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3.

0 VOLUME
POESIAS- Deus- Casimira de Abreu.
Eucaristia - Carlos Neto.
Anj<D Custódio - Amélia Rodrigues.
O grão de pó.
Um livro pequenino- J. A. M.
O Oratório Festivo- Lu iz Alves.
O Oratório Festivo - J. A. l\1.
Frô de Maracujá- Catulo Cearense.

MONÓLOGO- O livro de ouro- A. B.

DIALOGGS- Por que esta festa?- A. B.


Ao rei da lingua latina, ou Homenagem..
ao Papa.

DRAMATIZAÇÕES- S� Apóstolo.
Umas horas no Oratório Festivo- Luiz Alves ..

ESBOÇOS DRAMATICOS- O Anjo da Anunciação­


R. Uguccioni.
Pueri Hebraeorum- R. Uguccioni

-NITERÓI-
EscOLA INDUSTRIAL DoM Bosro
-1943-
IMPRIMATUR

Por comissão especial do Exmo. e Revmo.


Snr. Bispo de Niterói, D. JosÉ PEREIRA
ALVES

Niterói, 6 de Janeiro de 194].

P. Francisco X. Lanna, S. S.
DEUS

CAsiMIRa oe ABREu

Eu me lembro! Eu me lembro! Era pequeno


E brincava na praia; o mar bramia
E erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca espuma para o céu sereno.

E eu disse à minha mãe nesse momento:


«Que dura orquestral Que furor insano!
Que pode haver maior do que o oceano,
Ou que seja mais forte do que o vento ?! "

Minha mãe a sorrir olhou pr' os céus


:J;: respondeu: -" Um Ser que nós não vemos
E maior do que o mar, que nós tememos,
Mais forte que o tufãol meu filho, é- DEus!»
EUCARISTIA

CARLOS NETO

Nas alturas dos céus iluminados


Nunca houve, talvez, mais esplendores!
Nem mais vida, mais cânticos, mais flores
Na pelúcia dos 'bosques e dos prados1

Na abundância dos pomos e dos ninhos,


Que esplendores, meu Deus, estonteantes!
E aquela tarde a derramar diamantes
Sobre a relva viçosa dos caminhos!

A mais ligeira viração que passa


Leva consigo mágicos olores,
E uma chuva de pétala�; de flores
Atira rindo com meiguice e graçal

Revestido de flores e de palmas


O Cenáculo se ostenta alcatifado!
Era o altar por Deus predestinado
Para as mais fortes comoções das almas.
-5-

Ei-los à mesa! E do festim em meio,


Solene e grave, o Salvador lhes diz:
Vou cumprir a promessa que vos fiz:
-«Isto é o meu corpo, eu vo-lo dou, comei-ol ,.

E apenas findo o divina! reclamo:


-" Isto é meu corpo, eu vo-lo dou, comei-o - ,.
Pedro proclama, impetuoso, - eu creio!
E João murmura, enternecido: - eu amol
AN JO CUSTÓDIO
Ar-1ÉLIA RoDRIGUES

Os bons Anjos amam ,


Adoram a Deus
E executam, prontos,
Os mandados seus.
Dos Ímpios dem�mios
O ofício desleal
É tentar os homens
E fazer-lhes mal.
Os nossos bons anjos
\uxílio nos dão
Para resistirmos
A vil tentação.
Um Anjo da Guarda
Deus pôs junto a nós,
Que o bem nos inspira,
Com íntima voz.
De Deus bendizendo
Tão alto favor,
Nosso anjo invoquemos
Com respeito e amor.
O GRÃO DE PÓ
PEQUENEZ DO HOMEM

Um dia um grão de pÓ,


Pelo vento levado,
Foi. pairar no esplendor
De um diadema real.
E eis que um ráio de sol
Cintilante e doirado
Vem cingí-lo de luz
Sobre o carro triunfal.
E ao ver-se assim brilhar
Em seu trono elevado,
Ufano se quedou
E julgou-se imortal.
Desdenhoso fitou,
Às alturas guindado,
O duro chão que fôra
Seu leito natal.
Mas em breve do vento
Uma nova rajada
Fê-lo volver à terra
Humilde e desprezada
E o pobt·e grão de_ p.:Í
Ao seu leito voltou.
-8-

Recorda-te que és p6
Tu que as estrelas fitas
E que ao p6 tornarás
Tu que os cumes habitas,
Homem fraco e mortal,
Que a soberba cegou.
UM LIVRO PEQUENINO

]. A. M.
Catecismo! Que livro tão pequeno!
Mas quanta cousa linda em si encerra!
Nos diz que o nosso fim não é terreno
E os dons de uma outra vida nos descerra.

Só nele é que aprendemos o veneno


Da maldade evitar. Sobre esta terra,
Se os homens um livrinho tão ameno
Quisessem estudar, não mais a guerra,

A vingança, o ódio, a inveja e males tantos


Teriam seu lugar. Ao invés, quantos
Bens deste exílio a dor a nos lenir!

Catecismo! Tu falas-nos de Deus!


És o livro maior, a flor dos céus
Mais bela que entre nós veio se abrir!
O ORATÓRIO FESTIVO

LUIZ ALVES

Às mil vozes de jovens frementes


De entusiasmo, alegria sem par,
Vamos nós, nos juntando, contentes
A Dom Bosco homenagem prestar!

Este dia de fúlgida glória,


Que nos enche de um santo prazer,
O irradiante, nos traz à memória
Do Oratório Festivo nascer!

E.rtr ihilho:

6 Dom Bosco, o bom Pai das cr1anças


Da orf and a d e genial protetor
Vós que aurora nos sois de esperanças
Oh! por nós sempre orai ao Senhor!
.

Foi Dom Bosco por Deus suscitado


Para aos jovens sem pão e sem lar
Que se viam deixados de lado,
Doce abrigo na terra levar!
-1 1 -

No caminho do bem, da virtude


Com seu zelo, bondoso os conduz
E lhes dá em Slla sorte tão rude
Da Doutrina cristã toda a luz!

E.rlr ibillw:

Ó Dom Bosco- o bom Pai das crianças


Da orfandade genial protetor,
VÓs que aurora nos sois de esperanças
Oh! por nós sempre orai ao Senhor!
O ORATÓR I O FESTIVO

A. M.L·

Às vezes fico pensando,


e até mesmo meditando,
quão grande devia ser
de Dom Bosco a intelig�ncia;
pois julgo que a maior- ciência
só ele a soube aprender.

Conheceis bem os meninos ?


Pois o amor dos pequeninos
dos saberes é o saber.
E Dom Bosco para tal,
com sua mente genial,
usou meios a valer:

Mágica, mus1ca, história


e aquela bem notória
SociEDADE DA ALEGRIA.
Porém maior invenção .
que a que fez seu coração
-O ORATÓRIO- não haveria.
- 1 3-

Sabeis que é o Oratório?


Não?! Pois, sem mais falatório�
Vou j á então vos dizer.
É um lugar bastante lindo
onde a gente vive rindo,
a gritar, cantar, correr.
Porém, notai desde logo
(é por favor que vos rogo)
importante ob�ervação:
- Lá, podeis saltar e rir
que não vos hão de impedir;
mas, pecar, isto é que não!
Temos sempre bom teatro
que nos custa bem barato,
pois não se paga um tostão.
Lá, da alegria, do encanto
é o agradável recanto,
a nossa doce mansão.
Lá, se joga futebol,
pingue-pongue, voleibol,
pois, brinquedos ? Há-os mili
Lá, a vida, meus senhores,
a passamos entre flores,
bela, calma, mui gentil.
Mas direis: RECREATÓRIO
e não estoutro - ÜRATÓRIO,
é o nome que convém mais
a um lugar de diversão
como, pela descrição,
é este. - Vos enganais!
-14-

Lá, não somente brincamos.


Outrossim muito rezamos
e tambem por vós, senhores,
que desta obra sem igual
de Dom Bosco imortal
sois os bons cooperadores.
E, para mais conhecerdes
o Oratório e dele serdes
os amigos mais leais,
vos direi bem resumido
todo o sublime sentido
que ele encerra. - Não esqueçats:
Lá, somos todos irmãos;
nos tornamos bons cristãos;
.sabemos a Pátria amar.
Nos ensinam o catecismo,
pela fé, com heroismo,
se preciso, a vida dar.
E para co'os nossos pais
carinho
' e amor filiais
são tições de todo dia.
Lá, a nossa juventude
o caminho da virtude
trilha entre hinos de alegria.
Mas o que mais nos fascina
é uma Virgem divina
- a doce mãe de J esús.
Ela nos enche de encantos,
de gozos puros e santos.
É ela quem lá nos conduz.
-15 -

Ela seu Filho nos dá


tornado em pão: o maná
celeste da Eucaristia.
Do Oratório toda a vida
está assim resumida
nos nomes: J ESÚS, MARIA.

Lá se formam cidadãos
bem dignos, fortes e sãos,
para o Brasil e p' ra os céus.
No Oratório, sem cessar
aprendemos muito amar
a família, a pátria, DEUS.
FR Ô DE 1\lARACUJ Á

Apois antonce lhes conto


A história que eu ouvi contá;
Proque razão nasce roxa
A frô do Maracujá.
li
.Maracujá já foi branco,
Eu posso inté lhe jurá,
Mais branco que a coaiada,
Mais branco do que o luá.
UI
Quando a frê> brotava nele
Lá pras banda do sertão,
Maracujá parecia
Um ninho de argodão.
IV

Mas um dia, ha muito tempo,


Num m�s que inté não me lembro,
Si foi Maio, si foi Junho,
Si foi Janeiro, ou Dezembro,
1 7-

Nosso Senh� Jesús Cristo


Foi condenado a morrê
Numa cruiz crucificado,
Longe daqui como quê.
VI
Havia junto da cruiz
Aos pés de Nosso Senh�
Um pé de Maracujá
Carregadinho de fr�.
VII
Pregara Cristo a martelo;
E ao ver tamanha crueza
A natureza inteirinha
Pôs-se a chorá de tristeza.
VIII
'Chorava a fonte dos campo,
·Chorava as foia, as ribeira;
Sabiá tambem chorava
Nos gaios da laranjeira.
IX
A lua na amplidão
Havéra gente de vê-la
Pelos seus óios de neve
Chorando em pranto de estrela.
18-

E o sangue de J esús Cristo,


Sangue pizado de dô,
No pé de Maracujá
Tingia todas as frô.

XI

E foi por isso, seu moço,


Que as frozinha ao pé da crmz
Ficaram roxa tambem
Como o sangue de J esús.

XII

Apois antonce, seu moço,


Foi ansim que eu vi contá,
Proque razão nasce roxa
A frô de Maracujá.

CATULO CEARENSE
O LIVRO DE OURO

(Jfo nólogo par a um pequeno )

A. B.

Eu conheço um livro-não é grande, não!


- mas vale mais que ouro. Não é pesado. É
tão leve que pode ser levad9 por qualquer
criança. E custa muito pouco. E o mais barato
de todos os livros.
Livro interessante! Tão pequenino, tão leve,
tão barato, entretanto ele é de ouro. De ouro,
sim! Não desse ouro que brilha nos anéis dos
doutores e nos rel6gios dos ricos. Não desse
ouro que é cubiçado pelos homens. Não desse
ouro que leva tantas almas para o inferno. Ele,
propriamente, não é de ouro. Mas vale ouro.
Pois ele encerra tudo o que n6s precisamos sa­
ber para se1·mos bons, tudo o que devemos
praticar para podermos entrar no Ceu. Vale
ouro porque é necessário para todos: para n6s
crianças, para as pessoas grandes e para os
velhos que já têm cabelos brancos. Todos de­
vem praticá-lo: ricos e pobres, se quiserem
ser felizes aquí na terra e no Ceu.
Vocês sabem que livro é esse que eu conheço
e que vale ouro ? Prestem atenção, que eu vou
dizer bem claro o seu nome: CA-TE-CIS-MO.
POR QUE ESTA FESTA ?

DIÁLOGO

A. B . (Entram converJ'ando)

A - Hoje de manhã, ao me levantar para


ir à Missa, ví que minha irmã estava de pé.
B- Então você é mais preguiçosa que ela,
heinl você gosta do travesseiro, principal­
mente quando faz friozinho ...
A- Não, não! Todos os dias eu sou a pri­
meira a pular da cama. Depois que já rezei
minhas orações, é que minha irmã começa a
abrir os olhos...
B- Ih! agora é que me lembrei que ainda
não rezei a oração da manhã... eu quasi sem­
pre me esqueço ...
A-Pois você faz mal. O Padre sempre diz
que menina que não reza não póde ser boa.
Com certeza você nunca mais esquecerá,
não é ?
B - Nunca mais.
A- Bem. Mas, como eu ia dizendo. . .
minha irmã j á estava levantada e tinha um
papel na mão. Lia, depois parava e começava
a falar sozinha... punha as mãos para trás . . .
depois olhava d e novo para o papel. . .
- 22 -

B - Com certeza ela estava decorando al-


guma coisa.
A- - Isso mesmo. Era uma poesia.
B - Vai haver festa na escola ?
A - Não. E' uma festa da igreja!
B - Da igreja ? Mas na igreja só os padres
é que falam.
A-A festa é da igreja, mas não é na
igreja. Compreende ?
B-Não compreendo patavina.
A - Pois eu vou explicat·. E' uma festinha
que as crianças do Catecismo viro fazer, no
dia do Catecismo.
B - Agora é que não compreendo mesmo
nada. Festa do Catecismo... Dia do Catecis­
mo ... Que valor tem esse livrinho tão peque­
no e tão feio ?
A - Coitada! Tenho pena de você. Está
vendo o que acontece a quem nunca vai ao
Catecismo ? Não sabe quanto vale esse livri­
nho que nós chamamos com esse nome difí­
cil de Catecismo
B - Ora. Livros bons são os que Papai
tem: gt·andes, cheios de figuras, com palavras
difíceis. . .
A -- Bem, e u não tenho tempo agora para
estar discutindo com você... Eu vou acabat··
de contar o que estava dizendo. Hoje vai ha­
ver uma festinha para que as crianças iiquem
conhecendo melhm quanto vale o Catecismo.
- 23 -

B - De festa eu gosto. Você me leva ? Mas.


eu t�nho medo do padre ... é capaz de zangar
com1go ...
A - Eu levo você e apresento você ao pa­
dre, dizendo que você é minha amiguinha.
E' capaz até de ele me dar um santinho.
B - E a mim tambem ?
A - Tambem, mas se você prometer que
irá sempre à Missa e ao Catecismo.
B- Se você quiser eu irei todos os domin­
gos com você.
A - Está bom. Eu é que fico muito con­
ten te, porque assim eu posso festejar tambem
o Catecismo, conseguindo mais uma me nina
pam J esús.
B,- Se Deus quiser, eu serei também de
..

Jesus como voce.


A - V amos depressa. Está na hora de
começar a festa.
B - Vamos, Vamos.
AO REI DA LÍNGUA LATINA
OU HOMENAGEM AO PAPA

CENA I,a

(No palco deve haver um quadro-negro com


o OremuJ' do Papa no mumo. Uma muinha).
JosÉ Luz - (entrando) D. Bosco queria
tanto bem a.o Papa que não cessava de falar
de suas benemerências.
CELSO BRAGA- (acompanhando-o) E a tra­
dição salesiana que decorre de seus dias até
nós conservou e difundiu o belo costume de,
nas sessões acadêmicas ou teatrais, eviden­
ciar de algum modo o nome querido do
Vigário de Jesús Cristo.
J. Luz- Sabes como vamos hoje honrar
o nome do Papa ?
CELSO- Certamente de modo muito digno!
J. Luz- Não somente muito digno, mas
creio que é do modo mais digno. Terá uma
nota de honrosa novidade!
C ELSO- És industrioso! Bem o sei! Com
isso me alegro, porque muito ganhará a
nossa devoção ao Papa. Estou desejoso por
saber o que imaginaste, pois quero unir ao
teu trabalho a esmola dos meus talentos.
J. Luz- Olha ! Sendo o �apa Rei de
Roma e Chefe da Igreja e sendo o latim a
26-

língu a de Roma e da Igreja, honremo-lo


traduzindo para a nossa língua o lindo Oremus
que o S acerdote canta todos os dias na
Bênção em favor do Sucessor de S. Pedro.
CELSO - (dá-lhe o.r paraben.r) Só um lati·
nista como tu podia ter tão feliz idéia!
J. Luz- Oltrigado' Louvm·es ao Papal
CELSo - O latim, língua viva da Igreja,
é a mais própria para prestar homenagens
ao Papa, rei da língua latina.
J. Luz - O Papa salvou o latim e o deu
de presente a todas as nações como alto
fator de cultura.
CELSO-- O Brasil, nossa grande e ilustra­
da Pátria, acaba de entregar aos seus filhos
esse precioso estudo, por meio da sábia_ Lei
Org&nica do Ensino Secund ário.
J . Luz
- E com quanto acêrto! Pois a
língua portuguesa é filha do latim. Devemos
aplaudir tão sábio gesto do nosso govêrno .

CELSO- Nosso querido Brasil sabe q u e o


latim é d ifícil, e que exige nos alunos von­
tades enérgicas e mentes escol hidas.
J. Luz- (tomando-o pelo braço) Tambem
tu falas em dificuldades ? Eu estudo latim há
três anos, obtendo as melhores notas. Até ago­
ra enconhei nele encantos e grande at rativo .

CELSO - (11oltando-.re para ele) Plenam en te


d e acôrdol O que pode faltar é o espírito de
diligência em muitos alunos.
J . Luz-- A aplicação deficiente é a única
inimiga do latim. Creio não errar afirmando
-27-

que "aluno amante do latim é sinônimo de


aluno bem aplicado"
CELSO - Há dias um aluno inteligente,
forte mas preguiçoso, conseguiu passar com um
conjunto de 4,7 em latim. Ficou tão contente
que percorreu de bicicleta todas as ruas da
cidade] Era o prêmio que seus pais lhe haviam
dado pelo fato de ter passado em latim!
J. Luz - Passou raspando] Aposto que
esse tal é um dos que clamam contra os mis­
térios do latim. Passou raspando!
CELSO - Eu sempre defenderei o latim não
s6 com a língua, mas assimilando suas belezas
li terárias.
J. Luz - Comecemos a tradução .
CELSO - Antes é bom que leiamos o tre­
cho, com tod a a. expressão, para lhe apanhar­
mos o sentido (L2 -.Já deve ular e.rcn'lo em
uma ped1a).
" De us, omnium fidelium pastor et rector, fa­
mulum tuum Pium, quem Pastorem ecclesiae
tuae praeesse voluisti propitius respice; da ei,
quaesumus, verbo et exemplo quibus praeest
prof!cere ut ad vitam, una cum grege, sibi
credito perveniat sempitemam ».
J. Luz - Leste-o muito bem. Vou fazer a
ordem direta.
CELSO - Eu vou anotando-a.
J . Luz - (faz a ordem direta): Deus, pas­
tor et rector omnium fídelium, respice propi­
tius Pium famulum tuum quem voluisti pre­
esse Ecclesiae tuae pastorem.
- 28-

CELSO - Até aquí está perfeita.


J. Luz- Queres lê-la?
CELSO - É até útil para a tradução (lê a
ordem direta feita pelo colega).
J. Luz- Continuemos: (continua a ordem
diréta) <<da ei, quaesumus, profice1·e verbo et
exemplo (iltiu.r) quibus praeest ut perveniat
ad vitam sempiternam una cum grege, cre­
dito sibi ».
CELSO - Este trecho está ainda melhor.
Queres ouvir? (12 o lteclzo).
J. Luz- Agora façamos a tradução.
CELSO - Deixa-me fazê-la. Tu fizeste a
ordem direta.
J. Luz- Está bem, mas s6 até a metade,
o resto farei eu,
CELSO - (traduzindo a letra) Deus; Pastor
e governador de todos os fiéis, protege pro­
pício a Pio teu servo que quiseste que go­
verne a tua Igreja como, Pastor.
J . Luz- Bravo! Eu continuo.
« Concede-lhe, n6s to pedimos, que seja útil com

a palavra e com o exemplo àqueles aos quais


preside afim de que chegue à vida eterna em
companhia do rebanho que lhe foi confiado»
CELSO - Está 6tima. Viva o Papa, rei da
língua latina!
CENA 11
CARLOS - (colega doJ" pri meiroJ", ia ;azer a
muma tradução. Traz eníJol�Jido um lindo qua­
dro do Papa) Que fizestes?
-29-

J. Luz - Quisemos prestar uma homena­


gem ao Papa traduzindo o lindo "Oremus"
com o qual a Igreja rt>za pelo seu chefe.
CARLOS -Bravos! (à parte, contrariado) Pre­
cederam-mel Que farei eu ? (a ele.r) Não po­
dendo tributar ao Papa a homenagem que
lhe preparei, permití ao menos que fixe
neste quadro (pedra onde e.riá ucrilo o Oremu.r)
o retrato do Papa.
CELSo - Que ündol
J. Luz - Lindíssimo! Por qt1e nós não ti­
vemos esta idéia ?
CARLOS- Agora, colegas: Viva o Papal
Tonos - Viva (palma.r).
S:E APOSTOLO
(Dramatização extraicla do "BoLETIH CATEQUÉTico"
J unh.o de 1942).

PRIMEIRO. QUADRO
CENÁRIO: Sala de aula de traballto.r ma­
nuai.F, num Grupo EJ"colar. dlguma.r menina.r
co,yfuram; outraJ" fazem tricot e converJ"am ao
me.rmo tempo.

