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Experiéncias instituintes na educacao publica? Alguns porqués dessa busca Resumo Partindo de uma expresséo de Bourdieu, aque resata 0 ‘pensamento impensada” para a produgio de categorias com que delimitames nosso pensar, propomos discatit a educasio cacolar plies, através de movimentos poucos, perechidas e, portance, menos ainda, vilorados ‘a experiéncias instants nels vealiadas [Neste sentido, pesqusamas essas experi ncias, confrontando, nio sé inércias, esa Fiagées insieidar © exforgas de permanéncia ce concenttagio de privilgios, mas com outros fempenhos que tendem a alera, diferir e criar uma outta escola, em articulagia com wma ou tra sociedad, também mais just, mate amoro 43, mais inclidente © mais plural, superando « Ulteapassando aquelas formas de dominacio © manipulagio polico-pedagogicas. Faw Palavras-chave: Experincias inst ‘agio piblica, Movimentos. ror Tin & Folin Elsa de Pegi, Spreng cane ds PAPER] Pegi (ila tinhares Abstract Starting fiom a Bourdieu’ expression poin- ting out che importance of the “thought not thought” for the production of categorce wi hich we define our thinking. we propose to dliseuss public school education, eheough move ‘ments which have een litle noticed and, dhere- fore, even less valued: she sitting experiences ‘aried out in them, Yo thie way, we have reear- ch she insticaing experience, by graeping, not only inertial elements, institted statiiestions and attempes of maintaining and concentating, privileges, bu also efforts tending co alter, chan- ‘create a diffrent school, in swith a different sacey, algo more just, more loving, more inclusive and more plural, overco ring those forms of politico-pedagogial domi nation and manipulation Keywords: Insicuting experiences, Public scho- ‘ol Movements Tere Feel amineve. Caesenden de ALEPH - Pogama ‘ Exuovto em Format dr Prfsiona de Eaacgn, Co NP hurd er aigw Mi eda ie 0+ Eexagioem movers epaostenpese 5 a0 ste XH Se. sociologia do sistema de ensino e do mundo intelectual me patece pri rmoidial é porque contribui também pata conhecermoeo sjeto do ddo pensamento impensadas, que delimitam o pensivel epredererinam 0 pensado: bata pensar 0 univerzo de pressupostos, de censurae de lacunas ‘que toda educagso her sucedida leva a acitar€ a ignosat [.] (BOUR, DIEU, 1988, p.7). O Sonho acabou? Inércias e esperangas do pensamento impensado A epigrafe de Bourdieu (1988), com que abrimos este texto, esté inserita na aula inaugural por ele proferida no College de France, falando-nos de categorias do ‘pensamento impensadas, que delimitam o pensado, ressaltando, com muita proptie- dade, que nenhuma escola ¢ nenhuma educagio escapam de processos de selegio de mécodos ¢ mensagens que abrem ¢ fecham possibilidades de aprender ¢ de cnsinar, relegadas a infinitos a priori e a posterior, entranhados de naturalizagies, mas que repercutem no que fazemos, pensamos ¢ podemos Hi, portanto, nas Ligier da Aula, um foco permanente nos entrelaces que citcunscrevem os imbitos ¢ as modalidades da educagio e que, sem eessa, urgem por serem atrancados de uma imperceptibilidade, de um tipo de emudecimenco, que as fazem quase indiziveis e quase imemoriveis, por forga de decretos mudos, configurados permanente ¢ coletivamente. Dessas configuragées emanam valores, posicdes sociais, justficagées de privilégios, mas também inconformismos com 0 status quo, rebeldias ¢ movimentos instituintes. ‘Assim, nutrimos hipéteses de que cada vez mais se expande a nogio do quanto 6 processos e as instituicées educacionais ¢ escolares ora nos empoderam, como educadores ¢ aprendizes, como professores ¢ estudantes, para conhecer, para falar, para intervie na vida, ora nos emudecem, nos apaseentam, fazendo-nos negligen- tes conosco com a hist6ria, desapropriando-nos de nossas experiéncias, de nossas capacidades de sonhar