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11 Estratégias para projetar ‘ate de tomar uma deciséo arquitetonice talvez possa ser despido da sua mistica quands se considera que um conjunto de operagdes mui to mais vidvel resulta em algo — nSo um estilo, sequer uma discigtina, mas um agregado indefinido de operagdes que foram inteligentes & adequadas e deram a uma situacdo a sua quarta dimensao. Peter Cook, Architecture Action and Plan Eu seria o voyeur de mim mesmo. Essa est/atégia, empreavei pelo resto do meu cativeiro, Permiti-me fazer, ser, dizer, pensar, sentir todas 88 COIS Que estavar em mim, mas, ao mesmo tempo, podia ficar de fora, observando e tentando entender. Brian Keenan, An Evil Cradling 11.1 Teoria e pratica No ultimo capitulo, vimos que é comum os projetistas mante- Tem um conjunto de principios condutores durante toda a vida profissional, Com muita frequéncia, essa bagagem intelectual ¢ montada durante a carreira, e cada projeto contribui de algum modo para ela, Vimos alguns exemplos de conjuntos de prin- cipios condutores e seria possivel apresentar muitos outros. A intengaa foi apenas indicar que, para encontrar variagGes con- sideraveis da abordagem do processo, nao & necessario incluir ideias revoluciondrias ou marginais sobre projetar. Espera-se que isso sirva de contrapeso para a parte inicial do livro, em que a énfase recaiu sobre os textos mais tedricos des metodologistas de projeto. Se desejamos obter alguma nocde real da camplexi- dade do processo de projeto, temos de estudar nao s6 0 que os. tedricos dizem, mas também o que 0s prafissionais fazem Os primeiros anos do movimento da metodologia de projeto foram caracterizades pela tendéncia a procurer caracteristicas comuns no processo de projeto ou, pelo menos, a classificar as 172 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM estratégias utilizadas para projetar. No inicio deste livre, examinamos alguns Mapeamentos do processo de projeto que, supostamente, seriam adotados por todos os projetistas. Os profissio- nais mostram uma realidade bem dife- rente. Eles falam bem menos de rotas claramente definidas do que dos seus interesses, abordagens e estratégias individuais. O nosso estudo anterior de alguns mapeamentos do processo de projeto mostrou que, embora mui- tos deles parecam bastante ldgicos, nenhum era realmente tao util assim. Os textos dos praticantes confirmam a opiniao de que nao ha uma rota tinica pelo processo de projeto, mas muitas. No entanto, nao basta confiar inteiramente no modo como os projetistas descrevern oque fazem. Se conseguissemos descre- ver com exatidao o que nos passa pela cabega quando projetamos, nao haveria necessidade de livros como este! 11.2 Comece pelo comeco Sabemos que © processo se inicia com algum tipo de problema e termi- na com algum tipo de solucao, mas como os projetistas vao do primeiro ao segundo? Examinamos os mapeamen- tos do processo de projeto e, em geral, os consideramos insuficientes, ja que nunca sdo exatos nem titeis. Assim, como exatamente os projetistas come- cam a trabalhar? Sabemos que raramente, para nao dizer nunca, os problemas de proje- to sao descritos por inteiro no inicio do processo. Também vimos indicios empiricos que mostram que os proje- tistas usam 0 que poderiamos chamar de estratégias centradas na solugao, © nao em problemas. Ou seja, dao mais @nfase em chegar & sclucao do que em entender o problema, Talvez agora o nosso exame da natureza dos. mas e das solucGes dos projetos mos! que isso é mais légico do que parece. Vimos que os problemas de projeto nao podem ser formulados de forma abran- gente e que as solugdes nao podem ser logicamente derivadas deles. No entan- to, a maioria dos problemas de projeto’ também é complexa demais pata que © projetista tenha todos os fatores em_ mente ao mesmo tempo. Entao, por onde os projetistas comecam e que tipo de estratégia empregam para avangary 11,3 Programa Em geral, o projeto comega com um programa de necessidades (brief) que, como se pode imaginar, o projetista recebe do cliente. Contudo, como os problemas de projeto nao podem ser descritos de forma abrangente, isso nos leva a perguntar o que esta e o que nado esta no programa! A resposta pode variar consideravelmente. O programa pode ser bastante completo em uma concorréncia de projetos. Por exemplo, em concorréncias arquiteténicas, pode haver um terreno, um resume das aco- modacées necessdrias e um conjunta de exigéncias, tudo redigido de maneira bem explicita. Isso é necessario no caso de concorréncias, em que o projetista provavelmente tem pouce ou nenhum contato com o cliente antes de inscre- ver-se. Em um processo de projeto mais. normal, a nossa pergunta naoé tao facil assim de responder. Uma reclamacao comum dos projetistas ¢ que os clientes nao os envolvem suficientemente cedo ne processa. Talvez os clientes achem que precisam de uma definigao clara do problema antes de contratar o pro- jetista, mas nao é assim. Em um estudo com arquitetos ¢ clientes, a maioria dos arquitetos argumentou que preferia se envolver no projeto desde o principio (Lawson; Pilling, 1996). Alguns clientes t@m experiéncia no assunto e podem até atuar profissional- mente no cargo. Cada vez mais, gran- des clientes de edificagdes pedem aos seus arquitetos que ajudem a desenvol- ver 0 programa arquitet6nico que, mais tarde, serd entregue a arquitetos bem diferentes. No entanto, muitos clien- tes de projetos tém pouca experiéncia em preparar programas. Eva Jiricna, arquiteta e designer de interiores, conta que, na sua experiéncia, “nunca, nunca mesmo recebemos do cliente um pro- grama com o qual pudéssemos come- gar logo a trabalhar" (Lawson, 1994b), Isso pode parecer problematico para 98 projetistas, mas, quando interroga- dos, a majoria deles fica bem contente de receber programas bem sucintos! © arquiteto malaio Ken Yeang prefe- Te até comegar com o que poderiamos chamar de “declaracio de intencées", com apenas algumas frases (Lawson, 1994b). A opinido de Michael Wilford ao descrever o seu trabalho com James Stirling 6 a mesma de muitos arquite- tos € projetistas: 11 Estratégias para projetar 173 Com 0 passar dos anos, descobrimos que © programa ideal provavelmente 36 tem uma ou duas paginas, mesmo no proje- to mais complexo. Muitos clientes acham ue tem de produzir algo com cinco centi matros de grossurs antes que o arquitete possa pér a caneta no papel. Praferimas do outro jeito; preferimos o minime pos- sivel de informagdes para que possamos entender 0 toda @, a08 poucos, aprimoré- la depois com detathes (Lawson, 19946) 11.4 Estudos de registros Para descobrir como o processo de pro- jeto realmente comega a desenvolver © programa e a formular uma solugio, precisamos recorrer a alguns dos mui- tos estudos de registros do processo de projeto. Esses registros foram feitos em condigées bastante variadas, mas todos tem em comum um ambiente ‘bem mais contralado do que normal- mente se costuma encontrar nos escri. térios, O processo estudado costuma ter duracao bastante curta, medida em poucas horas, e muitas vezes se encerra em uma tinica sessaq, E claro que essas condi¢ées sao artificialissimas, e deve- mos ter cuidado na hora de analisar as descobertas desses estudos. Nao surpreende que a maioria das estratégias para projetar come- ‘ce com um breve exame do problema como ele se apresenta inicialmente. No entanto, também € comum verificar que os elementos das solugdes, mais do que os problemas, comecam a sur- gir bem no inicio do processo. Em um desses estudos mais antigos, pediu-se aos participantes que projetassem um novo banheiro, e, invariavelmente, eles 174 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM comegaram a desenhar solugdes quase ma mesma hora (Eastman, 1970). Uma técnica experimental utilizada para externalizar e revelar 0 pensamento ao projetar é usar grupos de participantes gravar as suas conversas. Um desses estudos de alunos de arquitetura que projetavam uma creche foi gravedo em video ¢, depois, as palavras e as agées foram analisadas. Nesses registros, raramente 0s participantes demoravam a.utilizar expressdes como “isso sugere” ou “podiamos tentar”. Aqui se verificou que aspectos diferentes do problema eram examinados para descobrir 9 que sugeririam em termos de ideias de solu- ao, em vez de serem analisados como problemas (Agabani, 1980). Hé muitas maneiras de analisar os dados desses registros do processo de projeto. Uma centribuicio notavel para 9 tema veio de uma conferéncia em que todos os participantes analisaram os mesmos dois registros de projetos gravados em video. Ambos eram pro- blemas de desenho industrial, em um dos casos proposto a um individuo a quem pediram que pensasse em voz alta e, no outro, 2 um grupo (Cross et al,, 1996). Alguns pesquisadores tenta- ram decompor o processo em sequén- cias,, outros buscaram classificar os tipos de atividade cognitiva que acha- ram ter desvendado. Outros ainda ten- taram vincular os eventos do caminho rumo 4 solug3o a fases do pensamento, enquanto mais alguns se concentra- ram. no estilo cognitivo dos projetistas. Finalmente, os pesquisadores se con- centraram na inadequacao dos préprios registros para representar de forma apropriada a atividade real de projetar (Lloyd et al., 1995). Portanto, havia aqui material suficiente para publicar um livro maior do que este sobre apenas dois registros de projetos! 