PERSONAGENS:
TEREZINHA ..
LÍGIA
HELENA
E!.ZA
� CruZ<>dinluu

UM PADRE
UM ÍNDIO
UMA DANSA DE ÍNDIOS

LíGIA- (moJ"lrando o par de .rapatinhoJ' que


utá Jazendo) Imagino pa1·a quem vai servi1·
este sapatinho! Deve servir para algum índio
que vai ser ainda batizado!
TEREZINHA- Vou escrever ao missionário
para pôr o nome de Terezinha na índia que
-32 -

vestir esta camisola. Terezinha é o nome da


santa padroeira das Missões e tambem o meu . . .
HELENA- (dirigindo-J'e a Ligia) - Como
deverá ficar engraçado o índio que vestir este
casaco! Tinha vontade de v�-lo vestidinho
com elel
ELZA- Não estou trabalhando com tanto
gosto como vocês. Tenho certas dúvidas.
Será mesmo destas causas insignificantes que
se serve o missionário para ganhar almas ?
-uma alma é causa por demais valiosa. Não
posso compreender como se pode compt·ar
alguma com estas bagatelas.
HELENA- Então não compreende isto,
Elza ? Parece-me que você faltou à última
reunião da Cruzada, porque D. Zi1da expl icou
claramente este assunto ..
.

ELZA - É fato Falhei, sábado, porque


estava resfriada, mas se D. Zilda quisesse
explicar-me novamente ficaria muito contente,
porém tenho vergonha de pedir-lhe.
TEREZINHA - Vou pedir-lhe para voe� .

Quer ?
ELZA- (um pouco acanhada)- Vá.
TEREZINHA - (J'at).
HELENA- Parece-me que há muita gent.e
que ignora estas causas. A tia Clarinha até
achou graça, quando lhe falei que ia traba­
lhar, desta maneira, para os índios.
ELZA- Ahl é para agradar aos índios que
os missionários nos pedem estes presentes,
não é ? Logo qae D. Zilda chegue aquí lhe
- 33 -;-

dará as explicações sobre a manE"ira que os


missionários trocam roupas e brinquedos por
almas . . . Ela aí vem . ..

SEGUNDO QUADRO

CENÁRIO: Ca.ra-pobre de um mi.r.rionário. Ao


lado vê-.re um altar com a imagem de Santa
Terezinha.
.. Um
. [ndio catequizado conveua com
o
,
mu.rwnarto.

ÍNDIO- Sr. Padre, acho-o hoje tão aba­


tido! Está doente?
PADRE - Doente não, meu fiel Lucas. Estou
triste e você bem sabe porque. Há mesao;
<�quí estou a ver se consi go penetrar naquelA
tribu das- margens do Araguaia. Você :sabe
que os nossos índios são feroz es Como cate
. ·

quizá-los? Se tivesse alguns presentes, poderia


cativá-los. Hoje,· porém, n ad a tenho. Se al­
guem se lembrasse das Missões Vamos rezar,
.. .

meu bom Lucas. Talvez Santa Te1·ezinha nos


queira aj uda r (Rezam em voz alla).
.

Santa Terezinha, nossa padroeira, protejei


esta pobre Missão. V6s que prometestes "pas­
sar o vosso Céu em fazer à bem na terra",
lançai uma chuva de rosas sobre esta pobre
tribu que se encontra entreg•·e à mais bárbara
idolatria. Vinrle em nosso socorro! (O índio
.rai e volta correndo).
ÍNDIO- Sr. Padre, sr. Padre, Santa Tcre­
zinha acaba de fazer o milagre. Deixaram aquí.
-3 4 -

este embrulho e uma carta. Não o::e rá algum


presente ? (Ahrem o cmhrullw e lecm a carta).
São os presentes feitos pelas cruzadínhas do
Grupo. - Esta carta e os presentes variam de
ac&rdo com as condições da Cru:�:ada: se de
Grupo ou Paróquia.
PADRE - Estas almas teem de pertencer
a Jesús, ainda que me custe a própria vida .. .
ÍNDIO - Como ? o senhor sozinho ?
PADRE- Não. Voe& vai ajudar-me. Prome­
te fazer tudo quanto eu mandar ?
ÍNDIO - Tudo, meu padre.
PADRE - Ouve bem o que vou lhe dizer
e cumpra as minhas ordens. Soube hoje que
é dia de festa no aldeamento da tribu.
Vista-se como antigamente, e vá à festa,
como bom amigo do cacique. Brinque, dan­
se com eles, depois veja se lhes vai ofere­
cendo brinquedos e roupas que vieram de
Belo Horizonte. Se perguntarem onde voe&
encontrou tudo
A isso, mostre-lhes a casa do
missionário. Eies virão com voe&, tenho certe­
za. Eles são muito ambiciosos. Vá de pressa.

Enquanto voe& aje eu rezo.


(0 índio .rai e o padre fica .rozinlro, re­

.zando).
TERCEIRO QUADRO
CENÁRIO: Um aldeamento de [ndio.r em dia
je.rlivo. LucaJ· jaz tudo quanto lhe ordenou o
padre. .d cena é toda por meio de mf.mica.
(O.r índio.r dan.ram)
-35-

QUARTO QUADRO

CENÁRIO: Em ca.ra d(• mi.r.rionário, que e.rtá


rodeado de criança.r ''e.rlida.r com a.r roupi­
nha.f jeita..r pela.r menina.r da Cruzada.
(0 Padre en.rina-Lhe.r o caleci.rmo)
PADRE - Vamos, Perí, ver se já sabe
fazer o sinal da cruz.
Bem, estão todos preparados. Amanhã,
ooderão ser batizados e fazer a Primeira
Comunhão. Vamos ensaiar agora o hino:
"Sou cristão"

CAI o PANO
Umas horas ao Oratório Festivo
(Diálogo de ocasião em 2 quadros)

L. ALVES
� Luiz - menino bom.
.

PERSONAGENS ) Júlio - menino mau.


.

f. Ricardo- menino indiferente.

I QUADRO
No MAU cAMINHo
O palco repre.renfa uma .rala com uma
pequena me.ra com il'vro.r, papéú, ele., e com
fr2.r cadeirtLf.

CENA I

LUIZ ,ró

LUiz-· (.renlado à me.ra e.rfuda repelindo.


de cór uma pergunta de cafeci.rmo - pau.rd.)
Pronto! Custou-� a decorar esta última, mas
afinal decorei ... e não hei de desanimar. Faço
questão de saber bem de cór as respostas do
Catecismo porque quero em prirrir.!iro lu­
gar ter sempre presente diante de mim as
grandes verdades de minha religião e depois
porque desejo entrar no Certame Catequís­
tico. Hoje haverá o primeiro ensaio geral e
-38-

quero manter-me de pé. Bem, vanios recordar


mais uma vez desde o princípio . (diz de cór
. .

a.r primeira.Y pergunlaJ do Cateci.Ymo.)

CENA II
LUiz e JúLIO.

JúLIO- (entrando de,•agar) Chélll Ei-lo es­


tudando.
LUIZ - Oh! Boa tarde, Júlio.
JúLIO- Boa tarde. Que é isso, Luiz ? No­
vamente sobre os livt·os ? Que está você es­
...

tudando ?
LUiz - Ora, o Catecismo.
JúLIO - (pegando o Caiecúmo na mão) O
Catecismo! Ahl Ahl Ahl (depõe o livr,o) Que
é isso, Luiz ?1 Você está . perdendo tempo ?I
LUiz - Que está dizendo ? Eu, perdendo
tempo ? Por que ?
JÚLIO - Por que ? Porque em vez de apro­
veitar o domingo para distrair-se um pouco,
se m,ete aquí a quebrar a cabeça ...
LUiz- Isso diz você!...
JÚLIO - Essa é boa. Passa a semana toda
estudando e chega o domingo, em vez de des­
cansar, ainda vai estudar isso que afinal de
contas não lhe traz vantagem alguma ...
LUiz - (.Yério, cortando) Está enganado,
Júlio. Vantagem não traz a você que não es­
tuda o Catecismo.
JúLIO - (rindo-.Ye)Ahi Ahl Ahl Deixe disso.
Vam.os assistir ao jogo de hoje: Palmeiras con-
-39-

tra Coríntians. Vai ser um jogão... uma par­


tida sensacional. Veja só o que traz a Ga­
zeta! (mo.Flra).
LUiz - Não, não. Vou ao Catecismo da­
quí a um pouco. Que vantagem lhe traz
este jogo ? Mais proveito se tira assistindo ao
Catecismo do que assistindo a um jogo de fu­
tebol, mesmo que se tratasse duma partida.
internacional.
Júuo- (quaJi com pena) Não sej a cabe­
çudo...
Luiz - Prefiro ser cabeçudo neste ponto
a ser um leviano, menosprezador do que é
necessário saber. Afinal, diga-me: que apro­
veita a você que o Palmeiras ou o Coríntians
ganhe ou perca'!
JÚLIO
- E o que adianta ir ao Catecismo ?
LUIZ - O que ? Serve para ensinar-lhe o
que você deve saber e não sabe. No Cate­
cismo se aprende aquilo que é necessário para
a gente bem viver e depois salvar a alma .. .

J úuo -- Deixe disso, Luiz. Venha comigo .. .


LuiZ - Não, não posso. Devo estuda1·.
JúLIO - Não sej a extravagante... Você sem-
pre foi meu amigo . . .
LUIZ - Sim, sou seu amigo, mas não con­
cordo com você. Tenho minha conciência e
pOr ISSO...
JÚLIO - Que conciêncial Você sempre fala
nisso ... Aproveitemos o tempo para nos diver­
tir, gozar a vida ... Vamos, Luiz; não seja
escrupuloso...
-40-

LUiz - Obrigado pelo seu con \'i te. Às duas


horas devo ir ao catecismo. Deixe-me, pois,
sossegado ...
JúLIO- Não; não posso, Hoje eu preciso
da sua companhia . . . Vamos, eu lhe pagarei o
ônibus, a entrada . . . Depois . . . Seus pais não
saberão de nada .. .
.
LUIZ- (,renlando) Ahl Júlio! Não pensava
que você tivesse chegado a esse ponto.
Eu enganat· meus pais ? Eu ? (pau.ra) . E de­
pois, mesmo que meus pais não saibam de
nada, Deus, entretanto, me está vendo.
(pau.J'a) Não. (le�Janlando-,re) Isso nunca.
Júuo - (il parte) Será possível ? Tente­
mos outro meio. Ele deverá deixar de ser o
que é... (a Luiz) Luiz, como você é pobre,
vou auxiliá-lo. Veja (mo.J'úa a carteira de di­
nheiro) Eu lhe darei isso, se você vier comigo ao
campo. Você indo ao Catecismo não terá isso.
LUiz- Não faz mal. . . No Catecismo rece­
berei coisas que valem muito mais que o
seu dinheiro.

CENA 111
O,,. mumo.J', maÍJ' RICARDO

RICARDO- (entrando) Ohl Vocês por aquí ?


Boa tarde.
Os DOIS - Boa tarde.
RICARDO - Que estão fazendo ?
J ÚLJO- Oh1 Ricardo, você chegou na
hora. Veja só como o Luiz é cabeçudo.
- 41 -

Lurz - Obrigado pela referência . ..

RICARDO - Luiz cabeçudo ? Por que ?


Lurz - Ele quer a todo custo que eu o
acompanhe ao Campo da Agua Branca para
assi stir ao jogo de hoje . . .
RICARDO- (cof.lando) Ora . . . não há nada
de mal nisso.
�JúLIO- Isso mesmo.
LUIZ- Sei di�so. Mas daquí a meia hora
devo estar lá no Oratório Festivo nos Cam­
pos Elíseos, e porisso não posso ir. Ademais,
lá tambem, além do Catecismo e da Bênção,
etc ... há brinquedos. diversões, há jogo de
futebol. Como nunca faltei ao Catecismo,
não quero pois faltar hoje só por· causa duma
partida de futebol.
RrcAR.- Que está dizendo ? Você falou
em diversões . . . onde está esse parque, hein ?
Lurz- Não é parque, não .. e Oratório,
.

isto é, um lugar onde os meninos, além de


se divertirem, aprendem o Catecismo e rece­
bem educação.
RrcAR. -- Em que lugar está, pois, este
tal Oratório ?
LUIZ - Nos Campos Elíseos, no Liceu Co­
ração de Jesús.
RrcAR.- No Liceu ? Aquele Colégio tão
afamado ?
Lurz- Aquele mesmo.
Ora, se e ass1m, eu vou junto
. •

RICAR.
,
--

com você; ainda mais que eu estava pm· aí


à-toa.
-- 42 -

Júuo - (e.rúanhando) Que é isso, Ricardo ?


Você então vai deixar de assistir ao jogo de
hoje para ir a um lugar que você não conhece ?
RICA R. - E por que não ? Aquele jogo, afi­
nal, já foi realizado tantas vezes, terminando
sempre do mesmo jeito. Um deles ou ganha
ou perde, ou empatam.
JúLIO - Todas as partidas terminam assim,
isso eu já sei; mas o bonito é ver como é que
os « cracks » j ogam . . .
RICAR. -- Eles jogam um pouquinho me­
lhor que nós. Darão dribles, passes, marca"!.
rão tentos etc ... tudo coisa velha, numa pa­
lavra...
JúLIO - Mas Ricardo . . .
RICAR. - Seja como for. Assim como eu
posso ir assistir ao jogo posso tambem it·
a outro lugar. Como eu não conheço esse tal
« laboratório », e. . .
LUIZ -· (cor lando) não é «labora tório» não;
é Oratório.
RICAR. - Ahl sim! Oratório ... Então como
não conheço esse Oratório, eu hoje vou
tambem até lá.
LuiZ - Muito bem, Ricardo. E você gos­
tará ...
JúLIO - Ora sim senhor. Tambem este
está com o gosto estragado.
RICAR. - o que ? Eu com o gosto estra­
gado ? Por que ?
JúLIO - Porque você não sabe decidir-se . . .
nã o sabe tomar o melhor partido ...
43-

RICAR. - Pois eu lhe digo; j á tomei mi­


nha decisão... Eu vou junto com Luiz.(a Júlio)
Não que ir junto ?
JÚLIO O que ? Eu ? Eu ? Não vou per·
-

der tempo . . .
Lurz- Isso diz você . . . Mas o fato é que
.
nao e assiii�;,
- ,

JÚLIO- Seja . . . Façam vocês o que qui-


serem.
RrcAR. - Então vamós, Luiz.
Lurz - É verdade. Está quasi na hora.
RrcAR.- Já tenho 13 anos e preciso
aprender um pouco de Religião ... e quero co­
nhecer aquele lugar.
JúLIO- (à parte) Este tambem está com

a CODC1enc1a ..
•A •

Lurz - (cor/ando) Não quer ir conosco, Júlio ?


JÚLIO-- (.réiio, de lado, .reco) ()brigado.
RrcAR. - Então passar bem, Júlio (J'aem
OJ' doi.r).

CENA IV
JÚLIO .rÓ.

JúLIO- Será possível. .. perdí a partida . . . .


mas não hei d e descansar. . .O único e verda­
deiro amigo meu é Luiz e não posso resignar­
me . .. Bem, o jogo só vai começar às 3,30; por
isso vou até ao tal Oratório do Liceu Coração
de Jesús ver o que se faz lá e ainda darei um
-4 4-

jeitinho de trazer de lá o Luiz ou um dos ou­


tros amigos meus que tam:bem se deixam le­
var pela onda . . . (pau.ra-olhando parajora) Não
compreendo porque tanta gente vai à Missa.. .
porque tantos meninos vão ao Catecismo .. .

Tambem os padres . (pau.ra) Como serão es­


. .

ses padres dos quais papai e tantos outros


falam mal ? . . Ahl seja como for ... Eu vou até
.

lá s6 para espiar um pouco . (.rai por onde


..

.rairam o.r oulro.r).


Nisto abaixa o pano

O intervalo pode ser breve.

N. B - Durante este intervalo se podia des­


crever rapidamente a atitude de Júlio ao pe­
netrar no Orat6rio, focalizando os gestos, pon­
do em rel�vo os diversos estados psíquicos do
mesmo ... apresentando ao público o decorrer
das ações, o horário no Orat6rio Festivo, etc ...
-45-

li QUADRO
NO BOM CAMINHO

O palco repre.renta um jardim com doi.r banco.y.

CENA I
Túuo .ró.

Júuo -- (.rentado num hatlCo, com a bol.ra


de e.rcola ao lado.) Nunca pensei em semelhante
coisa. Ontem fui, por curiosidade, vêr o que se
passava naquele lugat· chamado Oratório, com
o fim de tirar de lá Luiz ou algum de meus co­
legas que o frequentam_. . . e no entanto lá fi­
quei. . . Sim senhor! {lei•anlando-.re) Quem há-
veria de dizê-lo... Apenas lá entrei, eu sentí
qualquer coisa... parecia-me estar mudado. . .
Deixei d e ser o que era . . . Perdí a vontade de
assistir ao jogo, enfim, não sei, numa palavra,
o que acon teceu .(pau.ra -pa.r.reia um pouco)
Quantos meninos havia lál Quantos brinque­
dos! Quanta alegria! Mas o mais interessan­
te era ver os padres brincando com ps meninos.
Pareciam àté meninos! E como eram bons!
Nãio pareciam . . .
CENA 1 1
Júuo e RICARDO
RICAR. - (entrando alegremente com a .ma
hol.ra) Oh! Boa tarde, Júlio.
JúLIO - Boa tarde.
- 46-

RICAR.- Voe� me mandou avisar que me


.esperava aquí antes de ir para a escola e aquí
-estou . . .
JÚLIO
-
É verdade. Sentemo-nos (.yenfam­
.re) Sabe por que é que lhe mandei avisar· para
vir ?
RICAR. - Não.
JÚLIO- É para voe� me ajudar.
RICAR. - Ajudar ? Ajudar em que ?
JúLIO- Voe� sabe; ontem, em vez de eu
ir assistir ao jogo, quis, por curiosidade, ver
o que era aquele Oratório do qual Luiz nos
falava.
R ICA R. - Sim. E o que aconteceu ?
JÚLIO - Ainda pergunta: O que aconteceu ?
Resolv� ir tambem aos domingos ao tal Ora­
tório.
R ICA R.
- Não diga; voe�, que ontem a todo
-custo queria afastar-nos de lá ? Voe� ? Vo-
cê que ... ? ,
JÚLIO- (coriando)E ... Como são as coisas
neste mundo.. . Não sei o que tenho; mas
.parece que não sou o mesmo Júlio de
antes...
RICAR. - Quer dizer que gostou do Ora­
tório ?
JúLIO- Se gostei . . .
RICAR.- Então toque aquí. (dão amão)
Eu tambem fiquei entusiasmado. Resolví
deixar de vagabundear aos domingos para ir
·tambem ao Oratório.
JÚLIO- E que diz você de tudo aquilo ?
- 47-

RICAR. - Eu? Nt:nca passei uma tarde


tão feliz assim . . . Desde a aula de Catecismo
em que um padre falou da obrigação de a
gente ir à Missa, de assistir ao Catecismo ...
até à hora da saída em que recebí um san­
tinho, tudo me encantou.
JúLio - Ahl Você tambem recebeu um san ­
tinho? Eu ganhei um de D. Bosco; o padre
que me deu aquele santinho perguntou se eu
conhecia aquele santo e eu disse que não.En­
tão ele me disse que era o santo mais amigo
dos meninos e que eu rezasse para ele...
RICAR. - Muito bem.
JúLIO - Ah! Uma pergunta: O que foi que
mais impressionou a você? -
RICAR. --Foi ver aquele movimento todo:
uns jogavam futebol, outros brincavam no
balanço, outros . . . enfim todos estavam ale­
gres, <:orrendo, pulando, gritando, cantando,
etc ...
JÚLIO - O que mais me impressionou, sa­
be o que foi? Foi ver os padres brincando com
a meninada. Você não viu um padre que cor­
ria bastante e os meninos ahás dele para pe­
gá-lo? Quem _o pegasse, ganhava uma bala.
RICAR. - E verdade.
JÚLIO - É!... os padres não são como dizem
o papai e outros homens. Eu fazia outra
idéia deles ...
RICAR. - Isso eu já sabia. Os que falam
mal de padre, ou peor ainda, os que mexem
com eles, você pode estar certo são os tipos
- 48-

.mais desclassificados porque gente direita se


não tem religião, tem ao menos um pouco de
-educação. . .
Jú LIO
- Você tem razão, Ricardo.
RICAR. ,....- Outra coisa. Você gostou da au­
la de Catecismo ?
JúLIO - Nem se fale... Tambem gostei da
prática que o padre fez na Igreja sobre a
obediência aos nossos pais.
RICAR. - Ah1 siml O padre disse que era . . .
o 3° o u o 4° mandamento d a lei d e Deus ... Ora
bolas ... eu agora estou em dúvida... Não sei se
é o 3° ou o 4° ou o 5° . . mandamento . . .
.

CENA III
O.r me.rmo.r mai.r LuiZ
LUiz- (Entrando com a bolra de litJro.r)
Oh1 vocês aquí ? Boa tarde, Júlio. Boa tarde,
Ricardo.
Os DO IS Boa tarde.
-,---

Lurz- (.rorrindo e ajátJel) Então que há de


·novo, meus amigos ?
RICAR.- Você chegou mesmo na hora.
Diga-me. O Padre ontem falou lá na igreja
sobre o modo de proceder dos filhos para com
os pais e disse que era grave obrigação obe­
cer-lhes porque assim o preceituava um mlm­
damento da lei de Deus. Qual é êste man­
dam!ento ?
LuiZ - Ora, o 4°: Honrar pai e mãe.
JÚLIO - (a Ricardo) Você quasi acédou.
-49-

Lurz - Mas a que vem isso ?


