoquei. Seu erotismo
enlouquecedor durante todo o dia estava me
deixando louca de deseja. Eu queria segurá-lo
ali, naquele ponto máximo, por todo o tempo
que pudesse. E então deixá-lo me destruir em
cima da cama, no fim do dia.
E, por Deus, ele me destruiria.
Eu mal conseguia entender como ainda não
tinha feito isso.
- Outro? - o garçom perguntou, do outro
lado do balcão.
- Por favor. - pedi indicando meu drink.
Ele estava no meio do preparo, quando a
mão de Kio invadiu minha saia.
- Amor, acho que esse lugar não é ideal.
- lembrei, mas ele estava descendo minha
calcinha e não parecia se importar.
Não parecia se importar nem um pouco.
- Hmhum. - concordou, sem qualquer
convicção em seu timbre.
Não sei onde ele conseguiu os cubos de
gelo, mas eles estavam deslizando pelas minhas
coxas e meu sobressalto chamou a atenção do
garçom.
- Mais alguma coisa? - ele quis saber.
- Um Glengoyne com gelo para o meu… ah…
- meus olhos se abriram forçosamente.
Kio tinha cansado de brincar com minhas
pernas e subiu seus cubos de gelo para minha
vagina. Ainda estava apenas experimentando
meus pelos ralos, mas as pontas dos dedos
roçavam minha pele, quase que por acidente,
estremecendo toda minha virilha.
- Para o meu marido. - completei.
Eu já estava molhada. Tinha passado o
dia inteiro molhada.
O mínimo contato com meu clitóris
inchado e esfomeado era traduzido por meu
corpo com as trepidações típicas que antecedem
um orgasmo violento. Cada músculo se retesando
daquele jeito delicioso, como se estivessem
guardando energias, para libertá-las apenas no
momento de minha crise.
- Sinto muito. Não tenho Glengoyne, no
momento. - o garçom voltou.
- Hm? - eu não estava respirando.
- Interessaria um Port Ellen ou um
Macallan? Posso mandar buscar o Glengoyne em
outro salão, se for a única opção.
Kio não se demorava com o gelo em
nenhuma parte, por receio de entorpecer minhas
partes mais sensíveis… Ele não as queria
adormecidas, pelo contrário: queria ver
despertas cada uma de minhas terminações
nervosas. Por isso, seu gelo me atravessava
apenas o suficiente para ter certeza que eu
estava acordada e atenta.
Agarrei suas calças com uma das mãos.
- Qual prefere? - murmurei para ele,
tentando esconder o gemido de minha voz.
- Pode escolher por mim. - sorriu - Você
me conhece tão bem.
Ele não estava sequer alterado. Estava
às minhas costas e eu não duvidava que teria
um sorriso casual preso nos lábios.
- O… O Port El-
Ele enfiou um dedo em mim. Como ele
abriu as calças, naquela situação, é algo que
eu nunca tentaria descobrir, mas o fato é que
sua ereção tinha transposto o zíper e
experimentava o espaço entre minhas nádegas
com uma segurança cada vez mais ousada.
- O Port Ellen? - O garçom confirmou.
- Hmhum. Sim. Por favor. Por favor.
Falei as palavras apressadas para que a
devassidão não fosse percebida em meus ofegos.
Mas eu não estava implorando ao garçom. Estava
implorando aos dedos e ao pau duro que me
puniam longe da visão de todos.
- Se inclina só um pouquinho.
Kio falou tão baixo que quase não o
ouvi.
Meu suco escorria pelas coxas e eu me
prostrei contra o balcão antes mesmo de
considerar seu convite.
Sua carne tesa invadiu o espaço entre
minhas pernas para se lambuzar no meu mel
demoradamente, cobrindo cada centímetro de
extensão com o líquido que babava por minha
boceta em volume ainda pior que antes. Ele não
me invadia, mas sua rigidez me provocava o
suficiente para que eu pingasse e pingasse.
O sangue descia para minha vagina,
deixando-me letárgica e tonta em todos os
outros sentidos. Eu sentia minha virilha e
nada mais. Ardendo e pulsando de um desejo que
eu não era mais capaz de domar.
Levei uma das mãos a sua cabecinha para
acariciá-la como faria a um animal e ele
gemeu, rouco, no meu ombro. Escorreguei meu
toque até suas bolas pesadas, fechando-as em
meu punho, devagar, apenas para que ele me
sentisse ali. Uma de cada vez.
Inclinei-me ainda mais, guiando seu pau
ao meu cu. Rebolando safada para que ele se
enfiasse entre minhas bochechas.
- E o moleque na piscina achou que ia
conseguir te comer. - suspirou - Pobre
inocente, ia esporrar entre tuas bandas muito
antes de sentir teu melzinho.
- O Port Ellen.
Eu agradeci no instante que Kio começou
a se enfiar em meu botão.
Eu juro que ele estava esperando minhas
interações com o garçom. “Limite” era algo que
não existia com aquele ali.
Aceitou o copo de uísque e tirou os
dedos que estavam enfiados em mim. Kio é um
largo e forte, de modo que quando me abraça,
me envolve por completo. E era ali que ele
estava: ao meu redor, como se nada mais
existisse, abraçando meu corpo para poder
segurar seu copo à nossa frente. Seus dedos
brilhavam com meu suco quando ele os levou ao
copo para mexer o gelo e depois a boca
experimentando o sabor de Port Ellen misturado
com Nahia.
Deu apenas um gole antes de voltar ao
meu ouvido, minha boceta e meu cu.
- Onde é que estávamos?
Eu me empurrei para trás, nos encaixando
melhor e ele começou a me comer.
Beliscava meu grelo em uma tortura
maravilhosa enquanto me comia pela bunda.
Tão devagar. Entrando e saindo de mim,
sem qualquer pressa.
Não sei se ele pretendia ser discreto ou
se estava apenas me consumindo como aperitivo
para a bebida… Mas foi delicioso e eu
permaneci ali. Agarrada ao balcão, tentando
não suar ou deixar honestidade transparecer em
minha expressão.
Kio me mordeu, discreto, sussurrando
obscenidades. Seu ritmo tornando-se mais voraz
enquanto ele me estocava contra o balcão.
- Ah, eu quero morrer aqui dentro. -
implorou, recostando sua testa em meu ombro. O
suor escorria frio por suas têmporas enquanto
ele tentava resistir ao impulso de me dobrar
de quatro e me comer com força.
Aquele ritmo lento estava sendo
maravilhoso e infernal.
Para nós dois.
- Você vai primeiro. - pediu - Eu vou
bater muito gostoso pra você agora. Morde o
lábio, minha linda.
Eu obedeci, travando os dentes na minha
carne, e Kio fez exatamente o que prometeu.
O homem dedilhava um clitóris como um
músico. Uma de minhas pernas se erguia
sozinha, desobediente, enquanto eu tentava
conter a energia que se espalhava das minhas
entranhas para todo o resto do meu corpo. O
tremor começava na minha boceta, mas era
poderoso demais para terminar ali.