11.5 Estratégias heuristicas © exame dos registros feitos nessas sessdes de projetos atentamente obser vadas revela que a maioria dos projetis- tas adota estratégias de natureza heu- ristica. A esséncia dessa abordagem é@, ao mesmo tempo, ser educacional e buscar uma solucdo. As estratégias heuristicas ndo se baseiam muito nos primeiros principios teéricos, mas na experiéncia e em macetes. Para ilustrar esse principio, vamos examinar dois métodos de dimensionar as vigas de madeira do piso. No primei- ro método teérico, os calculos sao reali- zados usando a elasticidade e a tensdo de compresso ¢ de flexdo da madeira, ja conhecidas. Os cAlculos revelam a espessura necessdria pata a madeira no sé deformar mais do que 0,003 do vio e nao levar a tensa de flexdo e de cisalhamento a exceder o nivel permi- tido. Os edlculos baseiam-se em teorias comprovadas de mecdnica estrutural e seriam realizados por engenheiros estruturais, sendo necessaries para a aprovacio pelo drgio responsivel de fiscalizag&o de edificagdes. A alternativa a esse procedimento exato mas traba- Thoso é usar o nosso segundo método, o heuristico ou do macete. Ha muitas regras possiveis, como “para cada meio metro de vio de vigas de madeira com Jargura de 50mm e espagamento de 400 mm, a altura da viga corresponde a 25mm”, Esse método nao é nada preciso, mas o resultado nunca ficara muito fora dos conformes. No entanto, o método ndo apenas vai diretamente a solugao, como é educacional, no sentido de iden- tificar claramente a relagao fundamen- tal entre espessura e extensdo da viga.O macete também € muito mais pratico, ja que a madeira nao vem com uma varie- dade infinita de espessuras e, em geral, évendida em miltiplos de 25 mm. Esse macete 6 um bom modelo da estratégia heuristica téo empregada pelos projetistas. Uma ideia geral érapi- damente desenvolvida para os elemen- tos mais importantes da solucao, que depois, se necessario, podem ser confe- tidos por meio de métodos mais preci- ss € ajustados, Essas regras, a exemplo daquelas que relacionam espessura e vao, resolvem claramente o aspecto fundamental do problema de calcular o tamanho das vigas. No entanto, em situagdes mais complexas de projeto, mao é tao facil assim decidir o que é fundamental. Na verdade, o mais pro- vavel é que o importante ou fundamen- tal seja uma questdo de opiniao. Aqui © projetistas precisam de estratégias heuristicas bem mais sofisticadas. 11.6 Trés fases ini do trabalho como mesmo problema Para ver como isso realmente funciona fa pratica, consideremos brevemente 1 Estratégias para projetar 175 a abordagem de trés grupos de alunos de arquitetura em um concurso para projetar um grande prédio de escrité- rios para um érgao municipal. Depois de um periodo de trabalho bastante curto, 08 grupos apresentaram as suas ideias e pensamentos até entao. Aqui, portanto, em vez de trabalhar com Tegistros ¢ relatérios, podemos anali- ‘Sar as apresentagées feitas pelos alu- nos de projeto em uma das primeiras sess6es de criticas intermedidrias com os professores. © primeiro grupo comesou expli- cando que achavam que os fatores fundamentais eram as exigéncias ambientais do espaco dos escritérios (Fig. 11.1). Fizeram uma revisio de toda a literatura que conseguiram encon- trar sobre espaco de escritdrios e che- garam ao esboco de projeto de uma “baia tipica", mostrando os sistemas estrutural e de servicos para dar abri- go, energia, conforto e luz e, ao mes- mo tempo, mantendo 0 espago do piso relativamente ininterrupto para dar flexibilidade 4 disposicio dos méveis. Eles acharam que a edificagao poderia ser montada reproduzindo essas baias como desejado e conforme o terreno permitisse. Por sua vez, 9 segundo grupo par tin da opiniao de que o espago propria- mente dito do escritério nao era dificil de projetar ¢ concentrou a sua atengao em algumas caracteristicas bastante incomuns do terreno (Fig. 11.2), 9 ter- reno, um estacionamento no subur- bio, ficava entre duas avenidas radiais importantes, ligadas por um caminho para pedestres. Esse grupo notou que 176 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM © programa do concurso insistia na importancia de nfo apresentar uma imagem remota ou hostil aos contri- buintes de impostos. Eles decidiram construir o prédio de escritérios em torno de uma passarela coberta que tres e, assim, levava o publico geral atravessar o prédio., Junto com a intra- dugao de drvores, a inclinagaio do ter reno voltada para o sul e consideragoes: sobre a protecao contra o barulho das ruas movimentadas, o segundo grupo seguia a linha do caminho de pedes- conseguiu desenvolver propostas Os pllares ficam aqui Principals dutos de servigo Ree aes Tomadas elétricas podem ficar aqui | Grade de fixagio Fig. 14.1 Um grupo de alunos apresenta o trabalho inicial no projeto de um Grade estrutural praédio de escritérios | Boa vista —> Rua principal aes me Declive secundéria. do terreno. Bye L O segunda grupo Mee parece concentrar-se ‘em problemas bem diferentes implantagao € distribuigao de massas da edificagdo. Eles explicaram que a fase seguinte seria encaixar os varios departamentos dentro do prédio, ajus- tando o envoltério quando necessério. © terceiro grupo concentrou-se mais nos visitantes do que apenas nos habitantes regulares da edificagao (Fig. 11.3). Esse grupo estava preocu- pado em evitar as falhas que conside- ravam comums nesse tipo de prédio, isto é, grandes fachadas inescrutaveis ‘com interior estruturado de forma pou- co clara, no qual é facil se perder, Para eles, a estrutura da organizacao como um todo foi o estimulo para construir a forma, Todas as secdes ¢ departamen- ‘tos seriam claramente articulados com 0 uso de uma hierarquia de espacos abertos ligados a um patio de entrada central por rotas bem definidas. E dificil decidir se alguma dessas aberdagens é melhor do que as outras 11 Estratégias para projetar 177 e, sem divida, nao é possivel consi- derar nenhuma delas certa ou errada, Embora, 4 primeira vista, essas trés abordagens parecam bem diferentes, na verdade elas tem em comum basi- camente 4 mesma estratégia geral. Em cada caso, um grupo de subelementos do problema geral foi reunidoe elevado ao papel de gerador da forma. © que diferencia as trés é simples- mente o tipo de restricdo usada nesse papel central. O primeira e o ultimo grupos concentraram-se no modo de organizar a edificagao e escolheram restrigdes internas, enquanto o segun- do grupo examinou as restricdes exter- nas impostas pelo terreno. O primeiro @ 0 segundo grupos examinaram as restrig6es geradas por dois tipos de usuario, o funcionario e o contribuinte local. © primeiro grupo deu pricridade ao controle eficiente das condicgdes de trabalho e, portanto, reconheceu prin- Espago para funciondrios de escritérie Avie de entrada principal com instalacées: comunitarias Saguio de cada divisso administrativa com circulagde vertical ne atria Areas de espera e-de entrevista para cada departamento Fig. 11.3 Oterceiro grupo aumenta a variadade de abordagens possivels 178 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM cipalmente as restrigdes radicais. Por sua vez, o segundo grupo achou que a qualidade do lugar era mais importan- te e deu mais importancia as restric¢Ses simbolicas. © terceiro grupo, ao ser interrogado, ndo viu conflito entre elas e achou que a expresso fisica do érgao obtida na sua edificagao, além de per- mitir que o contribuinte se identificas- se melhor com ela, também dava aos funcionarios uma nogao de identidade ¢ de fazer parte do todo, criando assim um bom ambiente social de trabalho. 