RrcAR. - E que eu e o Júlio es.tamos re­
cordando, o que se passou conosco ontem no
Oratório.
LUiz - Ab! sim! Então gostaram ?
Os DOIS- Oh! e muito!
Lurz- E você tambem, Júlio ? Você que
a todo custo queria ir assistir ao jogo ? . . .

RrcAR. - (continuando) Que afinal d e con­


tas não interessou, pois terminou num empate.
JÚLIO- É verdade. Eu lucrei mesmo mais
indo ao Catecismo . . .
Lurz - Viu, eu não lhe disse ... Então quer
dizer que vocês dois agora. em diante irão
sen(pre comigo ao Oratório. .
RICAR. -Nem se duvide. Eu faço ques­
tão de it· todos os domingos.
Lurz- Eu fiquei animado e é minha von­
tade imitar o exemplo de vocês e de tantos
outros meninos que podem ir, mas. (cabi.r­
..

ba/xo)
RrcAR. - Mas o que ?
LUIZ - Que impede a você ir ?
JÚLIO- O que me impede ? Ora . . . papai . . .
RIC.<\R.- Seu pai ? Não é possível!
Lurz - E por que ?,
JÚLIO - Por que ? E muito simples. Se eu
antes não queria saber de catecismo, dos pa­
dt·es ... era por causa de papai.
RrcAR. -Não diga! Mas o que tem seu
pai ?
J ÚI.Io
- É que papai . (.ru.rpende a fala)
..
- 50 ---,--

LUiz - (a Júüo) Diga ... Se você prec1sar


de alguma coisa, posso ajudá-lo.
RrcAR.- Eu tambem estou à disposição.
JúLIO .- Papai, infelizmente depois que
morreu a mamãe não é mais o que era ... Vovó
sempre me diz que papai precisa converter-se
e é ela que me aconselha sempre a não ser
como papai . . . E dizer que eu tantas vezes não
levei a sério os avisos e bons conselhos que
ela me deu. Se não fosse ela . . .
Luiz - Mas seu pai s e opõe a que você vá
ao Oratório ?
JúLIO - Aí é que são elas . . . Ele me deixa
fazer o que eu quero . . .
RrcAR.- (cortando) Então ...S e ele deixa vo­
cê fazer o que você quer, aproveite pois e vá
ao Oratório.
LUiz- Isso mesmol
JúLIO - .1\'las é preciso ver agm·a se ele me
deixa ir tambem ao Oratório.
Lurz - Por certol... Seu pai não será tão
mau assim que não permita você ir.
RrcAR.- E depois se você pode ir aos
campos de futebol, aos parques e jardins pú­
blicos, com mais razão você pode ir ao Ora­
tório onde há diversões a valer e onde além
disso você aprende alguma coisa de bom e
útil, alguma coisa que você precisa saber.
JúLIO - É verdadeL.Tem razão.
Lurz - Em todo caso'!! fale com sua vovo­
zinha e ela arrumará tudo ...
- 51-

]ÚLIO - Isso mesmo. Vovó sabendo que eu


quero aprender o Catecismo ...
RrcAR.- (cofltinuando) . E seguir novo ca­
..

minho de vida ...


] ÚLIO
- (continuando) Não deixará de fa­
lar com papai . . . E se papai não deixar?...Ah!
eu irei assim mesmo dizendo-lhe que eu pre­
ciso aprender alguma coisa de mais utilidade
para a vida...
Lurz - Bem. Esperemos que seu pai seja
condescendente. Não deixaremos de rezar por
ele ... Deus pode tudo.
JÚLJO -- Isso mesmo. Como serei feli:r. en­
tão ...
Lurz - Portanto, convido a vocês dois a
serem constantes em irem ao Catecismo; e es­
pero que amanhã não deixarão de ir à Missa
,e ao Catecismo.
JÚLIO - Amanhã? E por que?
Lurz - Porque amanhã é dia santo; é dia
de N. Senhora da Glória.
RrcAR.- É verdade. O padre falou disso
ontem ... Ah! lá estarei sem falta ...
JúLIO - E eu tambem irei se papai deixar . .
.

.e mesmo que não deixe, irei, porque primeiro

se deve obedecer a Deus ... E lá passarei o dia,


ainda mais que ele não estará em casa amanhã.
Lurz - Amanhã tambem liaverá, depois da
Missa, uma pequena rifa de vári"os objetos co­
mo sejam: bolas, revistas, imagens, etc ...
RrcAR.- Oh1 gostosura] (alegra-,re com Jú­
lio).
-52

LUIZ- Vocês ontem receberam dois car­


tões, não é?
Os DOIS - Sim, recebemos.
LuiZ - Pois bem; guardem todos os car­
tões que receberem porque no fim do ano te­
rão prêmios em troca deles.
JúLIO - Ah! é assim? Bem que eu saiba.
Luiz - Procurem arranjar tambem um ca­
tecisJÍ)O e estudá-lo; porque aqueles que me­
lhor o souberem, terão lindos e valiosos prê­
miOs.
JúLIO - Muito bem; hei de arranjá-lo quan­
to antes.
Luiz- Assim, Júlio! (fica pen.rando um
pouco).
RICAR. --- E eu farei o possível pam tirar
o primeit·o lugar...
JúLIO - Ah! não! O pt·imeiro lugar quem
vai tirá-lo sou eu! . . .
RIC.AR. - Olhe J úlio. . (.rorr[).
.

Luiz- (contente) Seja como for. Espero que


nós três saberemos cumprir com nossas reso­
luções e faremos questão de ser fiéis à palavra
dada: Todos os Domingos estaremos lá no
Oratório.
Os DO IS - Isso mesmo.
RICAR.- Se Deus quiser. Um não irá sem
o outro.
Luiz - Está feito.
JÚLIO - Aceito a proposta. E j á que esta­
mos esperando a hora da aula, vamos dar um
pulinho aí na esquina, onde há uma livraria
- 53-

assim comprarei um catecismo novo para


:�da um de nós.(puxa a carteir,a).
RICAR. -Oh! sim. Se é por isso, eis-me à
isposição.
LUiz Obrigado pela sua generosidade .
- ..

Júúo - Vamos que eu faço questão de dar­


tes um presente como prova de minha ami-
1de e sinceridade.
Luiz
- Se é assim, então vamos. (.raem).

(Abaixa o pano)
R. UGUCCIONI

O Anjo da Anunciação
Esb8ço dramático em 1 ato
PERSONAGENS
BALDUINO O Anjo da Anunciação
,..--

TRISTÃO --30 anos


GoTARDO - 40 anos
CLÉRIGO LEITOR

ÉPO CA MEDIEVAL

ÜBJETOS NEcr:ssÁRIOS
Um livro aberto sobre a estante "'de um
pequeno púlpito•'para o Clérigo Leitor.
Um punhal para Gotardo.
Um martelo e formão para TrisUio.

Direita e esquerdn do espectador.


O Anjo da Anunciação
-- �
�0"

ATO ú N I CO

CENA I

Inia ior de uma t:qreja. d e.rquerda, parte da


balau.rtrada, .robre a qual há �>MOJ' com flore.r;
no centro P2-.re lambem uma portinha, que dá
pauagem para o altar . E.rte não é �>i.rio, de�Je
haCJer a idéia, apena.r, de que nzai.r adiante a
t:qreja continúa. Ao fundo da cena, e.riá uma
poria .fechada que dá para a .racri.J'iia, a
porta e.rtá n uma .remi-ob.rcuridade. Ao .rubit
o pano, a cenfl e.rlá iluminada por uma
{u;: dt;fu.ra, que ·dá ao ambiente um ar de
.rer iedade ml.rtica. De pé, do lado de /úra da
bd aw'irada, ou melhor, J'obre um pequeno
púlpito, "oltado um ta "'.to eara o,r jtéi.r, e.rtá
um clér igo leitor (coroinha). E um jo�>em de 13 a
14 ano.r, de �>OZ doce e forte; e.rtá lendo no li�>ro .
• 1companha-o, muito docemente, um harm8nio
colocado à e.rquerda. O coroinha e.rtá de batina
••ermelha e .robrepeliz brànca. Se for poJ'J'ÍI'el,
de�>e-.re, ao inPé.r de uma cena na .remi-ob.rcur ida­
de, começar com uma cena e.rcura, afral'e.r.rada
por um raio de luz que ilumina .r6 o coroinha,
durante o tempo que e.rtá em cena.
- 58 -

CoROINHA- (lendo) No doce coração de


Maria encontra paz, na vida e na morte, a
alma do mísero pecador.
EXEMPLO: Conta o bem-aventurado VIde­
rico, que em tempos mui remotos, num con­
dado de Alvérnia, um homem chamado Tristão
levava uma vida pecaminosa. O extraviado
tinha causado, com sua vida desregrada, a mor­
te de sua virtuosa esposa. Só lhe restava nesta
vida um inocente menino chamado Balduino.
Mas no meio de tantas iniquidades, ficara, na
alma de Tristão, um pálido sentimento de
afetuosa devoção para com a Virgem San­
tíssima. Fiel ainda aos antigos ensinamentos
maternos, todos os dias, ao cair da tarde, jun­
tando em suas mãos as de seu filho inocente,
elevava em louvor de Maria, o dngelu.r A . .

essa homenagem não permaneceu insensível a


Virgem Maria, que quís, de lJlOOO prodigioso,
demonstrar seu maternal afeto ao filho Ímpio;
e fê-lo j ustamente quando ele se achava na
iminência de realizar, com mãos sacrílegas, um
grande insulto à fé paterna.
Tinha Tristão um amigo malvado e sem re­
ligião chamado Gotardo. Certo dia, propôs-lhe
um furto criminoso e sacrílego, como paga­
mento das dívidas, dizendo-lhe tambem que
dépois ambos ficariam ricos para o resto da
vida.
Tal sacrilégio consistia em 1·oubar as es­
molas que os fiéis depositavam num cofre da
Igrej a da Anunciação, que surgia naquele con-
- 59 -

dado e que era mpito querida pelos seus habi­


tantes. E numa noite - noite escura e fria, a
própria natureza, tomada de terror e vergo­
nha, se concentrara toda para desencadear
uma tempestade em sinal de desaprovação ao
insulto que ia ser feito à Mãe de Deus . . .

(ne.rte momento um raio for.le atra�Je.r.ra a ce­


na e logo depoi.r ou�Je-.re um lro�Jão. Na ob.rcu­
r idade .re extinguiu a voz do coroinha, que de.ra­
parece rapidamente da cena e aparece, então,
uma luz ténue por toda a cena, que ficar á até o
fim. O anjo da Anunciação (Balduino) po.rtado
junto da balau.rlrada em atitude de prece para
o quadro que e.rtá .robre o altar in�Ji,ri�Jel, à e.r­
querda. O jovem que repre.renlará e.r.ra per.ro­
nagem de�Je conciliar a dignidade .rerájica do an­
jo, com a .rimpücidade de Balduino. Ve.rte uma
tânica branca, debaixo da qual tem a roupa a­
propriada à época medie�Jal, de Balduino, para
achar-.re pronto para a tran.rformação da cena
cre,quinle. A roupa de�Je .rer muito .rimple.r. En­
quanto o Anjo reza, o temporal lá jóra ce.r.ra.
Se for po.r.rivel, um raio de luz, do allar, de�Je
iluminar o lapaz, .robreiudo a .rua cabeça).
AN JO - Os vossos olhos m,.•lternos falaram
e eu Vos obedeço, oh! doce Mãe! É obede­
cendo às vossas ordens que os Anjos que vos
'
coroam encontram felicidade e alegria. E a
mim, o Anjo da Anunciação, quisestes confiar
esta maternal mensagem de Vosso grande co­
ração, aos filhos Ímpios. Eu vos agradeço, ohl
doce Mãe, minha Rainha. (pau.ra). Assumirei,
- 60 -

pois, por Vossa Vontade, a semelhança do


filho daquele pecador. Dorme o inccente, e
o Vosso sorriso iluminou as lágrimas que o
sono surpreendeu em seus cílios. Oh! �1ãe San­
tíssima! De que mistérios profundos exhaure o
Vosso amor ? Da inoc�ncia ? Mas tambem do
pecado que aquí conduz o pai do inocente.
E é a ele, o sacrílego, que VÓs me mandais
anunciar piedade e amor. A ele que levanta
mãos impiedosas e inimigas contra VÓs A ...

ele devo estender minhas mãos e chamá-lo


de pai ? Oh! Minha Senhora e Rainha: um
sentimento de horror invade meu pobre co­
ração. Mas sois VÓs que me mandais. Mais
que o horror ao pecado póde, sobre Vosso
coração, a piedade pelo pecador. Assim seja!
Não mais exijo, oh! Minha Senhora, para
repetir como Vós uma vez o fizestes. Eis o
Vosso servo, sej a feita a Vossa palavra . ..

(bar ulho de úo>•âo, precedido de u m raio. O


anjo .re retrai) .
Os passos do pecador estão abafados pelos
soluços da natureza . . . Ele se ap1·oxima, sin­
to-o ... Mãe dos pecadores, Rainha dos Anjos,
antes de Vos deixar para assumir a fm·ma hu­
mana, deixai que Vosso Anjo cante ainda uma
vez as palavras da Anunciação.

(A.r palaPra.r que o Anjo projere, na po.riçê.o


cl.á.r.rica do Anjo da Anunciaçí. o, meio _qenuflc­
xo, como no.r quadr.o.r de frei Angélico, .rão
apagada.r por um >•Í�Jo e lumino.ro raio, .reguido de
- 61 -

e.rcur idão completa, concluída pelo barulho do


trovão. O Anjo, durante a e.rcuridâo, vai ao
,1ltar, à e.rquer·da, onde depõe a túnica, e fran,r­
-/orma-.re a.r.rim em Ba lduino. Ao voltar a cla­
r idade de há pouco, ouve-.re o cat'r da água e o
bar ulho do vento. O tempora l alingt'u o máximo.
Dai por diante irá declinando lentamente).

CENA 11

(Pela dt'reita entram GoTARDO e TR ISTÃO.


E.rlão coberto.r por amp lo.r manlo.r e.rcur.o.r e go­
tejante.r. Têm o modo de agir e a expre.r.rão de
maljeiloru de embo.rcada. d de TRISTÃO é um
tanto corlfrajeil.a; a de GoTARDO é c[nica, do
delt'nquenle de profi.r.rão).

GoTARDO - (agitaty:lo um pedaço de ferro


ponleagudo ou um punhal). A esta chave ne­
nhuma fechadura resiste: nem de aço, nem de
carne! quanto mais aquela droga de madeira
velha.
TRISTÃO - Fala mais baixo!
GoTARDO - Ainda com medo! Você não vê
que está na minha companhia ?
TRIS TÃO -Aquí deve reinar silêncio e es­
curidão. Alí está a porta que dá para o pres­
bitério.
GoTARDO - O padre ronca bastante e tal­
vez esteja sonhando com os Anjos . . (n'ndo).

que sorte a dele ter o sono bem pesado (mo.r­


ira o punhal).
- 62 -

TRISTÃO Pois eu receio que o barulho do


-

trovão o tenha acordado.


GÓTARDO - E que o seu anjo mau o guie
até aquí. Esta chave, repito, serve não só
para abrir, corno para fechar . . . e fechar para
sempre.
TRISTÃO- Sil�nciol (11oltando-.re em redor).
GoTARDO - (rindo) Voe� bem mostra que é
novato nestes rn.istéres. Se dependesse de voe�
o �xito, estaríamos bem arranjados. Duas
vezes voe� quís voltar...
TRISTÃO É que êste maldito temporal...
-

GoTARDO - O meu melhor e mais fiel ami­


go...pelo menos o que sempre me ajt:.da...
TRlSTÃO - Esses terríveis relarnpagos e tro�
vões . . .
GoTARDO- A música mais doce aos ouvidos
do bandido Gotardo.
TRISTÃO Sai1 Voe� tem um coração de
-

fera!. ..
GOTARDO - E v:oc� nunca viu uma fera
lutar com um cão. Eu juro que aquí dentro
mesmo ...
(d IJOZ de Balduino .rai da ob.rcur idade da
uquer da).
BALOU. - Papái ...
TRISTÃO- (.mJ'J'urrando) Outra vez aquela
voz.
GoTAR. - São coisas de sua imaginação.
TRISTÃO Reconheço essa voz: é a voz de
-

meu . filho Balduino.


- 63

GoTAR. Qual! É o v�nto que geme ao


-

entrar por algum� janela quebrada. Ouço


vento e chuva. Mas está mais fraco agora.
Daquí a pouco a tempestade cessa.
TRISTÃO- Enquanto dentro de mim se
desencadeia o temporal mais violento que
já sentí.
GoTAR. E voe& é um cordeiro na pele de
-

um lobo, isso sim.


TRISTÃO- (de.re.rperado) Que horror! (ou­
fJe-.re um fro�Jê.o, r i.ro de Goiardo e ottfJe-.re nofJa­
menle a fJOZ de Balduino: Papai).
TniSTÃO- (forte) Balduinol
GoTAR.- Eh! homem! Você está louco ?
TRISTÃO - Maldito Satanaz! É a voz de
Balduino. Não, não pode set• outra.
GoTAR.- Qual! Satanaz, meu velho amigo,
não anda por estes lugares; ele teme o cheiro
da cera e do azeite das lamparinas.
TRISTÃO- Ou é u m prodígio do céu1
GoTAR . - Ehl ·lá! O cordeiro abandona a
pele do lobo. Não vá inventar de cair de joe­
'lhos e ficar extasiado justamente agora . . (o,r .

olho.r do.r doi.r �·ão para a e.rquerda, onde .re .ru­


põe exi.riir o aliar, Goiardo faz um ge.rlo para
indicá-lo, .ruJ"pelide-o e fica admir ado.)
TRISTÃO - Que quadro exquisito. Não é o
que costuma estar sobre o altar nos outros dias.
GoTAR.-Estou com manchas nos olhos, ou
urna sombra esconde uma parte do quadro ?
TRISTÃO Não: não é sombra, o Anjo da
-

Anunciação saiu do quadro. Por que ?


- 64 -

GoTAR. - B em; mas que importa ? Ficou


Nossa Senhora com seus objetos de ouro e
suas pedras preciosas em torno do quadro, é
o que interessa . . .
TRISTÃO - Quanto ouro! _

GoTAR. -- E sem testemunhas importunas.


O Anjo fez bem em dar o fóra.
TRISTÃo - Mas, suponhamos que . . .
Gov.R. - Pare com isso! Já perdemos
muito tempo com discussões. Agora é pre­
ciso é agir. Começa a tirar . . . eu vou alí
montar guarda.
TRISTÃO - (lira do boúo um martelo e um
formão). E se o vidro ao se quebrar cair no
chão e fizer barulho ? Pode acoroar o vigário.
GoTAR. - Não se incomode com ele . . .
Eu me encarrego disso.
TRISTÃO - E se ele chamar por socorro ?
GoTAR. - Vá pro inferito! Começa com
isso, ou não '!
(TRISTÃO de.raparece à e.rquerda, .rubiruio à
balau.rlrada. GoTARDO llÍra-,re para a porta
jechada da direita � llai até ela brandindo o pu­
nhal, como .re agredi.r�·e quem foJ"J"e .rain. Ne.r.re
momento um fraco raio brill1a na .remi-oh.rcu­
ridade, e logo apó.r um grilo de TRISTÃo).
TRISTÃO - Meu filho!
B1 LO. - Papai!
(Tornam a entrar em cena, lran.rporuio a ba­
lau.rf.r:ada. TRISTÃO guiado por BALDUINO, que
é o Anjo da d�unciação iran.rformado).
- 65 -

TlHSTÃO - (comofJido t· a,gitado). Você aqu í !


o ,meu Ba lduino; a estas horas!
BHnu. - Sim, papai !
GoTA R. -- (que .re apr o;r/ma) Que aconteceu,
afinal ? Quem trouxe seu filho aquí ?
BA LOU. - O amor, GoTARDO!...
GoTAR. Pro inferno! (�Jai apanhar uma
lamparina, colocada à e.rquu da, e aproxima-.re
do menino, enquan.lo TRISTÃO diz) :
TRISTÃO - O amor ? Que quer dize1· isso ?
Como poude você vir até aquí ?
GoTAR.- (per.ruadido) É seu filho, sim!
Não há dúvida. Fala, rapaz!
B.-' LDl' . - Mas primeiro quero saber uma
coisa: que vieram vocês fazer no altar de Nossa
Senhora a estas horas ?
TRISTÃO- (alrapaUzado) O trabalho impe­
diu-me de vir durante o dia à igreja, não é
GoTARoo ?. . .
GoTA R . - Isso mesmo: e nós por isso resol ­
vemos vir rezar durante a noite, mesmo por­
que agora há lugar bastante e não há o baru­
lho das mulheres rezando ...
BA LOU. - Mas com um tempo tão feio .. .