Mordi minha boca com força percebendo
que estava, eu também, suando.
O alívio se apoderou de mim, violento, e
me encontrou agarrada ao balcão, deixando
marcas de minhas palmas suadas na madeira.
Ao me sentir mole em seu corpo, Kio
precisou de pouco mais que três investidas
potentes para que eu sentisse seu jato quente
se derramando em meu corpo.
Ele se segurou em mim para que eu
apoiasse minhas pernas bambas e foi aí que meu
sorriso se desfez.
Eu estava destruída.
Apenas eu.
Em todos os nossos encontros no resort
tinha sido apenas eu.
O que eu queria fazer.
Sexo até que minhas pernas desistissem.
Kio estava apenas cumprindo o papel, o
mesmo que sempre lhe cabia: ser o Imperador do
Sexo que me fazia babar e tremer. E o que eu
lhe dava em retorno?
Eu não conseguia caminhar e precisei me
apoiar em seus braços enquanto ele, por sua
vez, atravessava o salão como se tivesse feito
pouco mais que um exercício leve.
Eu o queria morto, torto, fraco… assim
como ele me deixava, sempre que queria.
Mas ao invés disso, eu o tinha inteiro e
me guiando.
Inabalado.

****************************

- Acho que vamos ficar bem.


Foi a primeira coisa que disse para
Amadeo quando ele apareceu para mim em meu
sonho, àquela noite. Mas minha voz soou
incerta até mesmo para mim.
- Ah é?
Ele usava o corpo de Kio e eu hesitei ao
vê-lo.
- Foi ótimo! O sexo! Foi maravilhoso! Eu
ainda consigo fazer isso. Acho que só
precisava de uma técnica melhor.
- Técnica? - ele parecia descrente.
- É. Uns truques para acender o
relacionamento. - dei de ombros.
Ele abanou a cabeça de Kio, balançando
seus cabelos.
- Não é disso que vocês precisam, Nahia.
- Ah, não? E o quê, então? - era pra ter
sido uma pergunta descontraída. Mas soou como
um pedido de socorro.
- É isso que você precisa me dizer.
- Mas não há nada errado! O problema foi
resolvido!
- “Resolvido” em um resort erótico onde
todo sexo é novo, experimental e diferente.
Mas e quando voltarem pra casa? Como vai ser
quando não tiver um desconhecido bronzeado
para te foder com os dedos?
- Amadeo, eu estava com medo de não
conseguir mais excitar meu marido como sempre
fiz, mas nós não…
- E por que estava com medo disso?
- Porque…
Aqueles olhos escuros.
Eu não… eu não conseguia.
- Você quer que eu troque de corpo, não
é?
Respirei fundo.
- Você não consegue dizer o que te
incomoda pro seu próprio marido.
- Isso é ridículo. É claro que não é
isso. Além do mais, eu fiz o que você pediu,
não foi? Eu coloquei a minha vontade em
primeiro lugar. Basta que eu continue fazendo
isso e vai dar tudo certo, não é?
- Nahia… às vezes eu acho que você não
entende nada do que eu digo.
- Eu estou tentando…
- Não. Você está se escondendo. É
diferente.
- O que você quer dizer?
- Acorde, Nahia. Você vai descobrir.

****************************

Eu já estava pronta quando Kio saiu do


banho, ainda enrolado na toalha, enchendo a
curva do meu pescoço de beijos.
- Já escolhi para onde vamos.
Ele gemeu um questionamento, sem
levantar o rosto.
- A aula de hoje!
Estava agarrado a minha cintura quando
expirou seu muxoxo de desagrado.
- Vamos pra aula de novo?
- E a gente veio aqui fazer o quê, se
não isso? - belisquei sua bochecha.
- Sei lá, o lugar é tão lindo. Achei que
a gente podia dar uma volta. - mordeu minha
orelha - Perder as roupas em alguma trilha. Ou
fica aqui um pouco, aproveitar o quarto.
- Kio, nós já vamos embora hoje a tarde…
- Por isso mesmo…
- E tem uma aula de masturbação pela
manhã que eu não quero perder.
- Aula de masturbação?
- É! “Masturbar o seu parceiro para
conhecê-lo”. Essa tem instrutores particulares
para cada casal.
- Nahia - mastigou as palavras,
entediado - eu já te conheço o suficiente para
fazer isso. Já sei o que estou fazendo. Quer
que eu prove?
- Não. - ri, empurrando suas costelas -
Talvez eu queira aprender. Já pensou nisso?
- Você também já sabe. - coçou os
cabelos irritados.
- Kio… eu não estou te entendendo. Achei
que era isso que você queria.
- Fazer aulas de coisas que a gente não
precisa?
Abri e fechei a boca antes de decidir o
que fazer.
- Vir para essa oficina! Foi ideia sua!
- Foi um presente de aniversário pra
você!
- Sim, para aprender alguns truques.
Porque não estou… - engoli as palavras.
- O quê? - ele estava confuso. Estava
ali nos seus olhos assim como esteve no dia
que o acusei de traição.
- Nada. Olha, vamos chegar atrasados!
- Nahia. - ele me segurou pelo pulso -
Fala comigo! Me diz o que está te incomodando!
- Você está me incomodando! - recriminei
- Com sua demora para ficar pronto. Não quero
chegar atrasada.
- Na, o que diabos eles vão dizer sobre
nos masturbar que a gente não pode dizer um
pro outro?
- Você achou que a aula de ontem seria
inútil, mas perceba como o sexo foi melhor.
- O quê?
- Deu certo! Os truques da professora.
Funcionou. O sexo foi bom, como não era há…
- Quais truques? Nahia… você não está
fazendo sentido. Vamos ficar aqui, hoje. Por
favor Só nós dois. Vamos conversar e pedir
serviço de quarto e fazer amor.
De um jeito ou de outro, o dia anterior
tinha sido para mim. Eu precisava que hoje
fosse para Kio.
- Não. - engoli em seco - A gente vai
pra aula. Coloque as roupas.
Mordeu a ponta da língua, enquanto me
encarava, ainda imóvel.
- O que foi? - indaguei, na dúvida se
queria saber a resposta.
- Nada. - sorriu - Não é a resposta
padrão do nosso relacionamento?

****************************

A sala era pequena com um único divã. O


instrutor se apresentou como Adrian e começou
seu discurso repetitivo de informações gerais
e dicas de como relaxar. A careta de Kio deve
ter deixado evidente que nós não precisávamos
dessa parte e o homem alto de cabelo cortado
muito curto e ares meditativos sentiu que
podia navegar águas mais profundas.
- Com que frequência vocês masturbam a
si mesmos?
Kio deu de ombros.
- Duas vezes na semana. Três.
Meu lábio tremeu assim como minha
convicção.
Ele se masturbava com alguma frequência.
Tinha uma mulher na cama todas as noites
e ainda assim…
- E você? - Adrian virou-se para mim.
- Eu… ahm… não sinto necessidade. -
forcei ares de descontração - Meu marido é
suficiente. - completei baixinho. Havia
hesitação em minha voz que chamou atenção de
Kio.