11.7 O gerador primario Vimos que a variedade de possibi dades pode restringir-se quando ini- cialmente se concentra a atencao em uma selecao limitada de restricoes ¢ se avanca rapidamente rumo a algumas ideias de solugao. Em esséncia, essa & a ideia do “gerador primario” que apre- sentamos no Cap. 3, mas de onde ele vere como funciona? Obviamente, muito desejavel que ‘9 gerador primario envolva questoes. que possam ser centrais ou decisivas no problema. No entanto, 0 central e 0 decisivo podem ser coisas bem diferen- tes, como veremos. Os alunos de arqui- tetura que projetavam a edificagao de um érgio administrative municipal usaram varios geradores ligados 4s funcdes radicais, as restrigoes de usu- arios e as restricdes externas do ter~ reno. Portanto, a primeira fonte dbvia de geradores primdrios @ 0 préprio problema, Encontrar as questées com maior probabilidade de serem basicas exige bom senso € alguma experiéncia, e todos os alunos demonstravam capa- cidade crescente de avaliagio desses problemas. ‘O que for usado como gerador prima- rio provavelmente também vai variar, até certo pont, de acordo com os varios campos e problemas de projeto. Maria Bellini, o projetista da maquina de escre- -ver portatil de esfera da Olivetti, en’ fatiza a diferenga, nesse aspecto, entre proje- tar artefatas estatices, como o mobilia~ rio, e aparelhos mecanicos ou elétricos (Bellini, 1977). E Gbvio que o desenhista: industrial tem de aprender a adaptar 0 processo de projeto a situacao. No capitulo anterior, vimes que os projetistas desenvolvem os seus Con juntos de principios condutores e que esses conjuntos costumam indicar 0 gerador primario de qualquer proje- to. Assim, & provdvel que © arquiteto @ engenheiro Santiago Calatrava, com © seu principio condutor de equili- brio dindmico, use restrigdes praticas: relativas 4 estrutura da edificagao. No entanto, ele mesmo observou que isso nao basta, e que sdo as restrigdes exter- nas locais e altamente especificas que muitas vezes o ajudam a criar formas: “Nao consigo mais projetar apenas um pilar ou um arco; preciso de um proble- ma bem definide, preciso de um lugar” (Lawson, 1994b). Para o projetista experiente, por- tanto, os principios condutores, quan- do comparados as restrigdes externas locais, podem geralmente criar material para a coletanea de questées que geram: primariamente a forma da solugao. O projetista usa essa tentativa inicial de solucao para provocar aos poucos (utras consideracGes, talvez de nature- a mais secundaria ou periférica. 11.8 A ideia central litas vezes, porém, esses peradores imadrios fazem muito mais do que lesmente dar a partida no pro- de projeto. E comum que o bom to pareca ter apenas algumas as ideias dominantes principais estruturam o plano e em torno S quais organizam-se as considera- s secundarias, As vezes, elas podem ‘ir-se a uma nica ideia principal recebe muitos nomes, mas que é ada com mais frequéncia de “con- ‘ou "partido". Em 1994, Jonathan Miller estreou no ent Garden como diretor de opera, endo também projetado o cendrio. No ‘ama, ele escreveu que “a artificia- le formal da obra faz parte do seu nismo essencial, pois demons- r2 a realidade sem representa-la ser- mimente. £ uma discussdo, nao um ério; um epigrama, nao um memo- ‘A sua producao de Cosi fan tut- e foi ambientada na época moderna e Stilizava figurines criados com exclu- Sividade por Giorgio Armani. 0 pablico #14 berm acostumado com a paleta res- Sta de Armani, que usa tecidos mono- aticos de textura macia e cores em geral limitadas a castanhos, beges Marrons. Essa ideia simples foi leva- para as cores e texturas do cenario, rrumado com bastante simplicidade, © qual havia uma grande parede de 11 Estratégias para projetar 179 fundo com uma abertura cercada pela insinuagao de uma arquitrave classica. Com todo o poderio técnico e finan- ceiro da Royal Opera atras de si, Mil- ler escolheu essa mensagem simples € coerente que transmitia com eficacia a sua interpretagdo de “demonstrar a realidade sem representé-la servilmen- te’. Sem divida, foi a determinagdo com que resistiu a todas as tentagdes de afastar-se dessa tinica ideia simples que tornou a sua producao tao memo- ravel em termos yisuais. OQ desenhista industrial James Dyson é famoso por varios produtos domésticos inovadores e, talvez, mais ainda pelo revoluciondrio “Ballbar- row", Dyson tinha experiéncia com o uso de carrinhos de mo tradicionais e sabia que, com frequéncia, atolavam no chao enlameado do jardim (Fig, 11.4). Ele transferiu de alguma experi- éncia anterior a ideia de usar uma roda esférica e adaptou a forma do corpo do carrinho para facilitar a mistura de cimento e para verter melhor o conted- do. Como diz Roy (1999), em toda o processo de projeto havia “uma ideia geradora essencial [.] uma roda em forma de bola”. Roy documenta esse e outros casos em que 0 processo de pro- jeto como um todo é impelido por uma ideia Unica e relativamente simples, mas revolucionaria. Qutro exemplo extraordindrio é citado por Nigel ¢ Anita Cross em um estudo fascinante sobre Gordon Mur- ray, 0 bem-sucedida projetista de car- ros de corrida. Foi Murray, quando trabalhava com a equipe de Formula Um da Brabham, que teve a ideia das 180 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM Fig. 11.4 De acorde com Robin Roy, James Dyson criou 6 seu revoluciondrio “Ballbarrow” trabalhande com uma "ideis geradora essencial” durante todo 0 processe de projetar paradas para reabastecimento no pit stop adotadas por todos os concorren- tes. Murray explica que pensava logi- camente em tornar o carro mais leve para que ficasse mais rapido. A ideia de correr com 0 tanque meio vazio passou. a sera forga motriz basica atras de um. imenso programa de desenvolvimen- to. Naquela época, os pit stops s6 eram usados em emergéncias e para trocar pheus. Murray calculou o ganho de tempo obtido com a carga mais leve e tempo maximo que se poderia dedi- car ao reabastecimenta sem perder a vantagem. A partir dai, veio a neces- sidade de projetar um modo de injetar © combustivel muito mais depressa e outro de aquecer os novos pneus até = temperatura da corrida antes de insta~ la-los. Ambas as praticas tornaram-se comuns e bem aceitas. Esses exemplos de campos de pro- jeto muito diferentes sio modelos 6ti- mos do processo criativo estudado no Cap. 9: um instante de inspirag3o que leva a uma grande ideia central ou fun~ damental combinado a determinagao tenaz e obsessao singular. A descrigao que Gordon Murray faz do prazer que” tem com o seu trabalho revela o pro- cesso: Isso € que é fantastico no projeto de carros da corrida, porque, mesmo que 2 gente tenha a grande ideia— a coisa da “limpa-_ da acesa”, que divertida -, a verdadeira diversio, na verdade, é pegar essas coisas separadas que nunca foram feitas e na mesma hora tentar pensar em um jeito de projeta-las, E no 86 pensar em um jeite. de fazer, mas desenhar 35 partes, mandar_ fazer @ testar (Cross, 19766), Essa ideia geradora central pode tornar-se importantissima para o pro-— jetista, para quem as vezes ela se torna ~ uma meta inatingivel. E tipico que os projetistas se dediquem 4 “ideia cen- tral" e trabalhem por ela. O arquitete Ian Ritchie explica a importancia disse no processo como um todo: Se ndo houver poder e energia suficien- tes nesse conceite gerador, na verdade 3 gente nao vai produzir um resultada muita: bom, porque hd esses trés anos mais ou menos de trabalho duro pela frente € © nico sustento, além da cordialidade dos anvolvidos, € 2 qualidade dessa ideia, que: ¢ a nossa comida. Essa & 4 coisa que nos alimenta, que nos mantém. Sabe, toda ver que a gente se chateia ou néo aguenta mais ou seja 0 que for, pademos valtar & tomar uma injegdo da ideis, e 3 fora dela fundamental. Ela tem de transmitir uma quantidade enorme de energia (Lawson, 1994b) Assim como a dedicacgao a ideia parece “alimentar" o projetista, como explica Ritchie, a sua busca, antes de mais nada, pode fazer o mesmo. A ideia central nem sempre aparece com faci- lidade e a procura pode ser bem demo- Tada. O arquiteto Richard MacCormac descreve essa busca: Esse nao é um modo sensato de ganhar a vida, ¢ completamente insano. Tem de ha- ver aquela grande coisa que a gente confia que vai encontrar, a gente n3o sabe o que 4, mas fica procurando e nao desiste (Lawson, 1974b) A ideia central nem sempre & €ntendida na hora que comeca a sur- ‘gir. Richard MacCormac descreveu isso ‘Ro desenvolvimento do projeto da sua elogiada capela do Fitzwilliam College, m Cambridge (Fig. 11.5). Bem no ini- tio do processo de projeto, adotou-se @ ideia de que o espago de culto seria objeto redondo no primeiro andar, ido num envoltério quadrado: *Em im estagio a coisa ficou redonda. consigo lembrar direito como foi". ente, 0 andar superior come- @ flutuar, solto da estrutura que s Sustentava. No entanto, sé quando pensava em problemas detalhados, x a solugdo do corrimao do baledo da escadaria, é que a equipe do pro- finalmente entendeu a ideia e dei- explicita a noglo de que o espaco ‘congregacdo era uma “embarcacao” 11 Estratégias para projetar 181 Fig. 115 « Acapela de Richard MacCormac no Fitzwilliam College, em Cambridge, mestrada em corte com o espaco de culto no primeiro andar Fig. 11.6 Dols esbogos de Richard MacCormac enquanto estudava a ideia da espaca de culto como “embarcacio” 182 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM (Fig, 11.6). Essa ideia, entdo, avanga- tia até configurar o detalhamento das juncdes construtivas que articulam © andar superior como se fosse um barco flutuante (Fig. 11.7). Richard MacCor- mac defendeu, de forma convincente, que seria muito improvavel que essa caracteristica do projeto surgisse caso os projetistas tivessem mudado entre 0 estagios de delineamento e de deta- Ihamento do projeto, como € comum acontecer hoje em alguns métodos de contratagao de edificagces. 