GoTA R . - Feio sim, mas não para nós, que


somos homens. Para os meninos .como você,
que deviam estar dormindo e não fugir de
casa para vir incomodar os mais velhos.
na igreja. . . .
TRISTÃO - E realmente esquisito, meu fi­
lho, que você com um tempo destes tenha
vindo até aquí ...
- 66 -

BALOU. - O amor não conhece obstácu los,


nem teme os perigos, meu pai. ,
TRISTÃ O - Que modo estranho de falar
você tem hoje. Não entendo o que você quer
dizer.
GoTAR. - Nem eu compreendo como pou­
de você entrar aquí ante� de nós com as por­
tas todas bem fechadas. E bom você se exoli-
'
car melhor.
BALOU. - - Antes, pm·ém, quero um:� expli­
cação: por que vieram vocês rezar no altar
de Nossa Mãe do Céu com esses objétos es­
tranhos nas mãos ? São inshumentos de fer·­
YOr ou de violência ?
GoT.AR. - (impaciente) Ai, ai!...
TRISTÃ O - Ora, meu fiHià : estes instrumen ­
tos nós os usamos durante o trabalho e os
trouxemos aquí para que Nossa Senhora os
abençoe: assim, nosso trabalho não ficará su­
jeito aos malefícios do demônio, como acon­
tece com os habalhadores que, não rezam.
BA LOU. - E você, tambem, Gotardo, com
esse punhal! ?
GorAR. - Este instrumento eu o uso para
caçar; é muito perigoso, mas muito mais para
os ouh·os que para mim.
BA LOU. - Estou certo que Nossa Senhora
abençoou seus objetos de t raBalho e que de
agora em diante eles não serão causa de pe,·­
dição nem para nós nem pa1·a outras pessoas.
GoTA R . - E agora responda depressa �t mi­
nha pergunta e apresse-se e m sair daquí.
- 67 -

BALDU . - Já disse: aqui me acho conduzi­


do por uma força que abate os obstáculos e
vence todas as dificu lda dr!"; : o amor.
TmsTÃO- Mas como você -::hegou até aq uí '!
GoTA R . -- Como puudc você entrar ?
lh LD L' . Seguindo seus passos.
GoTA R. Você está sonhando ou mentin-
do.
BALDU. ,'\1.eus lábios desconhecem a mcn-
tira.
TRISTlo - Você então sabia que eu vinha
aquí com Gotardo ?
BA LOU. - Sabia o que vocês tinham deci­
dido na taverna e os vi parar debaixo da ár­
vore que fica alí adiante.
TRISTÃO - (e.rpanlado) Veja só! Ele sabe
tudo!...
GoT1\ R. O seu fil ho está enfeitiçado.
BA LDU. - Não, G,lta.-do. Eu não estou en­
feitiçado.
Gov R. -- (apa lpa-o) Nem a chu vl) o mo­
lhou. As roupas estão secas.
TRISTÃO - -- Eu não. com·preendo n�da. Bal­
duino, m:eu filho, fale: explique-me claramen­
te: co mÓ poude você vir até aquí a estas horas ?
BALOU .- (mo.J"lra ndo o quadro) Aquela tudo
conhece e tudo pode. Os seus olhos descobrem
os pensamentos dos homens, emb01·a não es­
tejam eles presentes.
GoTA R. - Bem, bem. Vamos parar com
essas bobagens. (a TRlST:\o): Vamos vol tat· ao
nosso b·ab a lho .
- 68 -

TRISTÃO- Não: não posso mais.


GoTAR. - Você está outra vez com medo ?
VilãoL
TRISTÃO - Nem agora, nem nunca ma1s.
Vamos embora;
GoTAR. - Eu vou pt·ocurar outro meiO.
Não quero perder a viagem.
Bft.LDU. - E inútil ela não será.
GoTA R.- Cale essa boca, seu pirralho, e
não atrapalhe a GoTARDO. Que é que você
sabe ? (a TRISTÃO) Eu vou e você me '!spera.
(va i para a J·aida do fundo e entra prudente­
merrte, .fechando-a atrá.r de .ri) .
TRISTÃO - (que .reguiu GoTA RDO com o
o lhar)._Ele é malvado e deshumano, meu filho:
não pense no que ele diz.
BA LDO.- Mas por que, papai seguiu, o se­
nhor as suas decisões ?
TRISTÃO - Ahl meu filhol Voe� não conhe­
ce a fria mordida do desespero que fecha o
coração . . . desde que a miséria entrou em nossa
casa com seu vulto espectral. . .
BALDU. - A miséria não é mal perigoso
como o pecado . . .
TRISTÃO - (com u m ge.rto d e violento pr o­
luto): que me acompanhe a miséria e a fome .. .
não! você, meu filho, inocente e sem culpa,
você não deve sofrer, a Nossa Senhora...
BALDU.- Nossa Senhora é mãe que viu
as angústias de seu coração e escutou as ora­
ções ingênuas de seu filho . . .
- 69 -

TRISTÃO -E por que, então, não enche nos­


sa casa cpm uma só das pedra..c; preciosas que
lhe formam a corôa ? Por que ?
B.ALDU. - Porque uma pedra mais ,precio­
sa ela quer dar ao sr. e tambem àquele infeliz
Gotardo.
TRISTÃO - Não compreendo ...
B.ALDU. - Porque hoje ainda não fizemos
aquilo que todas as tardes fazemos em seu
louvor. '
TRISTÃO - É verdade ... o encontro na ta­
verna com Gotardo ... você tem razão, meu fi­
lho; sempre é tempo de louvar a Virgem.
BALDU. -- Então, papai, ajoelhemo-nos. To­
me as minhas mãos como sempre e recitemos
diante do altar de Nossa Mãe Celeste, o An­
gelus.
TRISTÃO --Sim, meu filho.
GOTAR. - (entra pelo fundo - irônico) Sim
senhor! Terminou ? Olhem só! O lobo agora
virou frade. Pois olhe (11ai ler com TRISTÃO
...

que .ye levan ta fer oz e mudado.)


TRISTÃO - Gotardo! Aquí se vem para
orar ou chorar, não para roubar.
GoTAR. - Roubar! ? Essa palavra é que se
diz na frente de um menino ? Vamos, que lá
de� tro temos com que nos ocupar. Lá, você
va1 ver.
TRISTÃO - Não!
GoTAR.- ((•oz bai."Ca e depreua) Na casa do
padre, entendeu ? abri todas as portas. Você
entra e rouba. Eu fico aquí para protegê-lo.
70 --

TRISTÃO - Na casa do padre ?


GoTAR. - Sim, não tenha medo. Ele dor­
me pl·a"fundam.ente . . . vál...
TRISTÃO - (com I'O:l agitada e como11ida) -
Oh! o cura . . . o bom cm·a 1
BA LDU . -- Papai, vál . . .
GoTAR. ---- Até que enfim seu filho me en­
tendeu. Vá! Eu ficarei aquí para defend ê-l o,
se for preciso.
TRISTÃO - Balduino!
BALDU. - Vá, p apai , vá! (indica-Uze a por­

ta do fu ndo, TRISTÃO ,fi! encaminha com pa.uo


incer lo).
GoTA R. - E agora nós, meu filho Poucas
palavras e muitos fátos.
BP LDU.- Que é que você quer, Gotardo ?
GoTA R . -- Aquele ouro: aqu elas pedras pre­
ciosas que você vê brilhar inúteis atrás do vi­
d ro do quadro, entendeu ?
BALDU. -- Sim.,. e então ! '

GoTA R . - Pois é o que você vai · fazet·,


você é agil e espc1·to. Vá até o altat·, quebre
o vidm num dos cantos, tire-o assim, e
depois, o tesouro é nosso.
BALDU. - (jogando o punhal que Gov.RDO
ll1e deu) . Eu não preciso d i s to para it· pet·to de
Nossa Senhora. (�à; pela e.rquerda; GoTA RDO
o .Jegue com o olhar, pr imeiramente apena.J com
atenção,· depoi.J, .Jttbitamenfe, .Je for na r �qido,
maraíJiU!ado).
GoTA R. - O qu ad ro ... Balduino ... O Anjo da
Anunciaç�o, vivo. É ele mesmo; milagre! (cai
-- 71 -

4e joelho.Y, com o olhar pruo ao quadro. . .depoi.Y


curva a cabeça num p�anto .Yilencio.Yo. No fundo
então, aparece TRISTÃO).
TRISTÃO - Balduino! Meu filho!...
GoTAR.- (.rem pala�·raJ' leilanla a cabeça e
mo,rfra o quadro).
THISTÃO -- Onde está Balduino ?
GoTA R . - O Anjo da Anunciação! Alí . . .
Balduino está alí . . . Eu o v í voltar para o qua­
dro...
TmsTÃO - Ahl ele! A pedra de que ele fa­
lava está lá, me disse o ·cura. Gotardo, é lá
que nos espera o prêmio . . .

GoT/1 R. -- (.yaindo, com OJ" .Yentimenlo.r de no­


I'O ho.yfí.r) O padre ? Lá ?

TRISTÃO - Sim; agora compreendo tudo o


que me disse o cura. Uma voz no sono, voz de
menino, disse-lhe: acorda; dois homens que­
rem confessar-se. Foi ele: o Anjo da Anuncia­
ção.
GoTAR. - Não! Isso eu não posso fa7.er.
Meus pecados são tão numerosos!
TRISTÃO - Gotardo, olhe um instante para
Ela . . . Tambem por você Balduino me disse que
havia uma ped ra preciosa.
GoT,\R. - Perdão para u m pecador indigno!
(cái de joelhotY, tendo no ro.rlo uma prande e."C­
preuão de humildade. Um raio de Luz do altar
cái J'obre e le.)
TRISTÃO - (lambem .Yi ajodha a J'eu lado,
depoú lePania-.Yc, toma-o pela mão). Vem Go­
tardo: juntos fomos pecadot•es: j untos teremos
- 72 -

o perdão e a gt·aça. (dir igem-J'e para a ,raida .


.reguidoJ' pela luz. E.rta, do inter ior, airáJ' da
J'aida abet fa brilha l'lPa, enquanto a cena cái na
ohJ'ctuidade e quando ele.r entram e jecham a en­
trada, fica tudo como na cena 1 . 8• Reaparece o
coroinha e ouve-J'e lambem aJ' n.oiaJ' muito J'ua­
l'eJ' do harrnônio.. Luz ,robr e o coroinha).

CoROINHA - A tempestade, nesse meio tem­


po, tinha cessado; e o céu, até então, escuro e
sempre sulcado de relâmpagos, serenou, as
estrelas começaram a brilhar como olhos co­
movidos pelo pranto; que prodígio de amor
filial: aqueles dois pecadores que tinham en­
trado na igreja para cometer um sacrilégio,
dalí sairam com a alma revestida pela graça,
depois de uma hoa confissão.

LEMBRANÇA Se o pecado lhe aflige a


--

alma, recorra a Maria para t·eceher: auxílio


e guia para a salvação e a paz.

JACULATÓRIA - Refúgio dos pecadores;


o1·ai por nós.

(Enqua11lo o leitor J'ai de J'eu pequeno púlpito


e enlta à e.rquerda, o harmônio loca a //,,e .ilfar i.r
Sielia, e o pano deJ'ce lentamente).
R. UG C'CCIONI

Pueri Hebraeorum
A Paixão de Cristo

interpretada por meninos


EsBoço DRAMÁTi co
EM 4 ATOS
PERSONAGENS

Jô�Á'TAS - filho do escriba Abias.


Lucíuo . . - filho do tribuno Fábio.
:MrsAEI. . . - filho do sac�rdote Elifaz.
J oslf É . ) .
J OS E \' men1nos.
BENJAMIM
ABDIAS . . - filho de Barrabás.
ELIFAZ . - sacerdote.
ABrAs . - escriba.
F.\ aro . - tribuno.
JuDAS.
SATÃ.
ANJO.
Criado do templo Guardas
� - -­

Legionários - Sacerdotes.

J ERUSALEM - no ano 33 da Era Vulgar.


F E E F Á C :C O

.E<:sta belíssima peça dramática.


cuja h-adução apresentamos hoj e
aos nossos leitores, tem o único
escopo: dar aos atores jovens o meio
de representar o grande mistério
da Redenção, qual o compreen­
dem e veem almé\S e olhos simples
de crianças. Quem j á assistiu à
récita ou à l eit ura das páginas
evangélicas confiadas a vozesj uve­
nís, terá percebido que uma fasci ·

nação nova comove e conquista


o auditório, ao contado da pa­
lavra santa, modulada pela voz
cândida do inocente.
Pelos mesmos motivos creio es­
tar reservada sorte id�ntica a
estas cenas. Estarão assim os nossos
jovens, ao menos umá vez, à
altura, não só de divertir, mas
tambem de edificar o público, ele­
vando-o à meditação comovida da
Paixão do Salvador.
O sublime e doloroso aconteci­
mento será por eles evocado in­
teiramente e não só nos mais
minuciosos particulares, senão tam­
bem na luminosa e oportuna ci­
tação dos trechos proféticos mais
salientes. Para isto, deve haver
especial cuidado na escolha e na
declamação de Misael, o pequeno
vidente, que, como é fá�il de se
ver, é a pers0nagem ma1s exce­
pcional do drama, e deve ter
qualidades físicas e vocais adap­
tadas à delicadeza da sua parte.
E se a boa dição de todos for
completada pelos caprichosos efei­
tos de encenação, de luz e de som,
a récita sagrada, embora confiada
a atores jovens, não será indigna
de seu elevado assunto, e, o que
mais importa, será santamente
útil à alma dos espectadores.
PUER I H E B R AE O R U M

PRÓLOGO
Ao subir o pano, uma luz branca ilumina o grupo
de Anjos, dispostos como indica a figura anexa . U m
som doce e grave de harmônio. entre o s bastidores,
acompanha a leitura que o Anjo faz do Livro Sagrado
e as poucas palavras que a seguem.
O Anjo, com as mãos abet·tas, segundo o costume
lit.írgico, lê vagarosamente as palavras do Evangelho,
ajuntando a s mãos e inclinando a cabeça à pahn·ra
Jesús. Os outros dois sustecm o Evangeliário.

c Ora havia alguns gentios daqueles

que tinham vindo adorar a Deus no dia


da festa. Estes aproximaram-se de Felipe,
natural de Betsaida, e lhe fizeram esta
rogativa dizendo : uSenhor, queremos
ver a J esús".
Veio Felipe dizê-lo a André : André e
Felipe por sua vez disseram-no a I esús.
E J esús lhes respondeu, dizendo : "É che­
gada a hora em que o Filho do homem
será ' glorificado". Em verdade, em ver­
dade vos digo que se o grão de trigo, que
cai na terra não morrer, fica ele s6 ; mas
se ele morrer, produz muito fruto. Agora
está perturbada a minha alma. E que
direi eu? Pai, livra-me desta hora ; Pai,
glorifica o teu nome ! » Então veio esta
- 79 --

voz do céu : "Eu já o glorifiquei, e outra


vez o glorificarei !" A multidão, pois, que
al í estava e a cuvira, dizia ter havido
um trovão. Outros diziam : Algum Anj o
lhe falou. Respondeu Jesús e disse : ..Não
por minha causa veio esta voz mas por
vossa causa ! " »

O Anjo fecha o i i co e <lesce da tri�•.Yoltan­


d o -se par:1 o público. Os dois A�qlla�h"m o
liv•o levan tam-se e voltam-sP tamhl'm p.II"R o público,
estando uo !.. a lo d o l\njo qu(' dcdo:imaYa.
E�te contina� co1n voz exortativa:

Para vós, ó irmãos, ressoa nova­


mente a voz do A nj o ; para vós abre-se
agora o Livro Santo, e das suas páginas
brilhará, com nova vida, aos vossos olha­
res, o acontecimento extraordinário que,
faz 20 séculos, se desen rol ou sôbre a
terra. O tempo não alterou a palavra
divina ; pas sa m os séculos, mas a palaVra
de Deus p erm anece . Assim, pois, vós a ou­
vireis ressoar na voz das crianças, voz que
acima de qualquer outra, traduz a pe­
rene juventude do Evangelho : Juventude
que não conhece velhice !
E a palavra de Deus desça, como
operoso fermento, ao vosso coraçao, e
como chama luminosa à vossa alma .
Para germinar e produzi.r frutos
generosos de vida eterna. Assim seja »

Desce lentamente o pano


PRIMEIRO ATO
O HOSANA

Dia 9 do mês de Nisan, em Jeru�alem, C'Ínco


dias antes d a Páscoa. Praça da Cidade Santa.

CENA I
JôNATAS, M IS AÉL, JosuÉ e JosÉ
MISAÉL, com ar tn.rpir ado, contempla do
jundo, aJ' forre.r da cidade e pron•tncia a,r pu­
lavr a.r profética,r. Os companlzeiro.r olham-no
com rup�ilo e com admir ação.

MIS A ÉL -- Levanta-te, ó Sião, levanta-te;


reveste-te da tua fortaleza, compõe-te com os
vestidos da tua gl6ria, J erusalem, cidade de
Deus, pois não mais tornará a entrar em ti o
incit·cunciso nem o imundo ... Ei-lo que vem,
co mo guerreiro vitorioso, colher os manípulos
da sua glória!
J osuÉ- E Misaél sonha sempre; nem as
nossas vozes, nem os nossos jogos podem des­
pet-tá-lo.. .
JosÉ - Continua tua narração, e deixa-o
sonhar.
JôN.-\TAS - Certamente1 Mas onde te acha­
vas quando os viste ?
- 82 -

JosuÉ - Na praça do templo. Eram quasi


3 horas. Meu pai tinha entrado no pátio dos
sacerdotes para falar com o rabino Samuel e·
eu contemplava do terraço a beleza do pôr do
sol...
JosÉ - E os viste lá de cima ?
JosuÉ - Justamente: distinguia-se o reluzil·
das couracas na escuridão do vale de Betel...
e num in� tante alcançaram as muralhas do
ocidente.
Jô�L -- Eram muitos ?
J osuÉ - Talvez toda a legião de Cesaréia.
J os f -- Eu o creio. O tribuno Fábio caval-
gava diante de todos. Seguiam-no vários ca­
valeiros e entre êles, disse-me papai, estava
tambem o Procurador.
JosuÉ - Sem dúvida] Todos os anos, ao se
apro�imar das festas pascoais, êle vem a J e­
rusalem com todos os legionários . . .
JosÉ - (úônico) Sim ... vem fazer no templo
a oferta do sangue e do feixe de cevada.
J osu É - Os malditos] Não satisfeitos de
oprimir o povo de Deus com o perverso calca­
nhar, vêm sujar nossas festas com sua im­
pura presença. Deus de nossos Pais, até quan­
do o permitirás ?
J ÔN.- J avé, Deus piedoso, que tiraste nos­
sos pais do Egito, faze que a Filha de Sião se
liberte dos grilhões do odioso cativeiro.
Mrs. - (duperlando) Diz o Deus de Israel:
Exulta, ó Filha de Sião, enxuga as tuas lá-
- 83

grimas porque chegou entre os teus muros


Aquele que há-de guiar o meu povo]
JôN. - Talvez o Nazareno ?
JOSÉ - Continua sonhando com o rabí de
Naza1·é . . . Quem sabe em qt< e longínquas para­
gens estará ele agora!
Mxs. - Quão form0sos são sobre os montes
os pés do que anuncia e prega a paz . . . Ei-lo
que chega . . . Levantai, ú prí ncipes, as vossas
portas; levantai-vos, ó portas eternas, e en­
trará o Rei da glória . . . Corramos. Sigam0s
seus passos! (.•·a i pela direita).
J OSU É - Está doido ?
J ôN. - Não, ele está possuído de uma fas­
cinação misteriosa . . . e suas palavras ressoam
sempre como as dos nossos Profetas.
J osuÉ - Ele as aprendeu com seu pai, o
sacerdote Elifaz, Assentado ao seu lado, na
sinagoga, ouviu repetir milhm·es de vezes as
palavras do liv'ro Santo, e elas, como semente
em terra fecunda; lançaram profundas raizes
na sua mente.]
JosÉ - Ou, quem sabe, fala nele algum es­
pírito. Mas será verdade o que dizem do Na­
zareno ?
JôN. - E q ue seria ?
JosÉ - Que na Peréia reuniu um grande
exér'cito de peregrinos para marchar à con­
quista do templo ?
J osuÉ - E verdade; esta manhã falava-se
disso no átrio dos gentios; diziam que o Na­
zareno destruiria o dom'ínio dos Romanos.
- 84 -

J ÔN. - Ele ? E como o conseguiria ?


JosÉ - É um homem capaz de estupendos
prodígios! Não sabes que tem poder sobre os
dem�nios e até sobre a morte ?
J osuÉ - Mas ... os sacerdotes ?
JosÉ - Odeiam�no, é vêrdadel E, não obs�
tante, dizem todos que Ele é o Profeta, o Filho
de Davíl
J ÔN. - Deus de nossos Pais, se Ele é o teu
escolhido, faze que possa entrar triunfante no
seu reino!
J osu É - E esmagar os odiados romanos!
J ÔN. - Os blasfemos l
JosÉ - Os impuros!

CENA 11

LuCÍLIO e o.r me.rm o,r

LuCÍLIO - (parando com altivez no fundo do


palco) Os fortes! (.mrpre.ra muda de iodoJ).
-

JôN. - Oh! tu Lucíliol


Luc . - (adiantando-.re) Salve, amigosl Na
verdade vossa acolhida não é lá muito gentil
para um romano, e muito menos para o filho
do tribuno Fábio.
J osuÉ -- Não queria falar de ti ...
JOSÉ - Foste sempre nosso amigo!
Luc. - Não deixando porém de ser roma­
no! Eial Roma é forte e é atributo dos fortes
a clem�ncia 1 Eu vos perdoo.
J osu É - Chegas de Cesaréia ?
- 85 -

J osÉ -Vieste com teu pai ?


Lu c. - J ustamente. E calculem que ele me
não queria trazer; mas desejava tanto ver os
amigos... Faz muito tempo que estamos dis­
tantes.
JosÉ - Sete meses, creio eu.
]ÔN. ·- Desde a festa dos Tabernáculos.
Luc. Afinal de contas, não mudastes na-
--

da! Sempre os mesmos.


