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ALBERTI, Verena. Fontes Orais: A História dentro da História p. 155-202. In: PINSKY,
Carla: Fontes Históricas. Editora Contexto, 1. Ed., 2005
Por mais que os “de cima” deixem mais registros, Verena chama atenção para não se
utilizar a prioridade da fonte oral dos “de baixo” de maneira compensatória, como se fossem
mudos até poderem se expressar por meio do pesquisador/historiador. De modo que a questão
é “até que ponto os estudos sobre os grupos sociais marginalizados respondem às suas
demandas, quem lerá suas entrevistas e como fazer que os resultados da pesquisa retornem
aos grupos entrevistados. Quem financia a pesquisa?” (ALBERTI, 2005, p.159).
Em 1975, a história Oral chega de fato em solos brasileiros, com o I Curso Nacional
de História Oral, ocorrido entre 7 de junho a 1 de agosto, organizado pelo subgrupo de
história oral do grupo de documentação em Ciências Sociais, formados por representantes de
quatro instituições de peso: A Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional, a FGV e o Instituto
Brasileiro de Biografia e Documentação. No CPDOC, foram realizados estudos sobre
trajetórias de elites brasileiras desde a década de 1930, focadas no processo de montagem do
estado brasileiro até o regime militar vigente. Segundo Verena, “procurava-se conhecer os
processos de formação das elites, as influências políticas e intelectuais, os conflitos e as
formas de conceber o mundo e o país” (ALBERTI, 2005, p.161).
Pode-se considerar a década de 1980 como a de consolidação metodológica das fontes
orais, com a publicação de coletâneas de artigos por nomes expressivos, como Jorge Balán,
Daniel Bertaux e outros. Em 1988, o Instituto Mora, na cidade do México, foi sede para o I
Encontro de Historiadores Orais da América Latina e Espanha, sob a coordenação de
Eugenia Meyer. O objetivo aqui era realizar uma rede de intercâmbio alternativa
predominante ao eixo Europa-EUA.
Da mesma forma que a ênfase pós positivista dos annales em 1929 e suas edições
conseguintes, ao priorizarem as metodologias de longas durações (Fernand Braudel, 1949) e
fontes seriais, não tinham ainda o foco o indivíduo e sua subjetividade, mas sim a
representação de épocas ou grupos, continuidades e metodologias pautadas no medievo.
Simbólico disso é a publicação La Mediterranée et le monde à l’a époque de Philippe II
(1949), modelo de história total, “concretude da vivência humana e produção material da
vida” (PINSKY, 2005, p.13 apud D’ALESSIO, 1991, p.19).
Alberti chama atenção para a existência de todo um espaço de História oral fora da
academia: Práticas pedagógicas (alunos do fundamental e médio entrevistando parentes e
membros de suas vizinhanças, comunidades), campo da medicina (registro e transmissão de
experiências entre doentes, adaptações a adversidades), Legitimação e reforço de
identidades comumente marginalizadas (entrevistas realizadas com mulheres muçulmanas,
recurso terapêutico para afirmação identitária). (ALBERTI, 2005, p.164). Essencialmente
interdisciplinar, a História oral em tempos de globalização busca a vida cotidiana, família,
gestos do trabalho, rituais, festas e sociabilidade. Distante da polarização maniqueísta, busca
conhecer e registrar o múltiplo, em todas as camadas sociais.
Fenômeno similar, no que tange a revalorização dos discursos com alta carga
subjetiva, pode ser observado nas fontes memoriais acadêmicas da década de 1990,
tributárias do giro linguístico e interdisciplinar da década de 1970 de obras de Pierre Nora e
Roland Barthes (SILVA, 2015, p.115-116) e no cinema histórico, onde intencionalidade e
parcialidade, construção social (por um ator, instituição ou grupo social) e evidência material
de uma criação, são inerentes ao tomar os filmes fontes históricas (NAPOLITANO, 2005,
p.240).
Por seu caráter biográfico, as fontes orais são prenhes de características estruturais de
grupos, e tipicidades comportamentais, bem como a possibilidade de deduzir em negativo
aquilo que seria potencialmente possível da época e sociedade narrada, conforme as
vivências do entrevistado. Assim, torna-se linguagem o que foi vivido, selecionado e
estruturado de forma a ter sentido coerente. Para a autora, a Teoria da literatura se mostra
ferramenta útil ao trabalho com as fontes orais (ALBERTI, 2005, p.171). Ainda que não seja
retrato inequívoco do passado, é inegável o fascínio causado na oralidade da experiência
vivida, tornando-a um veículo atraente de divulgação de informações.