11.9 Fontes de geradores primérios Nos exemplos examinados até aqui, a funcao dessas restrigées foi principal- Fig. 11.7 O espaco de culto mostrando a influancia da ideis da "embareagao" na escolha dos materiais ¢ nos detalhes dos juncdes mente radical, isto é, foram conside- ragdes sobre o propésito primario do objeto projetado. Os grupos de alunos de arquitetura que projetavam um pré- dio administrative municipal concen- traram a atengao em oferecer comuni- cago interna ¢ condighes de trabalho satisfatorias. Em geral, parece haver trés fontes principais de geradores pri- marios ou ideias centrais do projeto. Em primeiro lugar, e de modo bastante ébvie, como vimos, o proprio progra- ma, em termos das restrigdes radicais. envolvidas, Em segundo lugar, é sensa- to esperar que toda restrigao externa mais importante tenha impacto signifi- cativa sobre o pensamento do projetis- ta. O projeto da Ponte Severins sobre © Reno, em Golénia, ilustrado no Cap. 6,é um 6timo exemplo de ideia central de A we <= ee ee ew ee co > A 5 4 a a i] rT projeto que surge das restrigées exter- nas. Em terceiro lugar, podemos esperar que os projetistas tragam para o projeto especifico o seu programa continuo ou “principios condutores" (ver Cap. 10). Aqui isso merece mais exemplos. Como vimos no capitulo anterior, muitos arquitetos tém alguns princi- pios condutores baseados em restri- gdes praticas. Uma area especialmente popular no movimento modernista era ada estrutura, e a nogdo de “honesti- dade estrutural” constituia uma parte importante dos princfpios condutores de muitos arquitetos. Bill Howell (1970) explicou que, na sua pratica na Howell, Killick, Partridge & Amis, foi desenvol- vida uma filosofia da edificagao que eles chamavam de “arquitetura vertebrada”, na qual “o volume interior é definido e articulado pela estrutura real e visivel”, Howell mostrou como isso levou a um processo de projeto em que arquiteto e engenheiro trabalhavam num didlogo intimo para desenvolver a anatomia de cada edificagao. A primeira vista, essa abordagem parece bastante voluntario- sa, e, realmente, Howell (1970) admite que “fazemos assim porque gostamos”. Isso indica um processo de projeto guia- do por um conjunto geral de principios a respeito do papel da estrutura, no qual o gerador primario provavelmen- te é a forma estrutural da edificagao. A sequéncia de desenhos aqui mostrada, feitos durante o processo de projetar do prédio de Howell para o University Centre, em Cambridge, tende bastan- te a confirmar isso (Fig. 11.8). £ claro que esse processo de projeto nao pode excluir todas as outras consideragées; 11 Estratégias para projetar 183 elas apenas se organizam em torno das ideias geradoras primarias. Howell des- creve exatamente um processo desses com as préprias palavras: Quando pensamos na economia estrutural, na relagdo entre as divisées internas © 35 vigas salientes no piso, na relacSo entre re- vestimento e estrutura, @ assim por diante, tamamos decisSes que afetam a relagio, da anatomia da edificagda com o local & com 05 vizinhos, (Howell, 1970) E claro que essa estratégia ndo é “certa" nem “errada”. Ela simplesmente funcionou para esse projetista especi- fico e criou um certo tipo de arquite- tura que foi muito admirada (Fig. 11.9). Para exemplificar, podemos pensar em Arthur Erikson, que tem um conjunto de principios condutores bem diferen- tes sobre a estrutura e descreve assim © processo de projetar do Museu de Antropologia de Vancouver: Como em todas as minhas edificagdes, a estrutura s¢ foi considerada depois que as premissas principais do projeto, o formato: dos espacos ea forma da edificagio foram Seterminados |.) S6 quando a ideia esti bemredonds ¢ completa é que a estrutura deveria entrar em cena com a sua discipli- fa para dar feitio e substancia a uma forma amorfa. Nesse sentido, ela ¢ uma elabara- 30 posterior. (Suckle, 1980) 11.10 O gerador primario eas restricées fundamentais Neste ponto, deveriamos examinar a importancia do conceito de restrigao. Talvez nao seja 6bvio que o importante 184 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM para o cliente ou usuario nem sempre é fundamental no pracesso de projeto. No estudo de Agabani (1980) acerca da maneira comoos estudantesde arquite- tura percebem os problemas de projeto, uma das experiéncias exigia de pares de alunos que projetassem uma creche. Depois de ler o programa arquitetonico e assistir a um video do local, os alunos foram filmados enquanto discutiam o problema. O primeira comentario gra- vado de um par de alunos foi o seguin- te: “o mais importante é que teremos criancas brincando ao ar livre” (Agaba- ni, 1980). Agora, embora brincar ao ar livre seja mesmo uma exigéncia do pro- jeto de uma creche, dificilmente seria “a coisa mais importante”. No entanto, © mesmo projetista continuou: “entéo, de que jeito colocar todas as dreas de brincar para que elas possam ir de uma 4 outra?” (Agabani, 1980). Isso agora Fig. 11.8 Bill Howell chamou essa abordagem do projete de “arquiteturs wertebrada”, com aforma gerade principalmente 4 partir da estrutura. Essa sequéncia de desenhos mostra © proceso. em. funcionamento pode ser visto nao como uma avaliagio do que é mais importante para o cliente ou para o usudrio, mas do que ¢ funda- mental para o projetista, Nesse caso, a orientacio dos espagos principais para o lado protegido e ensolarado do terre- no, seguida pelo exame do acesso de veiculos, era fundamental para organi- zat a forma geral. Nesse sentido, essas restrigdes sao vistas pelo projetista como fundamentais para determinar a forma e, portante, merecedoras de wirar geradores primarios. Sem diivida, fazer avaliagdes sensatas sobre essas coisas ¢ uma questao de experiéncia e, talvez, uma das principais habilidades dos bons projetistas. 11.11 A vida do gerador primario Até agora, vimos que a pesquisa empi- rica e os indicios episédicos recolhidos corm projetistas profissionais mostram 11 Estratégias para projetar 185 Fig. 1.9 O projeto final dessa adificacso de Bill Howell mostra a influéncia do seu processo que as primeiras fases do projeto cos- tumam caracterizar-se pelo que pode- mos chamar de andlise pela sintese. O problema nao é estudado em detalhes minuciosos, mas de maneira bem geral, enquanto o projetista tenta identifi- car nao os problemas mais importan- tes (para o cliente), mas os mais fun- damentais para determinar a forma. Assim que se consegue formular uma ideia de solucao, por mais nebulosa que seja, ela pode ser verificada em relagao a outros problemas mais detalhados, Nos estudos experimentais jd mencio- nados, os resultados de Eastman e os de Agabani mostram © uso combinado de modificagées evolutivas e revolucio- narias das primeiras solugées. Na fase evolutiva, o projetista realmente segue © seu faro, modificando aos poucos o embrido de projeto enquanto o testa para ver se satisfaz as restrigdes e se tem falhas. Finalmente, a menos que © projeta se mostre um sucesso total, uma das seguintes coisas acontece 186 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM para interromper essa fase evolutiva: a forma geral da solugao se mostra inca- paz de resolver problemas suficientes ou sao necessdrias tantas modificagoes que a ideia por tras da solugao se perde e é abandonada. Nos dois casos, é pro- vivel que o projetista dé o passo reva- lucionario de enveredar por um cami- nho de pensamento totalmente novo. f nesse ponto que se exige mais criatividade do que engenhosidade A linha de pensamento se rompe e nao é mais sequencial. £ preciso fazer um esforgo para procurar um novo conjun- to de problemas ou um novo angulo. Na verdade, todo o gerador primario pode ser descartado em favor de um novo foco. J4 ouvi muitas converses entre alunos de projeto que discutiam o seu progresso em que um dizia a outro que “acabamos de comecar tudo de novo". Isso é impossivel; o proceso de projeto 86 pode comegar uma vez, & nao é pos- sivel negar as ligdes aprendidas, as ati- tudes desenvolvidas e a compreensao adquirida. Nesse contexto, portanto, “comegar de novo" significa procurar um novo conjunto de ideias geradoras: em torno das quais se possa montar 0 préximo ataque ao problema. Isso nos leva o mais perto possivel, até aqui, do cerne do pensamenta do projetista, pois a maneira como escolhe transferir a atengdo de uma parte do problema para outra é essencial para a estratégia de projetar, Em estudos experimentais, observamos muitas variacoes. Alguns projetistas s6é transferem a atengao quando chegam a um beco sem safda, enquanto outros parecem lidar com varias ideias em paralelo. Discutiremos isso melhor no préximo capitulo. 