JosÉ - E tu tambem!
Luc. - Como! Não contemplais em m1m
nada de novo ?
r OSUÉ - Não saberia dizer.
Luc. - Tenho pena de vós por não serdes
romanos! Não vedes que visto a toga de ci­
dadão ?
JosÉ -E com isso ?
Luc. - E com isso ? Agora não sou mais
uma criança, mas um nobre cidadão de Roma.
Dentro de poucos anos coloca1·ei o anel de ca­
valeiro, depois serei tribuno como papai, de­
pois pretor, proconsul... e quem sabe ?!...
J osuÉ - E se por ventura te tornasses Cé­
sar, serias sempre um opressor do povo de
Deus!
Luc. - Se eu fosse César! sabeis que faria ?
Dar-vos-ia a liberdade com uma condição.
JosÉ - E qual seria ?
Luc. - Que me permitísseis destruir esta
vossa imunda J erusalem ...
]ôN. - Blasfemo!
JosÉ - Im pio!
86 -

J osuf� Pagão1
Luc. - Numes, deixai-me cuncluir! Des­
truí-la para edificai' uma outra digna da luz
do soll Oh, se vísseis Cesaréia!
J ÔN. -- (apontando o lemplu) - Olha! O tem­
pllJ de J a vé com a brancura de seus mármores
e o esplendor dos seus metais, é um monu­
mento . grandioso que vale toda a tua Cesa­
réia!
Luc. - Sim, está bem! Respeitaria o tem­
plo e tambem o palácio de Herodes, mas o
resto, ao fogo . . . ao fogo!. . .
J osuÉ -- E nós nos atiraríamos enhe as
chamas para motTer com a cidade de Deus .
Luc. - Sentiria muito, pois, desta forma,
não poderíeis contemplar as belezas da nova
cidade. Eu lhe chamaria . . . como mesmo ? Hé­
lia Lucília, por exem'plo ?
JôN. - Oh, cala-te! Não blasfemes.
Luc. -- Coragem! Não vos alarmeis inu·
tilrnente, porque eu nunca serei César, e não
vos zangueis comigo po1· estas 3 ou 4 brinca­
deiras.
JôN. -- B rincadeiras ? São blasfêmias e das
gmssas.
Luc . -- Não vêdes que tenho vontade de
gracej ar. Amigos como antes, vamos! Estais
lembrados dos nossos folguedos . no pátio da
lorre, quanclo vos ensinava os jogos dos gla­
diadot·es ? Que dias alegres, não ?
- 87 -

J osu É - Sim. .. nesta imunda J erusalem.


Luc . - Vejam só, o desprêzo te rói ainda
a alma. Vou esfriá-lo com uma notícia que
muito te interessará. Ví o vosso profeta de
Na zaré.
]ôN. - O rabí Jesús ?
J osuÉ Onde o viste ?
-

JosÉ - Talvez na Peréia ?


J ÔN. - Em Cesaréia ?
(com vil'o inlereue)
Luc. - Muito mais perto . . . em Betânia.
J ON. - Como! Em Betânia ? Quando ?
Luc. - Esta m'anhã.
JosuÉ - Em casa de Láz aro, o t·essusci­
tado ?
Luc . - Isto mesmo, acertaste. Mas expli­
ca-me um pouco: que raça de história é esta
do ressuscitado ?
J ÔN. - Lá zaro de Betânia, morto e fechado
no sepulcro durante três dias, à voz_ do Rabí
saiu para fora vivo e completamente são.
Luc. - Se isto é verdade, é deveras pro­
digioso.
J osu É - Se é verdade! Meu pai falou com
Lázaro.
J ÔN. - E todos o viram.
Luc. - Ouví tambem os soldados falarem
dele. E nfuitos afirmavam tê-lo visto com o
Naz areno.
J ÔN. - Tu, porém, como chegaste a vê-lo ?
Luc. - Esta manhã, bem cedinho, quís
acompanhar a coorte num reconhecimento pe-
- 88 -

los campos vizjnhos. Corria voz. no Pretório


de que certos movimentos reV.olucionários que­
riam perturbat· a tranquilidade pública.
J osuÉ - E então ? Os boatos tinham funda­
mento ?
Luc. - Quê! Cousas de nada. Alguns mal­
feitores que cercavam os peregi·inos nas p as­
sagens dos v.ales para os excitar a uma suble­
vação. Mas o chefe já está em boas mãos e
foi fechado no subterrâneo da torre: certo Bat·­
rabás, conhecido velho da cadeia.
JosÉ - 1'\'las na Peréia não há agitação de
peregrinos ?
• Luc. - Boatos. Como queres que as cot:u ­
jas do deserto ousem afrontar as águias de
Roma 1 Na volta, perto de Betânia, grande
multi:�·ão de gente acorria ao redor de um ho­
mem.
JôN. - O Nazareno ?
Luc .- Sim. Ao menos foi o que me disse·
ram.
J osÉ - Falaste com êle ?
Luc. - lmpossívtd! Como chegar até ele ?
Poderia esporear o cavalo e fazer abrir-me
o caminho pelos soldados... mas preferí de­
sistir. Detesto o suor desagradável. desta gen-
te gyosseira e and raj osa!
JosuÉ - E que fazia o Rabí ? Algum prodí­
gio ?
Luc.-- Nã o o creio. Ouví dizer depois que
se dirigia de Betânia para J erusalem afim-de
fazer aquí sua entrada triunfal.
- 89 -

]ôN. - Hoje mesmo ?


Lu c.- Hoje. E até deve d e ter já chega­
do se aquela multidão não lhe impediu a pas­
sagem.
JosÉ - Corl'amos a encontrá-lo!
J osu É - A Porta das Gazelas! Virá do
monte das Oliveiras!
Jos É - De-pressa ... Corramos! (.raem cor ­
rendo pela direita).

CENA III

Lucíuo e JôNATAS

Luc . - Quanto entusiasmo pelo Naza­


reno! E tu, J ônatas, não os acompanhas ?
J ÔN. - Meu pai não quer que eu o veja ...
Diz que é um enganador, um enviado de Beel­
zebú ...
Luc. - Nem enganadorl nem end moni­
nhado! Se tal fosse obraria diferentemente.
J ÔN. - E tu, que pensas dêle ? E teu pai
que diz ?
Luc. - Meu pai define-o um bom homem,
incapaz de malfazer a quem quer que seja.
E visto que êle, ao contrário, faz o bem a to­
dos, e cura misteriosamente as doenças dos
pob1·es, todos lhe querem bem, com grande
inveja dos sacerdotes e dos escribas, inclusive
o teu pai!
JôN. - Ah, se êle fosse deveras o que de si
mesmo apregoa ?
90 -

Luc. - 0 quê ?
JôN. - O Filho de Daví, o Messias que
nós esperamos e que Deus prometeu. ,
Lut. Não tem aparência, não. E �or
-

demais manso e piedoso para maneJar


a espada e cavalgar à frente do seu povo co­
mo cantam os vossos poetas. O vosso guia,
Jbnatas, sairá das legiões de Roma, e mar­
chará sob as asas das nossas águias.
JoN. - Ah! isto não ... nunca! . . .

CENA IV

Chega de longe o eco de .um côr o de menino,r


que cantam a melodia gr e,qoriana do « HoJ'anna
Filio David
Lu c . - Este canto distante . . .
JôN . - É êle, o Filho d e Daví. (corre ao
fundo, olhando ao longe à direita).
Luc . - Quanta gente! i\1as �le, onde está ?
JôN -- Ei-lo, lá em baixo, a cavalo! O Na­
.

zareno! Ei-lo!
Luc. - (r indo) Ah! Ah! Ah! Aquêle é o vos­
so Messias ?! Belo t riunfo, na verdade, por
Hércules! Montado num burro . . . não vês ?

CENA V

MISAEL - (enf.i,a cof!endo com a voz quen{c


e iMpirada): Hosana ao Filho de Daví !
JôN. -- Misael .. aonde corres ?
- 91 -

Mrs. - Di z o Senhor: AnWlciai à Filha de


Sião: eis aí o teu Rei, virá a ti justo e salvador,
montado sôbre um jumento e sôbre o potrinho
da jumenta.
JôN. -- É verdade, é verdade! Deus de Is­
l'ael, tu disseste pOI' boca de teu Profeta!
1'11s.
- Bendito Aquêle que vem no nome
do Senhor! (.rai pela diteila).
Luc. - Vossos profetas dizem isto ? É es­
tranho!
J ÔN.- V em, Ludlio, corramos tambem nós
ao encontro dêlel (J"aem pela direita: o canto
ap(,o:cima-.J"e .sempre maÍJ", depoiJ" per.de-J"e ao
longe).

CENA VI

A B I A S e ELIFAZ, pela e.rquerda.

ABIAS - Se teu filho é doido, manda que


os se1·v'os o prendam em casa. Bem sabes que
uma ninharia é srl·ficiente para agitar este po­
pulacho crédulo e vil!
E LIFA.Z - Afinal, meu filho não passa de
uma crianca!
A BIAS ___: Mas dos lábios dêle sai a palavra
dos Livros Sagrados e esta palavra é chama
poJerosa, que manejada por mãos inexperi­
entes, pode produzir em vez de fulgores de
luz, labaredas de incêndio ...
ELIFAZ - Sabe, ó Abias, que a palavra
santa êle a aprendeu de meus lábios. Queres,
- 92 -

porventura, acusar-me de lhe haver inoculado


no coração um veneno mortífero antes que
um santo ferm�nto ?
ABIAS -, Longe de mim tal pensamento, ó
sacerdote} E até dever dos levitas e sacerdotes
nutrir os filhos com a palavra do Livro Santo
antes de a anunciar ao povo, e êste dever tu
o cumpriste com coração de pai e ele vada
compreensão sacerdotal. Mas eu que bem co­
nheço a lei e sei de cór as páginas dos Profe­
tas, eu tremo ao ouvir nos lábios de teu filho
criança as palavras chamejantes . . . e calculo
o efeito pernicioso que elas podem pt·oduzir
pela mudança que tenho notado em J Ônatas,
meu filho...
ELIFAZ - Tambem �le sequaz do Naza­
reno ? Que seja! Belos sequazes al'l'asta atrás
de si o Messias de Israel... um exército de
crianças e de mendigos.
ABIAS - Enganas-te, Ó sacerdote, e não
vês o perigo que se infiltra. Receio que, en­
quanto sorrís, aquêle homem a!Taste após de
si todos os peregrinos que se dirigem ao tem­
plo para a Páscoa. Uma fascinação estranha
brota das suas palavras. E mais: êle opera
milagres ... Não. Deve ser impedido seu apa­
recimento em J erusalem, especialmente nes­
tes dias.
ELIFAZ - Mas dizem que êle está na Pe­
réia, convertendo os beduínos do deserto!
ABIAS - E no entanto as palavras daque­
le pequeno pregoeiro .. r
- 93 -

ELIFJI Z - Não são palavras d�le . . . mas do


Profeta Isaías. São mais velhas do que as
barbas de Anás, o príncipe dos Sacerdotes.
ABIA S - Mas mesmo assim po?em impres­
sionar sinistramente o povo. E prudente
afastar das caravanas salmodiantes toda a
agitação.
ELl F.ftZ - Não é do escriba Abias que o
sacerdote Elifaz deve aprender a prudência.

CENA VII

Um puarda do TempÚI e o.r mumo.r

GUARDA - (pela direita) Sacerdote ?l


EuFAZ - Que há ?
GuARDt. - Jesús de Nazaré, aclamado pe·
lo povo, percorre as ruas da cidade ... e diri­
ge-se para o Templo.
ELIFAZ - Maldito! Será mesmo verdade ?!
ABI.AS - Possívell ?
GuA RDA- Todos o aclamam Filho de Daví
e Salvador de lsraell
ELIF"� z - Blasfemos impuros! Mas que fa­
zem os outros ? O Príncipe do Sinédl'io, o Su­
mo Sacerdote, o Procurador ...
Gu.ArtD-4.
- Caifaz ordenou-me chamasse
urgentemente a palácio todos os chefes dos
sacerdotes!
ELIFA Z - Acompanho-te logo É tempo
...

de dar cabo deste sublevadorl


94 -

ABIAS -- Escolheu bem a hora para ca11·


nas nossas mãos.
E LIFAZ - É preciso meter corajosamente
o machado à raiz, e rep1·imir logo o entusias­
mo desta multidão fanática. O centurião! On­
de está o centurião ?

CENA VIII

O Ir ibuno FÁ BIO, Luc'í LIO e o.o· me.mzo.l'.

FÁBIO - -- (entrando pela direita, a Lucílio)


Não gosto que te mêtas com êste populacho
fanático! Tu, um romano!
Luc í uo--- Foram os amigos que me arras-
taram.
ABIAS - Eis o tr i b un o! Vem bem na hora.
ELIF.A Z - Nobre tribuno!
FÁ BIO - Salve, sace1·dote!
ELIFAZ - A cidade acha-se em agitação,
revolucionada por um subvertedor da nossa
autoridade e da de César!
FÁ BIO - Tendes os guardas do Templo.
ELIFAZ -- É verdade, mas eles estão em de­
fesa da casa de Deus contra possívei s pro­
fanações. Agora cuida-se da cidade. E esta,
Ó tribuno, está em efervescência, e se não se
afasta a causa ...
FÁBIO -- Ora, vamos, fala claro. Quem é
o amotinador ?
ELIFAZ - O J esús de Nazaré que se vai
proclamando o enviado de Deus e rei de Israel.
- 95 -

Dizem que êle chegou há pouco à cidade.


FÁ BIO-- J ustamente, e eu mesmó venho do
seu cortejo. Não costumo esperar o teu avi­
so, Ó sacerdote, quando ouço alvoroço de gen­
te perto do Pretó1·io; mas podes ficar tran­
quilo. Aquêle não é homem perigoso ...
ELIFAZ - Porque não o conheces!
FÁBIO - Conheço-o!
ELIFAZ - E então te iludes, ou quem sabe
êle te seduziu tambem com sua triste fasci­
nação.
LuCÍLIO - Ahl isto é demais!
FABIO - Sacerdote, aconselho-te a refleti1·
com quem falas!
ELIFAZ - Senhor!
FÁBIO - Não necessito de mestres que me
ensinem a julgar de um homem, e afirmo que
aquele não é um enganador.
ELIFAZ - Pode ser . . . mas a prudência . . .
FÁ BIO- A pl'udência, Roma a ensina e
não a aprende de povos escravos! (.rai).
Lu CÍLIO - Bela resposta, meu pai! (.rai).
E LI FAZ - Pagão tinhosol Que a lepra
te devoo re l

CENA X

O.r me.rmo,r, depoi.r ABIAS e BENJAMIM

ABIAS Este soldado não entende nada.


-

Temos que agir ri'Ós!


- 96 -

ELIFAZ - E será melhor. Ouvi1·emos o Si­


nédrio. Creio que não se discutirá muito para
.
se chegar a um acôrdo!
(ABIAS e BENJAMIM entram pela e.rquerda.
ABIAS e.rlá ll,i.rle e ve.rte de luto).
BENJAMIM- (a Abias) O sacerdote Elifaz ...
o mais influente do Sinédrio. Dirige-te a êle!
ABIA S - E se me repelir ?
ELIFA Z - Quem está ar ? Quem me pro­
cura 7
ABIAS - (caindo de jodho.r, qua.ri e.rlendido
por ferra). Tem compaixão, senhor, do últi­
mo dos servos!
ELIFA Z - Quem és ? Levanta a ca�eça pa­
ra que eu te veja.
ABIAS - Um menino!
ELIFAZ - Que queres de mim ? Vamos,
de-pressa!
ABDIAS - Compaixão de minha desgraça!
ELIFA Z - (apre.r.rado) Não tenho tempo.
Outra vez!
BENJ . - Senhor, uma palavra pode res­
tituir a felicidade a êle e a sua mãe doente!
E r;rF.A.Z - Hein! ? Quem sou eu ? Talvez
um profeta ? Sou, porventura, aquele char­
latão de Nazaré para realizar semelhantes
prodígios ?
BENJ. -- Senhor, não te é difícil alcançar
a graça. Meu amigo soube hoje que seu pai
foi preso e levado para o cárcere.
ELIFAZ - Como se chama o pai deste teu
amigo 7
- 97 -

ABDIAS - Barrabás! _

ABIAS - Barrabás ? O célebre bandido...


ELIFAZ - Está em boas mãosl Vai ter com
o Procurador, pobre infeliz!
ABIAS - (chorando) Matá-lo-ão! Matá-lo-ão!
BENJ. - Se o quiseres, senhor, poderás
salvá-lo.
ELIFAZ - Não tenho tal desejo, e mesmo
que o tivesse não o poderia efetuar.
BENJ. - Na Páscoa o Procurador liberta
o prisioneiro que o Sinédrio pedir!
ELIFAZ - Não é preciso que me ensines
quais as usanças da Páscoa!
ABDIAS - Sacerdote, restitue-me meu pai!
(p(_ocura abraçar-lhe o.r joelho.r).
E LIFAZ - Não me toques! Es um pecador,
filho de um ladrão imundo, e ousas dirigir-me
a palav'ra ? Sabes quem sou eu ?
ABIAS - Deus de nossos pais!
ELI FAZ - Não o nomeies! Ele te amaldiçoou!

CENA X

Recomeça ao longe o canto

ABifl s - Eis o cortejo que aparece na cur­


va da estrada sagrada. Sacerdote, vem!
ELIFAZ - Mas como ? Jerusalem em peso
o acompanha ?1 Que Javé disperse aqueles
insensatos!...
ABIAS - (indicando) Vês ?
ELIFAZ - Vejo-o ... e tu não vês nada ?
- 98 -

ABIAS - Vej o a loucura de um povo in­


teiro!
ELIFAZ - Observa lá, em meio àquele gru­
po de crianças que agitam ramos de oliveira,
e verás teu filho 1
ABIAS - Quê ? Jônatas ? Tambem êle ?
ELIFAZ - Ele mesmo. Teu filho,. o filho
do escriba Abias, sequaz do Nazareno!
ABIAS --( fora de J'Í) Mas eu o mato! Mato-o!
(J'ai jurio.ra�enfe pela direita).

CENA XI
BENJAMIM e ABDIAS.-- O canlo apro;l:Íma-.re
.ruavemente. ABDIAS e BENJAMIM acompanlzam
J'Íiencio.ramenfe com o.r olhoJ'.
BENJ. - Que multidão! Que festa! Vem ,
Abdias, vamos tambem nós.
ABDIAS - A dor invadiu-me toda a alma!
Não, Benjamim, a festa não é mais para
mim . . . pensa que dentro de poucos dias meu
pai será condenado à morte!
BENJ . - Pois bem! Vamos tentar um úl­
timo recurso, mas não te deves recusar ...

ABDIAS --- Oh! é irtútil, Benjamim. Os ho­


mens são muito maus; não há outro meio se­
não recorrer a Deus.
BENJ. - Pois bem, vamos ter com o Rabí,
Jesús de Nazaré. Dizem que é tão bom, que
ama muito as crianças, que é capaz de res­
suscitar os mortos, de curar os mudos e
os cegos. Verás que êle te restituirá teu pai .
- 99 -

ABDIAS - Como é possível chegar até êle,


no meio de toda aquela multidão ?
BENJ . - Vem, experimentemos.
ABDIAS - Mas... Receio que me expulse
-como fez o sacerdote.. .

CENA X I I
MISAEL e o.r me.rmo.r
MISAEL - Ei-lo que vem, o Dominador,
o Príncipe da Paz, ei-lo que vem libertar o
seu povo e cm·ar os homens das suas dores!
BENJ . - Vem, Abdias.
ABDIAS - Não, eu tenho medo.
MISAEL - Que temes, meu irmão ? Abre
o teu coração à alegria e entoe a tua boca o
hino da exultação. Toma esta palma, vem, e
marchemos ao encontro de J esús.
ABDIAS -A palma é sinal de júbilo. E não
·sabes quantas lágrimas derramaram os meus
olhos!...
MISAEL - Mas Ele disse: Ó vós todos os
que afadigais e vos sentís oprimidos pela
amargura, vinde a mim e eu vos consolarei!
ABDIAS - Ele disse isto ?
MISAEL - E disse mais: Bem-aventurados
os que choram porque serão consolados!
AsmAs-Vem, Benjamim . . . vamos ter com
Ele. (.raem pela direila).

DESCE O PANO
SEGUNDO ATO

A TRAIÇÃO

Ao .ruhir o pano aparece a cena do ho.rque


repre.renlando o Get.remani.

CENA I

Em cena e.rtá o anjo con.rolador, de pé, com


o ro.rio 11oltado para o céu, em atitude de prece.
Circunda-o I'ÍI'Í.r.rÍma luz branca.

A NJO .ró.

Pai, Senhor do Céu e desta terra que ora


toquei com os meus pés, imensa é a tua
bondade! Que graça terei eu achado aos teus
olhos, última das criaturas celestes, para me­
recer de Ti, ó Senhor, o sublime ofício de
de.scer ao lado de teu Filho, para lhe confor­
tar ós atro zes sofrimentos do espírito ? E ...

neste peito Te dignaste, ó Pai, infundir a


ardente chama do amor que Lhe tens, afim
de que eu, servo mísero e inútil_ me tornasse
capaz de fazer conhecidas à sua alma amar­
gurada as palpitações do teu coração paterno.
Faze-me digno, Ó Pai, de cumprir meu ele­
vado encargo e que as minhas mãos Lhe tor-
-- 101 -

nem menos amargo o cálice que Tu, nos teus


desígnios 'divinos, quiseste aproximar dos
seus lábios ...

