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COORDENAÇÃO ANDRAGÓGICA
DISCIPLINA > DIREITOS HUMANOS
DOCENTE: Profª. MsC FÁTIMA SOUZA
Socióloga e Mestre em Ciências Sociais
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Avenida Presidente Café Filho, 116, Praia do Meio, Natal/RN, CEP 59.010-000
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HOMENAGENS
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AGRADECIMENTOS
Ao apresentar esta segunda edição, quero aproveitar para agradecer àqueles sem o
concurso dos quais este trabalho e a própria qualidade da ação educativa que realizamos não
seriam possíveis.
À Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, nossa mais próxima parceira, e à pessoa do
Secretário, Embaixador Gilberto Vergne Sabóia , meu profundo reconhecimento pelo papel de
grandes impulsionadores, ao lado da SENASP, dessa ação histórica que conclama as Forças de
Segurança Pública de todo o país à assunção, como protagonistas, do paradigma de uma polícia
democrática, promotora e promovida pelas práticas da cidadania e dos direitos humanos.
Igualmente ao Programa Nacional Paz nas Escolas, da mesma SEDH, à sua Coordenadora,
Dra. Denise Paiva, e aos assessores que nos acompanham mais de perto, aqui representados por
Alberto Albino dos Santos, um abraço agradecido pelo discernimento em perceberem a escola e as
forças de segurança pública como elementos de grande potencial aglutinador e articulador das
comunidades.
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Há uma antiga sabedoria que diz que, de todas as coisas na terra, a única permanente é a
mudança.
Esse princípio é bom, porque supõe desafios, desenvolvimento, descobertas, evolução,
amadurecimento, mas é também incômodo porque carrega consigo, muitas vezes, a dor do
abandono de velhas seguranças, a necessidade de desapego, a disposição para enfrentar o medo
do desconhecido.
Assim mesmo, a marcha do novo é inexorável.
Ao reeditarmos um livro, essas boas novidades aparecem, carregando ao lado também os
dramas da realidade transformada.
Os que tenham lido a primeira edição da presente obra e que tenham a disposição de passar
os olhos também pela segunda, perceberão facilmente uma ausência: a de qualquer citação a uma
Organização Internacional cuja seccional ajudei a fundar, no Brasil, e que presidi durante muitos
anos. Na primeira edição eram muitas as referências a ela, feitas até com entusiasmo.
Nem sempre, contudo, nossos encantamentos do passado continuam encontrando razões
objetivas para manterem-se estáveis. Os desencantos também fazem parte da jornada.
Lamentavelmente, se todas as coisas mudam o tempo todo, não necessariamente para o bem,
isso nos conclama, muitas vezes, à coragem de deixarmos o que, com sacrifício, construímos e
partirmos para realidades que deem melhor guarida ao novo, a abrirmos portas que nos levem a
ambientes mais amplos, mais generosos, mais acolhedores, mais positivos.
Felizmente, tal mudança - com a saída de cena da referida Organização originalmente
parceira - em nada prejudicou nossos programas educativos, uma vez que um pool de OGs e ONGs
já vinha, há algum tempo, junto ao CAPEC, realizando o trabalho principal e mais significativo.
Na verdade ocorreu o contrário: esses programas cresceram em tamanho e qualidade e hoje
plantam, mais do que nunca, as sementes de um Brasil de cara nova, trazendo-nos, e a seus
beneficiários, incontáveis luzes e alegrias.
Tal desenvolvimento aliás, vem expresso na ampliação e revisão dos conteúdos do livro,
frutos de nossa expansão e qualificação de experiências e aprendizados com múltiplas realidades.
Dois novos capítulos foram inseridos, um deles sobre propostas estratégicas de como
trabalhar a formação de multiplicadores policiais, sugerindo conteúdos e metodologias, uma vez
que nos parece cada vez mais claro que as "chaves" das desejadas mudanças passam,
obrigatoriamente, pelos processos educacionais.
Uma vez mais, temos que estar reconhecidos aos policiais que encontramos por todas as
partes do Brasil, por nos terem trazido esses saberes, que ora procuramos socializar.
Foram educandos que nos educaram, ajudando a enriquecer nossos universos pessoais, ao
ofertar-nos suas informações, críticas, apoios e propostas. A todos eles, nossa profunda gratidão.
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PREFÁCIO
José Gregori
Ministro de Estado da Justiça
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Introdução
Porto Alegre, 1977, sede regional da Polícia Federal, após cinco
exaustivas horas de interrogatório:
Brasília, 1996, sede nacional da Polícia Federal, após conferência sobre "Polícia como
Protagonista da Luta pelos Direitos Humanos" Hora dos debates:
- "Tenho um protesto a fazer com relação a esta conferência"— diz, com voz forte e grave,
um dos representantes da PF, que me ouvira.
("Deus! Será que o nervosismo me fez dizer alguma besteira? Eu não devia ter aceito,
depois do que vivi. Que será? Tomei tanto cuidado, em função daqueles problemas no passado...
")
—"Pois não, amigo. A palavra está à disposição".
—"Tem que ser dito aí na frente!"
("Que esquisito! Porque ele não fala de lá do fundo mesmo!?")
—"Pode usar o microfone de pedestal, aqui em frente ao palco."
(O policial se aproxima dando passadas firmes, até chegar ao microfone).
—"Meu protesto tem que ser feito aí em cima."
("O que é que há? Será que ele quer me prender? E eu não lembro de ter dito nada errado!"
Minhas mãos suam).
—"Pode subir policial. Estamos numa democracia. Use o meu microfone."
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(Minha ansiedade e expectativa fazem parecer uma eternidade os breves minutos que dura
toda a cena. Ele parece não terminar mais de subir a pequena escada, até parar ao meu lado.
Passo-lhe o microfone.)
—"Faltou algo na sua palestra, que é imperdoável!" (Estamos todos um pouco atônitos).
—"Diga o que faltou, por favor. Quem sabe podemos corrigir?"
—"Faltou isto", diz ele, tirando da própria lapela umpin com o brasão da Polícia Federal e
colocando-o na lapela do meu paletó.
(A plateia explode em palmas. Eu, antes de dar-lhe um forte abraço, tiro discretamente o
lenço do bolso e enxugo o suor que me escorre pela testa.)
Que aconteceu, nesses quase vinte anos que passaram desde o primeiro episódio? Talvez
menos do que desejamos e mais do que podemos perceber, como atores sociais que somos,
envolvidos diretamente nas cenas da construção cotidiana da realidade.
O Brasil se tornou uma democracia. Não a democracia que queremos, certamente, também
social, também moral. Imperfeita, é verdade. Púbere, eu diria.
Em plena adolescência. De qualquer forma, porém, uma democracia, sempre "mil vezes
melhor do que a melhor das ditaduras".
As singelas, pitorescas e verdadeiras histórias acima emblematizam esse universo de
possibilidades que nos descortina a democracia política.
Nela está a polícia, como instituição indispensável, para servir e proteger a cidadania, para
assegurar a todos o respeito a seus direitos e liberdades.
Herdamos, contudo, do passado autoritário, práticas policiais muitas vezes incompatíveis
com o espírito democrático. Essa instituição tão nobre e necessária é, ainda, muitas vezes
conspurcada pela ação de gente que não entendeu sua dignidade e importância.
Durante anos, a comunidade de Direitos Humanos têm denunciado os desvios. Essas
denúncias, sempre que criteriosas e isentas, realizadas no espírito da legalidade e da ética, devem
ser vistas como colaborações à própria polícia, uma vez que contribuem com os policiais honrados
no depuramento do sistema.
Sabemos, porém, que a mera denúncia tem um caráter excessivamente pontual, circunscrito
ao episódio e ao momento histórico em que é feita. Ajuda no fato, mas não modifica
profundamente os comportamentos pessoais e institucionais e, menos ainda, transforma os
valores e atitudes.
Se queremos, um dia, viver uma verdadeira "cultura de cidadania e direitos humanos",
precisamos ir além da acusação, somando esforços pela construção de um novo modelo de
segurança pública.
A parceria, portanto, entre a comunidade que se expressa através de suas organizações e a
polícia, é fundamental para que alcancemos um patamar democrático mais pleno.
É o que têm feito organizações como o Centro de Assessoramento a Programas de Educação
para a Cidadania (CAPEC) há quase uma década. Trabalhando com policiais militares, civis, ro-
doviários e federais, em vários estados da federação, temos ensinado mas também aprendido
muitas lições, especialmente esta: a de que a polícia é o vetor potencialmente mais promissor no
processo de redução de violações dos Direitos Humanos.
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Pela autoridade moral e legal que possui, até com o respaldo popular para o uso da força
necessária, a polícia pode jogar o papel de principal violadora de direitos civis e políticos mas
pode, igualmente, transformar-se na maior promotora de uma cultura que não possa prescindir
desses direitos. Poucas categorias profissionais se comparam, a ela, quando se trata de potencial
de zelo e promoção da cidadania.
Mesmo que ainda o percebamos mal, esse novo paradigma já começou a ser vivenciado. Em
muitos lugares do país, os policiais vêm atuando qualificadamente em foros de direitos humanos
(como por exemplo em conferências municipais, estaduais e nacionais), as escolas e academias
policiais abrem espaços privilegiados para disciplinas relacionadas ao tema, módulos e cursos
especiais são oferecidos, monografias e teses são elaboradas por alunos, aspirantes e oficiais.
Um significativo grupo de policiais, durante esses anos de parceria, ingressou como militante
nos quadros de organizações de Direitos Humanos e vêm ofertando um trabalho que nos
emociona pela dedicação e coragem.
Sempre tenho repetido que não devemos esperar da polícia apenas "respeito" aos Direitos
Humanos, uma vez que essa me parece uma perspectiva muito pobre, muito coadjuvante, diante
de uma missão tão rica.
Espero - e tenho tido o privilégio de testemunhar o desencadear desse processo - uma
polícia protagonista de direitos e de cidadania.
É animador perceber que essa consciência da importância do papel que cabe aos operadores
de segurança pública está crescendo cada vez mais nas corporações policiais e também nas or-
ganizações não-governamentais tradicionalmente dedicadas à causa dos Direitos Humanos.
Em 1988, quando começamos, ainda como dirigentes da Seccional de uma organização
internacional que antecedeu o CAPEC em sua atual missão, parecia quase impossível avançar
nessa direção.
A polícia se antagonizava fortemente à comunidade de Direitos Humanos e esta, por sua vez,
amargava trágicas experiências que se haviam cristalizado sob a forma de preconceitos anti-
polícia.
Falar, então, em abordar questões de cidadania no contexto de escolas e academias
policiais, soava como algo candidamente ridículo. Muitas vezes fomos depreciados por essa
"sandice idealista", à partir de observações de nossos próprios companheiros.
Até mesmo a tal organização internacional à qual alguns de nós pertencíamos, que, com ou-
sadia vanguardista, empurramos para o trabalho com a polícia, mantinha-se hegemonicamente
temerosa e conservadora, postura que tentou, sem sucesso, impor-nos ao longo dos anos,
emperdernida em velhas crenças no potencial "magicamente" transformador da simples ação de
denúncia.
A história, felizmente, concedeu-nos razão. Nos dias que seguem, praticamente ninguém
tem dúvidas a respeito da relevância do papel policial na edificação de uma cultura de direitos
humanos.
A questão está na agenda das principais organizações de cidadania do país, nos currículos
das academias e no Programa Nacional de Direitos Humanos. Prova de que os grandes sonhos,
quando persistentemente buscados, estão muitas vezes mais próximos da realização do que
imaginamos.
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Especial impulso a toda essa ação deu-se com o ingresso em cena da Secretaria de Estado
dos Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, com sua forte convicção de que o policial precisa
assumir-se como agente de transformações sociais.
Ela tem viabilizado, através do CAPEC, módulos formativos permanentes para forças de
Segurança Pública em vários estados do país.
Esta singela obra tem por objetivo sintetizar algumas das reflexões que temos apresentado
nesses módulos.
São proposições muito simples mas altamente eficazes para mobilizar a auto-estima, a críti-
ca e a autocrítica, bem como o espírito empreendedor das múltiplas platéias policiais que temos
encontrado de norte a sul, no interior e nas capitais desse imenso Brasil.
Por ser um tema historicamente novo, esse da polícia como promotora de Direitos
Humanos, carece enormemente de recursos didático-pedagógicos.
A necessidade de algum material de consulta diretamente voltado à realidade sócio-cultural
do mundo brasileiro e latino-americano tem sido insistentemente expressa em praticamente
todos os contatos que vimos mantendo, ao longo dos anos, com escoIas de polícia civil, militar e
federal.
Nesse sentido, o livro que ora apresentamos é fruto de um pedido e de um desafio dos
amigos policiais com quem convivemos.
A eles e à sua necessidade de aprofundamento das questões que seguem é que devemos
agradecer o estímulo e a inspiração para a obtenção do presente resultado.
Há um velho e sábio adágio oriental que diz que "é melhor acender uma vela do que
maldizer a escuridão."
Aqui temos isso: apenas uma singela chama, mas forte, significativa, porque fruto da
coragem de muitos para rever velhos paradigmas. A eles, cidadãos policiais e não policiais,
também autores através de suas experiências, a minha gratidão e o meu fraternal
reconhecimento.
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Podemos aprender muito uns com os outros, ao atuarmos como agentes defensores da
mesma democracia.
Nesse contexto, à partir de mais de uma década de parceria no campo da educação para os
direitos humanos junto à policiais e das coisas que vi e aprendi com a polícia, é que gostaria de
tecer as singelas treze considerações que seguem:
1ª - O policial é, antes de tudo, um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser.
Irmana-se, assim, a todos os membros da comunidade, em direitos e deveres. Sua condição de
cidadania é, portanto, condição primeira, tornando-se bizarra qualquer reflexão fundada sobre
suposta dualidade ou antagonismo entre uma "sociedade civil" e outra "sociedade policial".
Essa afirmação é plenamente válida mesmo quando se trata da Polícia Militar, que é um
serviço público realizado na perspectiva de uma sociedade una, da qual todos os segmentos
estatais são derivados.
Portanto não há, igualmente, uma "sociedade civil" e outra "sociedade militar".
A "lógica" da Guerra Fria, aliada aos "anos de chumbo", no Brasil, é que se encarregou de
solidificar esses equívocos, tentando transformar a polícia, de um serviço de proteção à cidadania,
em ferramenta para enfrentamento do "inimigo interno".
Mesmo após o encerramento desses anos de enfrentamento paranoico, sequelas
ideológicas persistem indevidamente, obstaculizando, em algumas áreas, a elucidação da real
função policial.
Tais sequelas, de uma "doutrina militar", (decorrente da mesclagem ideológica com as
"forças armadas" imiscuidas indevidamente nos meios policiais, não apenas militares mas também
civis) não se confundem com a bela e competente "estética militar" que hoje orienta um ramo de
nossas forças de segurança pública (e que poderá continuar orientando, mesmo em um futuro
possível quadro de polícia única).
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PEDAGOGO DA CIDADANIA
3ª - Há, assim, uma dimensão pedagógica no agir policial que, como em outras profissões de
suporte público, antecede as próprias especificidades de sua especialidade.
Os paradigmas contemporâneos na área da educação nos obrigam a repensar o agente
educacional de forma mais includente.
No passado, esse papel estava reservado unicamente aos pais, professores e especialistas
em educação. Hoje é preciso incluir com primazia, no rol pedagógico, também outras profissões
irrecusavelmente formadoras de consciência e opinião: médicos, advogados, jornalistas e policiais,
por exemplo.
O policial, assim, à luz desses paradigmas educacionais mais abrangentes, é um pleno e
legítimo educador. Essa dimensão é inabdicável e reveste de profunda nobreza a missão policial,
quando conscientemente explicitada através de comportamentos e atitudes.
É por esses comportamentos e atitudes, mais do que por suas palavras, que o policial educa.
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Seria uma candura, um lirismo perigoso, imaginar que uma força policial não deva agir com
rigor máximo sempre que ações predatórias tenham chegado a extremos que possam
comprometer o bem-estar social. Contudo, o contrário, uma visão radicalizada de tal permissão à
força, favorecedora de excessos, é igualmente perigosa e socialmente destrutiva.