12 Taticas para projetar Parte da arte de lidar com problemas dificeis esta no ato de n3o saber cedo demais que tipo de soluco aplicar. Rittel e Webber, Dilemmas in a General Theory of Planning ‘Que ataques sbitos de inadverténcia surpreendam a vigilancia, leves distracdes seduzam a atencSo, e eclinses casuais da mente obscuregam aprandizado; e que o escritor muitas vazes persiga em vioa lembranca, no momento de necessidade, atris daquilo que cntem sabia com pranti- dao intuitiva e que amanb vird sos.seus penssmentos sem ser chamado, Samuel Johnson, Dictionary of the English Language 12.1 Métodos e taticas Em capitulos anteriores deste livro, j4 vimos que nao ha um “método” correto de projetar nem uma rota unica pelo proces- so. Neste capitulo, damos ateng&o a como os projetistas esco- Them controlar og seus pensamentos, conscientemente ou nao, durante o processo de projeto. Uma das caracteristicas enfu- recedoras da mente é que ela tende a exibir inércia direcional. Quantos de nés tenteram em vao recordar algum conheci- mento importantissimo, talvez numa prova, para depois vé-lo parecer, como se para zombar do nosso esforco, quando nao precis4avamos mais dele? Quantos de nos ficararm acordados & noite remoende varias vezes um problema na cabeca e, mes- mo assim, conseguindo apenas repetir exatamente os mesmos. passos, 86 para ver surgir uma ideia completamente diferente bem quando deixamos o problema de lado para nos concentrar em outra coisa? Essas caracteristicas e a mente distintamente criativa forarn identificadas no Cap. 9. Aqui daremos atengao 4 superacao das obstdculos ao pensamento produtivo e criative no processo de projeto. #claro que essas caracteristicas da mente humana nao sio uma quest&o apenas para projetistas; elas tem de ser aborda- 188 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM das por todos os pensadores criativos © produtivos. J4 se escreveram mui- tos livros sobre como pensar de forma mais produtiva, entre os quaisse desta- ca toda uma série de ideias apresenta- das por Edward de Bono. A maioria dos conselhos muito titeis e sensatos dados por esses livros pode ajudar os proje- tistas, mas é melhor lé-los no original, ®, portanto, eles ndo serao reproduzi- dos aqui. H4 um numero relativamen- te pequeno de principios por tras de todos esses conselhos, que se baseiam em controlar a diregdo ¢ a qualidade do pensamento, Até o famoso uso do “pensamento lateral" por Edward de Bone é uma exortagdo para néo confiar inteiramente no “pensamento vertical”, como ele diz. Bono caracteriza o “pen- samento vertical” como a ferramenta que usamos para cavar buracos maio- res e mais fundos, enquanto o “pensa- mento lateral" nos leva a cavar um novo buraco em outro lugar (Bono, 1967). Na werdade, ao projetar, sao necessdrios os dois tipos de pensamento, mas Bono e muitos outros ressaltam varias vezes que, quando pensamos, nao refleti- mos naturalmente sobre como estamos pensando para ver se é possivel mudar ou melhorar. Muitos mecanismos recomenda- dos para pensar mais produtivamen- te baseiam-se em mecanismos para mudar a diregao do pensamento. Mui- tas vezes, olhar um problema por outro lado pode ter um resultado bem espan- tosa. Nos livros mais recentes, Bono sugeriu imaginar que usamos chapéus ou sapates de outra cor (Bono, 1991), com 0 objetivo de nos lembrar perso- nagens e personalidades diferentes. Quando imaginamos ser esses perso- nagens, muitas vezes & possivel for mular o nosso problema de tal maneira que surgem novas ideias para resolvé- -lo. Qutra maneira ainda de questionar a diregdo do pensamento é interagir diretamente com outras pessoas. Téc- nicas como brainstorming (tempestade cerebral) e sinética baseiam-se no pres- suposto de que, num grupo de pessoas, nao é provavel que todas abordem o problema da mesma forma, e que, se a variedade natural dos individuos puder ser aproveitada, o grupo sera mais produtivo. Voltaremos a essas ideias no Cap. 15. Varios livros foram publicados especificamente sobre “métodos de projetar” (Cross; Roy, 1975; Jones, 1970; Jones; Thornley, 1963), No entanto, em geral ndo sao “métados” completos para projetar, mas técnicas para con- trolar a direcio do pensamento em certos estagios do caminho. Desde que © leitor néo espere demais dessas fer- ramentas mentais e esteja disposto a adapta-las, elas podem muito bem ser liteis. A intencao por tras deste livra nao é duplicar essas “receitas cogniti- vas", ¢ ha pouquissimos indicios de que os projetistas profissionais achem tais coisas lteis na pratica. No entanto, por tris de muitos desses truques mentais, hd um nimero relativamente pequeno de principics fundamentais que tam- bém podem ser observados no processo usado por projetistas bem-sucedidos. Alguns desses principios serao exami- nados neste capitulo. 12.2 Compreensao do problema Com muita frequéncia, os problemas do projeto sio formulados em termos das solugdes esperadas. Como vimos no inicio deste livro, as varias profis- sGes que projetam se dividem nao pelo tipo de problema que enfrentam, mas pelo tipo de objetos que criam. Mesmo dentro de um tinico campo de projeto, como a arguitetura, tendemos a pen- Sar nos projetos pelo tipo esperado de edificacao resultante, como escritérias, escolas, casas, hospitais etc. O bom professor de projeto toma © cuidado de chamar a atengdo do aluno para a necessidade de repensar o problema sem preconceitos sobre o tipo de solu- go. Quando a Open University come- Gou um curso chamado “Futuros feitos pelo homem’”, a equipe do curso achou importante dar esse tipo de ajuda a alu- nos que nao teriam necessariamente o nivel normal de contato com os profes- sores. Talvez por essa razdo, Reg Tal- bot e Robin Jacques inventaram o JIP, o jogo de identificacao de problemas- em inglés, PIG, ou problem identification game. Provavelmente 0 jogo em si é complexo demais para ser uma ferramenta util na pratica de projetar, mas as ideias que o embasam sao valiosissimas. A ideia do PIG é que o projetista va depurando o problema até obter um enunciado simples e curtissimo com © qual se possa identificar relagdes essencialmente problematicas. Essas relagdes ou “pares de problemas”, como dizem os autores do jogo, poder entao ‘Ser usadas para desenvolver outras e, 12 Taticas para projetar 189 assim, expandir a compreensao do pro- blema. Usam-se cinco truques mentais: pede-se ao projetista que pense em maneiras de ligar pessoas ou questdes por “conflito", “contradig4o", “complica- ao", “probabilidade” ¢ “similaridade". Desse modo, o jogo pode avangar com a identificagdo das pessoas envolvidas a situagdo de projeto por estarem em conflito, por verem as coisas de pontos de vista diferentes (contradi¢ao) ou por observarem que a situagdo pode nao ser tao simples quanto parece (compli- cacao). Como muitas técnicas de pen- samento criativo, esses mecanismos podem ser usados de forma autocons- ciente para mudar a diregdo do pen- samento que, nao fosse assim, talvez fosse canalizado numa unica direcao. 12.3 O modelo de problemas O modelo de problemas de projeto suge- rido neste livro pode ser usado da mes- ma maneira. £ possivel examinar um problema de projeto espiando todas as caixas que combinam geradores de res- trigdes, dominios e fungées, e tentando pensar em alguns problernas pertinen- tes ao projeto. Também é util pergun- tar: onde estéo, no modelo, as restrigdes fundamentais? Na maioria das situa- ges em que se projeta, ha um numero limitado de restrigdes absolutamente fundamentais e centrais. Nesse caso, 9 segredo do sucesso é identificar esses fatores e dar a eles mais atencao. Mais uma vez, consultar de vez em quando o modelo de problemas de projeto duran- 190 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM te o processo de projeto pode tevelar que a atenc&o estd se desenvolvendo de maneira bastante distorcida, De um modo bem simples, um aspecto do problema pode chamar a atengao do projetista, que decide encontrar uma boa solugao; no entanto, o exame do modelo como um todo talvez indique que esse pode nao ser um dos fatores basicos para o sucesso do projeto. claro que os bons projetistas conse- guem fazer isso sem a necessidade des- sas ferramentas e sem uma abordagem tio autoconsciente. O arquiteto malaio Ken Yeang explica isso muito bem: Confio no fare, na mo intuitiva, no jeite intuitiva do projeto [..] d& pare resolver tecnicamente problemas de acomodac’o, da para resolver problemas de vista etc. mas dacidir qual problema resolver pri- meire @ questio de faro |] ndo da para explicar, masa gente sente que estd certo, e em nove de cada dez vezes esta mesmo. (Lawson, 1994), 12.4 O método de Broadbent Talvez um dos programas mais ambi- ciosos para construir um método de projetar tenha sido desenvolvido por Geoffrey Broadbent (1973), para uso especificamente na arquitetura, mas que realmente tem muitas qualidades genéricas. Na verdade, é provavel que o método de Broadbent nao se sustente como método total, mas se baseia em quatro modos distintos de gerar formas em projetos, que ele chamou de méto- dos “pragmatic”, “icénico”, “analégico” e “candnico”. Ele chegou a essa taxo- nomia a partir de um estudo da hist6- ria da arquitetura e mostra como cada ‘uma das suas quatro técnicas foram utilizadas em varias épocas. Broadbent afirma que um método completo de projeto poderia levar o projetista a uti- lizar todas as quatro taticas de maneira ordenada e organizada e depois esco- Ther uma das solugdes produzidas. Nao ha indicios de projetistas que realmente trabalhem assim, mas vale a pena estu- daras quatro taticas € acrescentar uma, ferramenta util ao conjunto de taticas para controlar o pensamento projetual. © projete pragmatico é, simples- mente, o uso dos métodos de cons- trucio com materiais disponiveis, em geral sem inovagao, como se fossem selecionados num catdélogo. Desde que — © projetista tenha uma boa compreen- sao dos pontos fortes ¢ fracos das téc~ nicas tradicionais ja