CENA 11

SATÃ e o me.rmo. Enú a pela direita, enca­


puzado, em meio ao clarão de luz vermeUza,
con.rervando no falar a maneira .rarcá.rü'ca c
zombeteira.
SATÃ - Estás enganado, meu caro ex-cole ­
gal Embora habituado a fitá-los na Suma
Verd ade, v�·se que os teus olhos sofrem as
névoas desta terra tenebrosa e enganadora ...
ANJO - Que fazes aquí ? Por que vens per­
turbar esta soledade dolorosa consagrada à
agonia do Cristo ?
SATÃ-Tal pergunta quisera fazê-la tambem
a ti, lembrando-te que acabas apenas de che­
gar, ao passo que eu já estou aquí há muito
tempo. A precedência é minha!
ANJO - E ousas ? E por que motivo aquí
te encontras ?
SATÃ - Para os meus neg6cios que, me
pa recem, estão em ótimo caminho. São fru­
to de muitas fadigas, meu caro . . .
ANJO - Como ? Não te bastou porventura
a repulsão desdenhosa do Filho de Deus
quando tiveste a ousadia de o tentar por
três vezes ?
SATÃ - Meu lindo moço, não queiras set·
meu mestre. pois que tenho mais experiên-
- 102 -

cia e mais argúcia do que tu. Deves saber


que os homens se medem pela dôr; é esta a
melhor balança, e por isto preparei para o
teu protegido um cálice hem saboroso de tra­
gar. Eu, vê bem, e não o teu patrão lá d e
cima, com o qual falavas h á pouco . . .
ANJO - Mentiroso insolente!
SATÃ - Não o crês ?
ANJO - O cálice que Ele há-de beber vem
do Pai, e o Cristo bebê-lo-á obediente até
a morte e morte de Cruz, e por isso Deus o

exaltará soberanamente e Lhe dará um nome


que é sobre todo o nome para que ao nome
de J esús se dobre todo o joelho dos que estão
nos céus, na terra e nas profundezas do infer­
no.:-(à fala fluente do Anjo, Saiíi depõe a al­
taneria da J"ua atitude, e lor na-J"e medroJ"o e
trêmulo, e ao nome de JuúJ" pronunciado com
força, cai vencido de joelho.J com a cabeça i•t­
J"olente umapada como que por braço.r invi­
J"ivei.r).
A.."lJO - (patua) Vês ? O nome dêle te
-

bateu.
SATÃ -- (ergue-J"e vagarosamente). Mas não
me venceu! (retoma o tom zombeteiro) Talvez
tenhas t·azão. Devo fazer uma retificação;
admito que o cálice Lhe venha do Pai, mas
quanto ao conteúdo!... Um licor satanico,
especialidade da minha casa, e em breve
dar-te-ei uma provaiinha. . . Um focinho admi­
rável de traidor! Ah, aquele Judas! Até
hoje poucos discípulos meus o superaram!
- 103-

ANJO - Porque isto estava escrito nos


desígnios do Pai.
SATÃ - Sim ? Tambem isto ? Dize-me por
favor, estava tambem escrito que os mais
fiéis dos seus seguidores o teriam abandonado ?
ANJ O --- Que queres dizer ?
SATÃ - O teu Profeta que lê nos corações
e no futuw conduziu consigo seus três amigos
mais fiéis afim-de-que o consolassem (nzoJ·­
...

lrando-o.r ao longe) olha-os lá em baixo, sob


aquela colossal oliveira .. . Dormem como bê­
bados.
ANJO - Ele assim quís!
S ATÃ - Sim, tanto é verdade que J a os
foi despertar por três vezes... Mas o meu
soporífico é superior à vontade dêles! Sim,
sim « vigiai e orai para não cairde.r em únfa­
ção!- » Satã é mais forte do que tu, e esta noite
verás o teu Cefas, o teu fidel:ssimo Pedro, a
tua rocha, que belo serviço te farál (ao dnjo)
Teremos de que rir, meu lindo rapaz!
ANJO - Deus não teme a estultícia e o
sarcasmo de tuas palavras.
SATÃ - E, no entanto, lá está êle experi­
mentando todo o maléfico poder da minha
arte! Fiz correr-Lhe diante dos olhos todos os
sofrimentos que Lhe atormentarão o corpo
e a alma, e O ví empalidecer, depois gemer,
depois cair por tena como um andrajo, con­
vulsionado por arrepios e frêmitos de febri­
citante ... Vai contemplá-lo debaixo do suor
- 1 04

de sangue que Lhe cola os cabelos à face


e me dirás se ainda divisas nele o Filho d e
Deus!
ANJO - Muito bem! E que pretendes di­
zer com isto ?
SATÃ - (apro;cima-.re da direita, recur(.lado,
ouvido.r aie11lo.r, como para apanhar uma pa­
lavra di.rlante)- Silêncio, Ele fala . . . (pau.ra,
depoi.r r[ .rarca.rticamenfe) Ouviste ? Respon­
deu por mim, e melhor: « Pai, aja.rla. de miin
e.rfe cálice. » Não te dizia eu que a dôr é
onipotente ? Balança é esta que não engana!
O teu Cristo não é mais do que . . .
ANJO - Cala-te! não blasfemes.
SATÃ - Se fosse o Filho de Deus, Ele não
falaria deste modo. Estás convencido ? Volta,
volta ao Paraíso ... aquí perdes o tempo!
ANJO - Não... Ele fala ainda. . . ouves ?
« Pai, .reja feita a lua vontade, não a minha! »

Satãl mais urna vez Ele te venceu! Retira-te!


(intima-Uze com o braço enquanto com um ge.rto
de raiva Satã de.raparece num redemoinho de
fumaça; o .dnjo .rai pe la dileila, e a cena fica
e.rcura e va.u"a).

CENA III

J os uÉ, J osi e MrsAEL e 'tiram cauielo.ro.r


pela e.rquerda.

JosuÉ - Que escuridão pavorosa! Quem


te assegura que o Rabí veio até aquí ?
- 105 -

MrsAE L - A voz que fala dentro em mim,


voz segura que me não engana.
JosÉ - E nesta noite inaugurará Ele o
seu reino ?
MrsAEL - Esta noite ?!
J osuÉ - É esta a noite dos mistérios. . .
Eu estou quasi com medo!
JosÉ- Mas ... por que de noite nesta ma­
ta escura ? Não seria melhor no templo, à
luz santa do sol, por entre os esplendores do
mármore, aos hosanas da multidão ?
J osuÉ
- Sem dúvida! É de lá que o Mes­
sias deve partir triunfante sobre seu corcel
de batalha, à frente dos seus guerreiros, pa­
ra lavar no Cedrão ,a espada tingida no san­
gue dos inimigos. E assim que f-ala o Livro
Santo! Não é verdade, Misael ?
MISAEL - Mas d iz tambem o Profeta: Ele
subirá como arbusto estéril na minha pre­
sença e como raiz que sai duma terra sequiosa!
Não tem beleza, nem formosura: e vímo-lo
feito o último dos homens, um varão de dores
e coberto de enfermidades e de tal forma era
desprezíveL o seu rosto que nem sequer o re­
<:onhecemos ...
JosÉ -· Cala-te, tuas palavras fazem-me
mal.
MrsAEL - (no fundo do palco) Minha alma
está triste até a morte!
JosÉ - Que diz ?
MrsAEL - O espírito está pwnto, mas a
ca1·ne é fraca.
- 106 -

JosÉ - Misael, que tens ?


MISA EL - Não ouviste a sua voz ?
JosÉ - Mas tu deliras, Misael, deliras!
MISAEL - Ele chama, êle chama! (.rai pela
direita).
CENA IV

O.r me.rmoJ·, menn,r MISAEL

JosÉ - Tenho a alma triste, Josué, nem


sei por que misterioso segredo. . . Voltemos
para casa! Estou com frio .. . parece-me ter
febre!
J osu�; - Não! esperemos. Esta noite ha­
verá prodígios, como eu dizia. Ouví Tiago
de lebedeu falar misteriosamente com meu
pa1.
JosÉ - Tiago é um dos doze.
J osuÉ - Justamente. Esta tarde, narra­
va êle, o Rabí comeu a Páscoa. com os seus
Antes de se pôr à mesa celebrou um rito es­
tranho.
JosÉ - Qual ?
J osuÉ - Dizia Tiago que êle cingiu os
rins e pôs-se a lavar os pés dos seus discípulos.
JosÉ - Os pés ? O Rabí ?
JosuÉ - Pedro não queria deixar-se lavar
e Ele lhe disse: « Se não fe la11ar o.r pé.r, não
enl1ará.r no meu reino ».
JosÉ - Como os ama!
- 107 -

J osu É
- E em seguida tomou o pão, par-·
tiu-o e o benieu; depois distribuiu-o aos pre­
sentes dizendo: « Come:', <'JÜ é o meu corpo
que .rerá enl'l egue por vó.r! »
J osÉ - Falou assim ?
'
J os uÉ
- E do mesmo modo tomou o cá-­
lice e disse: Tomai e hebei, e.rfe é o meu
.rangue!
JosÉ - Que profundo mistério!
J osuÉ - E dizia Tiago que o semblante­
do Rabí estava prodigiosamente iluminado..
Depois tornou-se triste e disse: « Em verdade,
em verdade, vo.r digo, e.rla noite um de vó.r me
trairá
JosÉ -'- Possível ? Esta noite, disseste ?
J osuÉ - Esta noite. Foi por isto que te
trouxe aquí. Soube de Tiago que o Rabí
viera rezar nestas solidões, e de aquí pode-­
remos assistir aos prodígios com que inau­
gurará o seu Reino.
JosÉ - Onde estará ?
J osu É
- A escuridão é profunda. Vamos·
penetrar mais para dentro, talvez o encon-­
tremos . . .
J osÉ
- E que Lhe diremos ?
J os uÉ - Que desejamos ser cidadãos do
seu Reino. Vem, José!
Jos É - Alguem se aproxima. . . Ouço o ci-­
cio dos ramos que se agitam. (volla-.re partr
a e.rquerda).
- 1 08 -

CENA V
J ÔNATAS e o.r me.rmo,r.
J ÔNA.TAS - J osué, José! Ah! de-pressa, cor­
Tamos. . .
JosÉ - J �na tas, que tens ?
JôN. - O Rabí ... disseram que está por
aquí... ainda bem que vos encontro... que
corrida!
JosuÉ - - Mas, em nome de Deus, que_tens ?
JôN. - Nesta noite o Sinédrio fará prender
o Rabí e copduzí-lo à prisão!

J osuÉ - A prisão ?
JôN. - E talvez à morte ... Soube-o há
pouco. Vieram chamar meu pai para uma
reunião urgente e ouví os guardas do templo
falarem disto.
J osuÉ- Senhor, Deus de Israel, salva-o
Tul
JôN. - Corrí até aquí para Lhe revelar
tudo: é preciso dizer-Lhe que fuj a, é preciso
prevenir os seus discípulos ...
JosuÉ - Eia, vamos procurá-lo, não há
tempo a perder!. . .

CENA VI
Ertquanlo o.r menÍ'lo.r e.rlão para .rair pela
direita, uma luz vÍI'tuima _o.r circunda; param
ulupefacio.r contemplando.
JôN. - Oh!
J osu É-Que fulgurante esplendor]
-1 09 -

JosÉ -· Quanta b :-:1 O Jardim das Oliveiras


está todo iluminado!
J ÔN. - Um incêndio tal vez ?
JosÉ --- Ohl olha, olha! Lá no fundo, onde
a luz é mais viva ...
J osuÉ - Uma figura branca! Ele ? O Rabí ?
A - Nao,
J ON. - e um anJO.
, . 1

J osÉ - Sim, é um anjo. Tem as mãos


''
juntas no peito: êle se aproxima!
JôN. - Ele sobe, ei-lo que sobe para os
céus! (caem de joellzo.J).
JosÉ - Hosanal Hosanal O Filho de Daví
é protegido por Deus!
J osuÉ - É o Filho de Deus... Eis que o
Senhor, rei dos Exércitos, se recorda da
aliança que fez cem seu Filho.
]ôN. - Ele ordenou aos seus Anjos que
o guardassem ao longo do caminho.
J osuÉ - E eles o susterão nas suas mãos
afim-de-que não vá seu pé de encontro às
pedras.
JosÉ - Há-de êle caminhar sôbre o áspide
e basilisco, e calcará aos pés o dragão e o leão .

]ôN. - Porque o Senhor o livrará da tri­


bulação e o glorificará. Hosanal (de pé).
J osuÉ -Não te disse eu que, nesta noite,
veremos prodígios no céu e na terra ?
JosÉ - Bendito o Senhor Deus de Israel
que visitou hoje o seu povo.
- 1 10 -

CENA VI I

MISAEL entr a pela direi/a

.1\'hsAEL - Pasmai, céus, sôbt·e tamanha


,desventura! E vós, Ó portas eternas, cobrí-vos
de desolação... Chora como uma virgem, ó
meu povo! Clamai, pastores, gemei nas cin­
zas e no cilício. Eis que me tocou a mão do
Senhor!
JôN. - Misael, Misael!
J osuÉ - Tu não viste a glória de Deus!
MISAEL - Eu ví o Cristo! Mais semelhante
a um verme que a um homem... o opróbrio

dos homens e a abjeção da plebe!


J osÉ- (a J11i.rael) Mas endoideces. .. Deus,
� como tremes! Estás doente ?
MISAEL - Eis que o Filho do homem está
para cair nas mãos de quem o traiu. (indica
a direita e .re refira lentamente par a ufa direção)

CENA VI I I

O.r me.rm o.r, meno,r MISAEL

JôN. - Que há lá em baixo ?


J os uÉ - Clarões vermelhos rompem a es­
.· curidão do bosque. São archotes.
JôN. - São êles! Veem prendê-lo! Corra­
mos a morrer com êlel
JosuÉ - Não morrer, mas assistir a um
prodígio!
- 111 -

JosÉ - Isto mesmo! Pois diz tambem o


Senhor no Livro Santo: Di.Y,Je o Senhor ao
meu Senhor : Eu porei a leuJ" inimi'go.y por
escabelo de ieu.r pü! »
]ôN. - Ocultemo-nos!
J osí� - Senhor, glorifica o teu Cristo! (u­
co•ldem-J"e).

C ENA IX

J UD A S com ELIFAZ, ubirroJ" e J"oldado.Y ro­


matJ.OJ" guiadoJ" pelo tribuno FABIO.
ELIFAZ -(explorando a ema) Tambem
aquí, nada! .
Juo A S -- E mais além . Conheço o lugar
..

onde êle vem orar todas as noites.


ELIFAZ - Ou tramar ciladas! Estás certo
d·e que está sozinho ?
JUDAS - Estarão talvez com êle Tiago,
Simã o e João... seus amigos prediletos, mas
não têm armas.
FÁBIO - Avante ... Que temeis, velhacos ?
Não tendes convosco a coorte ?
ELIFAZ -- A noite é favorável às insídias,
ó tribuno, e contra elas nada podem a valor
e as armas dos teus legionários
F,\BIO - Tiraremos a prova! (a JudM)
Adiante, vil espião, e de-p1·essa!
JuDAS - Uma sombra caminha na minha
-
direção . É êle! O Rabí!
. .

ELIFAZ - Escondamo-nos! Prendê-lo-emos


de surpresa!
- ll2 -

FÁBIO - Esconder�se diante de uma som­


bra ? Por Júpiter! Causais-me ascol Vejamos
quem é.

CENA X

MrsAEL e o.r me.rmo.r.

MISAEL - (envolvido no manto, pálido, que


nem um Janfa.rma, pára na entrada à direita).
- Levante-se o Senhor e sejam dispersos os
seus inimigos. Como a fumaça se dissipa
assim se desvaneçam; corno se derrete a cera
diante do fogo assim pereçam os pecadores
diante de Deus!
JuDAS - Um fantasma!
1 o ESBIRRO - Um anjo!
2° ESBIRRO -· Um profeta! (ao me.rmo tempo)
ELIFAZ - Misaell
MrsAEL - Ai de vós, pastores, que des­
truís e dispersais o meu rebanho! Ai de vós,
ó hipócritas, que ergueis a mão contra o meu
Cristo.. . Já contemplo a mão do Senhor que,
semelhante à espada de fogo há-de baixar,
sôbre vós.
ELIFAZ - Misael, meu filho, tu por aquí ?
FÁBIO - Teu filho ?1
MrSAEL - Meu pai, minha mãe e os meus
irmãos me abandonaram.
FÁBIO - Na verdade, ó sacerdote, isto não
te traz grande honra.
- 1 13 -

ELIFA Z - Não te importes, ó tribuno, com


suas estranhas palavrasl Ele repete incon­
cientemente os cantos dos Livros Santos
que ouviu dos meus lábios.
FÁBIO - Que seja! Mas não é êste o lugar
nem a hora para as declamações dos vossos
poetas ou para as exquisitices dos vossos fi­
lhos abandonados pelas ruas. Criança, vai
para casal
MISAEL - Vós quereis aprisiona1· o En­
viado de Deus: e · eu ve.-lo impedirei!
ELIFAZ - Acaba de uma vez com a estul­
tícia de tua linguagem: e obedece a teu pail
MISAEL - Não é a ti que eu devo obede­
cer, mas sim ao espírito de Deus que fala em
num.
FÁBIO - Pois então ... prendei-o, soldadosl
(o.r .roldado.r procu(am agarrá-lo, ma.r .Jfi'.rael
foge, deixando-lhe.r na.r mão.r o .reu manto).
UM ESBIRRO -- Ora vejaml Sumiu-se que
nem uma sombra!
EsBIRROS - É um fantasma!
ELIFA Z - Vamos adiante. . . (a Jutf.a.y) e
tu na f1·entel
JUDAS - Sacerdote, livra-me do juramento.
ELIFAZ - Velhaco, espantou-te a sombra
de uma criança ? Olha . . . a noite é profunda
e não se escuta rumor algum. . . talvez êle
durma! Que temes ?
FÁBIO - Adiante, coelhos do deserto! (.raem
lodo.r pela direita).
-- 1 1 4 -

CENA XI

Reentram caulelo.ro.r o.r menino.r.

JosÉ - Partiram! (ap1oximando-.re da di­


reita) Os archotes rompem as trevas do bos­
que... o Rabí está lá em baixo . . .
Jo suÉ - Agora veremos a glól'ia çJe Deus
que enviará os anjos pal·a a defesa de seu
Cl·istol
JôN. - Olhem, desaparecel·aml
J osuf:
- Suas palavras derrubaram-nos
por terra como folhas sêcas.
JosÉ- Ei-los que se erguem.
J osuÉ- Agarl·am-no... estão combatendo,
corramos.
JôN. - Ai de nós, é muito tardel Fogem
todos! Os soldados o acorrentam... vêde: le­
vam-no embora... Deus de nossos Pais, por
que o abandonaste ?
MISAEL - Eis, como uma ovelha é con­
duzido ao matadouro, e como um cordeiro
Ele está silencioso diante de quem o tosquia .
JosÉ - O Livro Santo . . .
J OSUÉ - Cumpriu-se a palavra d o Pro­
feta. Misael, Ele vai morrer ?
MISAEL - Está escrito: « É necessál'io que
um morra pelo povo ». (J'/l2ncio dolo!oJ'o).
JôN. - Misael, dize-me, tu que o sabes,
é Ele aquêle, que deve vir ?
J OSUÉ- E possivel que Deus o tenha
abandonado ?
- 1 15 -
MISAEL - Verdadeiramente Ele foi o que
tomou sobre si as nossas fraquezas e Ele
mesmo carregou com as nossas dores. Deus
O feriu pelas nossas iniquidades .. . Eis o Cor­
deiro de Deus que tira os pecados do mundo!
JosÉ - Um sombra dirige-se para cá!
JôN. - (com um ,qrito) O traidor!
MISAEL - Melhor lhe fora se &sse homem
não houvera nascido1 Persegue-o a vingança
de Deus. . . fujamos... {fogem lodo.r pela e.rquer­
da, cheio.r de tqrror ).

CENA XII

JUDAS adianta-.re ofegante, da direita, ca­


belo.r de.rgrenlzado.r... Seu.r olho.r voltam-.re para
trá.r, como .re o per.regui.r.re um implacável
inimigo; o de.re.rp2ro e o e.rpanto dilatam-lhe a.r
órbita..r num olhar de.rvairado e o fazem cami­
nhar ébrio de terror. Fala por entre o.r dente.r,
como que reproduzindo o eco da.r lerr(JJei.r pa­
lavra.r que lhe agitam a alma.
JUDAS - « Judas, com um beijo entregas o
Filho do Homem ?! » (foge precipitadamente
pela e.rquerda).

DESCE O PANO
TERCEIRO ATO
NO PRETÓR lO DE PILATOS

.d ca.ra f:.eal de HERODES que lzo.rpeda o "Pro­


curador Romano. Pátio interno

CENA I

FÁBIO e LuCÍLIO.

