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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2022.0000689909

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1012167-22.2019.8.26.0566, da Comarca de São Carlos, em que é apelante MRV
ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A., é apelada PATRICIA RODRIGUES
PEDREIRA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 6ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores COSTA NETTO


(Presidente) E MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES.

São Paulo, 29 de agosto de 2022.

VITO GUGLIELMI
Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº 54.734

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1012167-22.2019.8.26.0566

RELATOR : DESEMBARGADOR VITO GUGLIELMI


APELANTE : MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S/A
APELADA : PATRÍCIA RODRIGUES PEDREIRA
COMARCA : SÃO CARLOS 5ª VARA CÍVEL

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL.


INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.
PRETENSÃO DA AUTORA QUE SE FUNDA EM
INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. PLEITO
INDENIZATÓRIO QUE AFASTA A INCIDÊNCIA DA
REGRA DECADENCIAL PREVISTA NO ART. 26, DO
CDC, QUE TUTELA DIREITO POTESTATIVO DO
CONSUMIDOR TANGENTE À REEXECUÇÃO DOS
SERVIÇOS, RESTITUIÇÃO DA QUANTIA ADIMPLIDA
OU ABATIMENTO PROPORCIONAL DO PREÇO.
AUTORA QUE, NA HIPÓTESE, NÃO BUSCA
QUALQUER DAS ALTERNATIVAS OFERECIDAS
PELO ESTATUTO CONSUMERISTA (ARTIGO 18, § 1º, I
A III, E ARTIGO 20, I A III). PRETENSÃO FULCRADA
NA EXECUÇÃO ERRÔNEA DA AVENÇA QUE ATRAI
A APLICAÇÃO DA REGRA GERAL DE PRESCRIÇÃO,
PREVISTA NO ARTIGO 205 DO CÓDIGO CIVIL.
EFEITOS DA PRESCRIÇÃO QUE NÃO ALCANÇARAM
A PRETENSÃO DA DEMANDANTE NO CASO EM
APREÇO. PRELIMINARES REJEITADAS.

RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPROMISSO DE


COMPRA E VENDA. IMÓVEL. ALEGAÇÃO DE VÍCIO
CONSTRUTIVO QUE DEPRECIOU A UNIDADE
ADQUIRIDA PELA AUTORA. INOCORRÊNCIA.
IMÓVEL CONSTRUÍDO PELA RÉ EM 2014 E
ENTREGUE, NA OCASIÃO, AO ADQUIRENTE
ORIGINAL. AUTORA QUE DELE ADQUIRIU O
IMÓVEL, JÁ PRONTO E ACABADO, CERCA DE TRÊS
ANOS DEPOIS. SUPOSTOS VÍCIOS CONSTRUTIVOS
QUE CONSISTIRIAM, APENAS, NA PRESENÇA DE
CAIXAS DE INSPEÇÃO ELÉTRICA E
HIDROSSANITÁRIA NA ÁREA EXTERNA PRIVATIVA
DA UNIDADE. EXISTÊNCIA DE TAIS
EQUIPAMENTOS, À VISTA DE QUALQUER UM QUE
VISTORIASSE A UNIDADE, QUE CERTAMENTE FOI
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NOTADA PELA AUTORA, AO DECIDIR PELA


AQUISIÇÃO DO IMÓVEL. TERMOS E CONDIÇÕES DO
NEGÓCIO JURÍDICO ENTÃO PACTUADO POR ELA
COM O ANTERIOR PROPRIETÁRIO
NOTADAMENTE O PREÇO QUE SEGURAMENTE
REFLETIRAM AS CONDIÇÕES E O ESTADO DO
IMÓVEL, PRESUMIVELMENTE ATENDENDO AOS
SEUS INTERESSES. EVENTUAL ERRO OU VÍCIO DE
MANIFESTAÇÃO DE VONTADE, NA OCASIÃO, QUE
SEQUER FOI ALEGADA. AUSÊNCIA, POIS, DE
ILÍCITO CONTRATUAL PRATICADO PELA RÉ. AÇÃO
IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA.
RECURSO PROVIDO.

1. Trata-se de recurso de apelação, tempestivo e bem


processado, interposto contra sentença que julgou parcialmente procedente ação
de indenização por danos materiais e morais ajuizada por Patrícia Rodrigues
Pereira em face de MRV Engenharia e Participações S/A e de Luís Fabiano Poletti.