estabelecidas, nao ha diivida de que esse método tem asus utilidade. Em esséncia, é tradicional © conservador; portanto, constitui ums) abordagem de baixo risco e é imprava~ vel que leve a um fracasso drastico. praticamente, uma abordagem padrao, é pouco provavel que produza grandes projetos ou faga as ideias avangarem. No entanto, pode ser uma tatica precio- sa para identificar uma série de formas possiveis para o projeto todo ou para as suas partes. O projeto icénico é ainda mais con servador, ja que exige, efetivamente, que o projetista copie solugdes exis- tentes. Construtores especulatives d&o a impressio de trabalhar assim reproduzindo os seus tipos de cass padronizados, quaisquer que sejam 2s condigdes locais ou as restrigdes exter- nas do terreno. Embora seja improva- vel que agrade @ mente criativa, essa abordagem tem o seu valor e os seus partidarios. Conrad Jameson (1971), psi- eélogo comercial, criticou os arquitetos por comegar © processo de projeto com uma folha de papel em branco, como se cada problema fosse inteiramente novo. Com o uso de técnicas icénicas, os projetistas podem comegar com SolucGes existentes ¢ modificd-las para atender as novas condigées, Isso pode levar a uma estabilidade maior e a evi- tal 08 erros comumente encontrados quando os projetistas deixam de ver a inteligéncia com que os projetos verna- culares resolviam problemas, embora também seja possivel que essa técnica perpetue erros. O projeto canénico baseia-se no uso de regras como médulos de planeja- mento, sistemas de proparcgao e afins, ‘Os estilos arquiteténicos classicos e 9s seus sucessores do Renascimento deram oportunidade a essa abordagem, e ja vimos que Vitrivio e, mais tarde, Alberti redigiram regras assim. Mais recentemente, o “modulor” de Le Corbu- sier pode ser considerado uma tentativa de produzir regras candnicas que per- mitam projetos mais iconoclastas. Mais recentemente ainda, o sistema constru- tivo baseado na coordenacdo modular € m componentes padronizados gerou, ipicamente, resultados bastante moné- tones com o uso desse método. © projeto analdgico resulta do uso, por parte do projetista, de analogias om. outros campos ou contextos para eriar uma nova maneira de estruturar 42 Taticas para projetar 191 © problema. Como veremos mais adian- te, isso se baseia numa técnica genéri- ca amplamente recomendada para o Pensamento criativo. Sem divida, ha exemplos Gbvios do uso significativo do pensamento analdégico ao projetar. 0 uso de formas organicas na arquitetu- Ta, que permite gerar estruturas belas e também eficientes, é caracteristico do arquiteto e engenheiro Santiago Cala- trava, de cujo trabalho falaremos mais adiante neste capitulo. Os seus blo- cos de rascunhos de projetos contém muitos desenhos de partes do corpo humano, com as quais frequentemen- te ele obtém inspiragao em termos do modo como o corpo pode flexionar-se em muitas configuracées alternativas e estruturalmente estaveis para suportar diferentes padrées de carga. As analo- gias podem ser usadas para dar inte- Bridade 4 maneira de construir partes das solugSes de um projeto. Um étima exemplo ja citado neste livro (ver Cap. 11) @ o de Richard MacCormac ao des- crever o espaco de culto do andar supe- rior da sua capela Fitzwilliam como se “flutuasse” solto da estrutura abai- xo. A partir dai, a equipe descreveu a capela como uma embarcacao e, final- mente, detalharam a sua construgao de maneira visivelmente parecida com a de um barco. Na verdade, analogias com formas naturais e organicas foram utilizadas com frequéncia em todas as escalas de projeto, até mesmo no urba- nismo (Gosling; Maitland, 1984). Numa veia mais contemporanea, o arquiteto John Johansen explicou que usa uma analogia com circuitos eletronicos e fala até do “chassi", da “fiacdo" e dos 192 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM “componentes” das suas edificagSes: “Queria tomar emprestados os princi- pios ordenadores subjacentes e a sua légica sistematica e utilizd-los como modelo da metodologia arquiteténica” (Suckle, 1980), 12.5 Contar uma histéria 0 préprio Broadbent parece indicar que os métodos “analdgicos” sio os mais promissores dessas quatro taticas para a geragao de formas. Isso nos leva a outro mecanismo muito popular para ajudar o projetista a gerar formas: 0 da narrativa. De certo modo, ele pode ser usado como extensdo do método “ana- légico" de Broadbent, mas consegue ir muito além do uso de uma simples analogia. No projeto que podemos cha- mar de “narrativo”, o projetista - ou, mais comumente, a equipe -conta uma histéria que pode ser usada para unir as principais caracteristicas do projeto. Para quem esta de fora, talvez pareca meio infantil ou até bastante ridiculo, mas ha indicios consideraveis de que essa técnica @ muito utilizada e ajuda genuinamente alguns projetistas. Em alguns campos de projeto, a his- téria efetivamente ja esta 1a. De forma mais ébvia, os projetos teatrais real- mente exigem que o projetista inter- prete algum tipo de histéria. O mesmo acontece, em muitos casos, com o design grafico, principalmente na publicidade. Todavia, a ideia da narrativa também se tornou comum entre os arquite- tos. Em certos cases, 9 arquiteto conta uma histéria sobre os “personagens” que constituem os usuarios da edifica~ cao, os “papéis” que desempenham €- os “rituais” de que participam. Nesse: nivel, a arquitetura vira quase um tipo de cenario teatral no mundo real. Os arquitetos, porém, ndo se Tes-— tringem apenas a historias sobre usua- rios; eles contam histérias até sobre © aspecto bastante pratice da constr das edificagSes. Kit Allsopp tem ut uma metafora urbana para o projeto edificagdes individuais. Especificamen- te, ele usou os “aspectos familiares da vida urbana cotidiana” para imi como organizar e até construir as 8| edificagdes (Fig. 12.1). Pode-se ver um exemplo no seu tribunal de Northa ton (Hannay, 1991), no qual a ideia de” “ruas, drvores e céu” deu uma direg & forma geral do prédio ¢ ao detalhas mento do sistema estrutural. Como se pode ver nos esbogos do projeto, o ter reno, que era triangular, foi dividido ex fatias, como um “sanduiche", como ele, no qual a faixa central era conce: ida como uma rua entre dois prédics, em vez de um corredor no meio de um prédio tinico (Fig. 12.2). A “rua”, entad é detalhada como se fosse um espag ao ar livre, Podemos ver também q as colunas que sustentam 0 teto a ma da “rua” sao detalhadas como fossem um boulevard arborizado copa bloqueasse parcialmente o cé Ao se apegar fielmente a “histéria” d prédio, Kit Allsopp produziu um lugar muito admirado que visa néo parea separado do resto do tecido urban cumprindo assim um dos dois objet vos do arquiteto: “gravidade e acessi- bilidade”. £ claro que o interior dess= Fig. 124 Kit Allsopp contou uma “histéria” sobre “tuas, arvores @ céu" para ajudar a projetar esse tribunal de Northampton ‘edificacio é bem diferente, em muitos ictos, de uma rua convencional, ‘Mas aqui realmente isso nao importa. O que importa é que o arquiteto con- lerou til valer-se de uma histéria a edificago para projeté-la e, em equéncia, muitos aspectos dela m uma certa coeréncia em vez de cer arbitrarios. 412 Taticas para projetar 193 Fig. 12.2 ‘O prédio do tribunal de Northampton é construido em tame da sua propria “rua”, que tem até um boulevard arborizado O arquiteto John Outram descreveu um processe completo de projetar com base em histérias riquissimas e extre- mamente elaboradas (Lawson, 1994b). © seu método levou varios anos para evoluir, mas sempre se baseou em con- tar histérias com um trago mitolégico. Outram descreveu e demonstrou um processo de projeto em que faz o ter- 194 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM reno passal por sete estagios ou ritos. Aqui ele imagina que o lugar se submete a uma evolucio, e nao a revolucio stibi- ta do projeto. Desse modo, ele concebe o terreno, inicialmente, como uma “mata” ma qual entao se constréi um “cenota- fio", que acaba enterrado (“cataclismo”) reconstruido (“entablamento”), e entao co velho e o novo se ligam com a criagao de ur “vale” na paisagem. Preocupsdo com a ornamentacao, Outram vai até os ritos finais de “inscri¢do” e “fachada”. Ele chegou a revelar essas historias extra- ordinariamente complexas no traba- Tho que apresentou na Bienal de Veneza de 1991, mas admite que a maioria dos usuarios das suas edificagdes no “lera" essas histérias na arquitetura e a esse respeito mostra-se otimista: “Defendo o contrério, que para a maioria das pesso- as basta que saibam que ha um signifi- cado, isso lhes permite se envolver com ‘0 arquiteto no nivel que escolherem”. Para John Outram, todo o proces- so de projeto baseia-se na sua narra- tiva. Provavelmente esse uso extenso da narrativa é bastante incomum, mas Outram é um arquiteto incomum que produz uma arquitetura incomum! Sem duvida, a arquitetura de John Outram é bem diferente da de Kit Allsopp, € isso indica o poder e a flexibilidade de usar histérias como técnica para projetar. Na pratica de projeto, parece que con- tar histérias sobre a solugao por surgir é uma técnica bastante comum. Como veremos no Cap. 15, parece que contar histérias na pratica de projeto também ajuda a manter a equipe do projeto uni- da em torno desse mundo compartilha- do, mas levemente particular. 