e de nos comunicar. Tudo isso com conseqiiéncias no fluxo de ultrapassagens das virias diregbes com que o pensar, como acéo mailtipla, alarga © pensivel e, por conseguinte, o préprio mundo, de modos inesperados. Portanto, o que torna essas formas de pensar tio pouco pensadas é que clas nos constituem, ¢, portanto, seu enfrentamento nao é nada exclusivamente externo, objetivo, frio, Pelo contrério, qualquer estremecimento ou abalo nos lastros com que nos construimos repercute em nossos vinculos de pertencimentos, mediante 6s quais nos interconectamos reciprocamente com os outros seres humanos ¢ com suas instituigées, com os ambientes em que vivemos e com todos os seus compo- ‘Todas essas interdependéncias, que vio nos tecendo coletivamente, em grande parte jazem em tertenos ignotos, onde nos espreitam variados terrores, que a qual- Lptlnes nea ecco ac agrsprgls dea buca © 41 quer hora podem explodir. Essa possibilidade de explosio iminente alimenta tanto medos e inércias, como enfrentamentos, desafios e enigmas Estamos, assim, sempre atraidos ¢ receosos na conquista desses a priori e a posterior, com que possamos dilatar © campo dos conhecimentos, potencializando nossas intervensées na eduucagio, na escola, Afinal, queremos girar rodas, nas quais estamos nds préprios também girando, Por isso mesmo, Bourdieu alerta que “fa- zemos ciéncia [..] tanto em fungio de nossa prépria formagio quanto contra ela E s6 a Histéria pode nos desvencilhar da Historia’, Apesar de nossas pesquisas e agbes, muitas vezes, expressarem declaragées é cas e compromissos assumidos em favor da escola publica, até que ponto elas nos fazem perceber contradigies e ambivaléncias em relagées que sustentam estas Instituig6es como as que mantemos entre 0 estado e a sociedade brasileira. Como somos constituidos por todos estes feixes relacionais, no basta fazer citagbes, re- petir siglas e clichés. Importa que sejamos capazes de, com nossas pesquisas, “tocar também em nés” € nas diferentes maneiras com que estamos implicados na vida politica ¢ educacional Por exemplo, se é fieil repetir slogans a favor da educagéo publica, como, co- tidianamente, realizamos sua publicizagio? Como respé professores, apoiando-os em suas construgées demo Como os estimulamos em suas organizagées e em suas criagdes ¢ rectiagées dos processos de aprender e de ensinar? Por que mantemos distancias com as criangas que somos eas ctiangas com quem aprendemos do mundo vindouro que nelas sio prenunciadas? Para que aprendemos ¢ ensinamos? ‘As perguntas parecem ir se tomnando incbmodas & medida que se vendem e se amos as experiéncias dos cas dos saberes escolates? alastram conviegées de que as utopias se tornaram obsoletas ¢ com elas a pritica de perspectivar 0 fucuro, com alguma esperanga. Em ver delas, ganham espagos as priticas de acomodagio e a sedugio de confortos e sucessos propiciados pela ade- sio aos caminhos e modelos pré-fabricados, tudo isto implicando em aumento dos obstéculos para reconhecer as experiéncias instituintes que acabam dissolvendo-as em suas insurgéncias A Escola Publica e a Democracia se expandem. A que preco? A escola piblica que jé brilhow como um signo de uma instituigio exem plar quando os que a constituiram eram componentes das classes dirigentes, hoje tem suas condigdes de trabalho deterioradas com professores ¢ estudantes, em sta maioria, pobres ou empobrecidos. 