A autora sustenta ter adquirido, do corréu Luís, um


imóvel anteriormente construído pela corré MRV. Aduz ter-se tratado de unidade
no pavimento térreo do empreendimento denominado “Spazio Mont Royal”. Diz que
o apartamento apresenta espaço extra, de uso privativo, o que seria fator de
valorização. Aponta, todavia, que o vendedor omitiu-lhe o fato de que que na área
externa privativa da unidade, havia a presença de três caixas de inspeção duas
hidrossanitárias (gordura/sabão e esgoto) e uma elétrica , o que impede a plena
utilização da área. Acrescenta que tais caixas não podem ser transferidas para
outro local, que são responsáveis pelo armazenamento de gordura, sabão e
dejetos de todo o bloco e que se sujeitam a inspeções e manutenção periódicas
por parte de funcionários de empresa terceirizada cujo acesso tem de suportar,
pois, periodicamente. Pugna, assim, a condenação da requerida ao pagamento de
indenização pela desvalorização sofrida pela unidade, e ainda pelos danos morais
que aduz haver sofrido.

Em sentença proferida aos 29 de julho de 2020 (fl.

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251), o Juízo homologou pedido de desistência da ação, formulado pela autora,


quanto ao corréu Luís Fabiano Poletti e julgou extinto o processo, relativamente a
ele, com fulcro no artigo 485, inciso VIII, do Código de Processo Civil.

Em nova decisão de mérito, datada de 7 de julho de


2022 (fls. 600/612), o Juízo entendeu pela parcial procedência da demanda.
Reputou, em primeiro lugar, incontroversa a aquisição do imóvel e a existência de
caixas de inspeção hidrossanitárias dentro da área privativa externa da unidade
adquirida pela autora. Ponderou, em seguida, e na esteira do quanto assinalado no
bojo do laudo pericial, que a presença de tais equipamentos se dá, ali, de maneira
irregular em desrespeito, inclusive, a normas e diretrizes técnicas da ABNT ,
causando, de fato, dano à proprietária do imóvel, não apenas por não lhe haver
sido, de maneira clara e transparente, prestada informação acerca da própria
existência das caixas de inspeção dentro da área privativa da unidade, como ainda,
e sobretudo, por obrigá-la a manter a área respectiva livre e desobstruída, bem
como a tolerar, periodicamente, a entrada de terceiros no imóvel para que efetuem
serviços de manutenção e inspeção. Entendeu, em decorrência de tais fatos, que a
presença dos equipamentos acarreta óbvio incômodo e, consequentemente,
depreciação do valor da unidade , merecendo a devida reparação. Com base nas
circunstanciadas considerações periciais, pois, reputou da ordem de 7,16%, sobre
o preço do imóvel, o prejuízo material suportado pelo demandante (perfazendo,
pois, a soma de R$ 6.440,52), em face da depreciação de sua unidade. Ademais,
considerou ainda caracterizados os danos morais, na hipótese, em face dos graves
transtornos gerados pelos fatos em questão, tendo excedido a esfera do mero
dissabor. Arbitrou-os, assim, em R$ 15.000,00. Com tal conclusão, julgou
parcialmente procedente a demanda.

Inconformada, a requerida apela (fls. 615/631).


Preliminarmente, argui a decadência do direito da autora à redibição, já que
superado o prazo ânuo, previsto pelo artigo 445 do Código Civil, para reclamar a
composição do prejuízo; como ainda, alternativamente, a prescrição de sua
pretensão, pelo decurso de prazo superior ao de cinco anos, previsto no artigo 27
do Código de Defesa do Consumidor, entre a entrega do imóvel e o ajuizamento da
ação. No mérito, sustenta a improcedência da demanda. Diz, para tanto, que não
cometeu ilícito algum, na hipótese, muito ao contrário do que preconiza a
demandante. Argumenta que ela adquiriu o imóvel de terceira pessoa o corréu
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Luís Fabiano Poletti, em face de quem a autora desistiu da ação , de sorte que
apenas ele, na qualidade de vendedor, é quem possuía algum dever de informá-la,
enquanto adquirente do bem, sobre suas características. Lembra que ela adquiriu,
daquele terceiro, o imóvel já pronto e acabado, de modo que possuía perfeitas
condições de, vistoriando-o, enjeitá-lo caso não atendesse às suas expectativas
enquanto compradora. Salienta, ainda, que, para o adquirente original o corréu
Luís todas as informações atinentes à presença das caixas de inspeção em área
privativa foram transmitidas. Discorre, sucessivamente, sobre a perfeita adequação
técnica de tais equipamentos, ainda que situados na área privativa da unidade, não
se constatando qualquer vulneração a norma ou diretriz técnica aplicável. Pugna,
assim, o afastamento de sua condenação ao pagamento de indenização pelos
danos materiais e morais ou, subsidiariamente, a minoração dos respectivos
valores. Conclui pela reforma.