A truculência oficial funciona sempre como provocação da desordem pública, mesmo
quando escudada no falso argumento da "autoridade". Ademais, a violência é um fenômeno retro-
alimentado. Quando praticada por agente estatal, especialmente, semeia na sociedade elementos
de fragilização moral, detonando, de forma rapidamente incontrolável, pulsões agressivas do
insconsciente coletivo que deveriam permanecer saudavelmente "recalcadas", se as "figuras
modelares" tivessem dado o bom exemplo.
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10ª - Essa preocupação deve crescer à medida em que tenhamos clara a preferência da
psicopatia pelas profissões de poder. Política profissional, Forças Armadas, Comunicação Social,
Direito, Medicina, Magistério e Polícia são algumas das profissões de encantada predileção para
caracteres psicopáticos, sempre em busca do exercício livre e sem culpas de seu poder sobre
outrem.
Profissões magníficas, de grande amplitude social, que agregam heróis e mesmo santos, são
as mesmas que atraem a escória, pelo alcance que têm, pelo poder que representam.
A permissão para o uso da força, das armas, do direito a decidir sobre a vida e a morte,
exercem irresistível atração à perversidade, ao delírio onipotente, à loucura articulada.
Os processos de seleção de policiais devem tornar-se cada vez mais rígidos no bloqueio à
entrada desse tipo de gente. Igualmente, é nefasta a falta de um maior acompanhamento
psicológico aos policiais já na ativa.
A polícia é chamada a cuidar dos piores dramas da população e nisso reside um componente
desequilibrador.
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De qualquer forma, o zelo pelo respeito e a decência dos quadros policiais não cabe apenas
ao Estado mas aos próprios policiais, os maiores interessados em participarem de instituições
livres de vícios, valorizadas socialmente e detentoras de credibilidade histórica.
11ª - O equilíbrio psicológico, tão indispensável na ação da polícia, passa também pela saúde
emocional da própria instituição. Mesmo que isso não se justifique, sabemos que policiais
maltratados internamente tendem a descontar sua agressividade sobre os cidadãos.
Evidentemente, polícia não funciona sem hierarquia. Há, contudo, clara distinção entre
hierarquia e humilhação, entre ordem e perversidade.
Em algumas academias de polícia (é claro que não em todas) os policiais parecem ainda ser
"adestrados" para alguma suposta "guerra de guerrilhas", sendo submetidos a toda ordem de
maus-tratos (beber sangue no pescoço da galinha, ficar em pé sobre formigueiro, ser "afogado" na
lama por superior hierárquico, comer fezes, são só alguns dos recentes exemplos que temos
colecionado à partir da narrativa de amigos policiais, em diversas partes do Brasil),Isso sem falar
nas ordens dadas aos gritos, nos discursos de humilhação e desmoralização, no "rala" usado como
castigo, práticas essas banalizadas em outros tantos lugares. Há quem diga que isso não mais
existe, que faz parte do passado, que as denúncias compõem uma espécie de síndrome de
"vitimismo" dos "praças".
Acredito que muitas corporações tenham superado tais barbáries, felizmente. Contudo, não
posso imaginar que dezenas de depoimentos, coletados em cursos com policiais de todo o Brasil,
sejam apenas simples "conspiração" espontânea de soldados contra seus superiores. Alguma coisa
séria, como fenômeno de desrespeito, parece ainda subsistir em muitos lugares.
Por uma contaminação da ideologia militar (diga-se de passagem, presente não apenas nas
PMs mas também em muitas polícias civis), os futuros policiais são, muitas vezes, submetidos a
violento estresse psicológico, a fim de atiçar-lhes a raiva contra o "inimigo" (será, nesse caso, o
cidadão?).
Essa permissividade na violação interna dos Direitos Humanos dos policiais pode dar guarida
à ação de personalidades sádicas e depravadas, que usam sua autoridade superior como
cobertura para o exercício de suas doenças.
Além disso, como os policiais não vão lutar na extinta guerra do Vietnã (ao que se sabe, um
dos focos históricos desse tipo de cultura de "adestramento"), mas atuar nas ruas das cidades, tal
"formação" (deformadora) representa uma perda de tempo, geradora apenas de brutalidade,
atraso técnico e incompetência.
A verdadeira hierarquia só pode ser exercida com base na lei e na lógica, longe, portanto, do
personalismo e do autoritarismo doentios.
O respeito aos superiores não pode ser imposto na base da humilhação e do medo. Não pode
haver respeito unilateral, como não pode haver respeito sem admiração. Não podemos respeitar
aqueles a quem odiamos.
A hierarquia é fundamental para o bom funcionamento da polícia, mas ela só pode ser
verdadeiramente alcançada através do exercício da liderança dos superiores, o que pressupõe
práticas bilaterais de respeito, competência e seguimento de regras lógicas e suprapessoais.
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NECESSIDADE DE HIERARQUIA
12ª - No extremo oposto, a debilidade hierárquica é também um mal. Pode passar uma
imagem de descaso e desordem no serviço público, além de enredar na malha confusa da
burocracia toda a prática policial.
A falta de uma Lei Orgânica Nacional para a polícia civil, por exemplo, pode propiciar um
desvio fragmentador dessa instituição, amparando uma tendência de definição de conduta, em
alguns casos, pela mera junção, em "colcha de retalhos", do conjunto das práticas de suas
delegacias.
Enquanto um melhor direcionamento não ocorre em plano nacional, é fundamental que os
estados e instituições da polícia civil direcionem estrategicamente o processo de maneira a
unificar sob regras claras a conduta do conjunto de seus agentes, transcendendo a mera
predisposição dos delegados localmente responsáveis (e superando, assim, a "ordem"
fragmentada, baseada na personificação). Além do conjunto da sociedade, a própria polícia civil
será altamente beneficiada, uma vez que regras objetivas para todos (incluídas aí as condutas
internas) só podem dar maior segurança e credibilidade aos que precisam executar tão importante
e ao mesmo tempo tão intrincado e difícil trabalho.
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Nesse sentido, como ilustração, o capítulo 4 traz uma singela proposta de estratégia para
trabalho e formação de multiplicadores policiais, encaminhamento que pode se dar através das
Academias, tanto relativamente a quadros ingressantes quanto a outros já na ativa.
CONCLUSÃO
A polícia, como instituição de serviço à cidadania em uma de suas demandas mais básicas -
Segurança Pública - tem tudo para ser altamente respeitada e valorizada.
Para tanto, precisa resgatar a consciência da importância de seu papel social e, por
conseguinte, a auto-estima.
Esse caminho passa pela superação das seqüelas deixadas pelo período ditatorial: velhos
ranços psicopáticos, às vezes ainda abancados no poder, contaminação anacrônica pela ideologia
militar da Guerra Fria, crença de que a competência se alcança pela truculência e não pela técnica,
maus-tratos internos a policiais de escalões inferiores, corporativismo no acobertamento de
práticas incompatíveis com a nobreza da missão policial.
O processo de modernização democrática já está instaurado e conta com a parceria de
Organizações Internacionais como a Cruz Vermelha, de Organizações Não Governamentais como o
CAPEC , o IDDEHA—Instituto de Defesa dos Direitos Humanos, o Projeto Axé, o Movimento
Tortura Nunca Mais-PE, o GAJOP, o Viva Rio, entre outras (só para citar algumas que conheço),
bem como de Universidades Públicas e Privadas, Fundações, assim como de Organizações
Governamentais, Secretarias de Estado e Ministérios.
Dessa forma, o velho paradigma antagonista da Segurança Pública e dos Direitos Humanos
precisa ser substituído por um novo, que exige desacomodação de ambos os campos: "Segurança
Pública com Direitos Humanos".
O policial, pela natural autoridade moral que porta, traz consigo o potencial de ser o mais
marcante promotor dos Direitos Humanos, revertendo o quadro de descrédito social e
qualificando-se como personagem central da democracia brasileira. As organizações não-
governamentais que ainda não descobriram a força e a importância do policial como agente de
transformação, devem abrir-se, a isso, urgentemente, sob pena de, aferradas a velhos paradigmas,
perderem o concurso da ação impactante desse valioso ator social.
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Estamos vivendo, nestes últimos anos, aos solavancos- ora de forma mais lúcida, ora em
torrentes emocionais- um forte clamor nacional pela revisão e reordenamento de nossos sistemas
de segurança pública. De maneira geral, a opinião pública brasileira vem exigindo, a cada dia mais
com mais vigor, alternativas eficazes, baseadas em novos paradigmas, que possam ser
contenedoras da onda de violência a que vem sendo submetida e consoantes, a um só tempo,
com padrões de civilidade, democracia e respeito à cidadania.
Através de nossa experiência como consultores e docentes do Centro de Assessoramento a
Programas de Educação para a Cidadania (CAPEC), em Convênio com a Secretaria de Estado de
Direitos Humanos e com a Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal, tendo já percorrido 25
estados da Federação em trabalhos formativos de recursos humanos junto às polícias Federal,
Rodoviária Federal, Militar, Civil e também junto a Corpos de Bombeiros, pudemos coletar, "in
loco", uma farta gama de informações que nos permitem traçar um perfil suficientemente rico das
instituições de segurança pública brasileiras, de suas virtudes e mazelas e de seus grandes de-
safios.
Em particular, essas experiências de trabalho direto (muitas delas continuadas, sistêmicas),
nos possibilitam visualizar um grande quadro comparativo dos avanços e das possibilidades que a
realidade nos apresenta.
É sobre esse tema que desejo discorrer um pouco.
A REALIDADE NACIONAL
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É o caso das cíclicas panacéias em torno da unificação das polícias, quase sempre guindadas
pelos fenômenos grevistas.
A unificação é, evidentemente, uma necessidade histórica que se deve construir a médio
prazo (mantendo-se, em meu entender, uma "estética" militar simplificada, inerente à eficácia e
eficiência das atividades típicas do segmento responsável pelo policiamento ostensivo-
preventivo).
Contudo, não é por decreto que se vão unificar as seculares instituições policiais brasileiras.
A mentalidade verticalista, "decretista", autoritária, que não constrói a transformação
cultural solidariamente com os operadores do sistema, só poderá levar a segurança pública
brasileira a um caos ainda maior e a uma divisão ainda mais perniciosa, que perdurará
internamente, independentemente de o sistema abrigar obrigatoriamente a todos sob um único
"guarda-chuvas".
A pressa baseada na pressão, o afã da cópia de modelos de outros países, a necessidade de
tranquilizar a opinião pública com alguma mudança facilmente visualizável, pode levar-nos a
opções mecanicistas, funcionalistas, paralisadoras do sistema e extraviadoras dos avanços
alcançados nos últimos anos.
O caminho sério e bastante óbvio para aqueles que entendem alguma coisa da dinâmica do
sistema de segurança pública ainda é o do aprofundamento das relações interativas entre os
diversos subsistemas que o compõe.
Efetivamente, ainda fizemos muito pouco no tocante à constituição de firmes redes
interativas entre as diversas polícias, no interior de cada uma delas, nas suas relações com a
sociedade e com o próprio governo, para crermos, tão candidamente, que a fórmula mágica da
"polícia única" possa resolver todos ou quase todos os problemas que temos na área.
Creio, portanto, que é mais produtivo centrar-nos na análise de algumas das debilidades
básicas do sistema para, daí, propormos alternativas "pés-no-chão", de cunho transformador e
com sustentabilidade histórica.
Nessa ordem (ou desordem) de coisas, não é de estranhar-se que o simplismo da unificação
por decreto apareça ruminantemente como uma solução.
A chave do problema, no entanto, é que o sistema não criou formas estruturais efetivas de
estimular a cultura interativa ou só recentemente começou a fazê-lo (na pressa, contudo, de
resultados "para ontem"), como por exemplo unificando os períodos de formação básica das
academias, ou realizando formações e cursos extra-academia inter-participados ou aproximando
as instituições através do funcionamento objetivo baseado em unidades que abrigam polícia civil e
militar como vizinhas de instalações.
Possivelmente pela falta de uma lei orgânica nacional, possivelmente pela falta de leis
orgânicas em determinados estados, possivelmente pela tipificação histórica de autonomia que se
foi dando à figura do delegado, possivelmente pela inexpressividade tradicional das corregedorias
(por justiça, é preciso dizer que há um recente movimento de reversão desse quadro),
possivelmente pela falta de carisma e às vezes de conhecimento técnico e experiência em
segurança pública por parte de muitos secretários de estado encarregados da área, possivelmente
pela junção da "cultura" do servidor público civil concursado e estável aliada ao alto poder
discricionário que dá o distintivo e a arma, a polícia civil brasileira acabou constituindo-se em uma
organização de caráter altamente descentralizado e fragmentário, de difícil controle, de difícil
arregimentação e bastante resistente à criação de foros institucionais que transcendam a
personificação que em geral a caracteriza no seu todo (conforme a força congregadora do
delegado geral e de seu grupo de apoio) ou em suas partes (os diversos subgrupos que nela
tendem a se formar, também normalmente gravitando em torno de personalidades fortes).
Tais desvios fragmentadores trouxeram à polícia civil (evidentemente, com as nobres
exceções encontradas em toda a regra) uma dificuldade histórica em conformar um perfil unitário
institucional-centrado nas normas justas e impessoais de uma instituição democrática-
obstaculizando o intra-diálogo e o diálogo interinstitucional com as demais polícias. Uma vez mais,
portanto, um problema das estratégias e políticas públicas para a área, que não conseguiram
propor caminhos de construção da interatividade entre os próprios operadores da instituição e
desses operadores com os demais operadores policiais e com as demais OnGs, assim como com as
organizações da sociedade civil.
É de forte interesse da própria Polícia Civil, uma instituição tão nobre e necessária no serviço
à Cidadania, superar tal fragmentação dos seus quadros entre si e em relação ao todo.
Contrariamente à Polícia Civil, a Polícia Militar tem forte presença pública de caráter
institucional no país, cadeia de comando bem definida e normas internas bastante claras que
transcendem a mera pessoalidade.
É uma polícia significativa no dia-a-dia da nação, marcando-a, paradoxalmente, de forma
extremamente positiva e extremamente negativa.
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Possivelmente essa ambiguidade ocorra porque além de ser uma polícia de caráter ostensivo-
preventivo, o que lhe reserva natural visibilidade e destaque, não padece de anomia ou
fragmentação mas ainda padece dos males opostos.
De maneira geral (com as mesmas honrosas exceções presentes diante de qualquer regra) as
PMs são exageradamente impessoais totemizam muitas vezes as regras, esquecendo-se de que "o
homem não foi feito para as leis mas as leis para o homem", reproduzem doutrinas herdadas do
exército no período do regime militar (e isto o digo sem nenhum demérito contemporâneo para
aquela instituição de nossas Forças Armadas mas apenas como constatação de impropriedade do
uso de tais doutrinas pela polícia) , da mesma forma que repetem velhos vícios, também
herdados, na formação de seus soldados, especialmente a perniciosa confusão entre hierarquia e
humilhação.
Há, devido a isso, uma crônica sensação de "aplastamento" dos níveis hierárquicos que vão
de praças a sargentos, predispondo esses segmentos a uma desnecessária carga de stress (em
profissão já naturalmente estressante), a uma baixa auto-estima e a uma agressividade explosiva
que tende a ser descontada sobre a cidadania não-policial. Tais bloqueios da interatividade interna
iniciam-se, frequentemente, nos Centros de Formação e Escolas, através de processos verticalistas
e "bancários" (não participativos) de ensino, de humilhações verbais e físicas através do chamado
"rala" (exercícios físicos desproporcionais à necessidade) e de treinamentos que sugerem um
recuo histórico à época foquista da guerra de guerrilhas, indo até mesmo, em casos mais extremos
(felizmente em número cada vez mais reduzido), à tortura física em nome da formação da
"resistência psicológica" e da constituição da "hombridade" (!).