22+ Eéxagioem movment epaostenpese 5 u0 ost XH Uma velha tradigio conformista nos faz ver e crer que 0 que se destina aos pobres convive com a precariedade e a provisoriedade permanentes: que 0 governo € 0 proprio Estado Brasileiro que o engloba, explora o jogo do terror e do favor, no 6 resvalando — como uma assiduidade espantosa para os arbitrios ditatoriais =, mas espalhando favores segundo as oscilagées de seus interesses eleitoreiros € suas barganhas calculadas. Assim, a expansio da escola piiblica realizada na época do autoritarismo mili- ‘ar foi estrategicamente mareada por um desmonte e segmentagio das instituigSes piblicas escolares, atingindo estudantes e profissionais da educagio, com a insta- lagio do terceito turno ¢ de uma série de dispositivos, com cardter regulatério ¢ legal, enderegadas aos professores, impondo reformas desde a formagao docente até a proibigio de grémios estudantis. Passadas mais de quatro décadas do golpe militar, a escola puiblica brasileira, tem tentado recuperar o prestigio ¢ a autoridade pedagégica que lhes foi subtraida. Para os que testemunharam 0 século XX no Brasil, no hé como esquecer os «s- forgos de toda a nagio e, principalmente, de seus educadores que se empenharam 1988) inscrevesse a exigéncia de concutso, como acesso obrigat6rio em qualquer cargo piblico. Este recurso visava proteger 0 Estado, legitimando o seu funcionalismo e, livrando-o dos conchavos € compadrios que num exercicio de manutengio de clitismos corrompia seus vinculos empregaticios ealvejava fortemente a escola. No entanto, a legalizagao do concurso c sua obrigatoriedade nao foram respeitadas. ‘As exigéncias de concursos puiblicos, com freqiiéncia, postergados ao maxi- ‘mo, mantiveram espagos vazios que, ora foram preenchidos por negociagdes, com em colher assinaturas para garantie que a Constituigio Cidad pessoal temporirio, para postos de confianca do poder oficial, com remuneragdes bem acima do padrio, ota, pelo contratio, como no caso dos professores foram substitutos por bolsistas € monitores, com uma remuneragio aviltante e sem ditei- tos trabalhistas e, ainda, sem uma formagio minimamente compativel com suas responsabilidades. Mas, num caso ou no outro, o estado se enfraquecia sem contar com um quadro estivel de profissionais que conjugassem em sua carreira experi- ncia ¢ formagao. ‘Além disso, importa assinalar que a saida de professores, através de diferen- tes modalidades de aposentadoria inclusiva com indugio de beneficios financei- 1s, ¢ sua substituicio por bolsistas ou monitores, com precatizagio de vinculos € competéncias foi também uma rdpida maneira de fazer com que as estatisticas de formacio de professores elevassem os indicadores de titulagio no que se refere aos quadros docentes. A rigor, estes substitutos sem vinculos empregaticios per- ‘manentes com os sistemas piiblicos de ensino cram desconsiderados, acarretando ‘uma melhora artificial nestes quadros. Mas, bem sabemos, os problemas néo param af, Um dos itens pouco investi- gados quando as pesquisas incidem na caracterizagio de professores é 0 niimero ‘prince usa ecg ithe agar prgls dea buca © 142 de horas para o qual estes profissionais foram concursados. Entio encontramos antagonismos irreconciliéveis, como secretarias municipais em que os professores ‘ém contratos de 12 horas, expondo-os a enfrentar a necessidade de ampliar seus rminguados salérios, com outros vineulos empregaticios, que o vio obrigar a aten- der as miiltiplas jornadas e em diferentes instituigdes. No caso do horério integral -, que volta ao debate € & pritica escolar atu- almente, também com uma justificativa, mas das vezes encoberta, de manter as criangas e 05 jovens perigosos na escola ~, os estudantes convivem com professores ‘com tempo reduzido e, em alguns casos, com uma dobra de trabalho. Como as lacunas continuam ¢ os estudantes requerem algum tipo de acompanhamento ‘entram em vigéncia bolsistas de diferentes programas, mas todos com formagao de poucas horas para desempenharem fungées de extrema complexidade, muito aci- rma do que seria sensato esperar de suas préprias trajet6rias educacionais, também cheias de distorgées, lacunas e negagées Se, ainda, considerarmos o ambiente escolar, em que desde o edificio precisa ser pensado como um elemento de estimulo de relagées aprendentes, as dispa