Processado o recurso (fl. 635), vieram aos autos as


contrarrazões da autora (fls. 638/650).

É o relatório.

2. Cuida-se de demanda indenizatória por danos morais


e materiais ajuizada por adquirente de imóvel em face da construtora, em razão de
suposto inadimplemento contratual, por parte desta, consistente na constatação da
existência de vício oculto na unidade i.e. a presença, dentro da área privativa, de
caixas hidrossanitárias de esgoto, sabão e gordura; e de inspeção elétrica,
servindo a todo o empreendimento.

Julgada procedente para condenar a requerida ao


pagamento de compensação financeira, por dano moral, no valor de R$ 15.000,00,
e de indenização, por danos materiais, no importe de R$ 6.440,52, sobreveio o
presente recurso de apelação da requerida.

Em primeiro lugar, e prefacialmente, desmerecem


guarida as alegações de decadência do direito da autora e de prescrição de sua
pretensão reparatória.

A hipótese aventada, a bem da verdade, seria


exclusivamente de prescrição da pretensão autoral e não de decadência do
direito. De todo modo, não há que se falar em prescrição, uma vez que aplicável,

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no caso, o prazo geral de dez anos previsto no artigo 205 do Código Civil na
esteira, aliás, do que estabelece a Súmula 194 do Superior Tribunal de Justiça,
com as adaptações necessárias ao advento do Código Civil ora vigente, verbis:
“Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por
defeitos da obra”.

Com efeito, tendo o pedido da autora por fundamento


o inadimplemento contratual, não há que se cogitar de aplicação do prazo
decadencial previsto no Código de Defesa do Consumidor, uma vez que, na
hipótese, busca a demandante indenização pelos danos sofridos em decorrência
da má execução do contrato.

É dizer, a demandante não roga por qualquer das


alternativas oferecidas pelo Estatuto Consumerista tangentes à reexecução dos
serviços, restituição da quantia adimplida ou abatimento proporcional do preço
(artigo 18, § 1º, I a III, e artigo 20, I a III), a atrair a incidência do prazo decadencial.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já


sedimentou entendimento no sentido de que, ausente regulamentação específica
acerca do prazo prescricional pertinente à pretensão fundada em inadimplemento
contratual, incide a regra geral tangente ao prazo de dez anos, prevista no artigo
205 do Código Civil.

Nesse sentido:
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO
ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER
CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS
MORAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS.
PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.
DEFEITOS APARENTES DA OBRA. PRETENSÃO
DE REEXECUÇÃO DO CONTRATO E DE
REDIBIÇÃO. PRAZO DECADENCIAL.
APLICABILIDADE. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA.
SUJEIÇÃO À PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL.
ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL.

1. Ação de obrigação de fazer cumulada com


reparação de danos materiais e compensação de

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danos morais.

2. Ação ajuizada em 19/07/2011. Recurso especial


concluso ao gabinete em 08/01/2018. Julgamento:
CPC/2015.

3. O propósito recursal é o afastamento da


prejudicial de decadência e prescrição em relação
ao pedido de obrigação de fazer e de indenização
decorrentes dos vícios de qualidade e quantidade
no imóvel adquirido pelo consumidor.

4. É de 90 (noventa) dias o prazo para o


consumidor reclamar por vícios aparentes ou de
fácil constatação no imóvel por si adquirido,
contado a partir da efetiva entrega do bem (art. 26,
II e § 1º, do CDC).

5. No referido prazo decadencial, pode o


consumidor exigir qualquer das alternativas
previstas no art. 20 do CDC, a saber: a reexecução
dos serviços, a restituição imediata da quantia
paga ou o abatimento proporcional do preço.
Cuida-se de verdadeiro direito potestativo do
consumidor, cuja tutela se dá mediante as
denominadas ações constitutivas, positivas ou
negativas.

6. Quando, porém, a pretensão do consumidor é


de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido
pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) não
há incidência de prazo decadencial. A ação,
tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de
prescrição.

7. À falta de prazo específico no CDC que regule a


pretensão de indenização por inadimplemento
contratual, deve incidir o prazo geral decenal
previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde

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ao prazo vintenário de que trata a Súmula


194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código
Civil de 1916 ("Prescreve em vinte anos a ação
para obter, do construtor, indenização por
defeitos na obra").

8. Recurso especial conhecido e parcialmente


provido. (REsp 1721694/SP, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
03/09/2019, DJe 05/09/2019).

Aliás, tive a oportunidade de ressaltar, quando do


julgamento das Apelações Cíveis nº 532.966.4/7-00 e 421.436.4/4-00, ambas da
Comarca da Capital, que, ausente qualquer regramento específico sobre o direito
de ação contra o construtor, o prazo prescricional aplicável era o vintenário, sob a
égide do Código Civil de 1916, passando a ser decenal, sob a vigência do atual
diploma.