Essas questões não são meramente resultado de desequilíbrios pessoais sociopáticos de
parte da oficialidade, fundadas tão somente no que se percebe como "recalque" e sadismo, mas
especialmente produtos de um "pano-de-fundo" filosófico equivocado, ou seja, a razão concebida
de existir da instituição.
Tais práticas trazem à tona a "ideologia" militar que ainda subjaz no imaginário das PMs
(mesmo quando essas, teoricamente, parecem ter abraçado discurso mais afinado com a
democracia): a suposição inconsciente de que estamos em uma espécie de guerra não declarada e
de que os policiais saem às ruas para enfrentar o inimigo.
Em termos concretos não se fez ainda a assunção da lógica cidadã de que falam algumas
monografias brilhantes produzidas por qualificados oficiais: a PM existe para prevenir, proteger e
ajudar a educar a população e, nesse quadro, reprimir a criminalidade é função inabdicável do
policial, que não se confunde com a missão anteriormente descrita.
Assim, prender os criminosos não é "causa de ser" mas consequência, mera coadjuvância
diante da missão de proteger os direitos humanos da sociedade.
A lógica da guerra é, portanto, uma lógica reducionista, deslocada institucionalmente,
equivocada e ceifadora da consciência de dignidade e importância pedagógica da missão policial.
É, no entanto, o "currículo oculto" que ainda transversalisa a formação de muitos policiais
militares (e, em termos de academia, também de muitos policiais civis), assim como boa parte das
relações interpessoais nos quartéis e nas ruas.
Diante disso, os que - apesar da boa vontade- propugnam soluções simplistas, por pouco ou
nada entenderem de segurança pública, fazem uma segunda panaceia: a da "desmilitarização".
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Parece-lhes, à luz de um raciocínio focado nas duas décadas de resistência popular pós-64,
que todo o militarismo é intrinsicamente mau e que o problema da segurança pública no Brasil é a
persistência de um "entulho autoritário chamado Polícia Militar".
Além do desconhecimento histórico que parece embasar essa postura emocional e sectária,
identificando a existência das PMs apenas com as últimas décadas, há uma pobreza de raciocínio,
à medida em que não se desnuda claramente "o quê " do militarismo não serve para a polícia.
Uma análise mais aprofundada aclararia a utilidade de uma estética e de uma hierarquia militar
simplificada para o segmento policial que atua de maneira ostensivo-preventiva, servindo como
ferramentas de ordenamento, de treinamento adequado às duras lides do cotidiano nas ruas, de
objetivação e otimização do trabalho através dos ritos hierárquicos e das cadeias de comando.
Na maior parte das democracias estáveis do planeta, mesmo sem necessariamente
apresentar uma titularidade militar, os segmentos ostensivo-preventivos das polícias têm uma
evidente "estética" militar (às vezes preservando até mesmo algumas patentes militares).
Uma proposição menos simplista e rasteira do que a pura e simples "desmilitarização" que,
na prática, é sinônimo de extinção das PMs, seria a desmi1itaização ideológica das mesmas, com
as naturais consequências da assunção de uma doutrina clara de serviço público, com foco na
proteção dos direitos dos cidadãos, com a revisão e adequação democrática dos regulamentos
disciplinares e com o reordenamento pedagógico da formação inicial e permanente do efetivo.
Uma vez mais, os caminhos da democratização institucional, para o diálogo construtivo e
consequente, internamente mas também com as demais corporações policiais, governo e
sociedade, passa pela questão do respeito e do acolhimento que se dá na aproximação, na
interatividade.
MUDANÇA OU TRANSFORMAÇÃO?
Há, na trajetória da edificação desse importante avanço que é a polícia comunitária no Brasil,
outra sombra que ameaça, além daquela representada pelo discurso "marqueteiro" que esvazia a
praxis: a confusão conceitual bem intencionada.
Polícia comunitária não é e não pode ser sinônimo de "polícia sustentada pela comunidade".
Essa função cabe, irrecusavelmente, ao Estado.
Vivemos em uma sociedade profundamente dividida, com distâncias monumentais entre as
classes.
À polícia cabe zelar por um ambiente de segurança pública para todos. Evidentemente, ela
nem sempre está suficientemente aparelhada para isso.
A violência individual e grupal, alimentada pelos macro-padrões de injustiça na distribuição
de renda, em contradição com o ordenamento global consumista, aterroriza as classes
possuidoras, que revertem sobre a polícia sua indignação e demanda por mais segurança pública.
Pelas contradições inerentes ao sistema, a resposta sempre parece insuficiente.
Ora, nesse "caldo" a tentação das elites de assumirem diretamente o Comando das Polícias,
através da forma que conhecem bem e dominam- o financiamento- é muito forte.
Comprar uma casa para o posto ou delegacia, comprar a viatura, comprar o mobiliário,
estabelecer vínculos com a Secretaria de Segurança para o financiamento dos demais
equipamentos e, em algumas situações, até "providenciar o lanchinho da tarde", é relativamente
simples para os habitantes dos bairros mais elegantes. O problema é que "quem paga, inevitavel-
mente, manda", passando por cima das disposições reguladoras de uma sociedade democrática e
ignorando o Estado representativo do conjunto da população, democrático e de direito.
O policial, ente tão nobre do serviço público, não pode transformar-se em mero
"empregadinho dos ricos", mantendo vínculos "de direito" com o estado democrático mas
subalternidade "de fato" à fonte pagadora.
Alguns dos efeitos mais desastrosos desse tipo de política pública são a perda real das
condições de imparcialidade, a fragilização do papel do Estado e a priorização dos serviços às
regiões abastadas. Logicamente, a vila operária ou a favela não possuem esses recursos para
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oferecer aos operadores de segurança pública e, em tal contexto, servir no bairro "chie" será
sempre mais reconhecido, eficiente, valoroso, cômodo e, portanto, disputado pelos agentes que
deveriam ser "públicos".
Chamar essa "privatização do público" de "policiamento comunitário" é conspurcar a
proposta da polícia comunitária, é "queimar" uma idéia e a possibilidade de sua implementação
fazendo, em nome dela, o seu contrário.
Contudo, apesar desse posicionamento forte que apresento, não sectarizo.
Procuro manter os pés no chão e não sou fechado a eventuais apoios materiais da
comunidade à polícia. Desde que não elevados à categoria sistêmica, analisados criteriosamente
pela autoridade competente, caso-a-caso (por exemplo, o empréstimo de um prédio ou parte
dele, pertencente a uma Associação de Moradores, para ali funcionar um posto policial), tornados
transparentes ao conjunto da opinião pública e claramente limitados, podem constituir-se em au-
xílios diante da precariedade real em que funciona o sistema.
Não é o ideal, assim mesmo, uma vez que ao Estado deveria caber essa parte.
Também não vejo necessariamente dolo nas experiências que aqui critico.
Em geral não há má fé, as intenções são as melhores. Os resultados, contudo, só podem ser
os mais danosos para a polícia, para a sociedade e para a democracia.
Evidentemente, ao falarmos em "polícia comunitária" nos referimos a um outro tipo de
intervenção, com corpo teórico-prático já bem fundamentado, sustentado plenamente pelo
estado democrático mas profundamente enraizado na cultura popular, nas práticas de
interatividade, nos mecanismos formais de gestão participativa, na convivência e
compartilhamento que geram confiabilidade.
Não nos cabe, aqui, aprofundar-nos em tal temática, já ricamente contemplada por
bibliografias e práticas bem orientadas. Como sugestão, proponho a leitura da obra "Do
patrulhamento ao Policiamento Comunitário", organizada pelo saudoso amigo Cel. Carlos Magno
Nazareth Cerqueira, da PM do Rio de Janeiro, parte da "Coleção Polícia Amanhã", Freitas Bastos
Editora/Fundação Ford/ Instituto Carioca de Criminologia, Rio de Janeiro, 1998.
A reflexão acima se faz importante no contexto geral do que aqui proponho, uma vez que a
polícia comunitária pode ser o grande trampolim para a criação de sistemas de segurança pública
verdadeiramente interativos, inspirados nos preceitos e nas práticas que ela vem engendrando.
UM NOVO SALTO
Com políticas públicas acertadas, alguns estados brasileiros vem implementando experiências
significativas de policiamento interativo/ comunitário (na correta e mais avançada acepção de
"polícia comunitária", uso, aqui, os termos como sinônimos).
Contudo, somente por isso, esses estados não estão livres de grande parte das mazelas que
atingem o conjunto dos sistemas de segurança pública no Brasil.
É chegado o momento histórico de um novo salto de qualidade, até para aproveitar uma
nova consciência e um novo ímpeto transformador que se instalaram com força de cultura
alternativa e possível dentro de muitas corporações policiais.
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Na breve avaliação crítica dos sistemas, que esboçamos acima, ficam claras as deficências
interativas dos mesmos, sua fragmentação intestina ou em relação às demais instituições, e os
transtornos paralisantes que isso causa.
O mesmo princípio que utilizamos, de forma algo científica mas também algo intuitiva, para
dar forma e competência às polícias comunitárias, pode ser expandido para o conjunto do
sistema, colocando-o de forma mais coerente nos caminhos da transformação.
O tema da interatividade deve ser considerado um "tema gerador", no campo intelectual,
para os debates que se fizerem sobre segurança pública.
Um tema gerador é um grande mote que nos ajuda na visualização de um grande norte.
Por onde passa a democratização da segurança pública no Brasil?
Passa pela interatividade, não apenas em experiências de cunho "laboratorial",
demarcadamente bem sucedidas, mas pela interatividade como um fio condutor do conjunto do
sistema: interatividade com a população mas também interatividade com a clientela interna;
interatividade com as demais corporações policiais mas também interatividade com as OGs não
policiais e ONGs, interatividade no contexto interno dos centros de Formação, escolas e
Academias mas igualmente interatividade nas parcerias com as Universidades e instituições
educacionais e assim por diante.
É preciso que a proposta transformadora seja consequentemente discutida e construída pelo
conjunto de operadores bem como pelos segmentos representativos da sociedade. Essa
construção, que é pedagógica, precisa de um "tema gerador" que agregue e dê forma aos diversos
segmentos teóricos que compõe o debate. Nada melhor do que reproduzirmos, agora em escala
mais larga, a tecnologia que adquirimos na construção do segmento de polícia
comunitária/interativa.
Da mesma forma, a interatividade pode funcionar como um bom "núcleo integrador" para
todo o sistema:
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qual será a melhor forma de co-gestão, de gestão democrática para a segurança pública?
O que é, concretamente, que simboliza a não interatividade interna dos subsistemas, nas
Federais, nas PMs, nas Civis, nos Corpos de Bombeiros, etc.?
Quais seriam as transformações necessárias para que, sem perda dos princípios de hierar-
quia, essas instituições assumissem cultura interna democrática, com exercício
permanente da interatividade entre os pares?
Essas e outras perguntas podem dar fluxo à construção de um novo tipo de sistema, a um
novo tipo de cultura, superando as relações esquizóides herdadas do período ditatorial e criando
laços democráticos que se caracterizem, fundamentalmente, por uma interatividade criativa,
respeitosa e solidária.
Em síntese: repensar o sistema à partir de um mote temático e de um núcleo de
convergência que perpasse o seu conjunto, que nos ajude a formular as perguntas corretas e a
encontrar as respostas mais acertadas, unitárias e coerentes, pode ser a melhor estratégia para
encontrarmos um caminho de profundas e benéficas transformações no campo da segurança
pública.
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PROTAGONISMO POLICIAL
Falar sobre protagonismo policial no campo dos Direitos Humanos, além de provocar o
intelecto como só o fazem os mais novos e desafiadores paradigmas, gera uma satisfatória
sensação de enorme esperança. Trata-se de um tema muito recente em nosso país.
Há uns dez anos, seria impensável, por exemplo, seminários como os que hoje se multiplicam
no Brasil, voltados prioritariamente à clientela policial, que se propusessem a trabalhar sobre
"Direitos Humanos, Segurança Pública e Cidadania".
Vivíamos, lamentavelmente, uma história de antagonismo entre o campo dos Direitos
Humanos e o campo da Segurança Pública.
Um antagonismo que deve ser superado, em nome da democracia que se constrói.
Ao falarmos em "protagonismo policial" queremos, uma vez mais, dizer simplesmente: para
nós, tão somente pedir que a policia respeite os direitos humanos é calcar o discurso numa
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AS ONGs E A POLÍCIA
Ao dialogar essa visão com a polícia, fazemo-lo, igualmente, com as organizações não-
governamentais, às quais o presidente da República, quero crer que com senso de humor realista,
chamou de organizações neo governamentais.
De fato, as organizações não-governamentais ocupam um espaço que os governos não
querem ou não podem ocupar. Muitas das transformações que ocorrem no mundo, hoje, são
produtos civilizatórios que nos são alcançados pelas mãos das chamadas ONGs.
Evidentemente, como em todas as instituições, também entre elas há oportunismo,
"pilantropia", interesses muitas vezes inconfessáveis.
Seria uma injustiça, contudo, generalizar e não reconhecer que muitas efetivamente realizam
um trabalho de promoção da justiça e da solidadriedade, de proporções historicamente inéditas,
nunca antes alcançadas sequer pelos Estados.
Qual a razão e de onde elas extraem essa força?
Provavelmente de um novo e crescente tipo de consciência popular.
Os cidadãos do mundo inteiro estão aprendendo a lição de que precisam arregaçar as
mangas e fazer, e não apenas esperar que os governos façam.
No campo da segurança pública e de suas mazelas, contudo, parece que toda a intensa ação
que vem sendo realizada tem resultado em muito poucas mudanças, quem sabe porque um dos
principais atores sociais desse campo, o policial, esteja, ainda, sendo pouco solicitado a contribuir
na busca de alternativas. Assim, também o conjunto de ONGs precisa aprender melhor a
importância e o potencial promotor de Direitos Humanos da polícia. Algumas já o estão fazendo.
Queremos frisar que, apesar de certa fama de antagonistas que possuem ONGs em relação
aos policiais, isso não se configura como verdade em relação a todas.
Por parte de muitas há, na verdade, uma consideração ímpar pelo que podem representar os
policiais como agentes de transformação.
Nós do CAPEC, por exemplo, consideramo-nos privilegiados toda vez que podemos tê-los
como público. Ao organizarmos nossa abordagem com as clientelas que temos neste imenso e
populoso país, sempre privilegiamos o trabalho com a polícia.
Acompanha-nos a certeza de que não se fará mudança que não passe, também e muito
especialmente, pelas mãos dessa categoria. Dizendo de outra forma: para nós, um trabalho com
policiais é necessariamente um trabalho de alto impacto social, com conseqüências objetivas
sobre as relações humanas e a vida do conjunto da nação.
Segurança Pública envolve poder, inclusive a permissão legal para que, em certas
circunstâncias de alto risco social, seus operadores especializados usem a força necessária.
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O 'ANÚNCIO'
Por essa razão é que organizações sérias como o CAPEC "casam" com a denúncia aquilo que o
professor Paulo Freire chamava de "anúncio", ou seja, a busca, apresentação e trabalho de
construção de alternativas melhores. Não queremos ser apenas parte do problema, mas também
parte das soluções.
Queremos somar-nos a todos os de boa vontade no grande mutirão que vai erigindo um
mundo mais fraterno.
Esse caminho é sempre o da educação, como um fenômeno não mais circunscrito às escolas,
mas que convoca a todos a disponibilizarem seus conhecimentos, habilidades, sabedorias e, es-
pecialmente, exemplos. Coisa sempre feita a muitos corações, a muitas mentes, a muitos braços, a
muita parceria.
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'DEFESA DE BANDIDOS?'
Postos esses elementos, começa a ficar mais claro o que propõem ONG's sérias que se
dedicam ao trabalho com a polícia. Contudo, no campo dos estereótipos, um campo resistente,
talvez ainda não esteja suficientemente elucidado "o que não são essas ONG's".
Por exemplo, quero dizer muito objetivamente que não somos tolerantes com a
criminalidade ou com qualquer forma de impunidade. Ao contrário, sabemos que a impunidade só
pode gerar o caos social. Assim, não devemos ser confundidos com "defensores de bandidos".