dades, com muitas ordens de desqualificagées, constituem um quadro impressio- nante. Escolas sem janelas, com sanitérios obsoletos e expostos a problemas per- manentes, distribuigdo preciria ¢, as vezes, inexistente de égua ¢ luz, alimentagio faltosa e desaconselhsvel, segundo as recomendagdes compativeis com normas de uma nutrigio saudivel. Tudo isto, inviabiliza © funcionamento de computadores, de videos, que quando existentes na escola néo encontram condigées de funcionalidade dentro dos ambientes escolares. Além das pobrezas ¢ misérias dos entornos que, mais das veves, se fazem locus de grupos de delingiiéncia, “aconselhando” o engradamento destes laboratérios de informética, hé ainda a urgéncia de orientagio e formasio para miiltiplos usos dessas tecnologias, implicando em questées que transcendem as técnicas. Sem essas aprendizagens éticas para os usos tecnol6gicos, os acessos 3s, ‘ecnologias terminam resvalando na confirmagio de praticas nocivas, correntes na sociedade ‘Também um especial destaque precisa ser dado para os citcuitos da leituriza- ‘¢io em nossas escolas. Paulo Freite, apesar das intimeras citagies que dele se fazem, continua pouco escutado na maioria das escolas. Por isso mesmo a oralidade dos estudantes e de seus professores, como um veiculo de criagio do mundo, ainda tem sido pouco explorada e aproveitada. E impressionante, como uma grande maioria das escolas puiblicas funciona com poucos livros, sobretudo, livros que escapem das grades curriculares © que primem pelo fascinio ¢ ludicidade com que poderso ser folheados c lidos. Os ma- Ceriaisescolares que estimulem as aprendizagens também sio restrtos. Enfim, para rio alongar esta panoramica, ainda caberia trazer um répido flash da dimensio es- pages ergs exes pan ost XL tética das nossas escolas. As cores, ou a falta delas, se articulam com um mobilidrio deteriorado, com um edificio em condigées indspitas que ensinam a dificil ligio de que os que ali circulam estio desfiliados de um estado promissor, Enfim, se os tragos sio cinzas, para um ntimero expressivo das escolas piblicas brasileiras, nao podemos negar que politicas de produsio e distribuigio de livros didaticos tém sido desenvolvidas. Mesmo assim, o deserto esté tao artaigado © as areias de banalizagao da vida se fazem tio movedigas que os oss ficam difleeis de serem identifieados, mas nio podemos negligenciar no empenho de cartograli- los Nio temos diividas de que qualquer avaliagio dos sistemas publicos de edu- cagio no Brasil mostrard as extremas dificuldades existentes em nossa educagio publica e em nossas escolas. Mesmo assim, preocupa-nos, como a problematica encontrada vem sendo encaixada em desfiladciros reformistas ¢ autoritérios que 6 logram o agravamento das questoes de aprendizagem ¢ de cidadania que todos os sistemas escolares se propéem a desenvolver. A busca em percebermos, como pesquisadores e professores, 0 que a propria escola vem instituindo, como enca- minhamento para uma outra cultura escolar é 0 que constitui a centralidade de nossas pesquisas Estamos convencidas de que a complexidade contemporinea, com todas as mutagdes que se inter-relacionam com os processos de desinstitualizagio (DU- BET, 1998), que nao atingem s6 as escolas, mas a todas as outras formas institu- cionalizadas, como o casamento, a familia, a igreja, o trabalho, por exemplo, tém, como reversos, outros arranjos, que vio prenunciando outras formas de institui- a0, forjadas com marcas de embates e provisoriedades constantes, mas onde tam- bém nao estao ausentes os desejos e projetos de uma ética vivenciada com prazer com formas enigméticas. Pesquisar estas configuragées de escolas insurgentes que mostram uma preva- lencia ética em suas relagdes tem nos mostrado a importincia dos pensamentos impensados que tanto contribuem para os desalentos, como fomentam posigSes aguerridas, potentes, que