Daí porque não se pode cogitar de ocorrência de


decadência ou prescrição.

Superadas tais questões, tem-se que, quanto ao tema


de fundo, acolhida merece o reclamo, eis que manifesta a improcedência da
demanda, ao menos em relação à requerida MRV.

Assim porque, em primeiro lugar, o pedido se baseia


na alegação de que a autora, enquanto adquirente, teria sido ludibriada pela
requerida, construtora do imóvel e sua vendedora, uma vez que seja com base
nas plantas ou em material publicitário disponível na época da original
comercialização do imóvel teria sido induzida a crer que a área externa privativa
comportaria uso pleno e absoluto, quando, na realidade, forçada se viu a aquiescer
com periódicas manutenções efetuadas por terceiros nos equipamentos
hidrossanitários e de inspeção elétrica, a tornar ainda, por vezes, insalubre ou
mesmo perigosa a utilização do recinto.

No caso, porém, nítido está que a demandante


adquiriu o imóvel, em 2017, como alega, da pessoa de Luís Fabiano Poletti; e este
o adquirira, anteriormente, ainda na planta, da requerida MRV, recebendo as
chaves respectivas em abril de 2014 (fl. 118).
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Daí que sem qualquer dificuldade colhe-se que a


autora adquiriu o imóvel já pronto e acabado, e não ainda na planta, com a
construção por se realizar. Deste modo, não lhe é dada a alegação de
desconhecimento sobre a presença, na área privativa da unidade, de
equipamentos de inspeção elétrica e hidrossanitária que ali já se encontravam,
decerto, quando a autora, tencionando adquirir o imóvel, presumivelmente o visitou
para fins de vistoria.

Ademais, o preço de venda e compra por ela


pactuado com o alienante, na ocasião, também presumivelmente refletiu as
características e as condições do imóvel no momento em que celebrado o negócio.
É dizer: não tendo sido produzida prova em sentido contrário (até porque sequer
era este o objeto mesmo da demanda, nos moldes em que proposta), tudo indica
que a autora, ao comprar o imóvel do então proprietário, teve conhecimento da
existência, ali, das referidas caixas de inspeção (porque lá já se encontravam, à
vista de qualquer um que o imóvel vistoriasse). E, ciente de sua existência, acabou
por celebrar o negócio, com este terceiro, pactuando termos e condições
notadamente o preço que presumivelmente atenderam aos seus interesses e
expectativas, na ocasião.

É manifesto o equívoco da autora. Ora, sem que se


prove erro ou vício do negócio jurídico celebrado por ela com o anterior proprietário
o que, aliás, não foi sequer por ela alegado , impossível se fazer a rediscussão
do pactuado, porque presumivelmente atendeu aos seus interesses.

Não se perca que a demandante é maior e capaz, de


maneira que, presumivelmente, ostentava àquela altura plenas condições de, lendo
o teor do negócio, ponderar o sentido e o alcance de suas disposições.
Arrependimento posterior não é causa de nulidade do que foi acordado.

Logo, há que se prestigiar a autonomia da


manifestação da vontade. Como salienta VICENTE RÁO (in “Ato Jurídico, 2ª tiragem,
São Paulo, Max Limonad, 1961, p. 282):

“C) Culpa do próprio agente ou próprios


declarantes. Quando um conflito ocorre entre a
declaração e a vontade efetiva por culpa (ativa ou
omissiva) do próprio ou próprios declarantes, não

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poderão êstes reclamar a anulação do ato, sob o


fundamento de haverem incidido em êrro. A
discordância (não astuciosa) atribuível ao ou aos
declarantes só autoriza a acenada anulação
quando o conflito, que acaso se caracterize, fôr
causado por êrro, não só substancial, mas,
também, escusável: a culpa, na hipótese
mencionada exclui a escusabilidade e faz com que
a declaração, embora conflitante com a vontade,
sobre esta prevaleça.”

É o que basta, pois, ao reconhecimento da


improcedência da demanda ficando reformada, pois, a r. sentença, para tal fim.

Com o resultado, de sucumbência da autora, deverá


ela arcar com as custas e despesas do processo, além da verba honorária em
favor dos advogados da requerida, que ficam arbitrados em 10% do valor
atualizado da causa observada a gratuidade.

Nada mais é preciso dizer.

3. Nestes termos, dá-se provimento ao recurso.

Vito Guglielmi
Relator

Apelação Cível nº 1012167-22.2019.8.26.0566 -Voto nº 54734 10

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