- Masturbação não existe apenas para
alívio de concentração sexual. - ele sorriu -
Não é algo que deve ser feito por ser
“necessário”, mas por ser “bom”. Seu corpo e
seus gostos podem mudar ao longo do tempo, se
masturbando você garante que permanece sendo a
maior conhecedora de si mesma. - afastou-se um
pouco, falando para nós dois - A vida em casal
não deve destruir a individualidade. Vocês são
dois inteiros e precisam se lembrar disso. Na
hora do sexo, comunicando ao parceiro o que
preferem. Na hora da masturbação, se
permitindo ter um momento de prazer consigo
mesmo.
- Tudo bem. Vou colocar na agenda. -
sorri, amarela, e Adrian abanou a cabeça com
simpatia, como se eu tivesse feito a afirmação
mais contraproducente da história.
Mas eu não estava com vontade de
colaborar. Kio tinha uma esposa completamente
aberta para novas experiências sexuais e
pouquíssimo preconceito para o que quer que
fosse… e ainda assim, três vezes na semana,
ele preferia agradar a si mesmo sem me
convidar a participar.
- E com que frequência masturbam um ao
outro?
Nos entreolhamos por instinto, sem saber
o que responder.
Eu estava começando a me arrepender de
ter escolhido essa aula.
- Tudo bem. - Adrian aceitou - Quando
foi a última vez que masturbaram um ao outro,
então?
- Ontem. - Kio torceu o nariz para o
instrutor.
- E qual foi a última vez fora do
resort?
Ficamos em silêncio mais uma vez.
- Certo. Vamos fazer um exercício. -
convidou - Primeiro, quero que se beijem.
Sexo por obrigação já era estranho o
suficiente sem incluir “sexo por ordens” na
lista. Eu não me mexi, Kio também não.
- É normal ficarem nervosos. Mesmo para
vocês que parecem ser experientes em locais
assim. Tentem relaxar.
Ouvi a respiração intensa de Kio ao meu
lado, desistindo de resistir à aula.
Virei de lado e deixei que sua boca
encontrasse a minha.
Não foi o melhor beijo da minha vida.
Era estranho fazer aquilo a pedidos e na
deixa.
- Escorregue a mão pelo corpo dela.
Kio se adiantou e tenho certeza que já
estava me tocando antes da orientação.
- Toque-o. - estimulou.
Toque-o como?
Como é que ele gosta de ser tocado?
Aparentemente, eu não sei. Ou teria sido
incluída em suas atividades semanais.
O beijo se prolongou sem que eu
reagisse, Kio dedilhava minha calcinha sem
pressa de retira-la e eu ainda me sentia seca.
Adrian tocou minha mão, com cuidado,
guiando minha atenção para a virilha do homem
ereto que me beijava com o dedos roçando em
meus pelos curtos.
- Não sigam direto para a masturbação. -
sua voz era suave e baixa. Pouco mais que um
sussurro. Como se fosse um especialista em se
misturar com o som ambiente - Belisquem.
Descubram um ao outro como se estivessem se
tocando pela primeira vez.
Ele palpitava em sua carne rija, quando
coloquei a mão por dentro de sua cueca. A
circunferência robusta de um pinto grosso
demais para subir em uma direção retilínea,
curvava-se para a esquerda quando se enchia
demais de sangue e desejo. A cabeça se
encorpava, rosada, quase vermelha, chorando
suas gotas densas de um líquido que se
traduzia apenas em cobiça, pingando do
pontinho na glande do seu pau, espalhando-se
pela cobertura de sua ereção como se fosse
orvalho. O cheiro de sexo ficava insuportável.
Sexo, pra mim, tinha o cheiro do suco de Kio.
Aquele líquido translúcido e pegajoso que se
esbranquiçava quando meu toque ficava faminto
e o movimento voraz. Subindo e descendo por
sua extensão até que ele se acabasse em porra
e gritos, deixando-o flácido e contente, nada
mais.
Tocando-o como se o fizesse pela
primeira vez.
Sentindo o saltar de suas veias
enérgicas que giravam ao redor de seu mastro
duro como uma serpentina, anunciando uma
festa, desejando-me parabéns. Um presente
surpresa, mas um que precisava ser enfiado e
não desembrulhado. Sua pele ficava fina como
uma coisa frágil e patética, esticada sobre a
carne imensa que se erguia para os céus,
embora, como já foi atestado, sempre fugisse
um pouco para a esquerda.
Eu o quis na boca, mas sabia que isso
apenas se dava por meu receio de não mais
saber o que fazer com as mãos.
É um pinto duro e um par de mãos, o que
mais há para fazer? Além de agarrá-lo e
sacudi-lo até que cuspa para longe o anúncio
oficial do seu clímax?
Só que “mais” claramente há.
Ou seria o meu par de mãos duas, três
vezes por semana. E não o dele.
Mas de algum modo, um ritmo foi
encontrado. Ou pelo menos, é o que eu
acredito.
Kio estava de olhos fechados e há pouca
coisa na Terra, ou acima dela, que grita tesão
como pálpebras pesadas.
- Quero que se soltem, agora.
É o quê?
Eu estava resignada a seguir instruções,
Kio, no entanto, não encontrou em si espírito
tão cordial e ainda tinha uma mão forte presa
a minha boceta como que por cola quente.
- Quero que se toquem para o outro
assistir. - sugeriu - Quero que permitam o
prazer individual do outro. Mas também quero
que entendam que esse prazer também pode lhes
dar satisfação. Experimentem.
Kio tinha as calças baixas ao meu lado
do divã e tocou sua própria carne com muita
volúpia e pouco pudor. Eu não me constrangi em
assistir o seu toque, mas algo me fez sentir
constrangimento para que ele assistisse o meu.
Fazia sentido nenhum, é claro. O homem
já tinha me visto pelada, depilada e pelo
avesso. Isso sem mesmo contar que muito antes
de me foder pela primeira vez, nós já tínhamos
sido audiência para a masturbação um do outro.
Eu nunca tinha me sentido tolhida pela
possibilidade de assistir ou ser assistida.
Mas agora eu estava pensando em Lana.
Estava pensando na ilustração que ganhei
de presente e que sequer foi movida, por
displicência em excesso de todas as partes
envolvidas no processo.
Eu estava pensando no receio que eu
tinha de verbalizar verdades que eu ainda não
tinha aceitado como concreta.
E, mas que tudo, estava pensando naquela
porra daquele “duas vezes por semana”.
Se ele tivesse pornô escondido pela
casa, ou pior, se nós tivéssemos nos tornado o
tipo de casal em que o cara precisa esconder o
pornô… eu realmente tinha descido todas as
curvas da espiral e alcançando um novo patamar
inferior de liberdade sexual que jamais
imaginei que fosse atingir.
Mas Kio se tocava com invejável vigor e
eu sentia minha pele sugar de volta minha
umidade como se provocada por pensamentos
demais que causavam em minha libido resultado
oposto ao que nós - eu, boceta, Kio e
instrutor - almejávamos.