tém uma longa fermentacio histérica, reaparecendo cem varias ¢ inesperadas frentes, que urgem por interligagdes com intensidade no acompanhamento de movimentos instituintes nas escolas ¢ em seus entrelaces com a formagio docente Bem sabemos que além de toda a histéria de expansio € aniquilamento da escola, que teve como agenciadores, nao s6 as politicas educacionais comandadas pela ditadura, mas também por governos democriticos em que nao foram des: preziveis as cumplicidades com os neo-conservadorismos ¢ os neo-liberalismos, ‘mas que também, foram alicereadas por tradigées conformistas, entranhadas na sociedade brasileira c reforcadas por acontecimentos de magnitude mundial, ma- nifestos numa economia globalizada ¢ nas evidéncias das misérias do socialismo nominal Lptloes tesa ecco pln ages pgs edu + MS Afinal bem sabemos que encerramos um século de muitas violéncias e ambi- sgilidades que se inscreveram ¢ atingiram o coracio das escolas piiblicas em todo 0 mundo, marcando de forma indelével a instituigio escolar brasileira. Fazendo um balango de século XX, Hobsbawm recolheu, num tipo de 2° pre- ficio do livro “Era dos Extremos’ (HOBSBAWM, 1995), posis6es de pensadores, politicos e artistas, alguns dos quais aqui transcrevemos: [Nés, sobreviventes, somos uma minotia ni 46 mindscula, como também, anémala, Somos aqueles que por prevaicagi, hablidade ou sore, jamal ‘ocatam 0 fundo. Or que tocaram e viram a face das Gérgonas,nio volt ram, ou voltaram sem palavras (PRIMO LEVI escritor italiano). Apesat de tudo, nese cule howve revalugées para melhor. 0 surgimen- to do Quarto Estado e a emergéncia da mulher apés séulos de repressio (RITA MONTALCINI- Prémio Nobel, tia) Se eu tivete de resumir o sécula XX, diia que despertou at matorescepe- ranga ji conhecidae pela humanidade e devtrui todas at ile « ideair (PEHUDI MENIHIN — misico, Gra Bretanha) ‘Todos nos sentimos o quanto esses abalos e dectetos de mortes sobre as uto- pias ressoaram e ressoam em nossa sociedade ¢ em nossas escolas. Mesmo assim, importa “dar nomes aos bois", perguntando: como essas auséncias de esperancas aque nos habitam, como sentimentos de desinimos, de inércias ¢ depressdes, atro- fiando como “pensamentos impensados”, nossos horizontes politicos, educacio- nais ¢ existenciais? Mas, os problemas sio muitos ¢ merecem que os escutemos sob formas de ‘questées, que ora encaminhamos, Como uma instituigéo que cobra tantos esfor- {gos sucessivos e duradouros por anos a fio, como a escola, poderd ser mantida num empo vertiginoso ¢ veloz impregnado de imagens de celebridades, de espeticulos ede sucesso? Finalmente, sem termos a veleidade de conctuirmos nossas indagagées, vale perguntar como a fisionomia moderna ¢ republicana da escola que teve sua génese como instituigao, protegida ¢ inspirada num discurso universlisa,iré se subordi- nar As normas do mercado? Se, por varios lados, o estado republicano vem sofrendo golpes de alta viru- lencia que, ao estremecerem suas instituigbes politicas, entre as quais nossa escola piiblica reforcam um quadro de desigualdades, importa ressaltar que em conexio com as forcas sociais, a escola publica tem resistido a se tornar lugar de reprodugio £ impressionante visitar escolase sistemas escolates que, a despeito, de tantas dificuldades, abrigam sonhos ¢ desenvolvem projetos, fazer relampejar relagées instituintes de formas de aprender e ensinar, com curiosidade € ‘s40 8 vida e com um sentimento de solidariedade aberto as inclu 6 + cexarioen momen eas vps eaesp89 estab Felizmente, os sonhos nio acabaram ¢ a despeito de tantas tendéncias para aprofundar as desigualdades, impondo-as de mios dadas com as homogenciza- 6es, com as padronizagées ¢ as subservigncias a0 capital, vivemos também um ‘tempo de intensas pluralzagées que reabrem algumas esperansas, que poderio se ampliar & medida que reconhegamos