No CAPEC, em sua visão de direitos humanos, não acobertamos nem consentimos nenhum
tipo de transgressão criminosa, até por sermos uma organização de perfil pacifista.
Vivemos em uma sociedade complexa e temos a compreensão de que todo crime deve ser
punido, sob pena de termos que tratar de sobreviver, ainda inais, sob "a lei do mais forte". Hoje, o
poder paralelo que mais se contrapõe ao poder dos sofríveis estados que encontramos em quase
todo o mundo, é o crime organizado. Efetivamente é essa a maior ameaça real à democracia.
Dessa forma, uma visão favorecedora da impunidade, ainda que muitas vezes agasalhada sob
o manto das melhores e mais paternalisticas intenções, só pode favorecer a substituição das
precárias e injustas instituições que temos por outras ainda piores.
Ninguém se iluda com a aparente "proteção" ao entorno que é oferecida pela contravenção,
em favelas ou países inteiros, como no caso dos cartéis da droga.
No Brasil, lamentavelmente, tem sido comum o recurso retórico irresponsável em discursos
pretensamente progressistas, de que o narcotráfico substitui o estado ausente no atendimento
das necessidades das populações do entorno de seus pontos de distribuição.
Essa mitificação da bandidagem é um falseamento "romanceado" da realidade do domínio
cruel imposto sobre gente a mercê da força bruta do crime (porque realmente abandonada pelo
Estado).
Não esqueçamos das crianças e adolescentes, os primeiros "soldados" a morrer nos
confrontos, jogados armados na "linha de frente" pelos tais "padrinhos" do submundo.
Assim, não defendemos criminosos. Isso não justifica, contudo que o Estado comporte-se
com os bandidos como se ele, Estado, também bandido fosse.
Há que haver, por parte do agente estatal, uma oposição radical, do ponto de vista moral e
metodológico, entre a sua própria prática e a prática do bandido.
Esse último assim se caracteriza exatamente por ter abdicado dos padrões de civilidade.
Estou dizendo uma obviedade às vezes esquecida: o agente do Estado precisa ser a parte
exemplar dessa história. Por princípio (coisa que não se negocia) ele é o antagônico, o oposto do
criminoso, cabendo-lhe a nobilíssima tarefa de dar exemplo para a sociedade.
Se abre mão disso, mesmo em "casos especiais", mesmo que também motivado por "boas
intenções" (o dito popular a respeito é conhecido), confunde o imaginário social e ajuda a
instaurar a incompetência, a desordem e o crime.
AS CAUSAS DO ATRASO
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Vamos trazer isso para o nosso país. Nós somos fabulosamente ricos. É preciso parar com
essa crença que vê o Brasil como um país pobre! Uma cômoda mentira!
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ESPERAR OU FAZER?
PAPEL DA EDUCAÇÃO
A tradição, sabiamente, nos diz o seguinte: as transformações têm que passar pela
educação. Não se muda um país sem educar as pessoas. E aqui é preciso estender o paradigma
educacional.
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ESTRATÉGIAS DE TRANSFORMAÇÃO
Por que importa a polícia? Parece estúpido fazer essa pergunta a leitores majoritariamente
policiais. Mas é importante faze-Ia e resgatar a obviedade, uma vez que, na sociedade brasileira e
em outras sociedades de Terceiro Mundo, em função de desvios de conduta de maus policiais e de
desvios históricos da função, a estima social e mesmo a auto-estima das polícias vêm sofrendo
poderosos desgastes.
No entanto, nem por isso a polícia deixou de ser um serviço imprescindível. Quem precisa
dela?
Precisamos todos nós, que somos cidadãos.
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Essa reflexão, aliás, puxa inevitavelmente uma outra: sobre a "colagem" que se deu, no
Brasil, por razões históricas, entre Forças Armadas e Polícias (não só a Militar, mas também a
Civil).
As ideologias internas, evidentemente, são bastante diferentes, uma vez que também
diferem as finalidades. As Forças Armadas existem - e eu não estou fazendo juízo delas, mas
apenas constatando - para atacar ou para nos defender do inimigo externo.
A polícia existe para proteger o cidadão. Essa mesclagem ideológica que, no período militar
"pedalou" a porta dos fundos da polícia, gerou muitas das mazelas que até hoje carrega a
atividade policial.
Me perdoem a franqueza mas, com todo o respeito que merecem as duas instituições, as
IGPMs que sofriam as Polícias Militares eram resquícios dessa visão ditatorial. O que tem a ver a
polícia, mesmo que carregue o termo "militar", com as Forças Armadas, no contexto de uma
democracia estável? Absolutamente nada do ponto de vista da funcionalidade do dia-a-dia. São
lógicas distintas, são propostas distintas, são doutrinas distintas.
É uma afronta à lógica democrática sujeitar as forças policiais a qualquer tipo de vínculo
vertical com as Forças Armadas, porque são instituições que existem para causas diversas. É
também, certamente, um trabalho oneroso e desviante para as próprias Forças Armadas, que têm
outro objeto de atenção e outra finalidade para a sua existência. Um velho ranço que a nova
democracia brasileira ainda não ousou questionar de todo.
Falando em Polícia Militar, lembremos da questão talvez mais propalada como panacéia
hoje: a desmilitarização da polícia. Se isso não for bem explicado, podemos resvalar facilmente
para uma forma de demagogia barata, que não vai levar-nos a lugar algum.
Quando se falou, em São Paulo, da desmilitarização da PM, procurei informar-me que
sucederia com o Policiamento Ostensivo, hoje realizado por uma corporação com em torno de
oitenta mil homens.
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A resposta foi estarrecedora e risível: passaria a ser feito pela Polícia Civil, que incorporaria
os ex-policiais militares.
Mudaria exatamente o quê?
Talvez menos hierarquia, menos controle e a mesma violência ou pior, uma vez que a
Ouvidoria, em São Paulo, também está abarrotada de denúncias contra a Polícia Civil.
Solução fácil em sistema complexo, mesmo que bem intencionada, às vezes é solução
nenhuma.
Por falta de um conhecimento mais profundo, os governos e as oposições são muitas vezes
simplistas e mesmo simplórios nas soluções apresentadas para os problemas da Segurança
Pública.
Retomando a discussão mais teórica e procurando sintetizar: por que a polícia é importante?
Porque ela, simbolicamente, na forma como contemporaneamente a conhecemos, foi
instituída pelas sociedades urbanas para auto-limitação dos elementos caóticos que lhe são
típicos.
É, assim, uma espécie de "superego" social, necessário a esse imaginário de auto-contenção
das pulsões mais agressivas do inconsciente coletivo.
Segundo, se a polícia é importante para a manutenção da ordem, evidentemente é
importante para a defesa dos direitos. A ideologia é diferente daquela que tínhamos no período
autoritário, onde todo cidadão era um inimigo interno em potencial.
A polícia, antes de tudo, defende direitos, logicamente direitos humanos. Por que não?
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O policial foi instituído pela sociedade para ser o defensor número um dos direitos humanos.
Se seria estranho dizer isso há alguns anos, hoje é absolutamente lógico, no contexto de uma
sociedade democrática.
O que digo sempre aos policiais é o seguinte: tomem essa bandeira das nossas mãos; tomem
essa bandeira dos direitos humanos da exclusividade das organizações não-governamentais.
Ela é de vocês também!
É com essa bandeira nas mãos, pleno de dignidade, que o policial tem que ser reconhecido
pela sociedade, superando velhos preconceitos e estereótipos.
Essa será a única forma real da sociedade mudar a relação de ambigüidade que tem com a
polícia.
Na verdade, ainda que com correção parcial, é um reducionismo dizer que a polícia tem sido
violenta.
O problema, infelizmente, é bem maior. A sociedade é violenta. Essa afirmação não é um
juízo depreciativo, mas uma constatação.
Não ocorre, esse fenômeno da violência policial, descolado das demandas de uma sociedade
que acredita - não por má fé mas por ignorância - que só reações truculentas podem solucionar o
problema da criminalidade.
Assim, sejamos honestos: quem exige violência da polícia é a sociedade.
Se o policial, não for um bom profissional, um especialista em segurança pública, se deixar-
se usar como um marionete pela sede de vingança e pela truculência social, se não estiver
consciente da nobreza e da dignidade da missão para a qual foi instituído, será ele a primeira
vítima da ciranda de violência e da discriminação da própria sociedade que o deseja para o
"serviço sujo" mas que, depois, não aceita facilmente conviver com ele.
Um grande amigo, policial civil, homem brilhante, conversa agradável, queixava-se a mim há
poucos meses: "Ricardo, quando vou a uma festa, por falar bem, ser um bom contador de histórias
e ter bastante experiência de vida, logo fico cercado de gente interessada e cordial.
Até que aparece alguém e me pergunta: o que o senhor faz? Respondo: 'sou delegado de
polícia.' É como declarar uma doença contagiosa. Em dez ou quinze minutos desaparece todo
mundo" Um policial militar, recentemente, me deu um exemplo que achei muito ilustrativo dessa
ambigüidade social em relação à polícia. "Professor
- disse ele - eu queria contar ao senhor uma coisa que notei: Presto serviço em um bairro
considerado perigoso.
Quando estou fardado, à noite, no ponto do ônibus, todo mundo fica bem pertinho de mim,
mas quando estou fardado, de dia, no mesmo ponto, todo mundo fica uns dois ou três passos
atrás".
Por que será? Isso ilustra singela mas significamente o uso que a sociedade deseja fazer da
polícia. Só a própria polícia pode reeducá-la, cumprindo o seu papel legal, constitucional,
recusando a "síndrome de Rambo" e negando-se a ser "fantoche" para realizar o "trabalho sujo".
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Um ex-chefe de polícia do meu estado, o Rio Grande do Sul, dizia algo belíssimo a respeito:
"A sujeira que um policial adquire durante o seu difícil dia de trabalho, deve sair inteira, em casa,
lavada com água e sabão".
DESVIO HISTÓRICO
Essa história maldita de uso da polícia se intensificou muito durante o período ditatorial e
deu guarida ao crescimento interno do poder de psicopatas que jamais deveriam ter sido
representativos de uma instituição tão nobre.
Como em todo uso, o resultado foi que a polícia saiu com uma imagem pública
extremamente desgastada, enquanto os mandantes saíram preservados.
Que sirva-nos como lição para o presente e o futuro. Alguém poderia retorquir com o velho
argumento: "não havia como não cumprir as ordens".
Também a isso eu respondo com o argumento de um bom amigo policial que, nos anos de
chumbo, atuou na comunidade de informações: "Se eu soubesse que estava sendo usado, no
mínimo teria feito 'corpo mole' e facilitado a vida de muita gente que, afinal, estava totalmente
certa.
O problema é que a lavagem cerebral deles me fez acreditar naquilo tudo e, no final, a
minha imagem é que saiu prejudicada".
MANIPULAÇÃO SOCIAL
Hoje, a manipulação é exercida de forma muito mais sutil mas mais insidiosa, através da
própria população, com sua demanda justa mas desesperada e ignorante por segurança pública,
com o consequente pressuposto de que a falta da mesma se dá em razão da falta de maior
"energia policial" (traduzamos por "truculência").
Não nos iludamos: a sociedade se escandaliza com episódios como os de Diadema porque,
ao vê-los, imagina seus próprios filhos como vítimas potenciais.
No entanto aprova quando um policial fuzila, com um tiro na nuca, atrás de um furgão, um
assaltante já algemado e imobilizado.
Os policiais desatentos podem sentir-se os "heróis" desse clamor público, de uma sociedade
onde todos os poderes, incluído aí o Judiciário, funcionam muito precariamente. "Matou um
bandido e fez a justiça que o sistema não faz", diz o canto de sereia popular, que nem sempre é "a
voz de Deus".
O policial, despreparado, às vezes desequilibrado e desesperado diante do sofrimento e do
clamor social, às vezes com tendências psicopáticas, pode dar ouvidos a esse canto de sereia e
sentir-se, como dissemos, o herói. Engano: será o anti-herói.
A mesma sociedade que o empurrou para a violência vai temê-lo, ao invés de respeitá-lo, vai
odiá-lo, por ser a sombra do que carrega de pior no seu inconsciente, vai isolá-lo, porque
acreditou precisar do crime mas não deseja conviver com o criminoso.
Em tudo isso, é necessário perceber que a polícia tem tudo para ser amada, respeitada e
vista como verdadeiramente heróica em sua nada fácil lida. Para tanto, precisa exercer o seu papel
livre das pressões oriundas da pressa, do desespero e da ignorância social. É por isso que insisto
em dizer que o policial precisa ser e atuar como um "especialista em segurança pública".
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Volto a dizer: o que se espera é que o policial tenha um perfil antagônico ao do criminoso.
Quando você observa um criminoso, sabe que ele é criminoso porque tem determinadas
características de atuação.
Quando você observa o policial é importante que fique claro: "Este sujeito é o contrário do
bandido. Essa é uma profissão que eu gostaria que meus filhos escolhessem porque os policiais,
independentemente das muitas vezes adversas condições de trabalho e salário, são pessoas
admiradas pela comunidade." Quero dizer que sou otimista e penso que esse dia pode não estar
longe. É para isso que estamos trabalhando em parceria com a polícia.
Preciso deixar claro que não estou advogando, aqui, que o policial deixe de cumprir com
firmeza o seu dever.
Certamente, nos embates com os sociopatas que a polícia persegue, os objetivos não serão
logrados com carícias e gentilezas.
Ninguém quer uma polícia frouxa. Daí, contudo, até a violência desnecessária, há uma larga
distância, percebida facilmente pelos bons policiais, aqueles que se prezam e não se rebaixam ao
nível do criminoso.
Eles sabem que para efetuar uma prisão é necessário usar de toda energia, na maior parte
das vezes.
Mas também sabem bem a diferença entre esse profissionalismo e o deleite com o poder e a
violência, característica não de verdadeiros policiais, mas de sádicos e psicopatas.
Ouvi, há pouco, uma história sobre um policial brasileiro que vindo de um estágio no
Canadá, teria relatado o seguinte: "Numa noite muito fria, saí numa ronda com um colega policial
canadense.
Houve, então, o furto de um veículo. Daí em diante, participei de uma admirável ação
policial.
Corrida de automóvel digna de filmes de Hollywood. Trocados tiros, o criminoso, sem
munição, correu, com o policial em seu encalço.
Próximo, este saltou energicamente sobre as costas do bandido e o algemou. Sou filho de
policial e policial por vocação. Amo o que faço e admiro quem o faz bem feito. Aquele colega era
meu herói naquele momento. Foi perfeito. Mas pôs tudo a perder quando ergueu o bandido e
perguntou: 'Você está bem?'
Parti prá cima dele, indignado. Perguntar ao bandido, que ele perseguiu e prendeu
magnificamente, se estava bem? 'Que é isso?', disse eu. E ele respondeu tranqüilamente: 'Ele já
está imobilizado. Quero saber, agora, se está bem. Sou um profissional. Não fiz por raiva. Agi com
tamanha energia, usando com habilidade toda a força necessária, porque sou treinado para isso.
Talvez seja por esse motivo que erramos menos: porque agimos mais com a razão e não tanto
com as emoções.' 'Mas ele é um bandido!', gritei, tentando convencê-lo, num derradeiro
argumento. Ao que ele respondeu: 'Mas eu não sou. Essa é a diferença'. Foi a melhor coisa que me
aconteceu lá e que, como lição, jamais vou esquecer."
CAMINHOS DE TRANSFORMAÇÃO
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Já coloquei aqui uma série de problemas, e algumas pistas, evidentemente sem dar "a
receita do bolo", de como começar a resolver esses problemas.
E com isso encerro. E mais questão de exercermos o nosso auto-poder.
Nós não podemos mudar os outros, mas podemos mudar a nós mesmos. E se mudarmos a
nós mesmos, o conjunto vai ser modificado.
Aqui tem algo da reflexão sobre os paradigmas, que me faz lembrar de uma famosa história,
não sei se verídica, que se conta para que possamos perceber a necessidade de estarmos abertos
ao fluxo de mudanças que a vida sempre nos exige.