Prensei as coxas e ignorei meus dedos.
- Você… - busquei ajuda. Afinal não era
para isso que estava ali? - Você pode me
ajudar?
Kio se moveu, largando sua carne
latejante apenas para perceber que era ao
instrutor quem recebia meu pedido de socorro.
- Claro. - ele acenou, profissional e
prestativo.
Embebeu as mãos em lubrificante
geladinho antes de me tocar. Causou arrepios
bons e tremores involuntários. Seu toque
invadiu minha boceta que, aos poucos,
reaprendia a babar.
Que me tocasse ele.
Que se tocasse Kio.
Que eu assistisse, apenas, já que ações
me escapavam.
- Aqui. - Adrian reposicionou meu toque
sobre meu grelo, insistindo que eu
participasse de algum modo e eu quis morder
fora alguma parte de seu corpo que ele
considerasse importante. Mas o puto sabia
agradar uma bocetinha e isso precisava ser
admitido. Fazia um carinho cruel por dentro de
minhas entranhas, enfiando os dedos longos em
uma profundidade razoável em extensão e
excepcional em qualidade.
Eu me toquei e ele assistiu.
Kio também assistiu, até não assistir.
Sua boca entreaberta sugeria uma careta
de qualquer coisa que eu não era capaz de
identificar. Não com uma mão enfiada em minha
virilha. Ele se levantou do divã pouco tempo
depois. Uma mão sacodia os cabelos, enquanto
os dentes travavam nos lábios.
Eu estava começando a gemer quando ele
pediu a Adrian que se afastasse.
- Não é assim que ela gosta. -
interferiu.
Adrian, eterno profissional, acostumado
a interações que nunca se apresentariam a
médicos ou engenheiros, ergueu-se de imediato,
com uma reverência polida ao se afastar.
Kio esmurrou lentamente o divã ao meu
lado, apoiando todo o peso do corpo naquele
único punho. Inclinou o corpo largo sobre mim
e me forçou a encarar seus olhos ferozes. A
outra mão me invadiu tão depressa que arrancou
grito de onde, até então, saíam apenas
gemidos.
Balbuciei sílabas incompreensíveis que
sempre eram ouvidas em tal contexto como
garantia de prazer. Trepando nos dedos que me
comiam, agarrada ao antebraço que me
torturava.
- Geme daquele jeito curtinho. - pediu,
com um sorriso sacana de raiva - Aquele ganido
baixo de cachorra que eu sei que você não
consegue controlar.
Eu tentei respirar fundo, mas o ar me
falhava. E quando eu tentava gemer ao ofegar,
o resultado era exatamente aquele que Kio
pedia.
- Isso. - riu. Lambeu minha boca com
gosto e eu fiquei sentindo o cheiro de sua
saliva misturado ao cheiro de sexo que ainda
escorria do seu pau insatisfeito - Acha que eu
preciso aprender a bater essa bocetinha? Mesmo
quando ela fica assim? Quente e pingando?
Suas dedadas faziam minha visão
escurecer. Eu não conseguia respirar.
Seu polegar tomou meu grelo enquanto seu
mindinho provocava as imediações do meu cu.
Não acho que era possível ser estimulada
mais do que aquilo.
Ou achava até Kio morder meus peitos
roçando os dentes nos meus bicos duros.
Eu comecei a gozar na primeira mordida e
só terminei lá pra quarta. Ensopando minhas
coxas com uma mistura de sucos e lubrificante,
o suor era a única coisa que refrescava meu
corpo febril.
Ia precisar de instruções para me
certificar que Kio seria acometido de um gozo
tão violento quanto.
Mas, ao invés de aceitar meu toque de
bom grado, ele se enfiou de volta nas calças,
agradeceu o instrutor e partiu.
Partiu.
Eu estava suada e molhada, arreganhada
sobre um divã… e ele ia preferir tocar a si
mesmo sem sequer compartilhar um pouquinho de
sua glória? Porque Kio gozando era uma coisa
gloriosa de assistir.
- Kio! - eu o persegui pelos corredores
vazios de pedras e tapeçarias - O que
aconteceu?
- Você quer um relacionamento aberto? -
ele se virou, sobressaltando-me. Ignorando
trivialidades ou meias-palavras.
- O quê? - engasguei.
- Sair com outras pessoas. - seu queixo
estava travado e rígido - Podemos escolher um
ou dois dias na semana. Como você preferir.
Estabelecemos regras. Ainda seríamos casados.
Seríamos amigos, companheiros. Mas teríamos
liberdade sexual para encontrar com outras
pessoas.
- Sozinhos? Sem o outro?
- Sozinhos. - vi seu pomo de adão se
mover.
A fraqueza que eu senti, ali de pé entre
as pedras, foi bem diferente da fraqueza do
dia anterior. Foi uma fraqueza mais
truculenta. Mais cruel. Mais hedionda.
Ele querer algo diferente comigo era bem
diferente de querer algo sem mim.
Eu não conseguia responder.
O que eu tinha feito?
O que eu tinha deixado de fazer?
Eu não fui presente na cama, mesmo em
dias que queria tudo menos aquilo?
Não tentei fazer algo diferente?
Não aceitei suas sugestões de que eu
precisava aprender mais?
O que mais ele queria?
O que mais podia querer?
- Nahia? - ele insistiu, grave.
Eu respirei fundo e senti meus olhos se
encherem de lágrimas.
O que ele queria era alguém que não
fosse eu.
E isso, eu não poderia lhe dar.
Eu era a Nahia pequena e insegura mais
uma vez, sentindo a indiferença daqueles ao
meu redor mesmo depois de tudo. Procurando
solução para o que não podia ser resolvido:
Kio queria algo que eu não tinha condições de
dar.
Talvez fosse por isso que Amadeo tivesse
voltado.
Para me fazer aceitar que nem toda
separação é um fracasso.
- Tudo bem. - suspirei.
Tudo bem.
A 3ª Noite
Minha boca estava seca como se eu
tivesse passado a última semana engolindo
poeira em todas as refeições.
E era isso.
Abstinência sexual matando um
relacionamento que começou guiado por sexo.
Kio deixou as malas no canto da sala e
eu o imitei. Não ia ter forças para arrumar
nada hoje e, pelo modo como seus ombros caíam,
eu suspeitava que ele também não.
Jantamos em silêncio. E por “jantamos”,
quero dizer que eu jantei. Kio pediu licença
no meio da refeição, se afastou para a sala e
não voltou até que eu tivesse terminado.
O quadro que ele me deu de aniversário
ainda estava ali. Apoiado no canto, contra a
parede, no mesmo lugar que o deixou quando eu
o vi pela primeira vez. Achei que seria
apropriado tirá-lo dali, mas fiquei com medo
que ele achasse que eu o estava escondendo. Eu
podia pendurá-lo em alguma das paredes, mas
Kio poderia imaginar que eu estava sendo
condescendente, hiper-compensando pela minha
gafe.
Não podia escondê-lo.
Não podia pendurá-lo.