FÁBIO - (continuando uma con11er.ra) Que


Plutão os engula a todos no Inferno ...
Lucíuo - Mas não chego a compreender
como o senhor foi em pessoa guiando a coorte. . .
Não estava 11 Í o centurião ? Não estava Cal­
púrnio ?
FÁBIO -- Um legionário era o suficiente, e
até seria demais, mas receava o Procurador
que se tratasse de verdadeit•a sedição .. . tam­
bem êle foi enganado pelos sacerdotes.
LucíLIO - Que gente vil! Tramam na es­
curidão as suas insídias e depois têm medo
de as levar a cabo.
FÁBIO - E pedem o auxílio dos legioná­
rios de Roma, indo depois amaldiçoar nas
suas imundas sinagogas o talão de ferro que
lhes pesa no pescoço.
Lucíuo - Mas, pot· Hércules, o Procu­
rador!. . .
- 1 17 -

FÁBIO - Sem dúvida, não é um Júlio


César, mas olha: o neg6cio lhe foi mui habil­
mente descrito. J erusalem em peso, disse­
ram-lhe, está agitada por �ste Nazareno que
se declara Rei dos Judeus. Aliás que é pre­
ciso para fanatizar estns multidões de pere­
grinos rudes e maltrapilhos ? Desde que a lei
hebraica o julga digno de processo é preciso
aprisioná-lo.
Luc. -E não o poderiam ter feito com
seus soldados ?
FÁBIO - Certamente, mas receiam ter que
agir com grande número de sequazes, e de­
pois, acredita-me, se �stes orgulhosos sacer­
dotes se rebaixam a ponto de pedir a ajuda
da coorte romana, é porque os impele um
motivo bastante grave!
Luc. - Sem dúvida, um grandíssimo medo .
FÁBIO - E uma maior vilania!
Luc. - E que resultou de tudo isso ?
FÁBIO - Resultou que o tribuno romano
Fábio Valério, ap6s as campanhas da Panô­
nia e da Dácia teve que comandar a coorte
contra um só homem, inerme, e o que é peor,
conduzido por um vilíssimo traidor!
Luc. - Uma emboscada, vej am s6!
FÁBIO - Peorl Uma infâmia que na pri­
meira ocasião farei pagar aos velhacos que
me ludibriaram tão indignamente!
Luc. - lVlas . . . e os sectários do Nazareno ?
FÁBIO - Dois ou tt-�s plebeus desarma-
- 1 18 -

dos que fugiram como lebres só ao ver os


nossos archotes.
Luc.- E o Nazareno ?
FÁBIO -Homem misterioso aquele, mas o
mais nobre de todosl... Falo verdade: ins­
pirou-me logo viva compaixão e simpatia!
Luc.- E como assim ?
FÁBIO - Seu aspecto altivo e tranquilo,
sua voz de uma força extraordinária... Cal­
cula que uma só palavra derrubou por terra
toda a súcia dos seus perseguidores!
Luc. - E não tentou fugir ?
FÁBIO - Absolutamente. E tê-lo-ia feito
sossegadamente. Alem disso . . . aquela orellia
curada . . .
Luc. - Um milagre ?
FÁBIO - Eu não acredito em milagres .. ·

e, no entanto, o fato é estranho: ví a orelha

de um esbirro cortada por uma espada,


curada improvisamente pelo simples contado
dos seus dedos.
Luc. - Neste caso, meu pai, êste homem é
um profeta, um amigo dos deuses . . .
FÁBIO - Certamente é u m homem estra­
nho, mas se de fato êle tem nas mãos arte
de fazer milagres, por que:.: razão não conse­
guiu evadir-se aos ludíbrios do populacho e
dos sacerdotes ? Asseguro-te que lhe não teria
faltado ocasião.
Lu c. - Insultaram-no ?
- 1 19 -

FÁBIO - A noite toda! Na assembléia dos


sacerdotes foi esbofeteado porque, disseram­
me, ousara proclamar-se Filho de Deus.
Luc. - Filho de Deus ?. . .
FÁBIO - Além disso, calcula como terá
passado a noite, abandonado à loucura de­
senfreada e sanguinária dos soldados!
Luc . -- Como ? E o senhor permitiu isso,
meu .pai ?.. .
FÁBIO - Eu não permiti nada: entreguei
a coorte ao centurião. Querias então que eu
ficasse cuidando de um condenado ? Além
disso, já era a quarta vigia.
Luc . - E que deseja fazer o Procurador ?
FÁBio � Tambem �le não sabe que deci­
são tomar. Do primeiro interrogatório o ho­
mem pareceu inocente. Sem dúvida, trata-se
de um ódio feroz e brutal do populacho açu­
lado pelos sacerdotes.
Luc. - Se é inocente, seja salvo; Roma
não é somente a mãe da força, mas tambem
do direito!
F.�BIO - É esta tambem a minha opinião
e a expús com sinceridade ao Procurador,
mas êle receia alguma voz caluniosa junto
de César, e sabes que César . . .
Luc . - E que voz poder-se-á temer sal­
vando-se o inocente ?
FÁBIO - Olha: a acusação apresentada con­
tra êle no Pretória é de rebelião à autoridade
de César. É evidente, porém, ser ela comple-
- 1 20 -

tamente infundada. Tudo se resume na m­


veja dos seus inimigos!
Luc. - São tão zelosos assim dos direitos
de César, que os domina ?
FÁBIO - São cobardes, isto sim!
Luc. - E Pilatos o condenará ?
FÁBIO - Teve a feli z idéia de o mandar
a Herodes, visto que o condenado é galileu.
Vejamos que concluit·á a sabedoria deste
árabe imbecil.
Mas . . . por que te interessa tanto este ho­
mem ?
I:uc. - Que quer ? Ele é querido dos meus
amtgos...
FÁBIO - Ah, entendo! Receiava que te
houvesse fascinado um pouco.
Lu c. - Não sei. . . Julgo-o um ser tão di­
verso dos outros, tão superior!
FÁBIO - Não há dúvida. Mas não pen­
ses nisto, meu caro. Deixa os cuidados a
quem de dever e trata de pensar nos teus
folguedos . ..
Luc. Que vozeria é essa ? (ollzando tl
-

di1 eita).
FÁBio- São êles que voltam da casa de
Herodes ... Vamos saber a resposta do tetrar­
ca ... Teremos de que rir! Vem, veml (.raem).
CENA 11
Pela uquuda JôNATAS, JosuÉ, J o_sÉ.
JôN. - (a JoJ'u.é) Pudeste mesmo penetrar
no átrio de Herodes ?
- 121 -

Josu É - Sim, falo verdade, pois o gu arda


é amigo de meu irmão; conhece-me e dei­
xou-me passar atrás do cortejo dos sacerdo­
tes.
JosÉ - Então viste tudo ?
J osuÉ - Sim, mas de longe. O Rabí imó­
vel diante do Rei não disse uma palavra se­
quer, por mais que Herodes o interrogasse.
JôN. - Fez muito bem!
JOSÉ - O impuro profanador não merecia
-

resposta do Eleito de Deus!


J osuÉ -- Dizem que Herodes Lhe prome­
teu riquezas e liberdade para conseguir dêle
um milagre.
JôN. - E o Rabí ?
J osuÉ - Não fez nada!
J ÔN. - Devia fazer o prodígio d e cobrir
de lepra o vendido de Roma!
JosuÉ -- Herodes então cobriu-o com um
manto branco e sentenciou que Ele era
doido!
CENA III

MISAEL - (da direita) Cães sem número


me rodearam, touros furiosos abriram sôbre
mim suas guelas, como um leão roubador
que despedaça e que ruge.
JôN. - Misael, meu terno irmão, tu que
trazes nalma a voz dos nossos p1•ofetas di­
ze-me: qual é a sorte do Rahí ?
- 122 -

.MISAEL - Traspassaram as minhas mãos


e os meus pés e contaram todos os meus
ossos...
JosÉ- (com um grito) Deus, que dizes ?
A cruz, talvez ?
MxsAEL - V�de: somos ovelhas errantes
e l�nguidas por inúmeras feridas. . . Aos nossos
olhos erguer-se-á o Salvador, da sua cruz nos
virá a salvação!
JôN. - Oh, não, Misael, não é possívell
JOSÉ- Meu Deus, me u Deus, por que o
abandonaste nas mãos dos seus inimigos ?
J osuÉ - Se Ele é o j usto, o inocente, pot·
que deve ser condenado ?
MISAEL - O Profeta o disse: « Julga-me,
.ó Senhor, .regundo a minha inocPncia, poi.r
por tua cau.ra tenho .roj"ido afronta, por Ti
foi coberto de conju.rão o meu ro.rto t me tenho
tornado e.rtranho ao.r filho.r de minha mãe.

CENA IV

Lucí uo e o.r me.rmo.r.

Lucíuo - Salve, meus amiguinhos ...

]ôN. - Ludliol
JosuÉ - Tambem tu neste lugar de amar­
guras ?
Lucíuo - Sim, o processo do vosso Na­
zareno arrasta-me com uma força estranha.
É vet·dadeiramente admirável aquele homem!
JosÉ - Viste-o ?
- 123 -

Lucíuo - Sim, no Pretório onde entrei


com meu pai: é irreconhecível o pobrezinho!
Oh, quão mudado não cs\:á de seis dias atrás
quando o contemplamos em meio aos hosa­
nas do povo! Admiro-me de como se enfure­
çam tanto contra tal homem.
J ON. - Está escrito nos nossos Livros Sa-
grados que assim devia acontecer!
MISAEL - Os meus inimigos perguntaram:
Quando morrerá e perecerá .reu nome ? »
Lucíuo - O peor é que tambem os seus
amigos o abandonaram. Soube, há poucos
instantes, que um seu discípulo da Galiléia
jurava e esconjurava de nunca o ter conhe­
cido.
MISAEL - Tambem isto está escrito: " Jlfeu
irmão que comia o meu pão, Lel!anlou conúa
mim o .reu caLcanhar. »
LuCÍLIO - É repu�ante o procedimento
dos soldados: cobriram-lhe a cabeça com uma
coroa de espinhos e o rosto de escarros; de­
pois passaram a noite toda esbofeteando-o
dizendo por zombaria: « Salile, Rei do.r Ju­
deu.r! »

JôN. - Que feras!


MISAEL - Está escrito tambem: « O meu

roJ'lo não o e.rcondi de afronla.r e de e.rcarr �.r.


Lucíuo - Vossos profetas leram de ver­
dade um triste futuro ... E predisseram tam­
bem sua morte ?
JôN. - Sim!
- 1 24 __;,

Lt:CÍLIO - Pois bem, vossos profetas de


mau agouro enganar-se-ão desta vez!
J ôN.- Como ?
J os uÉ - Que há de novo ?
LuCÍLIO - O Governador o salvará.
'
Tonos - (com um raio de e.rperança) Sal-
vá-lo-á ?
LucíLIO - Ouvi! Há pouco, enquanto o
Procurador interrogava segunda vez o Na­
zareno, Cláudia Prócula, sua mulher, man­
dou-lhe um aviso com que lhe rogaya não
fizesse mal àquele justo, porque tinha so­
frido muito de noite por causa dêle.
JôN. - Em sonho ? .
LUCÍLIO - Em sonho!
JosÉ - E o Rabí será salvo ?
LuCÍLIO - O Procurador o quer!
JosÉ - Misael, Misael, estás vendo ?
MISAEL - Oh! escureceram-se meus olhos
pelo pranto, , porque foi afastado de mim
aquele que me confortava.
JôN. - Mas os escribas, os sacerdotes, meu
pai ... oh! Lucílio, ignoras quão terríveis sej am
suas decisões!
LucíLIO - Bastará um gesto de meu pai.
e as espadas dos legionários esvaziarão o Pre­

tória!
JosÉ - Então viva o Procurador romano!
JosuÉ - Viva Lucílio!
J ÔN . - Senhor de Israel, converte em pÓ
a malícia dos pecadores, e protege o teu servo.
LUCÍLIO - Vinde, vamos ver.
- 1 25

Tonos - - Sim, vamos! (menoJ' illiJael).


JôN. - Misael, vem tambem tu!
LuCÍLIO - Enxuga as lágrimas, Ó pequeno
vidente, e exalta a sabedoria de Roma!
MISAEL - Oh, não... a hora não é de iú­
bilos, mas de lágrima!<. Diz o P1·oreta: « Chora,
ó Filha de Siii.o, porque o ju._rfo perece, e não
Irá ninguem que medite no J'eu coração! »

(J'aem pela direita).

CENA V

ABDIAS e BENJAMIM pela uquerda.

BENJ. - Vem adiante, Abdias, que temes ?


AsmAs-Não há soldados ? São tão maus!
BENJ. - Quê! Os soldados estão no Pre-
tório contendo de armas na mão, o ·popula­
cho fanático.- Têm mais que fazer agora!
Vem, vamos atravessar aquele pórtico, de lá
talvez. poderemos ver o Rabí.
ABDIAS - (J'entando-J'e duconJolado) Não,
Benjamim, não posso mais, vamos voltar!
Á i de nós se nos surpreendem!
BENJ. - E por que temes ? Porventura
por causa de teu pai ? E não te recordas do
que disse o Nazareno ?
ABDIAS - Oh, suas palavras não as esque­
cerei nunca! Tenho dentro em minhalma o
seu sorriso, a carícia da sua mão, quando me
disse naquele dia : Vai lranquilo, e u te r e r­
,

iituirei o !eu pai.


- 126 -

BENJ. - E sua palavra nunca falhou,


Abdias!
ABDIAS - Mas agora ... O Rabí caiu nas
mãos dos seus inimigos, matá-lo-ão ... e com
�le meu pai.
BENJ. - Como v6a tua fantasia! O Rabí
não foi ainda condenado! Verás como se li­
bertará das mãos de seus inimigos!
ABDIAS-É tamanho o ódio que Lhe t�m!...
E por que o odeiam se êle só fez o bem ?
VozEs DISTANTES - - Crucifica-o, crucifica-o!
ABDIAS - (com um _qriio) Ouves ?1 Benja­
mim, vão matá-lo, vão matá-lo!
BENJ . - (de joelho.r) Deus de nossos Pais,
salva-o das mãos de seus inimigos!

CENA VI

ELIFII Z e ABIAS da direito..

ELIFAZ -- Aquele cão romano jurou des­


truir todos, os nossos projetos! Só faltava
Barrabás! E preciso instigar imediatamente
o povo para que exija Barrabás . . . Vai
(.dbia.r .rat) .
ABDIAS - Senhor! Meu pai!
ELIFAZ - Quem és ? Aproxima-te!
ABDIAS-Salva meu pai, ó sacerdote! Res-
titue-o a minha mãe enferma.. . (de joeUzo.r).
ELIFAZ - Ainda tu, o filho do ladrão Bar­
rabás ?
BENJ. - Senhor, tem piedade dêle ...
- 127 -

ELIFA,z - (con.ri'go me.rmo) Feliz idéia! Sim,


é infalível. . . (a .dbdia.r) Levanta-te e segue­
me... Se quiseres, terás teu pai hoje mesmo.
ABDIA.S - Deus de Israel!
BENJ. - Fala, sacerdote, que teus servos
te escutam!
ELIFAZ - Ouve: o Procurador pôs diante
do povo a escolha entre a vida de teu pai e a
do Nazareno.
ABDIA.s - (.rohre.r.raltado) Do Rabí ?
ELIFA,z - Sim, daquele mentiroso ende­
moninhado! Mas eu mostrar-te-ci ao povo
daquela sacada ... Só ao ver-te comover-se-ão...
Vem!
ABDIAS - (com força) Não! Não vou!
ELIFA,Z - Menino, não me entendeste ?
A vida de teu pai... compreendes ?
ABDIAS - E matarão o Rabí ?
ELIFAZ - E que te importa Ele ?
ABDIAS - Que Ele viva! Que Ele viva!
ELIFAZ - Como ? Tambem tu partidário
do Nazareno 1 Pequena víbora, nós te esma­
garemos, sabe, te esmagaremos como ao teu
Rahí... (.rai, arra.rlando .dbdia.r por um braço
e .reguido por Benjamim).

CENA VII
Lucíuo e FÁBIO
Luduo - O Procu rador é um vil! Não
é próprio de um romano condenar um ho­
mem sabendo-o inocente.
- 128 -

F.� BIO - Que fazer ? Estes cobardes amea­


çaram-no: se o não condenas não és amigo
de César! E César é suspeitoso!
Luc. - Quer diier que não há mais sal­
vação ?
FÁBIO - Impossível! O Procurador pro-
nunciou as palavras da lei: lbiJ' ad Crucem!
Luc. - Infâmia!
FÁBIO - Vou dar ordens à coorte . ..

Luc. Vais comandá-la ?


-

FÁBIO - Não, aquele homem deixou-me


o espírito perturbado... mandarei o centu­
rião.
LucíLio - Eu, porém, irei!
.FÁBIO - Mas ouve-me, estás te deixando
arrastar demais por aquele infeliz! Deixa-o
à sua sorte e vai para casa. Estas cenas te
têm impressionado muito! Segue o meu con­
selho. (J'ai pela di(eita).

CENA VIII

JôNATAS, MrsAEL, JosÉ, Josu É e LucíLio.

]ôN. - Está tudo perdido!


JosÉ - O povo pediu a vida de Barrabás
e a cruz. para o Nazareno!
MISAEL - Ele foi contado entre os mal­
feitores!
Luc. - Amigos, os vossos profetas fala­
ram verdade... mas enfim, que homem é
êste ?
- 12 9 -

J ÔN.
- Lucílio, Elí o disse claramente aos
sacerdotes: Verei.r o Filho do hoinem vir
.robie a.r nuven.r do cfu .rentado à direita da
maje.rtade de Deu.r!
JosuÉ � Eis que O conduzem à morte]
O cortejo se movimenta] (o/..rer vando no fundo
à direita).
MISP�EL - Como mansa ovelha é condu­
zido ao matadouro: Ele carrega a pena dos
nossos pecados. . .
Luc í LIO - Sigamo-lo! (Jaem pela uquerda).

CENA IX
ELIFAZ, ABI.� S e ABDIAS conduzido peloJ
.
,quar da.r do templo.
'
ELIFA Z - Agora a nós. pequeno blasfe­
madorl Viste o que ganhou o teu profeta,
o teu Nazareno ? A cruz!

ABrA s - E a ti cabe a lapidação, a pena


dos iníquos blasfemadores ...
ABDIAS - E meu pai está salvo ?
ELIFA Z - Certamente: a-pesar-de tua obs­
tinação o povo generoso libertou teu pai.
Por isso quero ser generoso tambem eu :
vai em paz! Esta ve z livro-te do merecido
castigo.
ABrAs -· Vai abraçar teu pai! ,

ELIFA Z - E nós vamos ao Calvário. E


necessano que a sentença capital seja exe­
cutada antes do anoitecer, ou melhor, antes
que comecem os sacrifícios do sábado!
- 130 -

CENA X

J UDA,S e o.r me.rmo.r

]unAs - (entrando de.re.rperado pela e.rquer­


da). Sacerdote, sacerdote!
ELIFA..Z - Que há ? Tu outra vez ? Que
queres ?
Jun�s - (com "oz ca!'erno.ra) Pequei ven­
dendo-te o sangue do j usto... Este dinheiro
que me deste...
ELIFAZ - É teu!
ABIAS - Porventura não basta ?
]unAs - Eu to restituo . . .
ELIFAZ - Por que tamanha generosidade ?
Não o gánhaste ?
J uDAS - Ensanguenta-me as mãos ... quei­
ma-me o coração... o cérebro... Toma!
ABIAS - Não podemos aceitá-lo: é o pre­
ço do sangue!
JUDAS - Do sangue dêle! Do Rabí!
ELIFAZ - Atormenta-te o remorso ? Dá-o
de es�ola a êste maltrapilho... (com .rarca.r­
mu) A esmola, diz o Livro Santo, perdoa os
pecados!
ABDIAS - Não, não quero a tua esmola!
ABIAS --- Ve1·me andrajoso! Há pouco re­
jeitaste a vida de teu pa1, e agora recusas
os nossos presentes ?
EuFAz - Deixa-ol Vamos ao G6lgota1..
(J·aem pela diNiia) .
- 131 -

CENA XI

JUDAS e ABDIAS.

JuDAS -- (aproximandÓ-J·e de ,1bdia.J' e


apre.reniando-lhe a bol.Fa com ge.rlo de .rúpli­
ca). - Toma!
ABDIAS - (agarra a bol.ra e lha atirll ao.r
pé.r com de.rprêzo). O teu dinheiro pereça
contigo no inferno!... (foge).
JUDAS - No inferno ?! (com uma luz .ti­
ni.túa no.r oUzo.t) Ahl Sim! · uma corda!...

DESCE O PANO
QUARTO ATO
VIZINHANÇAS DO CALVARlO

Veem-.re e.rpaUtado.r em duq_r dem pela cena


o.r apeirecho.r lúgubru da Paixão: túnicaJ" e
armaJ" do.r .roldado.r por ferra, machadinha
apoiada no.r ba.riidoru, ucada.r, madeiraJ" e
fei,r.o.r, um 11a.ro contendo 11inagre com mir,r.a.

CENA I

SABINO e RuFo, .roldadoJ" romanoJ·, de có­


cor,aJ" di.rpuiam cçm o.r dadoJ" �.r rule.r do Na­
zareno que ulão perto delu.
SABINO - (jogando o.r dadoJ") Cinco, quatro:
nove. A túnica é minha 1
RUFO -- (ergue-.re zangado) Maldita sorte!
Quando começa a perseguir-me é deveras
feroz.!
SABINO - Sabes por que ? Vives amaldi­
çoando-a! Eu, ao invés, sou-lhe muito de­
voto e, como v�s, ela me protege sempre.
RuFo - Não invejo o que ganhaste! Pre­
firo um manto de centurião aos trapos do
Galileu!
SA BINO - Deseja muito quem despreza.
R esta túnica vale realmente o sorriso da
fortuna. Tecido de Tiro, sem costura... Vale
mais de 40 ciclos de pra.t a. Olha!
- 1 33 -

RuFo - É verdn•le! O feitio é de valor. . .


mas f uma túnica perdida sobre teus ombros
de rinoceronte!
SABINO _L Não será por isto que ta darei
de presente!
RuFo - E nem a aceitaria... talvez me
trouxesse desgraça.
S.<\ BINO - Oh! Por que ?
RuFo - Porque aquele homem me está
preocupando.
s.� B . - o condenado ? Fica cert o d e que
não me virá pedí-lal
RuFo - Não é isto! Há pouco, quando
Lhe eravei o prego na mão, olhou-me com
uns olhos!
SAB. -- Com os olhos contorcidos pela
dôr. .. Com semelhantes carícias não podia
ser diversamente!
RUFO - Cala-te! Seu olhar gravou-se-me
na mente e parece procurar-me sempre. Ne­
nhum condenado ví semelhante àquele!
SABINO - Entãb um olhar dêle te como­
veu ?
RuFo - Não só isso. Não ouviste as suas
palavras enquanto o pregávamos na cruz ?
« Perdoa-fhe.r porque não .rahem o quejazem! »
SAB. - E'. . . recordo-me muito bem : é de­
veras estranho! Mas que tem que ve1· tudo is­
so com as vestes do Nazareno ?
RuFo - Digo-te · somente que com elas
não me causas invej a ... Da minha parte não
as vestiria, por certo!
- 134 -

SA.B. - Temores infantísl De modo al­


gum compartilho os teus receios.