E uma história sobre o sucesso da flexibilidade e da autocrítica e sobre o fracasso certo para
quem fica paralisado em seus paradigmas velhos.
Dizem que se passou nas águas americanas, antes da entrada dos EUA na Segunda Grande
Guerra. Nelas, singrava um poderoso navio da armada americana. Aquela era uma noite de muita
neblina e houve uma perigosa pane geral no equipamento de radar e sondagem.
No dito navio vinha um almirante que, preocupado, pôs-se a mirar ao longe, confiando na
própria vista acurada, enquanto a tripulação tratava dos reparos. Eis que ele vê, em meio à densa
neblina, uma luz intermitente, muito ao longe, aparentemente vindo em direção ao navio.
Assustado, toma o rádio, que funcionava, e emite a seguinte mensagem: "Por favor, desvie
seu curso 100 à direita. Você está em rota de colisão." E ouve a inacreditável resposta: "Por favor,
desvie seu curso 100 à esquerda. Você está em rota de colisão." "Não escutou direito minha
mensagem", pensa. "Vou repeti-Ia."
Assim o faz e novamente a mesma resposta. Ao rádio, uma vez mais, diz o almirante: "Você
é alguma espécie de piadista? Desvie imediatamente 100 à direita. Aqui fala um almirante." E
houve a seguinte resposta: "Desculpe senhor. Estou cumprindo minha missão. Sou apenas um
marinheiro de segunda classe. E devo preveni-lo que deve desviar imediatamente 10° à esquerda,
se quiser evitar um desastre." "Que petulância", pensa o almirante! "Uma afronta de um
marinheiro de segunda classe" "Desvie já, é uma ordem. Desvie ou será bombardeado. Este navio
está poderosamente armado". Mais uma vez a voz do marinheiro: "Desculpe, senhor, se não
soube me explicar direito. Não quis desrespeitá-lo. É que estou com pressa. Não perca seu tempo
preparando-se para me bombardear. Sei que o navio é poderoso mas se não desviar agora 10º à
esquerda o senhor vai afundar. Eu não posso desviar, como me ordena. Esta é uma ilha e este é
um farol".
O que nos diz isso? Nos diz o seguinte: nós não podemos esperar que a realidade mude, nós
não temos esse poder de fazer a realidade mudar, se nós não mudarmos antes.
Quando se trata de coisas de polícia, volto a afirmar, muito fraternalmente, eu diria que a
polícia ainda está se queixando muito de que a sociedade não consegue mudar em relação a ela,
compreendê-la melhor em sua bela mas dificílima missão.
Sei das justas queixas contra a mídia, que tem sido realmente parcial e destacado apenas o
que é negativo, contaminando a sociedade e a própria polícia apenas com desesperança,
desencanto e desânimo.
Sei da desconformidade com a justiça morosa e muitas vezes complacente e estimuladora
da impunidade. Sei do cansaço da polícia com as ferramentas legais imperfeitas com as quais
precisa muitas vezes trabalhar.
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Sei da dor pessoal e familiar gerada por condições de vida e trabalho muitas vezes
desumanas. Contem conosco como seus aliados na luta para modificar tudo isso. Mas, é preciso
que saibamos extrair algo dessa história do farol, que acabo de contar.
O único real poder que temos sobre a realidade é o poder que temos sobre nós mesmos.
Quando começamos a mudar, a qualificar-nos, a fazer melhor nosso trabalho, a viver melhor
nossas relações com nossos semelhantes, a cultivarmos mais respeito por nós e pelas missões que
temos a desempenhar, quando assumimos esse poder, passamos a contaminar positivamente a
realidade à nossa volta e o mundo começa a mudar.
Deixamos de ser vítimas impotentes à espera da boa vontade alheia, das mudanças alheias,
das melhorias alheias, e passamos a trabalhar com o que temos, com o que podemos controlar,
com o que efetivamente podemos melhorar: o que somos.
É preciso - não só os policiais, mas também os médicos, os professores, os magistrados, os
advogados, os jornalistas - que abandonemos, no campo institucional, a visão corporativa que nos
faz juízes permanentes dos outros, 'responsáveis por todas as nossas mazelas', e complacentes
contumazes conosco mesmos e com as coisas que precisamos melhorar em nossas instituições.
Às vezes gritamos, autoritários, com a realidade: "Desvie. Aqui vamos nós". Mas ela
permanece lá, impávida, tal qual a ilha da história, até que aprendamos a desviar nós mesmos, a
escolher a melhor rota, a rever os caminhos.
Precisamos aprender a perguntar-nos, a ter um pouco mais de saudáveis dúvidas e um
pouco menos de doentias certezas. Precisamos estar dispostos a aprender também com os outros,
com as outras instituições, com aquelas que talvez não tenham a mesma lógica que a nossa mas
que podem ensinar-nos muito e a quem podemos ensinar também.
Diz uma velha premissa sociológica que da heterogeneidade é que vem a riqueza. Do
homogêneo, do corporativo, não brota nada. É nessa senda que a polícia pode encontrar as suas
melhores soluções e assumir o seu poder.
Gostaria de encerrar com uma frase do Evangelho, do Grande Mestre Pedagogo da escola da
vida, Jesus, que, através de simples histórias, conduz nossas mentes e espíritos pelos caminhos da
luz, da novidade, da abertura aos novos paradigmas. Refiro-me ao que Ele falou sobre nossa
missão neste planeta que, ouso dizer, cai como uma luva para o papel da polícia como agente
social pedagógico e como agente de transformação. Jesus dirigia-se, então, a multiplicadores e
essas mesmas palavras podem, sem qualquer impropriedade, ser ditas, hoje, aos policiais que,
queiram ou não, são e serão também multiplicadores em suas comunidades: "Vocês são o sal da
terra e a luz do mundo". Todos sabem o que acontece com a comida quando se coloca nela uma
pequena pitada de sal; todos sabem o que acontece com a escuridão quando se acende uma
simples vela. Magnífica, simples e inspiradora metáfora de sentido: sermos sal da terra e luz do
mundo. Não vejo melhor desafio, nem perspectiva de vida mais interessante.
Gostaria, dentro destes cinco minutos, de tentar questionar alguma coisa sobre a matéria
que foi exposta. E como o tempo é muito exíguo, deve-se eleger algum ponto, algum aspecto, para
se desincumbir da missão.
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Então, uma colocação feita pelo ilustre professor Ricardo, é uma de minhas preocupações
com relação a este tema: a questão dos direitos humanos com relação às polícias, de um modo
geral, e com relação à sociedade e a todos os cidadãos que não fazem parte das polícias.
Ele frisou a participação, que é o ponto defendido também no meu juízo.
Mas algumas coisas enriquecem essa polêmica, como, por exemplo, quando sabemos que
alguém falou que cada povo tem a polícia que merece.
A frase é polêmica, discutível e muitas pessoas se insurgem contra.
Eu também não apoio essa idéia em toda plenitude. Mas acho que ela encerra algumas
verdades. E exatamente a colocação do professor Ricardo veio me lembrar esta questão. Será que
é verdadeiro que as polícias não devem só respeitar os direitos humanos, mas devem também
pregar, devem ser defensoras dos direitos humanos? É verdadeiro mas passa até a falsa idéia de
que só as polícias deveriam se preparar para esse mister.
E vamos formular um outro juízo: ainda que a polícia do Brasil, todas as polícias do Brasil,
real e profundamente se preparassem dentro deste aspecto fundamental, que são os direitos
humanos, se a sociedade, como um todo ou em grande parte, não tivesse tido o interesse de
também estudar, se preparar e de mudar, a polícia poderia mudar? Quer dizer, se nós tivermos
uma coisa, e não tivermos a outra, parece-me que não vai funcionar, porque o conjunto tem que
estar preparado para isso, caso contrário não funciona. Ainda utilizando o exemplo que deu sobre
o navio, será que só as polícias dos Estados é que têm que desviar 10° à esquerda?
Seriam argumentos que permitiriam uma profunda reflexão. Mas acredito, por outro lado,
que se a sociedade também - e aí falo como um todo, sociedade incluindo as classes policiais e
todos os outros segmentos da sociedade civil - não se preparar, não se educar, não evoluir, não se
tornar cidadã para participar e saber pleitear, protestar e exigir, nós também não teremos, no
meu ponto de vista, uma evolução como um todo para que a sociedade brasileira realmente
alcance o patamar que nós precisamos e que tem que vir custe o que custar.
Quero me referir ao seguinte: quando há um episódio truculento ou mal feito das polícias, a
sociedade se posiciona, cobra e exige até de forma contundente. Mas, quando acontecem outras
violências, outros atos que dizem respeito aos direitos humanos - e eu figuraria aqui o caso dos
precatórios, a fraude do orçamento da União, a fraude dos bancos, enfim, todos esses fatos são
desrespeitos aos direitos humanos também, não é só pauleira de policial - a sociedade não cobra
de forma veemente e contundente, ela assiste, critica mas fica passiva.
Creio que se não fizer isso, não há participação do agregado social, e, do meu ponto de vista,
o país só pode mudar depois que a sociedade estiver educada, cidadã e em condições de se
posicionar e cobrar.
Por que em outros países, onde a civilização e o despertar da participação está maior, eles
conseguem vitórias sobre isso, exigindo que presidentes renunciem e que ministros se
penitenciem em praça pública? Porque eles têm condições do conhecimento, de cidadania, o que
impõe chegar a esse ponto.
Colocaria à disposição do ilustre professor este questionamento: se a sociedade, juntamente
com as polícias militares e civis não evoluir neste nível, tenho a impressão que o trabalho não
alcançará o índice desejado.
Muito obrigado.
Presidente da mesa:
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Passo a palavra ao professor Ricardo. Já alcancei as perguntas por escrito, para que objetive
as respostas.
Portanto, meus amigos, com muita franqueza, transparência e amizade com vocês, quero
dizer que temos - e isso é uma característica muito humana - uma tendência ao corporativismo. É
por isso que contei o exemplo da ilha e do farol. Especialmente aqui no Brasil, vivemos uma
cultura de lamentações e de desculpas. Nós nos desculpamos o tempo inteiro e, para nos
desculparmos, sempre colocamos a culpa nos outros.
Deixem fazer com vocês uma analogia, porque quando pensamos nos outros fica mais fácil
de nos percebermos a nós mesmos. Quando você se reúne com professores, eles se queixam o
tempo inteiro dos alunos, que são os culpados por toda a deficiência que há na aprendizagem.
Quando param de se queixar dos alunos, começam queixas recíprocas entre eles. Você fala com o
professor universitário e ele diz: "O problema é que o ensino médio foi muito mal feito". Você,
então, aborda o professor de ensino médio que diz: "O problema está no ensino fundamental
porque os professores não preparam bem os alunos". Procura, assim, os professores de ensino
fundamental e eles replicam: "Mas isso já começou certamente lá no jardim de infância por
problemas de valores que não foram trabalhados". Fala-se com os professores do jardim de
infância, que protestam: "O problema está em casa, na família. Eles já chegam aqui muito
deseducados". Então você procura a família e a mesma diz: "O problema é aquela escola que não
dá educação para o meu filho". E a cultura nacional dos queixumes e da responsabilização de
outrem. Quando você questiona uma categoria profissional a primeira tendência dela é se
defender - e aqui volto a dizer a vocês: não estou batendo na polícia, vocês já viram que temos
uma rica parceria com policiais há mais de dez anos e prezamos muito a polícia. Mas a polícia,
como qualquer outro segmento profissional também tem a tendência de achar que todo mundo
só reclama dela. Realmente, há setores que tem esse poder acentuado, como a mídia, mas nem
por isso devemos nos fechar corporativamente.
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Quando esperamos que a realidade mude a partir dos outros, o que vai acontecer? A
realidade não vai mudar. Todas as vezes que esperamos pelos outros, nós nos tornamos vítimas
dos outros. Por exemplo: sei que a polícia tem uma queixa especial em relação à imprensa. Mas eu
diria: se vocês ficarem só se queixando da imprensa vão fazer isso por séculos e não vão mudar a
relação. O que têm que fazer é o seguinte: descobrir que o único poder real que têm é sobre vocês
mesmos. Não temos poder sobre a imprensa, como policiais, ou sobre os alunos, como
professores, mas temos poder de mudar a nossa própria prática e assim motivá-los a mudar as
suas. Então, queria marcar muito fortemente isso. Volto ao exemplo da ilha e do farol. Se não
pensamos a respeito das nossas estratégias, nós vamos nos queixar e nos lamentar e culpar os
outros a vida inteira.
Mesmo que os outros tenham culpas, a situação não vai mudar, porque temos que começar
a mudar aqui, onde temos poder. A polícia tem poderes sobre as coisas da polícia, ela não tem
poderes sobre as coisas da imprensa, do magistério, dos alunos, dos advogados, dos juízes e nem
de ninguém mais. É só isso que estou tentando dizer. Se vocês fossem professores diria a mesma
coisa, voltada aos mesmos.
Chega de nos queixar dos alunos, dos colegas, etc!!!.
O que podemos fazer para mudar a nossa prática? Essa pergunta é que tem que ser feita.
É muito difícil responder em pouco tempo questões tão complexas, mas, enfim, tenho
perguntas interessantíssimas aqui e que são as seguintes:
Pergunta: "Participar é, sem dúvida, uma atitude fundamental de todo cidadão, mas quando
um presidente que passa a vida toda falando em cidadania, direitos humanos e exclusão social
assume o poder e diz "esqueçam o que escrevi" - fica muito difícil, não? Não há cidadania que dê
jeito."
A nossa cidadania, a nossa participação não depende da participação de ninguém, nem do
presidente, nem do governador, nem dos ministros e secretários. Nós temos que participar, eu
diria assim, não só por um dever social, mas por um dever, por uma necessidade, existencial.
Quem não participa tem uma vida pobre e medíocre; não importa se o presidente participa, se os
políticos participam, enfim, se quem quer que seja, participa, nós temos o dever de amor para
conosco mesmos, de participar porque, senão, a nossa vida vai ser medíocre e pobre. Esse é um
direito e um dever que ninguém pode nos tirar, independente do que acreditamos que as
autoridades façam ou não façam, inclusive porque se não participarmos vamos continuar nos
queixando sempre dos políticos que temos.
Volto a dizer, a nossa participação tende a ser reservada a votar nas eleições, e isso é pobre.
Alguém pode ficar escandalizado com o que vou dizer: Votar nas eleições é uma dimensão
paupérrima da democracia. Isso não é democracia, é apenas uma parte da democracia e eu
ousaria dizer que é uma parte pequena. Participar, constante e efetivamente, é mais importante
do que votar, ainda que em momento algum eu tenha dito ou queira dizer que votar não é
fundamental; não há democracia sem voto, mas também não há democracia sem participação, e
dessa segunda parte nos olvidamos.
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Pergunta:
"É lícito exigir conduta absolutamente ilibada do policial militar ou civil, quando o Estado
não lhe dá condições de manter suas necessidades básicas, quando o Estado lhe proporci-
ona uma carga de frustrações enorme que muitas vezes o policial não consegue suportar?
Em primeiro lugar acho muito feliz a pergunta porque me lembra de dizer que não há, no
meu exemplo, nenhuma intenção de fazer uma transferência mecânica do Canadá para o Brasil. O
Canadá é uma coisa e o Brasil é outra. O policial do Canadá tem, dentro do seu automóvel, um
computador de bordo, por exemplo. Quão longe estamos de ter um computador de bordo nos
automóveis da polícia brasileira em geral.
Vou dar um exemplo: há uns anos fui a uma cidade do litoral paulista e o coronel que
comandava a polícia de lá, amigo meu - confesso aos senhores que fiquei inflado de vontade de
rir, mas eu não podia, porque era triste a situação - me contou que ele mandava pintar os carros
da polícia e os punha em pontos estratégicos da cidade. Mas só por razões de efeito moral, uma
vez que os carros não tinham motor. Então, quando era preciso sair correndo atrás de um bandido
ou coisa parecida, não podiam, porque os carros estavam ali apenas com função dissuasória.