Outro fator que o pesquisador deve se atentar é para o alto grau de imponderabilidade
das entrevistas, pois nem todas renderam o esperado, ou então passarão a render tempos
depois em outros contextos e temáticas. As Pesquisas orais oferecem diversidade de
qualidades e densidades. Assim, por mais representativos que sejam alguns entrevistados no
contexto, poderão se negar ou não saber relatar, tampouco se interessar pela temática. Para a
autora, isso não é demérito algum, pois a própria parcimônia do discurso serve de objeto de
reflexão (ALBERTI, 2005, p.173). De modo que os entrevistados “ideais” seriam aqueles
dispostos a revelar sua experiência abertamente, de preferência munidos de uma visão de
conjuntos e contextos. Para Aspásia Camargo, “aqueles com uma percepção aguda de si, mas
também da época, das relações grupais, das instituições, que consigam transcender a
experiência individual” (CAMARGO, 1976, p. 4-5).
A autora adverte para a imprecisão das cronologias que serão narradas, de modo que
as entrevistas consistem de recuos e avanços. É importante se atentar, como já dito, às
repetições de determinadas narrativas, importantes no que toca a cristalização mnemônica e a
forma de significação dada ao tema pelos entrevistados. Por último, mas não menos
importante, por estar sendo produzida uma fonte, que poderá vir a ser usada por outros
pesquisadores, alguns cuidados metodológicos se fazem necessários: criação de um
cabeçalho, anotar o que não foi dito com clareza, gestos, evitar a superposição de fala. E por
último, mas não menos importante, providenciar o documento de cessão de direitos sobre a
entrevista assinado pelo entrevistado (ALBERTI, 2005, 179-180).
Na opção pela forma escrita, pelo menos cinco horas de transcrição se fazem
necessárias para cada hora de fita gravada (ALBERTI, 2005, p.180). Processo longo e que
demanda conferência de fidelidade, correção de erros e acréscimos feitos pelo transcritor,
bem como adequações à forma escrita. Depois, é importante que a entrevista passe por um
copidesque, ajustando-a à leitura, corrigindo concordâncias às normas do projeto. A
qualidade da gravação e a forma de condução da entrevista são importantes para que a
dinâmica da transcrição e análises subsequentes sejam facilitadas. No caso de publicação, o
processo de edição do texto transcrito se faz importante, especialmente no corte de passagens
repetidas, ordenação em assuntos e notas que que esclareçam falas obscuras, porém sempre
em fidelidade ao material gravado.
Já a interpretação da fonte oral, análoga a todas as fontes históricas, deve ser tomada
como um documento-monumento, conforme o historiador Le Goff. Para o autor, o
monumento possui intencionalidade, é construído para se perpetuar uma recordação oriunda
de relações de forças que existiram ou existem nas sociedades produtoras. De modo que a
fonte oral deve ser desmontada, no sentido de se perscrutar suas condições de produção. Para
Alberti, “esse caráter monumental é dado pelo próprio pesquisador e em geral recebe a
aprovação do entrevistado, que se sente honrado e satisfeito por estar sendo chamado a dar
seu depoimento” (ALBERTI, 2005, P.184).
Alberti também chama atenção para certas narrativas carregadas de sentido, que
ultrapassam o caso particular como “verdadeiras passagens que chegam a ser “citáveis”. Lutz
Niethammer as considera grandes tesouros da história oral por fundirem-se estéticamente
declarações objetivas e de sentido. “Boas histórias que não se deixam traduzir por uma
moral, porque o significado do que é narrado se cristaliza no conjunto da narrativa”
(ALBERTI, 2005, p.186 apud NIETHAMMER, 1985, p.407).
Assim, o trabalho com as fontes orais está longe de simplesmente “sair com um
gravador em punho e solicitar às pessoas que relatem suas vidas” (ALBERTI, 2005, p. 189)
exigindo assim preparação consistente. Porém, os resultados são profícuos, permitindo o
cotejamento com outras fontes históricas e explorando as dissonâncias, de modo a chegar a
interpretações e dinâmicas singulares, tal como a pesquisa da historiadora Hebe Mattos, ao
tratar dos membros da comunidade remanescente de quilombo de São José da Serra, Valença
(RJ):
REFERÊNCIAS
ALBERTI, Verena. Fontes Orais: A História dentro da História. In: PINSKY, Carla:
Fontes Históricas. Editora Contexto, 1. Ed, 2005
CAMARGO, Aspásia. História Oral e história, Rio de Janeiro, Cpdoc, 17f. Trabalho
apresentado no 1 Seminário Brasileiro de Arquivos Municipais. Niterói, Universidade
Federal Fluminense, 2 a 6 ago. 1976.
D’ALÉSSIO, Márcia Mansor. Reflexões sobre o saber histórico. Entrevistas com
Pierre Villar, Michel Vovelle e Madeleine Rebérioux, Ed. Unesp, 1998, p.19.
SILVA, Wilton C. L. A vida, a obra, o que falta, o que sobra: memorial acadêmico,
direitos e obrigações da escrita. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 7, n.15, p.
103 - 136.maio/ago. 2015.