CENA li

O.J mumo.J e um ubi�ro pela direi/a.

EsBIRRO - O condenado tem sêdel


SAB. - Olá, Rufo, dá-lhe um trago do
·

bom!
RuFo -- Onde está a esponja ?
SAB. - D,eixaste-a perto da cruz.
RuFo - E verdade!
SAB. - E aquí está o licor!, (moJ"úa-U!e
o l,ecipienie). Vinagre e mirra! E um vinho
excelente e generoso: digno do Rei dos J u­
deus... (J"aem).

CENA UI

MISAEL, JosÉ e J osuÉ enl.l;am pela uquerda,


cauioJ" e medroJ"oJ'.

JosÉ - Ningueml Estão todos lá, perto


da Cruz!
Josu É - Que -fazem ?
MISAEL - Eis, cumpl'e-se a palavl'a do
Profeta: 11iataram-me a J"êde com vinagre. �
JosÉ - Estão junto da cruz Maria, sua
Mãe, Maria de Cléofas e Maria Salomé.
Lá está tambem o discípulo que Ele ama va ...
Vamos tambem nós!. . .
- 135 -

J osuÉ - Os soldados enxotar-nos-ão como


fizeram durante o cortejol
JosÉ - Sim, mas eu não fugí! Misturei-me
com a multidão e continuei a seguí-lo; pude
assim presenciar o milagre!
J osu É- Milagre ?
JosÉ - Uma mulher quís enxugar o suor
do rosto do Rabí. Quando retirou o sudário
do seu rosto verificou-se o prodígio. No su­
dário permaneceu luminosa, viva e palpitan­
te a expressão do seu semblante!
J osuÉ - Deus de Israel... e então ?
JosÉ - Um pranto geral elevou-se de to­
dos os presentes e Ele disse: « Filha.r de Je­
ru.ralem, não chorei.J' J'obre mim, ma.r chorai
J'obr,e 116J' muma.r, porque Pirão dia.J' no.J' quais
J'erão por demai.J' injeú'zu aquelaJ' que tiPe­
iem fillzo.J'. "
J osuÉ- Que sombria ameaça!
MISAEL - Eis! Naquele dia a ira de Deus
apresentar-se-á às portas do céu e envolverá
a todos os homens nos vórtices da sua vin­
gança! I}esgraçada de ti, Filha de Sião,
desgraçada de ti que mataste o Santo . . . o
Filho de Deus!...

CENA IV

RuFo e OJ' mumos.

RuFo - (com umá cana e o va.ro de Pina­


gre) Quem é esse pássaro tão canoro ? Ain-
- 136 -

da estais por aquí ? Não haverá modo de vos


conservar distantes ? (agarra o.r açoite.r que
,re acham pelo chão e ameaça baler-1/ze.r.)
MISAEL - Os açoites ainda rubros do seu
sangue! (ajoelhando-.re) Senhor, faze-me digno
de sofrer com Ele.
JosÉ - Tambem eu! (ajoelha:.re).
J osuÉ - Flagela-me tambem a miml(c.a.)
RuFo - (aroitando Ali.rael) Zombas de
mim ? Pois bem, apanhai
MISAE L - Obrigado, ó senhor, obrigado!
RuFo - (pára admirado) Que menmos
estranhos! Como o .Cristo! Não resistem,
nem fogem!
JosÉ - Açoita-me tambem a mim!
RUFO - Ide embora. É ordem dos Sa­
cerdotes!
MISAEL - Deixa-nos ver o nosso Mestre.
RuFo - Nem penseis nisso. Não está em
meu poder permiH-lo. Chamarei os sacerdo­
tes. Eles saberão expulsar-vos. (.rái).

CENA V

JôNAT.AS, ABDIAS, BENJAMil'ol pela e.rquerda

JôN - (Com .rinai,r de ''ivo


. terror) A jus-
tiça de Deus o fulminou!
JosÉ - Jônatasl
JosuÉ - Que tens ?
ABDIAS - Vimos o traidor!
- 1 37 -

BENJ. - No campo do oleiro... Que es­


petáculo horrível!
JôN. - O miserável suspendeu-se em
uma árvore e o seu corpo negro pende do
laço naquela lúgubre solidão!
MISAE L - Glória a Deus! Os seus inimi­
gos serão em sua presença como fumaça
levada pelo vento e como neve derretida
pelo sol!
J ÔN.
- E o Rabí ?
J osuÉ - Ó J ônatas, não podes calcular
os suplícios da dolorosa subida do Calvário!
J ÔN. - Depois das cenas da última noite,
meu pai me fez terríveis ameaças, pelo que
não ousei ausentar-me com receio de o en­
-contrar!
ABDIAS -- Vem, Benjamim, vamos ver
o Rabí.
J osu É - Tu, o filho de Barrabás ?
J ÔN.
- A do1· secou-lhe as lágrimas nos
olhos!
BENJ. -·- O Na�areno deu a sua vida pela
de Barrabás.
ABDift S - E é por isso que desejo vê-lo
e dar-lhe graças!
JosÉ - - Como ? O Nazareno ?
JôN. - Sim, José! A salvação de Barra­
bás foi um prodígio do Mestre. Narra, Ab­
dias, o que te disse o Rabí . . .
- 138 -

CENA VI

ELJFAZ, RuFo e 0.1 mumo.1.

ELIFAZ - (falando antu de entrar, da di­


reita) Enxota-os à força! Não quero saber
de meninos, nem quero ouvir lamúrias de
mulher!
MrsAEL - A voz de meu pai!
ABDIAS - Eu fico, pois quero ver o Ra­
bí! (oJ' oult oJ' retiram-J'e .1 uquerda).
ELlF.<� Z - É êste o pequeno rebelde ?
RuFo - É um dos muitos ... Nem os açm­
tes conseguem afastá-los.
ELIFA Z - Bastarão minhas palavras: foste
beneficiado por mim e é assim que corres­
pondes ? Transgredindo as minhas ordens ?
ABDIAS - Foi justamente a gratidão que
me trouxe aquí.
ELIFA Z - PAra agradecer-me por ter dado
a liberdade a teu pai ?
ABDIAS - Não foste tu, ó sacerdote, quem
me restituiu meu pai, mas sim o Na�reno
que morre naquela cruz.
ELIFAZ - Menino ingrato! E ousas a­
firmá-lo ?
ABDIAS- Permita que me aproxime dele.
ELIFAZ - Basta! Seja aprisionado. E ex­
perimentarás, criança rebelde, a severidade
do Sinédrio! (a Rujo) Seja conduzido às
prisões do templo.
- 139 -

CENA VII

JôNATAS, Br:NJAliHlll, JosÉ e o.r me.rmo.r.

JôN. - (.raindo improJJi.ramenfe da uquerda


com o.Y companheiro.r). Tambem eu tenho di­
reito a esta honra]
BENJ . - Eu tambeml Abdias, meu irmão,
se juntos sofremos temores e angústias,
juntos sofreremos o mesmo castigo.
ELIFA Z - Q uem é este ? Quem sois ?
JosÉ - Somos sequa2es do juslo a quem
crucificaste! Contempla-nos bem. Ó sacer­
dote, em breve seremos legiões!
ELIFA Z - J uro pelo Deus vivo que vos
haveis de arrepender da vossa loucura. Olá,
soldados! (11olta-.re para a direita).
BENJ. - Não nos amedrontam as tuas
ameaças]
JôN. - A mão de Deus paira sobre tua
cabeça, e não escaparás à sua vingança.
RuFo - Pelos deuses] Sabes com quem fa­
las ?
JôN. - Com o Ímpio que ousou levantar
a mão contra o Filho de Deus]

CENA VIII

ABIAS com .roldado,r e OJ' me.rmoJ·.

ABIAS - (chepando da di1eita) Que há ?


Alguma rebelião '!
- 140 -

ELIFAZ - Uma rebelião de doidinhos obs­


tinados... e o chefe bem o conheces.
ABIAS - J ônatas ? 'fu por aquí ? Depois
de tantas ameaças ? E assim que obedeces
a teu pai ?
JôN. - Poupa-me a vergonha de ser cha­
mado teu filho!
ABIAS - Oh, miserável!
JôN. - Eu não quero ser filho de um dei­
cida.
ABrAs - Estás louco!
JôN. - (com impeto) Mataste o Cristo ...
a esperança de nossos pais... a salvação de
Israel!
AmAs - Aquele impostor os enfeitiçou a
todos! Tambem por isto que morra quanto
ant.esi
JôN. -- Pois bem, faze que eu mo1·ra com
.E le.
JosÉ-- E eu tambem!
J osut - Prende a todos nós!

CENA IX

MrsAEL e OJ' mumoJ".

MrsAEL - (entra pela uquerda) Diz o Se­


nhor: « Eu ferirei o pa.J"lor e aJ" oveiha.J" do J"eu

rebanho J"é�ão di'.J·perJ'aJ" » ,


ELIFAZ - Misael! Ah, isto já é demais.
Proibí-te sair de casa e de recitar a torto e a
direito tuas estultas palavras.
- 141 -

MISAEL - Tambem tu, meu pai, és do


número daqueles que o salmo repreende:
Têm olho.r, ma.r não veem, têm ouvido.r,
ma.r não ouvem. . . Em Perdade te digo. . .
ABIAS - Tape-se a boca ao insensato pro­
fanador do Livro Sagrado!
MISAEL - Naquele dia, diz o Senhor, der­
ramarei o meu esplrito sôbre tbdos os povos.
E profetizarão os vossos filhos e as vossas fi­
lhas... e os anciãos contemplarão em sonhos
luminosas visões...
ABI.AS - E suportas ainda, ó sacerdote;
semelhante linguagem nos lábios de teu fi­
lho!
ELIF.I\Z - Eis a que é obrigado o coração
de um pai! De usar a violência contra o pró­
prio filho ...
ABIAS - Sejam todos conduzidos às pri­
sões do templo.
MISAEL - Vamos jubilosos por semelhante
ventura e cantemos o hino que na fornalha
ardente elevaram aos céus os jovens lou­
vando o Senhor... Bendizei, ó cr iança.r, o
Senhor ...
ABDIAS --, Bendizei, ó céus, o Senhor! (o
J·almo .re perde ao longe entre o.r ba.rtidore.r
da e.rquerda em um murmúrio conju.ro do.r jo­
ven.r levado.r pelo.r guarda.r do templo).
- 14 2 -

CENA X

ABIAS e E LIFAZ .

ABIAS- Era para esperar tudo isso... Se


bem te lembras, ó sacerdote, tinha chamado
tua atenção, mais de uma vez, para o pro­
cedimento do teu Misael.
ELIFAZ - As palavras dêle me dão que
pensar.
ABrAS -- Como ? E lhe dás importância ?
Tu ... o sacerdote Elifaz ?
ELIFAZ -- As palavras dos poemas sa­
grados nunca me pareceram tão·terrivelmentc
lp.minosas como nos lábios daquele menino...
E por isto que a repreensão me morreu sem-·
pre na garganta, sem poder explodir o rancor
que me agitava o peito, e meu braço, levan­
tado para bater, caiu-me sempre desarmado
pela misteriosa eloquênC'ia daquela voz in­
fantil.
ABIAS- Tua linguagem, ó sacerdote, é
assaz estranha ...
ELIFAZ - Acredito-o p01s me não enten­
des.
ABIAS- Entendo-te sim, e mais do que
pensas: a exaltação de teu filho apoderou-se
tambem de ti... mas, dentro de poucos dias,
quando o cárcere acalmar a mente de teu
filho e aquele estranho fascinador tiver de­
saparecido para sempre no sepulcro, então,
- 1 43 -

estou certo, voltarás à razão lúcida e fria


que até o presente tamanha autoridade te
emprestou no Sinédrio.

CENA XI

SABINO e o.r me.rmo.r.

SAHINO - Sacerdote, vem, Ele chama por


Elias]
ELIFAZ - Elias ?
ABIAS - Esperando, talvez, que o venha
livrar da cru i ?
ELIF.A Z - E.le deliral É o paroxismo d a
febre o u entendeste...
SABINO - Fala uma língua desconhecida.. .
,, Eli, Eli, lamma .rabactani ».
ABIAS - Pois bem, vamos ver se Elias
O vem libertar.
ELIFAZ - Ele que salvou aos outros e não
pode salvar a si mesmol
ABIAS - E afirmava ser Filho de Deus!
Que desça da cruz e creremos a Ele (.raem
pela direita).

CENA XII

FÁBIO e Luduo pela e.rquerda.

LuCILIO - Tenho a alma cansada e aflita ...


Não sei, parece que u'a mão de g�lo me
aperta o coraçãol...
- 144 -

FÁBIO --Eu o calculava e justamente por


isso não queria que seguisses o cortejo do
condenado ... Cenas selvagens, dignas dêste
povo bárbaro, mas não de um romano!
Luc. - O que mais me angustiou foi con­
templar aquela pobre mãe! Ter que assistir
assim aos tormentos do filho ... Ah, meu
pai, que terrível suplício para um coração
de mãe!
FÁBIO - Compreendo-o, mas afinal de con­
tas é a mãe de um condenado, de um mal­
feitor1
Luc. - (com vivacidade) Ah, meu pai, não,
aquele não é um condenado como os demais.
Rezar pelos seus algozes no meio de tama­
nhas dores! S6 um inocente, um Deus pode
fazer isso... Não achas ?
FÁBIO -- Olha: se permaneceres em J eru­
salem ficarás doente. Amanhã cedo voltarás
a Cesaréia.
Luc. - Por que ?
FÁBIO - Deves esquecer tudo!
Luc. - É impossível, meu pai .. .
FÁBIO - De uma única coisa te deves rc-
cOJ·dar.
Luc. - Sim, que aquele homem . ..

FÁBIO - Não! Deves esquecer aquele ho­


mem ... Deves pensar que teu pai te ama e
- 1 45 -

que só o preocupa agora a tua saúde. Com­


preendeste, Lucílio ?
Luc. - Mas aquela pobre mãe1 Tambem
ela O ama1 E ver morrer-lhe o filho debaixo
dos seus olhos1
FÁBIO - Deuses! Que obstinada fascina­
ção!

CENA XIII

ELIFAZ e OJ" mumoJ".

ELIFAZ - Vinha justamente à tua pro­


cura, ó nobre tribuno.
FÁBIO -Não estou de serviço, mas acom­
panhei o cortejo como espectador particu­
lar, afim-de livrar meu filho das vossas cruel­
dades.
ELIFAZ - Não é isto que nos interessa,
senhor! Desejava chamar tua atenção sobre
um grave erro cometido pelo Procurador.
Luc. - O de condenar um inocente1
FÁBIO - Neste caso o sangue dêle cairá
todo sobre ti.
ELIFAZ - Gracejas, tribuno. O erro está
n a inscrição;. Pilatos escreveu: « E.rte é o rei

doJ' Judeu,r ».

FABIO - E não é este o delito oelo qual


o acusaste ao tribunal do Pretória f
- 1 46

ELIFA Z - Justamente; mas deveria escre­


ver: « E.Yte afirmou J'er o rei doJ' JudeUJ' ».
Como v�s, o neg6cio é bem diferente.
FÁBIO - O que �le escreveu, escrito está!
Já por demais aborreceste o Procurador!
ELIFAZ - Mas a justiça ...

FÁBIO - A justiça desconhece os adifí­


cios das vossas sinagogas e os enredos dos
vossos escribas!
ELIFA Z - Mas o peor é que os forasteiros
não conhecendo todo o acontecimento, po­
dem não entender bem a verdade.
FÁBIO - Neste caso cancela a inscrição
obscura e coloca esta um pouco mais clara:
« Juú.Y .Na.rareno, homem juJ'io, crucificado
pelo ódio do.Y ,racerdofu "·

ELIFft Z - Tribuno!
FÁBIO -- Dói-te a verdade ?!
ELIFAZ - (afa.yiando-J'e, murmura entre os
deniu) Pagão imundo!

CENA XIV

0J' mumo.r, menoJ' o sacerdoée.

FÁBIO - (a lucílio) Teus olhos não sabem


afastat·-se daquele lugar. Que sentes afinal ?
-- 147 -

LUCÍLIO - Aquela pobre mãe!... Vês ? ...


Está lá, de pé, .junto da cruz, como que pe­
trificada pela dor]
FÁBIO - Agora basta . . . vamos embora!
Luc. --Não, deixa-me ...
F \BIO
.. - Levar-te-ei à força. É necessá­
rio]

CENA XV

Um ifopão p1olongado, .Feguido de !elâm­


pago.F, depoi.F uma e.rcu1 idão medonha, in­
feffompida po1 julgofe.r 1ápido.F e tiiubeantu.

FÁBIO - Pelos deuses] Que é isto ?


Luc. - (com um g1ifo) .M.orreul Ele era
realmente o Filho de Deus] (.Faem coffendo
pela direita).

CENA XVI

A cena fica "azia alguM iMfanfe.r, depoÍJ'


fogem pela e.rquerda SABINO, RUFO e e.rbirro.F.

SABINO - Os deuses estão irritados co­


noscol Fujamos.
RUFO - Aquele homem era inocente! Bem
o dizia eu. (.Fai).
- 148 -

CENA XVII

ABIAS e ELIFAZ.

ABIAS - É impossível detê-los! Fogem to­


dos tomados de terror!
ELIFAZ .:..__ Ao templo! O Sumo Sacerdote!
De-pressa!
ABIAS - Mas. .. e os condenados ? Antes
do anoitecer é preciso quebrar-lhes as
pernas. . .
ELIFAZ - (com a I'OZ .rufocada pelo terror)
Ao templo! Ao templo!. . . (Ahia.r .rai de corrida
pela e.rquerda, depoi.r Elijaz dá lte.rftante um
último olhar ao Gólgota e IJaÍ .rair pela eJ'querda,
maJ' retrocede aterrorizado como diante de um
fantaJ'ma e.rpanto.ro).
.
Ainda! Tu outra vez ?! Judas Escariotes!
Que queres de mim ?... Por que me perse­
gues ?" O teu ç) inheiro não o quero... é preço
de sangue... E teu, é teu!

CENA XVIII

Lucíuo, FÁBIO e o me.rmo.

LuciLIO - (adianla-.re em direção de E/i­


faz que, para .re ocullar do fanta.Jma de Juda.f
que o oprirne, procura fupir para a direita).
Deicida!... Deicida!...
- 149 -

ELIFAZ - Ah, tu ?... Cala-te!


LuCÍLIO - A natureza se comove pelo teu
crime... a terra treme e abre seus abismos
para devorar-te] Maldito1
ELIFA Z - Cala-te]
FÁBIO - (qua.re arra.rtando o !iU10) Vem!
Vem! Vamos embora dêste lU:gar espan­
toso. . .
LucíLIO - (.rai arra.yfado à força, voltado
para Elijaz). - DeicidaL. Deicida! . . .

CENA XIX

Um enviado do templo.

ENVIADO - Sacerdote!
ELIFAZ - Quem és ? Que há ?
ENVIADO - O véu do templo rasgou-se de
ponta a ponta.
ELIFAZ - Estás louco]
ENVIADO - U' a mão invisivel lançou por
terra o candelabro e os pães sagrados!
ELIFAZ - Deus de Israel! Mas então ?
ENVIADO - Abrem-se as prisões e as Ia­
ges caem dos sepulcros dando saida aos mor­
tos que vagueiam pela cidaàe . . .
ELIFAZ -Aquele homem, por acaso!. .. Ah,
não!. . . Não é possivel!
-- 1 50 --
ENVIADO - Caifaz espera-te urgentemente
em seu palácio.
ELIFAZ - Precede-me na escuridão... va­
mos! (.raem pela e.rquerda).

Ú LTIMA CENA

d cena vazia 11ai-.re iluminando, a pouco e


pouco, por uma luz branca e .rua11e que vem da
direita. Entram pela e.rquerda Jônafa.r, com
o.r companlzeiro.r, guiadq.r p01 /f!i.rael.

M.rSAEL - Cantemos ao Senhor por se ter


manifestado tão gloriosamente!
JôNJlTA S - Como guerreiro valoroso bran­
diu sua espada e os inimigos deram-se a pre­
cipitosa fugaL.
JosÉ- Ele quebrou as nossas algemas e
nos reconduz�u aos seus tabernáculos!
ABDiftS - A terra tremeu e petrificou-sc ...
clamaram os abismos em altas vozes.
MrsAEL - Eis que se abalaram os podet·es
do céu à morte do seu Rei ...
JôNATAS - Vamos beijar as suas feridas.
(luz) .
BENJAMIM - Quanta luz1 ...
J osuÉ - Como resplandesce o seu corpo!
Coroa-lhe a cabeça uma auréola de luz!
- 1 51 -

MISAEL - De pé, junto de seu Filho mor­


to, a Mãe das dores ... Vinde, vamos ocultar
no seu sei.o de mãe as nossas lágrimas de
filhosl... (.raem lenlamenle, enquanto pela di­
reita elee-·a-J"e em prece um canto gra11e de CJozu
brancaJ', e no fundo aparece uma cruz lumi­
)
noJ'a .

DESCE LENTAMENTE O PANO.

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