É muito difícil fazer polícia desse jeito; não quero transferir a situação do Canadá para o
Brasil. O exemplo que dei vale, contudo, por que há algo que é igual lá e aqui: a atitude dos
criminosos é a mesma como deveria ser a mesma a atitude das pessoas de bem.
Nós reconhecemos a situação difícil dos policiais, como reconhecemos a dos professores. Se
pensarem bem, a situação do professor é muito parecida com a do policial. Em todos os contatos
que tive e tenho com governadores, com secretários de Segurança Pública, nos que tive com o
presidente da República, com ministros de Estado, em todos os contatos, quem me conhece e já
participou sabe disso, na minha pauta esteve a questão das melhores de condições de vida para os
policiais e professores, porque sem isso é muito difícil melhorarmos o sistema. Tenho, como
membro de uma organização de direitos humanos, sido intermediário, lutado também pelos
direitos da polícia.
A polícia tem muitos direitos violados, não só salariais. Em muitos estados os soldados PMs
tem seus direitos violados dentro dos quartéis; na civil, em muitas academias, o mesmo acontece
com os alunos, por regras estúpidas. Há pouco fui a uma academia de polícia civil que tinha um
duplo lance de escadas. Na hora do intervalo, os policiais ficavam todos se acotovelando porque
tinham algo como dez ou quinze minutos para lancharem. Por um lance de escada podiam descer
e pelo outro não, fazendo com que se atrasassem.
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Aí você quer que o sujeito vá para rua, coloca uma arma na mão dele, dá poder a ele e não
quer que ele desconte na população. É muito difícil, se a pessoa não tiver um grande equilíbrio.
Essa é aquela ideologia, aquela lógica do inimigo, que foi contrabandeada não só para a
polícia militar mas também em grande parte, para a polícia civil: você tem que incomodar o
sujeito, atormentá-lo a tal ponto que ele dali saia neurótico e vá atacar o outro na rua, como
inimigo.
Assim mesmo, nessas condições, com esses salários, com essa carência de recursos, com
eventuais humilhações internas, como é possível falar em dignidade?
É possível e é necessário, porque não podemos esperar por melhores salários e melhores
condições para ter dignidade, assim como não é correto dizer que os criminosos são criminosos
porque são pobres, coisa que enxovalha a pobreza. A maioria dos cidadãos brasileiros é pobre e,
no entanto, é digna e honesta.
Alguns colegas meus de direitos humanos às vezes cometem essa sandice de dizer, de forma
bem intencionada mas simplista: "A causa da criminalidade é a miséria". Não é verdade. É parcial.
É claro que a miséria agrava, mas creio que 99% das pessoas que vivem em situação de
miséria são cidadãos dignos, honestos, trabalhadores, heroicos na resistência, diante dos maus
tratos sofridos.
Da mesma maneira, não é possível desculpar comportamentos indignos da polícia por causa
dos salários e das condições de vida. Vamos lutar para melhorar os salários e as condições de vida,
mas isso não é pretexto para agir de forma indigna e de forma brutal - como não é pretexto para o
professor, numa analogia, entrar numa sala de aula e dizer:
"Dou uma aula relaxada porque ganho mal". Não é pretexto!
O seu cliente, que é o aluno, não tem culpa se você ganha mal.
Vá brigar com o governo para ganhar melhor, mas não sacrifique o seu aluno.
O cliente da polícia é o cidadão.
Se você tem problemas com o Estado, vá lutar e resolver com o Estado os seus problemas.
Não sacrifique o seu cliente porque ele não tem culpa direta sobre isso. O dever de qualquer
profissional que atua com o público é ser digno e tratar bem.
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A reflexão final que eu faço é esta: que, ao chegar em casa, ao deitar sua cabeça no
travesseiro, o sujeito não seja obrigado à frustração de admitir:
"Ganho mal, não me deram condições de trabalho, tive que comprar bala para o meu
próprio revolver - o que é um absurdo - e, além de tudo, fiz um trabalho mal feito".
Pelo menos que ele possa ter o orgulho de pensar: "Apesar de não ganhar um salário digno,
apesar de não ter bala para o revólver, apesar do carro não ter motor, apesar de todas as
incompreensões e dificuldades, me mantive superior, agi com dignidade e respeito, não me
rebaixei à práticas criminosas. Fiz, por mim e pelos outros, um trabalho que valeu a pena. Isso
ninguém me tira.".
É o que chamo de "salário emocional". Nenhum estado pode pagar. Só você, paga a si
mesmo e em seu próprio benefício. A sociedade também é beneficiada, mas como conseqüência.
Você faz, em primeiro lugar, para ser feliz, para não morrer interiormente, para não adoecer, para
ter uma vida com sentido.
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TEXTO 2
Qualificar o Processo - Qualificando a Pessoa
Tu me dizes, eu esqueço,
Tu me ensinas, eu lembro,
Tu me envolves, eu aprendo."
Benjamin Franklin
Tenho sido frequentemente abordado por pessoas, bem como por Organizações
Governamentais e Não Governamentais, que desejam melhor entender as razões da boa
performance dos módulos formativos oferecidos pelo CAPEC a policiais e servidores públicos em
geral, em quase todo o Brasil.
Pensa-se, equivocadamente, que tais clientelas seriam muito "difíceis" e resistentes e aí
estaria fundada a razão de tantos fracassos históricos no campo da capacitação, o que aumenta
ainda mais a curiosidade por conhecer as estratégias e metodologias que utilizamos. Isso é bom,
porque o problema maior reside precisamente aí, nas estratégias e metodologias propostas ao
longo dos anos, e não simplesmente tia resistência dos participantes.
Como, à luz dos Direitos Humanos, todo o conhecimento deve ser socializado, resolvi
escrever algo que elucide e divida um pouco melhor a visão de fundo que temos do serviço
público e da polícia em especial, visão essa que inspira uma nova forma de abordagem em
programas formativos, com suas consequentes metodologias e temáticas.
Trago, assim, aqui, uma breve reflexão fundamentadora, assim como uma também breve
explicação de como temos atuado, em nossos "módulos formativos" junto aos parceiros policiais,
esperançoso de que, ao partilhá-las, possa estar prestando uma modesta contribuição a Governos,
Academias, Centros Formativos e ONGs que atuam na educação de Forças de Segurança Públicas.
Sempre que tratamos da questão do "serviço público", especialmente quando esse serviço
tem uma dimensão protetiva e educacional, incomoda-nos a constatação das evidentes
dificuldades no atingimento de um patamar mínimo de qualidade, passando sempre, a reflexão,
pelas carências de competência profissional dos agentes dele encarregados.
Daí tentarmos a solução, muitas vezes, via proliferação de "treinamentos" e "capacitações"
formais que, geralmente, resultam em quase nada, levando-nos, na seqüência, ao desânimo, ao
ceticismo e a acomodação contrariada ao que parece ser uma "inerência" do serviço público
brasileiro na forma como está estruturado.
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Nessa conjuntura, basicamente, dois tipos de público afluem para os quadros institucionais,
como agentes operadores: os "vocacionados", com significativo grau de altruísmo, disposição para
o serviço, projetos de vida identificados com causas sociais e capacidade de suportar frustrações
sem desqualificar o trabalho junto aos beneficiários; e os "não vocacionados", ingressantes por
falta de melhores oportunidades (ao menos nos níveis mais básicos, não dirigentes), com projetos
de vida meramente voltados à sobrevivência ou à gratificação egoica (no aguardo de melhores
oportunidades), com primário nível de consciência ética e desenvolvimento moral.
Desse último grupo origina-se, concretamente, a violência e a corrupção com que, em
muitos bolsões institucionais, se responde à agressividade social. Não há credibilidade
institucional que possa subsistir incólume ao exercício de tais moralidades heterônomas e
hedônicas por parte dos operadores.
É preciso pois, a longo prazo, melhorar as condições da oferta e, subsequentemente, da
seleção e, a curto prazo, desafiar a elevação do padrão moral dos profissionais a estágios mais
avançados, o que somente pode ser alcançado através de programas educacionais permanentes.
Sabemos, realisticamente, que isso não é fácil e que não resulta positivamente com a
totalidade dos desafiados. Haverá, sempre, um contingente refratário, até em função de nossas
próprias carências em saber encontrar para cada um a linguagem e as provocações mais
significativas. Nenhum processo educacional pode ser onipotente.
No entanto, há segmentos expressivos que podem ser "resgatados" da alienação existencial
em que submergiram, através de processos pedagógicos competentes na busca do inerente
desejo de qualificação e plenificação da vida. Para ilustrar metaforicamente uma reflexão
semelhante é que Ralph Emerson perguntava-nos: "O que é, então, uma erva daninha, senão uma
planta cujas virtudes não foram descobertas?"
Para que não fiquemos, contudo, na licença poética e não pareçamos líricos no encontro do
humano que subjaz mesmo no aparentemente desumanizado, precisamos buscar referência na
teoria científico-pedagógica, em especial no grande mestre do estudo sobre o desenvolvimento da
consciência moral, o psicólogo americano Lawrence Kohlberg.
Segundo conclusões de extensa pesquisa por ele desenvolvida, na Universidade de Harvard,
há uma tendência natural, que acompanha os seres humanos, desde que corretamente
provocados, à elevação do próprio patamar moral.
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O GRUPO "VOCACIONADO"
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Uma das formas que se tem revelado competente para dar corpo, viabilizar esta proposta, é
o oferecimento de "momentos fortes" de reflexão, intercalados de leituras, práticas, avaliações e
reencontros, como atividades recomendadas. E a chamada estrutura de "Movimento de Módulos
Formativos".
Os módulos são os tais "momentos fortes", para os quais se recomenda a maior "imersão"
possível, a fim de livrar os participantes da ditadura dispersiva do cotidiano (uma vez que o
objetivo é a contemplação cognitiva e moral de si e de suas circunstâncias).
O termo "movimento" emblematiza o caráter desejado de continuidade, aprofundamento e
permanência formativa. Os módulos desafiam, concentradamente, a avaliação prospectiva e
perspectiva e os intervalos entre os mesmos são acompanhados pelo grupo, seus monitores,
consultores, coordenadores, como tempos de experienciação formativa.
Esse modelo, largamente utilizado durante os anos da repressão pelos segmentos originados
na "Ação Católica" e, após, incorporado por inúmeras organizações laicas de resistência
democrática, revelou-se de extrema competência naquilo que se convencionou chamar "formação
de quadros", multiplicadores de práxis politicamente (no sentido amplo do termo) relevantes e
institucionalmente transformadoras.
Nos dias atuais, como ferramenta universal, volta a ser utilizado com sucesso por ONGs
referenciais no campo da educação para a cidadania e ajusta-se perfeitamente às metas
educacionais voltadas a servidores públicos, sempre que o Estado saiba estabelecer parcerias com
essas mesmas ONGs, objetivando usufruir de seu know how e evitar a "petrificação" técnica e o
esvaziamento do processo.
Em termos estratégicos, aliás, a parceria é fundamental. As ONGs, via Estado, podem
trabalhar em extensão, evitando a circunscrição de sua atuação à "minorias eleitas". O Estado, por
sua vez, pode embeber-se de "vida civil" e superar, pelo menos parcialmente, sua vocação ao
formal e ao tecnocrático.
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IV. METODOLOGIA:
Como parte da metodologia proposta faz intersecção com a estratégia e naquele item já foi
abordada, resta-nos definir melhor as características dos módulos formativos e a performance
desejada dos consultores e cursistas.
METODOLOGIA PARTICIPATIVA
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ELEIÇÃO DO SIGNIFICATIVO
De forma geral, as relações entre operadores estão mediatizadas apenas pelo objeto de
trabalho, sendo, por isso, formais e obrigatórias, quando o correto seria mediatizá-las pelo
humano e pelas utopias pessoais e sociais partilhadas, a ponto de significarem, para além do
meramente profissional, uma opção fundada na vontade.
Oportunizar o lúdico e o conhecimento que dele se origina é fundamental para o
adensamento dos vínculos de compromisso, fidelidade e interajuda, sem os quais não pode haver
satisfação e competência em qualquer ação que dependa de intervenção grupal.
Naturalmente, isso poderá parecer pouco ortodoxo no contexto do formalismo estatal, mas
nem por isso deixa de ser uma das chaves metodológicas de maior relevância para a cognição
intelectual e moral: o estabelecimento de vínculos afetivos, sem os quais não há aprendizagem.
Aqui, importa lembrar o princípio construtivista segundo o qual a "descentração", a superação do
totalitarismo egóico, em relação ao objeto mas também em relação ao outro, é fundamental para
a aprendizagem.
Fomentar, pois, relações fraternas, é contribuir diretamente para a competência no campo
profissional.
No caso em questão, mais relevante é, uma vez que não podemos promover respeito e
solidariedade social sem que testemunhemos, pelo tipo de vinculação que temos com nosso
grupo, essa mesma solidariedade.
Claro está que esta solidariedade nada tem a ver com o corporativismo, que tantas vezes
macula a vida das instituições e que, ao contrário, está fundado em relações de proteção mútua
relacionada a interesses de ordem meramente individualista.
Tal nível de compromisso não se alcança nos marcos exclusivos dos contratos sociais, nem
sequer na vivência profissional cotidiana, mas, especialmente, no lúdico, onde a entrega ao outro
está favorecida por um relaxamento dos mecanismos de defesa.
As instâncias formativas, assim, não devem constituir-se apenas em momentos fortes de
aprofundamento temático mas, igualmente, em momentos fortes de convivência.
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V. TEMÁTICAS: OS CONTEÚDOS
Há, aqui, um conjunto de temáticas básicas, que cremos, dever-se-iam fazer presentes em
trabalhos formativos de caráter continuado, como os que estamos propondo. Elas caracterizam-se
por uma dupla raiz: são auto-referentes e alo-referentes, ou seja, centram-se, a um só tempo, nas
necessidades e vivências do operador e nas necessidades e vivências do cidadão beneficiário. Ao
atender as demandas de um, atendem também as de outro. Vejamos algumas:
PSICOLOGICAS
FILOSÓFICO-EXISTENCIAIS
Motivados, então, pelo aprofundamento dessa cognição sobre as relações com o próprio
"eu", com os outros e com o mundo, há terreno fértil para introduzir duas temáticas do campo
filosófico:
- O "serviço público" como projeto de vida, com suas riquezas virtuais e/ou reais do ponto de
vista existencial (há, aqui, que contrapor as visões de "poder público" e "serviço ao Estado", tantas
vezes antagônicas ou redutoras da grandeza e dignidade do real papel do servidor social);
- A "questão dos paradigmas", envolvendo as dimensões pessoais e grupais, na reflexão
sobre "conceito de paradigma", "crise de paradigmas", "paralisia de paradigmas" e revisão dos
paradigmas individuais e institucionais.
Especial iluminação, nesse campo, nos traz a obra de Thomas Kuhn, que procuramos verter,
de forma simples, para o dia-a-dia dos agentes operadores (Kiihn, T A Estrutura das Revoluções
Científicas. São Paulo:Perspectiva, 1987)
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PSICANALÍTICAS
PSICO-LINGUÍSTICAS
PSICO-SOCIAIS
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AXIOLÓGICAS
SOCIOLÓGICAS
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Há uma dimensão que nos é muito cara e que deve estar presente durante todo e qualquer
trabalho temático: a reflexão crítico-criativa sobre o dia-a-dia do agir policial, à luz dos princípios
da promoção da cidadania do próprio policial e da sociedade por ele beneficiada. Os docentes
devem estar abertos permanentemente para facilitar o estabelecimento de "pontes" entre o que
está sendo debatido e a prática policial, coletando esses elementos a partir do que expressa o
grupo.
Saber ouvir, deixar fluir a catarse, acolher as abordagens mesmo quando contraditórias, é
predisposição imprescindível para a significatividade (utilidade e sentido) do que é discutido, além
de cumprir excelente função terapêutica.
A instituição policial tem carecido muito de espaços de livre discussão democrática, que
possam ajudar a iluminar a existência e a inserção funcional de seus agentes. Os módulos
formativos que apresentamos (bem como sua sequência monitorada) têm sido frequentemente
avaliados pelos seus beneficiários como espaços resgatadores da saúde pessoal e institucional,
advinda da transparência dos debates e da liberdade auto-analítica e analítica que propiciam.