E ele acabou ficando ali.
Abandonado, como o resto de nosso
casamento.
Apropriado.
Eu não lembrava da última vez que chorei
até dormir, mas certamente ela não tinha sido
na vigência do meu relacionamento com Kio.
O que leva um relacionamento a acabar?
Acho que nunca tinha me dado conta de
como “acabar” é uma palavra definitiva. Mas
ali, enxergando o mundo de penumbra do nosso
quarto, ainda compartilhado, através de uma
cortina de lágrimas eu sentia o peso da
inevitabilidade.
Às vezes, é uma traição.
Às vezes, é uma incompatibilidade.
Às vezes, o amor acaba.
Mas, às vezes, não é nada disso.
Às vezes, é simplesmente o cansaço.
O desgosto.
A frustração.
A sensação de que se uma coisa não está
bem como já foi, então é melhor se render.
Kio veio se deitar na cama junto comigo.
Senti seu abraço quente e uma de minhas
lágrimas caiu.
- Não posso continuar te visitando,
Nahia.
Eu me virei nos lençóis, sobressaltada,
procurando seu peito, esperando encontrá-lo
liso.
Mas a cicatriz estava ali.
- Eu dormi. - engoli em seco, limpando a
lágrima.
- Dormiu. - seu sorriso era gentil. O
sorriso de Kio. O sorriso de Amadeo.
- Acabou, não foi?
- O quê?
- Eu e Kio. Acabou.
- Por que diz isso? - acariciou meus
cabelos.
- Droga, eu me sinto em um romance de
Lovecraft.
Amadeo arregalou os olhos, rindo.
- Porque um culto a um monstro antigo
está te perseguindo?
Balancei a cabeça, apoiando o rosto em
seu braço, dobrado sobre o travesseiro.
Poderia ser a última lembrança que eu teria de
Kio deitado ao meu lado, tão perto.
- Lovecraft tem um jeito de escrever
que… - lambi os lábios, buscando palavras -
Ele te apresenta uma situação insana. Absurda.
Os protagonistas, é claro, resistem a
acreditar. Lendo um livro, vendo um filme, nós
sempre gritamos para os protagonistas “Não
suba as escadas! Não se separe do grupo!
Aceite de uma vez que está acontecendo!”. Mas
é fácil, não é? Olhar para uma história que
não é nossa e julgar com olhos objetivos. Se
fosse qualquer um de nós naquela mesma
situação, quem pode garantir que, por medo ou
angústia, não faríamos exatamente a mesma
coisa? Então, Lovecraft faz algo genial. Ele
intensifica a história. Piora as
circunstâncias mais e mais, até que o horror
seja inegável, até mesmo para os
protagonistas.
- E aí eles aceitam?
- Você está em minha mente, Amadeo. Sabe
exatamente o que vou dizer.
- Mas quero ouvir as palavras ainda
assim.
Senti dor na minha língua. As palavras
me feriam.
- Aí os protagonistas aceitam o absurdo.
Aceitam que o horror é real. - respirei fundo
- Mas já é tarde demais para fazer qualquer
coisa.
Ele ficou em silêncio. Apenas fazendo
carinho no meu rosto.
- É assim que me sinto. - minha voz saiu
baixa e trêmula - Presa em uma situação
impossível que eu custei a acreditar que era
real. Meu casamento acabar? Não! Absurdo! Eu e
Kio nos amamos tanto. - sorri - E agora… agora
acho que as circunstâncias pioraram e eu fui
obrigada a aceitar que está acontecendo. Só
que é tarde demais para fazer qualquer coisa.
- Nahia. Me diga o que está acontecendo.
- Acabei de dizer.
- Não. Você me disse como está se
sentindo. Preciso que me diga o que está
acontecendo.
- Você sabe! - afastei-o devagar - Sabe
tudo!
- Me diga ainda assim.
- Por que quer me ouvir dizer? - eu
sentei na cama, tentando me afastar dele - Por
que é tão importante para você que eu admita?
- Por que você tem medo das palavras?
- Eu não tenho medo das palavras!
- Então…
- EU NÃO MUDEI! - as lágrimas caíram
fora do meu controle - Veja, Amadeo! Veja onde
estou! Eu sou a mesma mulher que era antes de
te conhecer. Eu achei que tinha mudado e me
orgulhava tanto disso! Me orgulhava de ter
conseguido mudar, sentia um poder sobre mim
mesma! Um… controle! Uma confiança! Mas não
mudei! Não mudei em absolutamente nada. Eu
ainda sou a mesma criatura insegura e fora de
controle que não consegue sequer manter um
relacionamento em paz. Eu ainda sou a mal
comida. - cuspi - Ainda sou a invisível. Ainda
sou a mesma.
Amadeo se levantou da cama e a mobília
desapareceu.
Estava no escuro.
No escuro com Kio.
Mas não era mais o corpo de Kio que ele
usava.
Seu sorriso se tornou ainda mais
familiar.
Seus cabelos ainda mais conhecidos.
Seu corpo ainda mais íntimo.
Amadeo estava usando meu corpo.
- Eu estou com medo. - ele disse, usando
minha boca.
- O que está fazendo?
- Eu estou insegura.
- Amadeo… que está fazendo? - expirei,
cansada.
- Estou falando por você. - sorriu - Já
que você não consegue.
- Falando o quê?
Mas eu já tinha entendido o que ele
estava fazendo: queria que eu me assistisse
fazer confissões que eu temia.
- Eu não entendo que uma vida é uma
jornada e não um destino. - recitou as
palavras como se fosse eu quem as dissesse -
Eu não entendo que uma pessoa pode ser muitas
coisas sem ser coisa nenhuma. Eu não entendo
que “ser” e “estar” são dois conceitos
diferentes. - ele tocou meus braços -
“Confiança” não é um estado perene, Nahia.
“Confiança” não é um traço perfeito de sua
personalidade.
- O que, então?
- “Confiança” é um músculo. Você precisa
desenvolvê-lo e testá-lo para que fique forte.
Mas isso não significa que, às vezes, ele não
vai doer. Não significa que ele nunca vai se
machucar ou fraquejar. Seu problema é
acreditar que, porque você o torceu, ele se
foi. Se você quer ser mais confiante, seja.
Exercite o músculo.
- Você faz parecer fácil.
- Não, Nahia. Você faz.
- Han? - enruguei as sobrancelhas,
sentindo o rastro das lágrimas secar em minhas
bochechas.
- Não se lembra? Anos atrás, você
decidiu que queria mudar e fez isso.
Simplesmente… fez.
- Não foi fácil.
- Nunca é. Agora, também não vai ser.
Seu engano foi acreditar que bastava fazer uma
coisa e toda sua vida seria perfeita. Bastava
uma decisão e nada jamais poderia dar errado.
Bastava uma atitude e você alcançaria seu
destino. A vida não é um destino. É um
caminho. E nesse caminho, você vai machucar
alguns músculos. Precisa aceitar isso.
Ela me abraçou.
- Nenhuma vida é perfeita. A sua também
não vai ser. Você vai cometer erros pequenos.