os processos que vio potencializando os flu- x08 de criagio de outras formas de convivéncia civilizatéria, na qual haja um lugar de relevo para a vida ¢ para um permanente exercicio dialégico. O homem, lobo e deus do préprio homem Nao é uma simples coincidéncia que entre as tcorias politicas da modernida- de, de repercussio duradoura, esti a de Hobbes quando ele argumenta e persuade os seus pares da necessidade de criagio do Estado, num momento histérieo (sée. XVID) em que as forgas capitalistas avancavam na Europa, cobrando sacrificios crescentes dos trabalhadores, (homens, mulheres e criangas), exibindo a ambiva- léncia humana que faz do homem nio $6, 0 lobo do proprio homem, mas também 6 seu deus mais eminente e préximo. Nao é sem razio que a afirmativa de Hobbes ganha popularidade s6 no que anuncia os perigos do homem como devorador do préprio homem, urgindo por um estado capaz de controlar esses impulsos fratricidas, Isto bem mostra que ou- tras forcas foram e sio historicamente desconsideradas, tornadas invisiveis « pouco operates, algumas vezes, por meios suaves, outras por meios cruéis, mas sistema- ticamente interditadas, a tal ponto que nos cetceiam, mas também nos instigam a penetrar em territérios onde as palavras ainda no entraram. Esta ambigtlidade deixa-nos sempre expostos is vicissitudes ¢ surpresas da historia Diante dos vozerios com que, desde Cassandra, séo anunciadas as desgracas para facilitar suas tealizagées, € mais facil submergitmos a um tipo de acomodacio, do que enfientar temores e ameagas. Quase imperceptivelmente, vamos retirando de nossos horizontes possibilidades de aco ¢, simultancamente, nutrindo, tanto 65 esquecimentos politicos de ages potentes e transformadoras, como as tramas de um pensamento tinico ¢ linear. ‘As conseqjiéncias, que vem prevalecendo, de tudo isso, inibem as combinaté- tias dos diferentes niveis da realidade e reforgam as dificuldades de criagdes edu- cacionais, sociais enfim, hist6ricas, impregnando o discurso hegeménico com um formato denuncista, tornando-o, ao invés de critico, uma conjugagio raivosa ¢ atravancada de clichés que o aprisiona como um refém do que proclama denun- Mas dificil é captar os indicios de vida, de um outro mundo, de uma outra educagio, que emergindo como em configuragées elaboradas coletiva e politica- mente, nas interdependéncias da histéria, mas que, com freqiiéncia, sio relegadas Lptloes tesa ecco pln ages pgs esau + MT as margens, com baixo reconhecimento social, por escaparem do padrio dos gran- des ¢ decisivos acontecimentos, por ameagarem as ordens ja fixadas ¢ estabelecidas no decurso de tanto tempo, por afrontarem modelos de comportamentos, tides ‘como eficientes. Entre esses velhos padées estio aqueles que primam em valorar as construgies ‘© avangos sociais de acordo com a periculosidade dos combates enfrentados e com. tum pesado grau de softimento. Nisto até parecem herdeiras das concepgées do he- r6i grego, agravadas, agora, por narcisismos de cardter individualista e, portanto, primando pela precariedade e desconsideracio dos vinculos sociais e hist6ricos Assim, no avesso das histérias de heroismos, poderiamos lembrar as tendén- cias, crescentemente, contemporineas, nao s6 de espetacularizar as tragédias, mas sobretudo de valorizar o miudinho da vida, recriando-o numa outa ordem de va- lores, sem a expectativa de aplausos ¢ brilhos, tio caracteristicos das celebridades, mas numa adequagio aos principios que trazem jubilo & vida e & propria vida, sem as ameacas do inferno ou os prémios celestiais No primeiro caso, sabemos que vige uma “indiistria” que nao sé promove as, tragédias, fazendo-as assumirem o palco dos espetaculos, mas destes se aproveitam para manufaturar desconfiansas, prescrevendo reagées ¢ controles ¢, desta manci- ra, ocupando, agendas, espagos mentas ¢ afetos, que acabam por constranget 