12.6 Uma ou muitas solugdes? A sugestao de Broadbent de que os s& quatro métodes podem ser usados: gerar solucdes diferentes para os pro tos nado recebeu aprovacao formal ger ralizada, mas, novamente, ele des outro conceito muito util, Deveria | processo de projeto basear-se no desex volvimento deliberado de uma solugas ou, a6 contrdrio, na busca consciente: solucGes alternativas seguida pela sele gdo e, possivelmente, pela combinags Muitas perguntas relativas ao proces de projeto ndo podem ser respondid de forma inequivoca, e esta no é exc ¢4o,. Parece que ambas as maneiras utilizadas por projetistas considerad ‘ bem-sucedidos. Antes de examinar & ideia de gerar alternativas e esi maneiras de fazer isso, vamos exal nar primeiro o caso da abordagem 4 solugdo tinica. Muitos projetistas rejeitam a id de gerar alternativas e, especifica mente, a de mostrar muitas alte: vas aos clientes. Essa parece ser questao do estilo particular de proj e administrar a clientela, mas leva o projetistas ao medo de que o clier escolha ideias de varias alternatives que sejam impossiveis ou dificilimas: de combinar, ou que resultem numa solucao incoerente ou desconexa, sem integridade. © arquiteto e engenheiro Santiago Calatrava acha que explorar alternati~ vas em demasia é sinal de dtvida e que, como finalmente tera de desenvolver uma solu¢ao Gnica e lutar para defen- der as ideias que a embasam, o projetis- ta deve acreditar nela, com exclusdo de tudo o mais: E preciso deixar a ideia corer e seguir com ela para se convencer |... ¢ claro que. a gen- te acritica e pede abandond-la e camegar de novo com outra nova, mas ndo é uma. questdo de ap¢io, 6 sempre um processo linear. (Lawson, 19946}. Talvez isso se parega com o que Philippe Starck descreve como “cap- turar a violéncia da idela’. De certo modo, pode-se pensar que abandonar uma ideia e buscar uma alternativa leva a perda da “inércia mental” neces- saria para desenvolver a ideia até uma Proposta factivel. Pode haver aqui um paralelo com dar nome a alguma coisa — uma crianca, talvez. Podemos olhar centenas de alternativas e nenhuma se destacar especialmente, mas assim que nos decidimos por uma delas & a usa- mos por algum tempo, logo ela se torna especial e parece “certa’. No entanto, Santiago Calatrava cer- tamente nao nos dizia que sempre vai direto para essa ideia unica e “certa”, mas que, para ele, o processo baseia-se em trabalhar com apenas uma solu- ao de cada vez. O arquiteto Richard MacCormac também acredita em evo- lugSo e revolugéo durante o processo de projeto, mas nao se entusiasma com a geragdo deliberada de alterna- tivas como processo consciente. Ele acha que o projetista consegue sentir alguma coisa na natureza do proble- ma a projetar que indica a probabili- dade de a geracao de alternativas levar ao sucesso: 12 Téticas para projetar 195 Ha alguns tipos de programa que estrutu- ram demais projeto |... & preciso sentir que, a menos que exploremos opsoes, va- mos perder alguns truques, enquanto em ‘gutros.casos— par exemplo, na competicao do St John's College, que vencemas — mer- guihei de cabera, por assim dizer, numa idea para o projeto que encantou ocliente @ que éra bem diferente dos outras proje- ‘tos inscritos. (Lawson, 19946), Infelizmente, Richard MacCormac ainda nao conseguiu exprimir com cla- Treza exatamente como funciona esse “sentir” a natureza do problema, Pare- ce que Denise Scott Brown, cuja pratica com Robert Venturi vai do planejamen- to urbano em grande escala, passa pela arquitetura e desce até o mobilidrio e a ceramica, também tem essa sensagao de que a geragade de alternativas fun- ciona em alguns problemas, mas nao em outres: ‘O.uso de apedes no planejamento 4 para obter democracis no processo. E preciso acomodar mais complexidade e enfrentar mais opedes politicas no planejamento urbane da que na arquitetura. (Lawson, 1994b) Pode realmente haver algo interes- sante no que Denise Scott Brown diz, puramente em termos de conveniéncia politica, mas a ideia de que ha uma hie- rarquia de problemas de projeto, como planejamento urbano no alto, a arqui- tetura no meio e o desenho industrial embaixo, tem valor limitado. Especi- ficamente, a ideia de que, portanto, o planejamento urbano é mais complexa do que a arquitetura foi questionada bem antes neste livro e considerada falha, Como logo veremos, Eva Jiricna, 196 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM na escala do design de interiores, traba- lha principalmente gerando alternati- vas. Assim, parece mais provavel que, embora Richard MacCormac e Denise Scott Brown achem que alguns pro- blemas sao mais adequados do que outros para a geracao de alternativas, na realidade e, pelo menos, na mesma medida, essa pode ser uma questdo de estilo e preferéncia pessoal do projetis- ta, ¢ nao uma caracteristica inerente ao problema. 12.7 Geracdo de alternativas ‘Vamos examinar o uso de alternativas e como os projetistas as geram. Nesse pro- cesso, o projetista gera muitas ideias, cada uma das quais com pelo menos algumas vantagens possiveis, em vez de se concentrar logo numa ideia $6. Assim, 0 processo torna-se uma ques- to de eliminar as ideias impraticaveis ou insatisfatérias e escolher entre as. que sobram, talvez combinando algu- mas ou varias caracteristicas. Dois defensores bem diferentes dessa abordagem sao Michael Wilford, que trabalha em escala urbana, e Eva Jiricna, que trabalha com. interiores (Lawson, 1994b). Michael Wilford a des- creve como “um processo muito sis- tematico de investigagao e selecio de opcodes” (Fig, 12.3). Eva Jiricna utiliza o estimulo deliberadamente calculado de experimentar varias combinagdes de materiais que, como eco de uma se¢ao anterior deste capitulo, ela chama de “ponto de partida da histéria”: Na primeira manhé, quando a gente co- mega a trabalhar no esquema, temas, digamos, dez alernativas, todas igual mente possiveis, Ai a gente passa por um processo de analisar e deservolver cada uma delas um pouco mais ficamas, diga- mos, com cinco. Esse processo continua @, finalmente, ficammos corr uma $6. € interessante que esses e outros projetistas presentes no estudo que usam a geracio de alternativas costu- mam mostré-las aos clientes. Parece que isso passa a fazer parte do processo de estabelecer o programa arquiteténi- co; uma maneira de extrair do cliente mais informacées sobre o que realmen- te deseja. No entanto, a discussao mais detalhada dessas questoes tera de espe- rar o Cap. 15. Para os que desejam praticar a geracao de alternativas, parece neces~ sdrio ter alguma base sobre a qual gera-las. Para Eva Jiricna, sao os diver- sos materiais; para Michael Wilford, é muito mais a disposigao dos princi- pais elementos no terreno. No entanto, Wilford avisa que esse processo nao é facil. Ele deu aulas em escolas de arquitetura e descobriu que os alunos costumam ter dificuldade para produ- zir uma série de ideias: Eles ndo conseguem se separat de uma solugSa ou projeto especifico para ofhar outros |...) ficam trancades numa solugla som ter uma série completa disponivel pars avalisr se aquela solurdo ¢ apropriada, Sem iss0, 0 processo tende a tomar-se efémera Assim, Wilford indica outro bene ficlo para o projetista da abordagem da geragdo alternativa. Ele imsinus, certa forma, que o territério esta ado, que a variedade de solucdes ssiveis esta identificada. E claro que Projetistas nunca sabem realmen- se identificaram todas as principais s alternativas de um problema. > entanto, muitas vezes pode haver mumero limitado de estratégias as, @ um projetista experiente Michael Wilford pode ter bastan- fianga de que todas as principais Ham encontradas. Identificar todas alternativas principais pode ser ssimo para as discussOes com ente ¢ para langar alicerces firmes fa. o restante do processo de projeto. sor de escolas de arquitetura e 12 Taticas para projetar 197 Fig. 12.3 Michael Wilford ~ descreve um proceso que envolve a geragao de muitas alternatives. Essas sao apenas algumas plantas possiveis imaginadas para a Politécnica Temasek, em Cingapura design costuma saber disso muito bem. Quando apresenta o mesmo problema auma classe, geralmente parece que so. ha meia duzia, mais ou menos, de solu- ges basicas vdlidas & sensatas, com muitas variantes e combinacGes. 