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VI. CONCLUSÃO
Longe de pretender exaurir o tema ou propor qualquer forma de receita, o presente capítulo
aspira tão somente ser provocação introdutória ao debate, à partir de elementos, como acima
dissemos, extraídos de uma experiência bem sucedida.
Ao abordar de forma crítica a questão das estratégias, metodologias e temáticas, quer
sugerir inovações nos paradigmas metodológicos até aqui mui comumente usados pelo estado no
trabalho educacional de seus operadores em geral e, em especial, dos especialistas em segurança
pública.
Não tem , contudo, qualquer pretensão autoritária de domínio analítico sobre o conjunto
das realidades dos muitos "brasis" que temos e das muitas instituições encarregadas da promoção
da segurança pública.
Completemo-lo, pois, a partir de uma leitura criativa, adensando os conteúdos com a
sabedoria advinda de nossas próprias experiências, fundadas na riqueza de uma realidade
multifacetada e plena de possibilidades.
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No período 2000/2001, o CAPEC estendeu sua rede de atuação com professores, policiais,
promotores públicos, guardas municipais, líderes comunitários e estudantis, em parceria com
ONGs, OGs, Governos Federal, Estaduais e Municipais, a 25 estados da Federação.
Vivemos em um mundo que, teoricamente, teria riqueza para todos, oportunidades para
todos, bem-estar para todos. Vivemos em país que está entre os mais ricos deste mundo rico.
Apesar disso, a maior parte da humanidade se arrasta na miséria, na fome, na ignorância.
No Brasil, somente uns quinze por cento da população exercem razoavelmente seus direitos
à boa alimentação, boa moradia, bom emprego, bom salário, bom acesso à escola de qualidade,
bom lazer. Para a maior parte desses quinze por cento, mesmo assim, o preço é muito alto:
jornadas exaustivas de trabalho, contas intermináveis a pagar, pouco tempo com os filhos,
pressões de toda ordem, "necessidades" impostas desde fora, que vão alienando as pessoas de
suas próprias vidas.
Aos pobres e miseráveis resta, onipresente, a mesma ideologia consumista a ser assimilada,
professada e sonhada, mas na incompreensão e na dor da exclusão do consumo, sem, sequer, o
básico para uma vida digna.
Como chegamos à esse paradoxo cruel, de um mundo rico em natureza e também em
matéria transformada, construído e mantido por trabalhadores pobres? Pior, como chegamos,
mais contemporaneamente, a um modelo onde, cada vez mais, o foco se concentra no consumo e
não na produção (a cada dia mais mecanizada), "prescindindo" cada vez mais de mão-de-obra, e
gerando, entre outros fatores, um fenômeno crescente de desemprego que não é só conjuntural
mas, sobretudo, estrutural? Como podemos ingressar tão rápida e passivamente em tal sistema
desumano de "prescindência", em que os pobres não são mais necessários, em que uma minoria
pode viver, produzir e consumir, por si e para si mesma, e bastar-se?
É em contraposição a esse roteiro dramático que a causa dos direitos humanos precisa
oferecer a alternativa de um script novo, de uma história humanizada e humanizante, de um papel
digno e confortável para todos.
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como grande ferramenta universal voltada à garantia da livre organização e expressão - é pilar
fundamental para a edificação de uma cultura de inclusão.
Não é possível imaginarmos um mundo desenvolvido e com suas riquezas distribuídas fora do
contexto de garantia das liberdades individuais e organizacionais.
Abaixo, um texto deste autor, escrito para celebrar essa verdadeira "Constituição da
Humanidade", quando de seu cinquentenário, ilustra a importância da DUDH:
"Não raras vezes ficamos deslumbrados diante das maravilhas tecnológicas da
contemporaneidade. Não é incomum que nos sintamos privilegiados em viver dias grandiosos,
repletos de magníficas descobertas, de realização de sonhos que, por milênios, sequer ousáramos
sonhar. Cientistas estimam que os conhecimentos acumulados dobrem, vertiginosamente, a cada
três ou quatro anos, e ensoberbecemo-nos - não sem razão- por essa façanha!
Esquecemo-nos, contudo, muitas vezes, que não são essas as principais conquistas da
humanidade (esquecemos mesmo que não são conquistas para todos, que as benesses
tecnológicas permanecem inalcançáveis miragens para a maioria, que multidões famélicas se es-
praiam pelos cinco continentes em permanente anacronia com a modernidade).
Quais, então, as vitórias humanas que evocam o mais justo orgulho, as que melhor
expressam a qualidade de nossa evolução desde os primórdios?
Nem arquitetônicas, nem médicas, nem matemáticas, nem químicas, nem espaciais, nem
eletrônicas, nem informáticas, nem cibernéticas, são, antes de tudo, vitórias morais.
Se há algo que possa ser considerado essencial ao que chamamos "civilização" esse algo é a
construção, lenta mas inexorável, do edifício da dignidade de cada ser humano e de suas
comunidades.
Não há obra mais bela do que a consciência ética. Podemos dar diversos nomes a esse
tesouro. "Direitos Humanos" e "Cidadania" são duas expressões emblemáticas da
contemporaneidade para representar tal patrimônio.
Evidentemente, ainda falta muito. Todos sabemos o quão pouco respeitada é a maioria dos
cidadãos do planeta.
Grande parte dos de países ignora solenemente a questão dos Direitos Humanos. No
entanto, os poderosos vivem tempos cada vez mais incômodos. A barbárie já não é bem tolerada
e, a cada dia, outras vozes se elevam, outras mãos se entrelaçam, em clamor universal por
solidariedade.
Não é apenas poética, o que já seria encantador. É política, e da melhor qualidade.
O muito que há por fazer já não pode mais roubar-nos a esperança obreira, seminal para o
hoje e para o amanhã.
Toda grande causa- e essa é, de todas, a maior- necessita seus marcos de referência. Eles são,
antes de tudo, legados históricos, patrimônios do espírito, reservas morais acumuladas.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos coroa, como síntese, o sofrido labor de milhões
por uma sociedade mais justa, e aponta, como competente mapa, os caminhos do presente e do
futuro desejados. Não está só, contudo, como marco referencial de civilidade. Ao seu lado, e por
ela engendrados, um corolário de pactos, convenções, tratados internacionais, dão testemunho
do valor de nossa razão e sentimentos, bem como de nossas imensas potencialidades.
"É só papel!", dirão os céticos.
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É luta transformada em letra, diremos nós. E constatação mas é também proposta. E roteiro.
Foram necessários milênios para que se admitissem paradigmas universais de caráter
igualitário.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma epístola humanizadora que nos
compromete com a lembrança do melhor de nossa história, que continua como promessa e
possibilidade. Sistematiza, dá ordenamento e justifica poderosamente o nosso fazer social.
Seus artigos são Atas da Humanidade!
Alguns teólogos cristãos progressistas dizem que a Bíblia continua a ser escrita, mesmo que
não nos apercebamos da função sagrada de muitos textos que produzimos na linguagem da
modernidade.
Se acreditarmos nisso, mui respeitosamente, poderemos considerar a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, ofertada por mãos do presente, como uma obra divinamente inspirada."
(Direitos Humanos, Conquistas e Desafios, Letraviva Editorial, Brasília, 1999).
3. Por que, no Brasil, a defesa dos (Direitos Humanos é rejeitada por muitos como “defesa
de bandidos”?
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É obvio que precisamos punir, dentro da lei e da ética, em nome de um bem maior, as
condutas individuais sociopáticas. Isso, contudo , é paliativo e não afeta a raiz do problema. E
simplista.
Além tudo, se, ao punir os criminosos, o Estado e seus agentes se portam como se também
criminosos fossem, rebaixando-se à práticas que significam perda de dignidade, dá-se um mau
exemplo à sociedade, cria-se confusão moral e caos, sugere-se que os "fins justificam os meios"
(com todas as consequências práticas que esse tipo de cultura traz ao dia-a-dia) e aumenta-se,
ainda mais, a ciranda da violência.
É preciso rigor e firmeza, sim. Mas isso jamais pode confundir-se com emocionalismo barato,
amadorismo, truculência, psicopatia auto-justificada. Não se pode combater condutas destituídas
de senso moral à partir da abdicação do senso moral. A repressão à práticas socialmente lesivas
precisa ser enérgica mas sem perda da identidade de valores do sistema democrático e de seus
operadores.
Obviamente, grande parte da sociedade, não por má fé mas por ignorância, desconhece isso,
acreditando que a violência no combate à violência é que vai assegurar a paz social. Nesse con-
texto, não por má fé mas, por ignorância, como se disse, a militância por direitos humanos passa a
ser vista como "um estorvo", um "impedimento ao trabalho da polícia", um "estímulo à
impunidade", uma "defesa de bandidos".
A segunda razão das resistências está afeta ao período da ditadura militar e à herança que
dele carregamos.
Na fase da ditadura, compreensivelmente, as Organizações de Direitos Humanos e a Polícia
estavam em confronto.
A ditadura acabou, felizmente, e ingressamos - ainda que recentemente, em termos
históricos - na normalidade democrática. Em períodos assim é possível, por herança cultural, que,
equivocadamente, parte das organizações continuem vendo a polícia como inimiga e vice-versa.
Ao contrário, precisamos perceber que as políticas públicas de segurança e seus operadores
diretos são sustentáculos indispensáveis da democracia, que têm como missão resguardar e pro-
mover os direitos humanos.
A população, especialmente a mais humilde e indefesa, sofre, cotidianamente, os efeitos
perversos do crime e da insegurança. O crime gera pobreza e dependência, uma vez que impede a
liderança popular autônoma, o livre empreendedorismo, a livre organização e a possibilidade de
um ensino desamarrado de contole local e censura (fechamento de escolas, ameaças a diretores e
professores, cerceamento da atividade de grupos religiosos, etc.).
Assim, se atacarmos a polícia como instituição, estaremos atacando a próprio povo que a
permissionou e que dela necessita.
A confusão entre polícia e más práticas policais (estas, sim, merecendo ser denunciadas e
combatidas) pode incrementar uma rejeição popular à nossa causa civilizatória dos Direitos Huma-
nos e dar a falsa impressão de que não nos importamos com o combate à criminalidade.
Felizmente, cresce a cada dia o número de Organizações que percebem a importância desse
cuidado no trato, estando em curso uma nova forma de abordagem, mais adequada aos tempos
democráticos, mais precisa e mais prudente.
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Porque o Brasil tem um dos piores e mais cruéis sistemas prisionais do planeta. A
superpopulação, a promiscuidade de níveis de periculosidade, a falta de condições de higiene, a
má alimentação, o péssimo atendimento de serviços de saúde, a falta de atividade produtiva, o
domínio interno do crime organizado e/ ou das gangues, a presença constante de drogas e armas,
a violência interna e/ou a tortura como prática institucional, são algumas das mazelas que se
banalizaram na maioria dos presídios brasileiros (com as ressalvas, de sempre, às honrosas
exceções).
E por que devemos preocupar-nos com isso? Nessas instituições não estão os criminosos,
grupos e indivíduos que mereceriam tais maus tratos e desprezo por parte da sociedade que
agrediram?
Para responder a esta questão, em primeiro lugar, é preciso que derrubemos o mito da
penalização privativa da liberdade como um caminho de resgate da paz social e da segurança
pública.
A maior parte da população prisional não representa, efetivamente, possibilidade de danos
permanentes em termos de convívio com a sociedade. Os crimes cometidos foram ocasionais,
oportunistas, circunstanciais ou passionais e seus cometedores não apresentam continuidade de
risco para a integridade física dos membros das comunidades.
Então não deveriam ser punidos, não deveriam estar presos?
Deveriam ser punidos mas não necessariamente com a prisão. Precisamos evoluir para um
outro sistema, de sanções por reciprocidade, ao invés das sanções expiatórias que hoje oferece-
mos aos que de alguma maneira ofenderam a ordem pública e os direitos individuais.
As prisões deveriam estar reservadas apenas aos que representam elevado grau de
periculosidade e aos que comandam o crime organizado (também incluídos na primeira categoria).
Aos demais, as penas alternativas sérias e monitoradas seriam as únicas a fazer algum sentido,
especialmente as reparatórias, onde os sujeitos a elas submetidos submetem-se a recuperar os
danos que causaram ou, na impossibilidade de fazê-lo, a produzir algum bem social compensa-
tório.
No Brasil, ao contrário, prende-se como regra. Prende-se e joga-se o preso- na maior parte
das vezes enquadrado na descrição da maioria, como acima caracterizada- nas garras das gangues,
do crime organizado e dos psicopatas que dominam os ambientes prisionais. Por isso, em nosso
país, é hipócrita falar-se em "recuperação" e em "educação" ou "reeducação" à partir das prisões.
Como regra, as prisões são deformadoras do caráter, centros de tecnologia de delinqüência,
redutos de socialização da sociopatia, fábricas de criminosos, "universidades do crime"- no dizer
dos próprios prisioneiros.
Gente boazinha não sobrevive às penitenciárias brasileiras, de forma geral (à exceção, para
ser justo, dos que encontram guarida em algum grupo religioso). E preciso corromper-se, tornar-se
subserviente, ingressar na lógica perversa da truculência interna.
Assim, as prisões têm sido um de nossos grandes focos de insegurança pública.
A par disso, há uma questão de ordem moral: se não sabemos tratar humanamente os que
nos trataram desumanamente; se, em nome da dor que sentimos e de nosso desejo de vingança,
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admitimos o submetimento de quem quer que seja à fome, ao frio, à promiscuidade, às doenças, à
tortura, à morte, em que nos diferenciamos dos que condenamos?
Se somos capazes de atos psicopáticos, acobertados na "normalidade"do sistema, contra os
que nos ofenderam como sociedade e indivíduos; se nos sentimos autorizados à perversidade
contra os perversos, como podemos esperar construir um mundo de justiça e paz?
Se nossos princípios morais são negociáveis, conforme nossas justificativas pessoais ou
grupais e nossas motivações emocionais, qual a diferença entre os que privamos da liberdade e
nós, aqui fora? Estaremos todos presos pelo ódio e condenados às sombras da violência que nos
habita.
Ralph Emerson dizia que "o que somos fala tão alto que não se escuta o que dizemos". Se
reclamarmos justiça e não a praticarmos, se exercermos crueldade- mesmo que contra os que nos
ofenderam- não passaremos de uma fraude.
O que aqui se propõe pode não ser fácil - como não é fácil a manutenção coerente de
qualquer compromisso moral em circunstâncias adversas- mas é absolutamente imprescindível se
desejamos viver em um mundo verdadeiramente civilizado.
Os Direitos Humanos transcendem as causas partidárias e não devem sofrer nenhum tipo de
"alinhamento" ideológico.
Evidentemente, transcender não significa prescindir e todos os partidos estão conclamados à
aderir e promover a Declaração Universal dos Direitos Humanos bem como os pactos, tratados e
declarações que lhe foram subsequentes, desde que o façam não em proveito corporativo mas em
proveito da humanidade.
É claro, contudo, que nem todos os tipos de partidos estão disponíveis a ideário de tal
conteúdo.
Os Direitos Humanos, como proposta, não são neutros, uma vez que se constituem em uma
clara disposição política ampla. Por outro lado, devem ser assumidos com imparcialidade (mesmo
pelos partidos que os acolhem), a fim de que não se submetam a interesses auto-direcionados,
fragmentados e fragmentadores.
A mídia pode ser a mais poderosa aliada da causa dos Direitos Humanos ou sua mais danosa
destruidora. Paradoxalmente, ela tem feito as duas coisas.
Por um lado, a mídia divulga e socializa conhecimento de atos e processos ofensivos aos
direitos das pessoas, das comunidades, das nações. Por outro, como essa divulgação, em geral,
não é criteriosa e nem se propõe, via de regra, a provocar reflexão que leve a juízo de valor (é
mera "notícia"), banaliza a dor, causa medo, sentimentos de impotência, insensibilidade e até
mais hostilidade.