Erros grandes. Erros absurdos. Erros idiotas.
Erros que, com o passar do tempo, sequer vai
acreditar que foi capaz de cometer. Você é a
protagonista da sua história achando que
precisa agir como uma leitora. Coisas
inesperadas vão acontecer. Coisas
desagradáveis. Mas nada disso significa que
você não mudou. Nada disso significa que você
não é capaz de mudar, se quiser.
Acenei devagar, tentando aceitar a
verdade de suas palavras.
Se apenas fosse tão fácil.
- Mas e agora? - murmurei - O que eu
faço agora?
- Linda, a mesma coisa que você faz
todas as manhãs. - beliscou meu queixo - Você
começa de novo.

****************************

Kio tinha colocado algumas coisas em uma


mochila.
- Está indo para o estúdio?
- Hmhum. - confirmou com um gesto.
- Achei que ia trabalhar em casa, hoje.
- Não, acho melhor eu ir. - acenou.
- Espero você pro jantar?
- Melhor não. Pode ser que eu demore.
Ele tinha desistido da máscara. Os falso
sorrisos adoráveis não iam ser usados hoje.
- Certo.
Pode ser que eu demore.
Ele ia encontrar alguém?
Kio já estava na porta quando eu percebi
que não ia aguentar.
- Você… você vai encontrar alguém? -
balbuciei - Porque nós não… - ele se virou
para me observar, sua expressão era neutra -
Nós ainda não definimos os termos. - cruzei os
braços, meu corpo insano parecia tentar
proteger meu coração, mesmo que o ataque que
ia atingi-lo não fosse físico.
O canto de sua boca se repuxou em um
meio sorriso de descrença.
- Isso é tudo que você vai dizer? -
piscou os olhos - Que ainda não resolvemos os
termos?
- É o que você quer, não é?
- O que eu queria era que você falasse
comigo. - suspirou.
Ele não se foi.
Ficou ali, parado perto da porta, com a
mochila sobre o ombro e uma expressão de
desespero.
Implorando, mesmo que em absoluto
silêncio, para que eu rompesse a barreira.
Tempo demais se passou. Eu queria dizer
algo… Mas dizer o quê? Kio encarou o chão e ia
se virar.
- Não vai embora. - pedi.
- Nahia, eu preciso trabalhar.
- Eu estou com medo. - as palavras
fugiram da minha boca tão depressa que eu não
consegui sequer pensar se seriam apropriadas.
E de certo modo, acho que era exatamente disso
que eu precisava: falar com Kio. Falar sem
pensar.
- Com medo?
- Quando nós nos conhecemos, eu estava
tentando mudar. Você se apaixonou por uma
mulher confiante, determinada e experimental.
Mas agora… Agora nós somos um casal acomodado.
Eu tenho tanto trabalho, Kio! Eu juro, tem
dias que não sei como consigo. Estou tão
cansada quando o dia termina. E não sou… não
sou mais tão jovem. Tem dias que eu
simplesmente não consigo pensar em sexo e isso
me deprime, porque eu sei como você é. Como
você sempre foi.
- Como eu sou?
- Você tem desejos muito intensos,
apetites muito específicos.
- Nahia, você fala como se eu fosse um
canibal.
- E eu sei que essa rotina não é
suficiente para você. Então se você precisa de
mais… e “mais” é alguém que não seja eu, eu…
- Nahia, Nahia… - ele gesticulou,
largando a mochila no chão - Nahia, eu sou só
um cara.
- Você não me quis. - murmurei tão baixo
que mal tive certeza se ele ouviu - Antes,
você me queria sempre e agora…
- Agora, eu te amo e divido uma cama com
você. - ele se aproximou devagar - Agora, eu
ainda te quero sempre, só que eu te tenho
sempre.
- Não estou falando sobre deitar juntos
e ver um filme, Kio.
- Ah, mas eu estou. - riu - Você acabou
de falar que tem dias que está tão cansada que
não consegue pensar em sexo.
- Sim?
- Eu também. - deu de ombros - Na, você
está se forçando a transar com seu marido
porque acha que deve? - sua testa se enrugou.
Abri a boca para responder, mas não
havia palavras para preenchê-las.
- Meu Deus. - levou as mãos aos cabelos
- É por isso que está me ressentindo?
- Estou o quê?
- Me ressentindo? Todo esse tempo?
- Não estou te ressentindo. - gaguejei.
- Nahia… - ele pediu, incrédulo.
- Não estou! Por que acha que estou?
- Porque você está distante. Há Eras.
Mal fala comigo de manhã e foge para o
trabalho. Sempre que tento te ver durante o
dia, você diz que “não pode” ou “não precisa”
ou “melhor não”. Eu comecei a achar que estava
incomodando quando te vi almoçando sozinha um
dia, depois de recusar encontrar comigo.
- Você vive ocupado, eu não quero que
saia do trabalho só para me ver.
- “Só”? - seu sorriso foi tão doce. Tão
doce. Kio tomou meu rosto nas mãos e eu me
senti amada - Mulher, você é a melhor parte do
meu dia. Quando não está questionando minha
fidelidade ou me afastando, quero dizer.
Beijou minha bochecha e eu fechei os
olhos.
- Estou insegura. - sussurrei.
- Por quê?
- Porque sinto que não sou sexualmente
suficiente pra você.
- Como pode sentir isso?
- Achei que estava distante.
Desinteressado. Não fazia questão de sexo
comigo e… me deu aulas de sexo de presente.
Kio arregalou os olhos, levando a mão à
boca.
- Na, você está falando nesse resort faz
uns dois meses.
- Porque pensei que você poderia gostar,
estava tendo tão pouco sexo e tão… ruim
- Ruim? Amor, estava ruim pra você?
Você… - ele não sabia se me abraçava ou se
enfiava as mãos nos bolsos - Você precisa me
dizer. Eu…
- Não está ruim pra mim. Quero dizer… -
eu já estava sendo sincera - Nem sempre é
extraordinário. Principalmente quando não
estou com muita vontade. - confessei - Mas é
com você que eu fiquei preocupada.
Ele riu. Uma risada gostosa de alívio.
- O que foi?
- Achei que você queria ir pra esse
resort pelo mesmo motivo. - ergueu os ombros.
Tinha as mãos enfiadas nos bolsos da calça
jeans e com aquela camiseta de mangas
compridas, aquele sorriso moleque e aqueles
ombros largos. Meu homem era delicioso e eu
queria beijá-lo mais do que queria viver -
Achei que estava cansada de mim.
- Por isso sugeriu que a gente visse
outras pessoas?
Ele acenou confirmando.
- Eu não quero isso! - exclamei.
- Você aceitou. - estreitou os olhos.
- Porque achei que você queria.
- Eu não quero. - gesticulou depressa.
- Então o que quer?
- Oh, meu amor… - seu rosto se desfez em
uma paz que eu não via há muito tempo - A
mesma coisa que eu sempre quis: você.