12.8 Linhas paralelas de pensamento Muitas vezes, o desenvolvimento de ideias alternativas por projetistas experientes pode ser bem mais sofisti- cado do que a simples geracao de uma série de opcdes. Quando examinamos os desenhos feitos durante o processo 198 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM Fig. 12.3 Continuagao 3 is eo x de projeto, é possivel perceber o que podemos chamar de “linhas paralelas de pensamento” (Lawson, 1993a). Essas investigagées paralelas constituem o exame de diversos aspectos do pro- jeto. Assim, Eva Jiricna, que gosta de trabalhar a partir dos materiais, tam- bém tem de planejar os seus interiores em termos organizacionais (Fig. 12.4). © processo de projeto nao pede avan- gar simplesmente a partir do detalhe para o conceito espacial, ou no sentido inverso; ambos sao desenvolvidos em paralelo; “E um conceito espacial mas, na verdade, ele segue paralelo 4 esco- Tha dos materiais que existem e dos detalhes, Ai tudo se une e isso mu (Lawson, 1994b). Robert Venturi reflete isso coma aforisma irénico caracteristico (cita: de forma mais completa no Cap. 3) que “As vezes é o detalhe que det mina o geral”. O que Jiricna e Vent enfatizam aqui é que, pelo menos eles, o projeto avancga com a investiga cao paralela tanto dos detalhes qu: das questdes em grande escala. A ques~ tio central é a capacidade e a disposi go do projetista de permitir que duas ou mais dessas investigacées paralelas” acontesam sem tentar necessariamen- te resolvé-las cedo demais. Fig. 12.4 Primeiros esbacas do processo de projeto de Eva Jiricna, mostrande uma linha de pensamento sobre a jungao entre parede e teto Essa questéo, porém, nao é sim- Plesmente entre o detalhe e o geral. Os projetistas podem desenvolver e man- ter muitas ideias nebulosas e incom- pletas scbre varies aspectos das suas solugdes. Os esbocos feitos por Robert Venturi para a famosa Sainsbury Wing da National Gallery, na Trafalgar Squa- Te, em Londres, mostram isso com bastante clareza (Fig. 12.5). Ha plantas que tratam dos problemas de circu- lac&o, de levar um grande nimero de pessoas para dentro da nova edifica- Gao e de liga-la de forma satisfatdria com 9 arranjo axial do prédio original de Wilkins. Também ha esbocos das elevagdes, principalmente daquelas vistas da Trafalgar Square, onde ha 12 Taticas para projetar 199 edificagdes novas ¢ antigas (Fig. 12.6). 0 desenvolvimento dessa segunda linha de pensamento sobre a fachada cons- titui um estudo de caso especialmente interessante para nés aqui: Por exemplo, @ ideia principal da fachada da National Gellery veio no segundo dia em que eu pensave sobre ela em Londres. Eu estava ali em pé na Trafalgar Square @ vei assim de repente, @ continugu li, embora refina-la levasse muitos meses (Lawson, 19%4b). Esse comentario nos lembra de que as ideias podem aparecer de repente, Mas precisam de extenso refinamento, como vimos no Cap. 9. Contudo, na des- crigao que Venturi faz do processo de projeta como um todo, fica bem claro 200 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM que boa parte do refinamento é realiza- do paralelamente a outras ideias, sem tentar decidir cedo demais. A sequéncia de imagens mostra que Robert Venturi Fig. 12.5 ¢ Denise Scott Brown usam uma gran- de variedade de técnicas nesse pro- cesso de refinamento. Nesse caso, eles puseram as colunas da edificagao exis- Robert Venturi desenvolve na planta uma linha de pensamento sobre a ampliagio da National Gallery tente ne computador, o que lhes per- mitiu reproduzi-las e transformé-las & vontade, as vezes plotando-as para uso em modelos ou colagens combinadas a desenhos mais convencionais. Num estudo de registros de projetos ja citado nos Caps. 3 e 6, a andlise de Rowe levou-o a descrever o projeto que surgia com 0 uso de varios geradores primarios paralelos: Nesse estudo de case, podem-se identifi car varias linhas distintas de raciocinio que envolvem frequentemente o uso a prior de um principio ou modelo organizador ; x omaI% Y aso a 2a 12 Taticas para projetar 201 para conduzir © processo de tomada de decisées, (Rowa, 1787}. Num. desses registros, em que os projetistas trabalhavam num terreno a beira do lago, em Chicago, Rowe mostra que dois geradores primdrios permane- ceram na mente dos projetistas duran- te a maior parte do processo, sendo que um, afinal, dominou € incorporou par- cialmente o outro: Talvez a caracteristica mais notével do registro seja a atencdo dada pelos proje- tistas aos dois grandes temas de criar um Fig. 12.5 {continuagao) 202 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM marco cu ponte focal ede estendet linear mente 0 padrao das ruas de Chicago até 0 lago. Em todo o proceso, esses dois temas parecem quase competir entre si Primeiro um domina, mas recua de novo com o desenrolar do processo. No final, © esforgo de projetar se concentrou na proposta de um Unico prédio marcante, embora até entéa as cercanias imediatas fossem claramente controladas pela ideia do padrao das ruas. melhor Se examinarmos linhas paralelas de pensamento, pare- essas ——— en een tee Rea lta # ce que costumam refletir mai bem convencionais de pensar no de projeto estudado. No caso de Vent ri, ele pensava numa edificagao planta e elevagdo. No caso de Eva Jirie na, ela pensa no projeto como coleténes: de componentes e como organizagaa’ espacial. As linhas paralelas de pen samento ficam especialmente eviden- tes nos esbocos de Santiago Calatrava. Wale lembrar que jé vimos que ele néo usa deliberadamente o processo de Fig. 12.6 Linha paralela de pensamento sobre o prédio como elevagao gerar alternativas. No entanto, os seus esbogos sdo a prova clara de que ele pensa no projeto de varias maneiras simultaneamente. Calatrava trabalha com varios cadernos de esbocos aber- tos ao mesmo tempo. Como veremos no Cap. 14, ele prefere folhas de papel pequenas em vez das grandes, e esses cadernes variam de pequenas caderne- tas de bolso a blocos de folhas A3. Em alguns, desenha a caneta; em outros, trabalha a mo livre com aquarela, mas em escala aproximada; e em outros ainda, chega a fazer contas. Mostramos aqui esbocgos de dois cadernos para © projeto de conclusao da Catedral de Saint John the Divine, em Nova York, que foram apresentados para uma concorréncia por convite. Os esbacos esto na sequéncia original, mas com muitas lacunas, j4 que Calatrava é um 12 Taticas para projetar 203 desenhista prolifico, além de basear-se bastante em maquetes. No primeiro caderno, vemos claramente que Cala- trava desenhou principalmente cortes da edificagao para desenvolver um sis- tema estrutural. Um desenho da forma humana mostra um dos seus principios condutores em agao, no qual se inspi- Ta antes de voltar para refinar o corte da edificagdo (ver Fig. 14.3). Mas, no segundo conjunte de esbogos, vemos uma énfase maior na edificaggs coma envoltério, incluindo temas como a penetragao da luz natural e a relagdo entre os espacos internos e o nivel do solo externa (Fig. 12.7). Em todos esses desenhos e regis- tros, ha tanto areas de imprecisado quanto estudos detalhados. Isso indi- ca que os bons projetistas conseguem manter varias “conversas” com os seus Fig. 12.8 (continuacao) 204 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM desenhos, cada uma com termos de referéncia levemente diferentes, sem se preocupar se o todo ainda nao faz senti- do. Essa importante capacidade mostra a propensdo a conviver com a incerteza, de levar em conta nogGes alternativas e, talvez, até conflitantes, de retardar a avaliacfo e, ainda assim, de finalmen- te resolver de forma quase impiedosa e agarrar-se a ideia central. Isso indica que aqui, talvez, seja Util um tipo espe- cifico de personalidade e que a forma- Fig. 12.7 Sequéncia de esbocos do projeta de Santiage Calatrava para a Catedral de Saint John the Divine, ‘em Nova York gao do projetista precise inculear no aluno essas habilidades fundamentais. Entre outras coisas, isso também provo- ca algumas perguntas sobre os sistemas de projeto com o auxilio do computador, se ajudam ou atrapalham o processo, voltaremos a elas, mas s6 depois de examinar o papel do desenho com mais detalhes. Parece que uma caracteristica comum e importante desses processos de projete 6 a manutengao de linhas paralelas de pensamento. 13 Armadilhas do projeto Nesses casos, ha muita crenga naquilo que se deseja; a coisa mais facil de toda: nganar a si mesmo, Deméstenes O médica pode sepultar os seus erras, mas 0 arquiteto s6 pode acon- ‘selhar ao cliente que plante trepadeiras. Frank Lloyd Wright, New York Times 13.1 Armadilhas para o desatento Nenhuma drea do pensamento humano é tao cheia de armadi- lhas quanto o ato de projetar. Talvez pelo fato de os problemas encontrados ao projetar serem tao complexos e “traigoeiros” ou ardilosos, é comparativamente facil tomar decisdes que, examinadas posteriormente, parecem bastante ridiculas, Na verdade, a vida do critico de projetos é bem mais facil que a do projetista! Por criarem coisas que serfo usadas por outros, os projetistas se veem cercados de criticos, todos os quais pare- cem saber projetar, s6 que preferem nao ganhar a vida assim! Nenhum tipo de projeto tende a expor mais as fraquezas do eriador do que a arquitetura. O grande arquiteto Frank Lloyd ‘Wright, responsavel pelo famoso conselho citado na epigra- fe deste capitulo, falava claramente por experiéncia pessoal! ‘Como professor, vi mais projetos errados do que @ maioria e, em muitos casos, eles resultaram da queda do projetista em uma armadilha mental que é relativamente facil aprender a evitar. Este capitulo identifica algumas armadilhas mais comuns e discute maneiras de escapar delas.

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