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A verdade é que quase ninguém gosta de controle mas, em uma democracia, o controle
externo é imprescindível, e deve se fazer sobre todos os poderes, formais e informais. Nesse
contexto, não creio que alguém tenha a desfaçatez de questionar o poder hipnótico predominante
da mídia.
Não se fala, aqui, de controle autoritário estatal mas de controle social. Não é, portanto,
censura. Ao contrário, o controle social pode liberar a mídia de grande parte da censura cotidiana
que sofre, insidiosamente, mesmo que formalmente negada. Pierre Bordieu, em sua sumamente
interessante e fundamentada obra, Sobre a Televisão (Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1997),
propõe como ardiloso e enganador o argumento da mídia, na maior parte das democracias, de
que se apresenta livre de qualquer forma de censura. Alerta-nos, ao contrário, para a censura dos
interesses do capital, brutal, imperiosa, permanentemente atenta, reguladora e seletiva.
Assim, organizar formas de controle social sobre a mídia (especialmente quando recebedora
de concessão pública), é um direito e um dever dos cidadãos, que querem viver em um mundo e
em um país melhores e que os querem melhores também para seus filhos e netos.
No Brasil, campanhas como a "Ética na TV-Quem financia a baixaria é contra a Cidadania"
(www.eticanatv.org.br) são alvissareiras novidades, que devem receber a massiva adesão dos
militantes de direitos humanos, dos operadores do direito, dos operadores de segurança pública
(sobre quem deságua, por dever de ofício, o combate ao crime e à todas as formas de violência),
dos operadores midiáticos conscientes (submetidos à castradora censura do capital) e de todas as
mulheres e homens de boa vontade.
Evidentemente, nesta análise, todas as honrosas execessões devem sentir-se ressalvadas.
As Organizações Não Governamentais são, no mundo inteiro e também no Brasil, uma forma
razoavelmente nova - como "rede" - da sociedade responder aos desafios, que se lhe apresentam,
de promoção da educação, da justiça, do direito, da inclusão, da paz.
São articulações que se responsabilizam, de maneira não "filial", não "vitimista", em inovador
estilo de encarar as relações e expectativas sociais para com o Estado, pela construção de um
mundo novo possível. Tal processo passa, inclusive, pela pressão para que os poderes públicos
façam a sua parte, mas a isso não se limitam.
As ONGs possuem, hoje, uma crescente consciência de que uma das formas mais
competentes de mobilizar o Estado é mobilizar a sociedade para "fazer acontecer", criar,
empreender, assumir, resolver.
Sem abdicar da denúncia consequente, da cobrança necessária, as ONGs mais significativas
no planeta são as que descobriram a força autônoma da cidadania organizada, a capacidade da
sociedade representar-se a si mesma (uma vez mais, sem menosprezar e sem deixar de promover
o valor do sistema democrático de representação indireta), a potência concreta de construir
modelos anti-hegemônicos que funcionam e apontam - para além do discurso -as alternativas
acontecendo.
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Através de pesquisas comparadas, tanto o professor Robert Putnam quanto o professor David
Landes, ambos da Universidade de Harvard, concluíram que o desenvolvimento com justiça social,
com bem-estar, passa, necessariamente, pela capacidade e oportunidades de empreendedorismo
social, pela formação, no dizer de Putnam, de "redes de engajamento cívico"
Desenvolvimento e justiça só são possíveis onde há protagonismo cidadão, onde a gente
simples rompe as amarras do vitimismo e da dependência e assume as rédeas de seu próprio
destino.
Tal realidade histórica mostra-nos que desenvolvimento para todos só é possível nos quadros
da democracia participativa. Onde não há liberdade de organização e expressão não há
possibilidade de riqueza distribuída. Todo autoritarismo é, intrinsecamente, concentrador.
A promoção dos Direitos Humanos garante precisamente isso: oportunidades e estímulo para
empreender, congregar esforços, reivindicar, escolher, decidir, criar.
Dada a grave realidade nacional e internacional, onde o crime e a violência ameaçam, a cada
dia mais, as liberdades individuais e coletivas e as instituições democráticas, é preciso que a
segurança pública seja resolutamente percebida como inclusa no mais fundamental rol dos
Direitos Humanos.
É por isso que seus operadores diretos (policiais, bombeiros, agentes penitenciários e guardas
municipais), devem considerar-se e ser considerados, cada vez mais, como promotores de direitos.
E, é claro, como tal se portarem.
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Se, como vimos anteriormente, para haver desenvolvimento com justiça, é necessária a
existência de liberdade de organização e expressão, de liberdade de empreender, de liberdade de
aprender e ensinar, então a segurança pública é, obviamente, fundamental para tirar o Brasil do
atraso e oferecer oportunidades de crescimento a todos.
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Em um país como o nosso, onde a maioria da população é pobre e desprovida dos cuidados e
da proteção que deveriam ser oferecidos pelo estado, a inexistência de políticas públicas
eficientes e eficazes pode acarretai; na maior parte das comunidades, em um domínio - a um só
tempo brutal e paternalista - do crime organizado. A fim de viabilizar e proteger seus pontos de
distribuição local e venda, a atividade criminosa incrustra-se nas comunidades desprotegidas e usa
seus habitantes, como escudos e como mão-de-obra barata (fenômeno agravado pelo
desemprego, pelo subemprego e pelos baixos salários pagos pelo mercado legal).
Em sua coluna do dia 06/01/2004, no Jornal Zero Hora, em um texto intitulado "O fim dos
tempos", o jornalista Paulo Sant'ana chama-nos gravemente a atenção sobre a tragédia social,
representada pela violência criminosa, que se abate sobre a vida, as esperanças e o parco
patrimônio das famílias pobres, obrigadas a viver nos "domínios feudais" dos traficantes.
Reproduzo, abaixo, partes do contundente alerta:
“Mas ouso dizer que um fato criminal mais grave ocorreu no dia 26 de dezembro passado na
Vila Sananduva. A residência do presidente da Associação de Moradores foi invadida pelos
traficantes locais, que na ausência do chefe da família agrediram seu filho de 17 anos a socos,
pontapés e coronhadas.
E deixaram uma ordem da chefia do tráfico: se o morador, Jocenir da Rosa, 35 anos, não se
mudasse do local, seria eliminado.
Os traficantes acusam Jocenir de tê-los delatado à polícia.
Jocenir decidiu largar seu emprego de vigilante, a Presidência da Associação de Moradores e
uma cadeira no Conselho do Orçamento Participativo e mudar-se para o interior.
Como é que pode não ser garantido a um cidadão o direito de morar em sua casa? A que
ponto se chegou que uma pessoa é privada do seu emprego, de sua residência, de seus direitos
civis, pela singela ameaça de um grupo de delinquentes?...
Esse homem está sendo despejado de sua casa. Só a justiça pode despejar alguém, assim
mesmo por motivo justo.
Os bandidos equiparam-se assim, com esse despejo, ao poder da justiça.
Mas nem a justiça tem o poder de privar alguém de seu emprego. E os traficantes do Bairro
Mário Quintana, onde se encontra a Vila..., estão desempregando esse homem, estão privando-o
de seu trabalho e de seu sustento, um poder que nem a própria justiça tem.
Ou seja, o crime erige-se acima dos poderes constituídos.
Com esse exemplo, os moradores do local, como tantos que já mudaram de residência
impelidos pela violência reinante ali.. .ficam sabendo quem manda no lugar e qual a lei que impera
por lá. Ou seja, são pessoas dominadas pelo medo...
É o total colapso e deterioração do tecido social. Foi a pior notícia que li nos últimos anos."
Lamentavelmente, fatos como esse tem sido cada vem mais comuns nas vilas e favelas das
cidades brasileiras.
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O Estado tem, pelo menos, dois importantes papéis no campo dos direitos humanos:
indutor e garantidor.
Como indutor deve sentir-se obrigado a implementar políticas públicas educativas e
culturais destinadas a socializar entre a nação a consciência moral de direitos e deveres.
Como garantidor, não pode eximir-se de elaborar leis que repercutam a declaração universal
dos direitos humanos, de fornecer sistema de justiça imparcial e rápido à toda a população e de
implementar políticas públicas que garantam qualidade de vida social, cultural, educacional,
econômica, sanitária, civil e política à todos , sem privilégios ou discriminações.
Em tal labor, deve assegurar que as maiorias sejam respeitadas democraticamente, ao
mesmo tempo em que precisa zelar, sem vacilações - provendo espaço seguro de livre expressão e
desenvolvimento - também pelas "minorias culturais e políticas", especialmente pelas mulheres,
pelos negros, pelas populações indígenas, pelas pessoas portadoras de deficiências, pelas crianças,
adolescentes e idosos e pelos indivíduos e grupos de orientação sexual homoafetiva ou
bissexuada.
15. Só o Estado e seus agentes podem – violar Direitos
Humanos?
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Mas educação que não se confunde com mera escolarização. Educação que é descoberta e
construção de valores sociais.
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Coisa para pais que não são apenas 'guardadores' para escolas que não atuam como
medíocres "transmissoras' para militantes de direitos humanos que - sem negar a importância
democrática das denúncias - sabem transcender as emergências do cotidiano, para comunicadores
que são mais do que socializadores de notícias, para advogados, promotores e juízes que vão além
do formalismo legal mecânico, para policiais que se sabem pedagógicos, muito mais importantes
do que banais cumpridores de ordens inquestionáveis e sem sentido pessoalmente assumido.
Para tal tipo de educação os direitos humanos são o melhor mote, o melhor norte, a melhor
inspiração.
17. Quem são e como devem atuar os educadores de DH?
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Para que as emoções e os “achismos” não comandem as ações policiais no Brasil é preciso
capacitação. É o que diz o secretário Nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, num
momento em que o país ainda se questiona sobre a inteligência das ações do Grupo de Ações
Táticas Especiais no recente seqüestro em Santo André, que terminou com a morte de
uma refém de 15 anos.
Nesta entrevista exclusiva ao Comunidade Segura, Balestreri afirma que não se pode culpar os
policiais pela falta de preparo. O problema, segundo ele, está nos mais de 40 anos de
investimentos em armas e viaturas, em detrimento do capital humano.
Mas o secretário garante que as coisas estão mudando: antes do Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania, investia-se menos de 2% do orçamento em capacitação; hoje,
de acordo com Balestreri, investe-se 30%. A mudança se fará notar, segundo ele, a médio e longo
prazo, no contato dos cidadãos com os policiais.
Balestreri fala ainda do recém-criado Batalhão Especial de Pronto Emprego, novo setor da
Força Nacional que visa "disseminar doutrina e tecnologia de ponta para as polícias estaduais
e garantir a imediata atuação em casos de grave crise nos estados".
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A ideia de criar um setor especializado de apoio à Força Nacional de Segurança Pública surgiu
como uma forma de disseminar doutrina e tecnologia de ponta para as polícias estaduais e de
garantir a imediata atuação em casos de grave crise nos estados. Pela proposta, cada estado deve
ceder 50 policiais durante um ano, entre homens e mulheres, para receberem treinamento.
Após esse período, eles retornarão aos locais de origem com todo o equipamento utilizado
durante a capacitação, como viaturas, armas letais e não-letais, coletes e capacetes balísticos de
última geração. São investimentos que com certeza terão impacto em grupos de operações
especiais, mas que os estados não teriam recursos para fazer.
O Bepe poderá atuar em casos como o de Santo André e o do ônibus 174, no Rio?
O Bepe poderá atuar, sempre a pedido do governador, em momentos de grave crise em que
as forças locais realmente não consigam resolver a situação como uma ameaça de chacina em
presídios, conflitos agrários etc.
É importante lembrar que o Bepe, assim como a Força Nacional, não tem a função de
substituir as polícias locais, mas atuam em parceria. Esse novo batalhão vai ajudar a fortalecer os
grupos especiais nos estados para que possam fazer seu trabalho com técnicas e equipamentos
adequados. O objetivo é que paulatinamente os estados recebam policiais tão bem treinados que
não precisarão de auxílio para resolver crises.
Haverá uma unidade do Bepe no Rio? Como ele se integrará com os outros grupos de elite,
como o Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar) e o Core (Coordenadoria de
Recursos Especiais da Polícia Civil)?
A unidade do Bepe que deverá chegar ao Rio de Janeiro vai ser especializada em disseminar
doutrina de atuação em policiamento de proximidade, a chamada polícia comunitária. Mesmo
assim, policiais do Rio de Janeiro também serão treinados pelo Bepe e repassarão os
conhecimentos aos grupos de operações especiais. Com certeza, policiais do Bope e do Core
poderão melhorar suas técnicas com o intercâmbio com o Bepe.
As polícias do Brasil estão preparadas para gerenciar situações com reféns e outras crises
que envolvam risco e imprevisibilidade?
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O policial lida com pessoas e com situações diferentes a cada dia e deve desenvolver
habilidades que permitam avaliar tecnicamente como agir em cada situação. A capacitação
adequada e baseada no conhecimento científico, prático e nos estudos de caso impede que as
emoções e os “achismos” sejam os comandantes das ações policiais. Sempre digo que no Brasil
segurança pública sempre foi feita com o fígado, e não com o cérebro, que busca a técnica mais
correta para cada situação.
Após o trágico desfecho do seqüestro em Santo André, que resultou na morte da refém
Eloá, o senhor disse que a polícia deveria ter usado um atirador de elite para alvejar o
seqüestrador. Existe algum tipo de manual a ser seguido nesses casos?
Não existem procedimentos padrões até porque cada estado define o perfil da sua polícia. A
Senasp sempre apresenta diretrizes indutoras de políticas públicas nesta área, mas não temos
como obrigar os estados a adotarem os mesmos procedimentos. Cada crise grave de segurança
tem algumas características em comum, mas é muito difícil determinar matematicamente como
agir em cada caso e ter certeza do resultado. A polícia de São Paulo avaliou que deveria negociar
mais e admito que foi uma atitude que tentou preservar o maior número de vidas possível.
Mesmo em situações críticas, o objetivo deve ser sempre a preservação do maior número
possível de vidas. Assim os profissionais de segurança pública devem ter técnicas, critérios e
habilidade para analisar a situação e decidir pela intervenção mais correta. O tiro de
comprometimento deve ser determinado após essa análise, pois cada caso tem suas
especificidades e níveis de tensão na negociação.
Existem estatísticas sobre gerenciamento de crises pela polícia no Brasil ou nos estados?
A Senasp não dispõe destes dados, considerando que as estatísticas fornecidas pelos estados
estão pautadas pelas categorias criminais.
A Senasp está investindo muito na formação dos profissionais de segurança pública em todas
as áreas: inteligência, uso progressivo da força, técnicas e tecnologias não-letais, gerenciamento
de crises, atendimento a grupos vulneráveis, identificação veicular etc. Implantamos a Rede de
Altos Estudos em Segurança Pública (Renaesp), que abrange a Rede Nacional de Educação à
Distância, que já capacitou aproximadamente 480 mil profissionais de segurança pública de todo
país (policiais civis e militares, bombeiros militares, peritos, policiais federais e rodoviários
federais) em mais de 20 cursos.
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BIBLIOGRAFIA
________, Milani, Guimarães e Cappi. Na Inquietude da Paz, Edições CAPEC, Porto Alegre,
2003;
Bordieu, Pierre. Sobre a Televisão, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1997;
A COORDENAÇÃO/ACW.
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COORDENAÇÃO ANDRAGÓGICA
DISCIPLINA > DIREITOS HUMANOS
DOCENTE: Profª Ms FÁTIMA SOUZA
ATIVIDADE ACADÊMICA
DISCENTE: _____________________________________________ DATA _____/___/2017
Com base na leitura desta obra literária, aonde estão inseridos conceitos e vivencias
práticas, responda ao seguinte questionamento: A FILOSOFIA ACADÊMICA DOS DIREITOS
HUMANOS PODE CONTRIBUIR PARA SE BUSCAR E PRESERVAR O TÃO SONHADO EQUILÍBRIO
SOCIAL? Justifique! Máximo de TRINTA linhas. Após, ENVIE para esta Coordenação.
1
2
3
4
5
6
7
8
9
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