Eu precisei tomar seu rosto nas mãos e
pedir um beijo. E ele nunca foi de me negar
isso. Sua língua deslizando pela minha como se
nunca fosse capaz de se afastar. Seus lábios
macios e suas mãos carinhosas em minha
cintura. O beijo que era melhor que sexo.
- Você disse que precisava se masturbar
algumas vezes por semana. - murmurei.
- Sim?
- Isso não quer dizer que não sou
suficiente?
- Isso quer dizer que às vezes eu tenho
vontade de ficar sozinho, meu amor. -
acariciou meus cabelos - Não tem a ver com
você. É só…
- Amor próprio. - sorri - A pessoa
precisa fazer o que é bom para si mesma.
- É. Algo assim. - deu de ombros.
- Então, você está satisfeito? De
verdade? - agarrei sua camisa.
- Na… - ele ria, como se por descrença,
mas eu sentia o alívio em suas palavras - Eu
só estive em pânico porque você não falava
comigo. Eu sabia que algo estava errado, mas
não sabia o quê. E o problema é que imaginação
não tem limite, então comecei a supor todo
tipo de coisa.
- Eu estava tendo um problema parecido.
- Por que não conversou comigo?
Apoiei minha testa contra sua boca e
deixei que ele a beijasse.
- Porque me sentia ridícula. Porque não
acreditava que estava duvidando de nosso
casamento. Porque sinto como se a gente
tivesse uma vida perfeita e, no momento em que
eu começasse a duvidar, eu estaria destruindo
nossa perfeição.
- Mas nada é perfeito, meu amor.
- Eu sei… eu só… Você lembra como a
gente era? No começo? Acho que teve uma parte
de mim que imaginou que “certo” seria ser
assim para sempre.
- Sexo selvagem, todas as noites?
Mulher, você não tem pena da minha coluna? -
brincou, acariciando minhas costas, fazendo-me
rir como não fazia há tempos - Confesso que
teve algumas noites que você insistiu e eu
estava tão cansado que mal consegui
comparecer.
- Então, eu estava fazendo só porque
achava que você queria e você estava reagindo
porque achou que eu estava procurando?
- Somos maravilhosos, não é?
- E o dia que você recusou…
- É porque realmente não dava, amor,
desculpa! - abriu os olhos, de um jeito
cômico.
- E o que a gente faz para resolver?
- Acho que a gente aceita que nem sempre
vai ser igual. Algumas noites nós vamos fazer
sexo louco cheio de apetrechos, vamos
experimentar diferentes posições em diferentes
ambientes, vamos convidar mais uma pessoa ou
duas ou três. - beijou a ponta do meu nariz -
Mas em outras noites vamos ser só eu e você em
cima da nossa cama. Vamos ter orgasmos
incríveis, e vamos ter orgasmos medíocres.
Noites incríveis e outras nem tanto. Um dia
vamos só ficar em casa e assistir um filme.
Sexo com você é maravilhoso, não me entenda
mal, por favor, mas não é por isso que estamos
juntos. Já tivemos sexo maravilhoso com outras
pessoas. Estamos juntos porque somos amigos.
Porque somos confidentes. Porque somos
companheiros.
- Eu te amo.
- Eu sei. - seu sorriso foi lindo.
- Muito.
- Eu sei, linda. E eu te amo mais ainda.
Mas preciso que converse comigo. - pediu.
Eu acenei, concordando.
- Não vai pro estúdio, hoje. - disse,
miúda - Fica comigo.
- Fico. - ignorou a mochila no chão,
buscando minha boca.
- Me desculpa por ter te seguido. Eu
estava triste e confusa, não sabia o que
fazer.
- É, mas a Lana? - riu, quieto.
- Kioujin, você não faz graça com meu
sofrimento. - belisquei seu ombro.
- Na, a Lana é lésbica.
Eu já estava me sentindo idiota, antes.
Agora estava pior.
- E… ela é casada.
- Ah… - gaguejei, baixinho.
- Vamos trabalhar suas capacidades de
percepção. - decidiu - Quem sabe, da próxima,
você me arranja um caso imaginário que seja
mais interessante. - gargalhou, encolhendo-se,
quando comecei a enchê-lo de tapas.
- Eu estava com ciúmes!
- Eu também estava!
- Ah é, de quem?
- Dos caras no resort! Você parecia que
não queria ficar sozinha comigo. - dobrou um
lábio, infantil - Eu não sabia se estava
duvidando da minha gostosura ou se era só a
sua safadeza ilimitada. - piscou um olho,
descarado.
- Estava insegura. - resmunguei - Já
passou.
- Já mesmo? - tomou minha cintura,
mordendo o lábio - Porque já que eu vou ficar
em casa…
- Sexo selvagem?
- Eu estava pensando em filme na cama,
sua safada, mas longe de mim deixar minha
mulher insatisfeita.
Eu comecei a rir.
- Na. - ele me beijou, devagar, calando
meus sorrisos - Promete pra mim que não vai se
forçar a fazer algo. Nem sexo, nem nada.
- Amor, em um relacionamento, às vezes a
gente cede.
- Mas “às vezes” precisa ser “às vezes”.
Eu faço algo só por você. Você faz algo só por
mim. E isso é ótimo desde que não vire a
regra. Desde que “às vezes” não vire “sempre”.
- Combinado. E o que a gente faz agora?
- brinquei com sua gola, sugestiva.
- Nada de filme pra você, han?
- Só se você quiser. - ri, dissimulada -
Porque, por mim, você tirava a roupa e me
comia.
- Tá. Mas se eu for te comer, tenho uma
exigência.
- Que é?
Ele juntou as mãos, implorando:
- Pode ser na “área de preparação de
alimentos”? Porque eu sou um badboy que
precisa romper as regras. Não consigo
resistir.
Revirei os olhos, puxando-o pela camisa.
Guiando-o para a cozinha para que pudesse
descascar minhas roupas.
Epílogo

Eu sou gostoso.
Não estou dizendo que sou perfeito, veja
bem: eu sei que não sou. Mas “ficar perdido na
cama” é um defeito que eu não tenho.
Quando eu estou na cama, meu bem, eu sou
dono do mundo.
E quando eu estou na cama com você, sou
o dono do seu mundo.
- Colin? – Amanda me mostrou o tablet
com três opções de capa – Seu pai gosta mais
dessa. – apontou para a segunda opção.
Eu odiava concordar com o meu pai.
Odiava mais ainda quando Amanda me dizia
de antemão qual a opinião dele. Fazia com que
eu me sentisse sugestionado.
Pisquei um olho para ela, sedutor.
- Diga que eu concordo. Assim acabamos
isso mais cedo e eu posso te levar pra jantar.
Tentei tocar sua mão, mas ela se
desvencilhou.
Qual o problema?
Amanda tinha passado o último semestre
inteiro dando em cima de mim, descaradamente.
Mas, depois de duas semanas de encontros
esporádicos, ela parecia ter decidido que era
melhor fingir que eu não existia. E eu nem
tinha sido safado com ela!
Não me leve a mal, eu já tive meus dias
de homem safado.
Eu sou muito gostoso e, na maior parte
do tempo, é difícil organizar as mulheres
interessadas para que elas venham uma de cada
vez. Então... eu já tive que paralelizar no
passado.
- Comendo sozinho, de novo? – uma voz
familiar me perguntou, assim que sentei na
mesa, na sua seção do restaurante.
- Nunca venho acompanhado para cá, Tati.
– sorri – Gosto de ser todo seu.
- Claro que gosta. – revirou os olhos –
O de sempre?
- Por favor.
Tatiana ainda estava na coluna de
“conquistas futuras” na minha lista de
interesses e eu estava tendo um trabalho do
caralho para muda-la de coluna.
Na maior parte do tempo, ela parecia
absolutamente desinteressada. Mas suas
respostas sagazes para os meus flertes tinham
o dom de me manter por perto.
Era uma questão de tempo.
Tatiana era uma questão de tempo.
Todas elas eram uma questão de tempo.
Eu sou gostoso em um nível sobrenatural.
- Eu não me lembro de ter pedido salada.
- Você se alimenta muito mal. – Tatiana
resmungou quando colocou o prato na minha
frente, girando-o para que a salada ficasse
perfeitamente alinhada.
- Está preocupada com minha saúde, Tati?
- Se você morrer de anemia, quem vai
chorar pra mim quando o Bayern perder?
- Ninguém. Como sempre. O Bayern nunca
perde.
- Ah-ham. Salada, Col. – ordenou,
fazendo-me sorrir.
Talvez fosse estranho imaginar que a
única pessoa na minha vida com quem eu
mantinha uma comunicação constante era a
garçonete viciada em futebol que me alimentava
quase todas as noites da semana.
Mas, assim é a vida de um playboy como
eu.
Não há espaço para amizades muito
profundas quando você tem uma mulher diferente
a cada noite.
Pulei a academia naquela quinta-feira e
fui do trabalho direto para Tati e direto para
casa. Os últimos dias tinham sido
desagradáveis e o humor do meu pai não estava
facilitando.
Tirei as roupas e estalei meus ombros na
frente do espelho, antes de entrar no banho.
Meus músculos eram rígidos e definidos, mas
depois de dois dias sem academia, eles não
ficavam tão pronunciados como o normal.
Amanhã.
Amanhã, eu ia levantar alguns pesos, sem
falta.
Tinha um encontro no sábado e eu me
recusava a deixar uma dama me receber fora do
meu potencial completo.
Meus cabelos ainda estavam úmidos quando
me enrolei nos lençóis.
Estiquei meu corpo sentindo a suavidade
do tecido egípcio, e então a suavidade de uma
pele roçando contra a minha, a suavidade de um
toque.
Abri os olhos e percebi meu quarto na
penumbra. Havia alguém na cama comigo.
Uma mulher.
Muitas mulheres.
Um sonho.
Ah, droga. “Peguei no sono” Sorri, me
perguntando por que essas porcarias nunca
viravam verdade de uma vez.
“Colin” uma delas gemeu ao meu lado.
“Colin” outra.
Um coral de “Colins” ao meu redor.
Gemendo e implorando.
Eu quis lhes dizer para ter calma. Havia
um pouco de mim para todas... Até reconhecer
uma delas.
Cristina. Minha primeira namorada.
Eu a afastei de mim para verificar se
aquilo era verdade.
“Cristina?”
“Colin” ela repetiu, mecânica.
Deus, eu não pensava em Cristina havia
anos! E agora ela estava invadindo meu sonho
erótico? Não... não fazia sentido.
“Colin” repetiram as outras vozes. E só
então eu as percebi mecânicas, assim como a de
minha primeira namorada. Não havia qualquer
calor, em nenhuma delas.
Sandra. Mônica. Liesel. Ashley. Dora.
Estavam todas lá.
Todas na minha cama.
No meu escuro.
Repetindo meu nome com sua voz
automática e sem emoção.
- Você não é gostoso.
A voz explodiu alta ao meu redor e todas
as mulheres desapareceram.
Minha cama desapareceu.
Meu quarto desapareceu.
Eu estava sozinho no escuro.
Mas havia alguém atrás de mim.
- N... Nahia? – balbuciei ao encontrar a
mulher que foi meu breve caso há alguns anos,
parada comigo na escuridão do meu
subconsciente.
- Você não é o dono do mundo, na cama.
Ela tinha os mesmos olhos penetrantes e
os longos cabelos avermelhados. Estava
deliciosa naquele tailleur preto e justo.
Não devo ter comido Nahia mais que duas
vezes... mas ela sim, tinha ficado gravada na
minha memória. Quis sorrir e ser erótico, como
era meu modo natural. Agarrá-la pela cintura e
lhe perguntar se tinha sentido minha falta.
Tirar seu tailleur e comê-la ali, de novo.
Mas havia algo no seu rosto.
Algo no modo como me encarava, com um
eterno meio sorriso que sugeria ler meus
pensamentos.
- Você não é o dono do mundo em lugar
nenhum. – acenou, espremendo os lábios com
pena.
- O quê? – gaguejei, confuso.
- E é melhor se admitir isso tudo de uma
vez. Vamos avançar mais rápido se fizer isso.
- Se fizer o quê?
- Admitir que não sabe de nada, Colin.
Não sabe nada sobre mulheres. Não sabe nada
sobre seus corpos e acima de tudo! – riu – Não
faz a menor ideia do que fazer com elas, na
cama.
- Duvido disso. – acenei, confiante.
Nahia me respondeu com uma sonora
gargalhada.
- Te fiz gozar algumas vezes, querida.
- Me fez gozar vez nenhuma, querido.
Tive que pensar em outro homem em certo
momento para evitar que o nosso encontro fosse
um pleno desastre.
- Outro homem pode ter te dado mais
orgasmos do que eu, mas...
- Andar de bicicleta já me deu mais
orgasmos do que você. – encarou as unhas,
entediada.
- Está falando isso porque se apaixonou
por mim e não foi retribuída.
Ela me encarou e sorriu. Mas dessa
vez... juro que vi seu sorriso mudar.
- Olhe só para você. – gesticulou –
Então, se a mulher não goza, a culpa é dela? –
fez uma negativa com serenidade – Pobre Colin.
Você tem tanta coisa para aprender. – respirou
fundo – Tanta coisa que eu posso te ensinar.
Estreitei os olhos para a figura ruiva
que me observava no escuro quando ela começou
a se desfazer dos botões abrindo o tailleur.
- Você não é a Nahia, não é?
- Não. – ela disse.
Os botões frontais abertos de modo que
seus seios permanecessem cobertos. Havia
apenas uma fresta no pano... uma que, apesar
da penumbra, exibia uma cicatriz única e
peculiar, verticalmente atravessada em seu
peito.
- Nós nos conhecemos? – perguntei.
- Não. Mas vamos nos conhecer, Colin. –
sorriu, fraternal – Vamos ser melhores amigos.
Table of Contents
Prólogo
A 1ª Noite
A 2ª Noite
A 3ª Noite
Epílogo

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