0s imaginérios politicos e os limitar em seus citcuitos criadores. Todas ¢ todos nds convivemos com mensagens alarmistas que proliferam na internet, apavorando-nos sobre a eminéncia de violéncias, como roubo de ér- ‘ios, em festas juvenis ¢ tantos outros. So com esquemas como este, que aqui trazemos como uma ilustragio, que as armadilhas se encobrem em esquemas de “aconselhamento de quem quer prevenit” como mecanismos que se espalham sem criticas, disseminando receios ¢ covardias coletivos, arrancando da humanidade sua dimensio divina, pois criadora Nio hé divida que esta atitude de temor generalizado, de uma prontidio constante, com as desculpas de uma defesa necessiria, tantas vezes lagrado em. rigs mesmas, quando um desconhecido nos aborda na rua, néo s6 corréi sem pparar o tecido social da confianga, mas, 20 mesmo tempo, diminui nossa atengio para a insurgéncia de movimentos instituintes ¢ para os possives inédites que cada expetiéneia carrega No segundo caso, 0 redimensionamento da busca de glérias tem aberto es- pagos para um exercicio de prazer de eriar compartilhadamente e com perspecti- vvas também expansivas, correndo nos intersticios de experiéncias comunicativas, amorosas que vio reinventando as escolas, os processos de educasio ¢ de uma ‘outta civilizagéo, menos competitiva, mais interessada em cooperar. HA quem afirme que no Brasil nos animamos em inventariar desgracas {que no fim nos levem a conclusio de que 0 pais nao dé certo. Talver esta conduta Go difundida represente mecanismos de auto-absolviso, conduzindo a uma safda {6+ Eexagioem movment eps tenpese 15 0 ste XH resignada que acabaria por nos eximir de maiores responsabilidades. Afinal, 0 que nao tem jeito, nao deve ser aceito com alguma conformagio e até trangiilidade? No entanto, importa duvidar de afirmativas tio consensuais, produzidas por interesses politico-ideolégicos que “aconselham” mesmo sem palavras ¢, as vezes, até sem um pensamento expresso, a desisténcia na construgao de um outro Brasil, reforcando um tipo de relagées de subalternidade, com os paraisos que servern de modelos para o tipo de desenvolvimento que perseguimos © para nossa prépria conduta social AA rigor, cientistas, historiadores, como José Murilo de Carvalho, tém afir- mado 0 quanto é dificil explicar como o Brasil, com sua capacidade de produgio material ¢ imaterial, tem permanecido em uma situagio estagnada, socialmente falando, acumulando uma desigualdade que cada vez. mais cortéi as condigées de nossa cocsio nacional c amplia abismos que nos fazem estranhar uns aos outros €, porranto, a desconfiar de todas ¢ todos e, por conseguinte, de nés mesmos Estas questées, que envolvem um precirio nivel de confianga e reciprocidade de respeito entre brasileros, estio longe de representar uma impressio de uma pesquisadora da educagio, preocupada em valorizar 0 que pode vitalizar nossa comunidade pedagégica ou o campo educacional, para intensificarmos a eriagio de lastros comuns © com essas experiéncias, irmos alargando e diferindo as con- figuragoes das instituigbes escolares. Pelo contritio, ha pesquisas que, com todas as possiveis relativizagbes, constatam e traduzem em niimeros esta caracteristica que vem se agravando entre nés ¢ colocando sob risco a possivel cordialidade do brasileiro. Giannotti (2007), referindo-se ao livro de Rosanvalon, recentemente publica- do na Franga, assinala o quanto grassa no Brasil formas de desconfianga, que vem fazendo “dos brasileiros um dos povos mais deseonfiados do planeta (somente 2,8% declaram que confiam geralmente nas pessoas, enquanto este indice aleang: (66,5% na Dinamarca). Mesmo assim, poucas sio as anilises que incidem sobre as matérias, as diividas, as suspeitas que alimentam nossas desconfiangas ¢ que se expressem em diretrizes ¢ politicas puiblicas que fortalecam nossa convivéncia social. Pelo contritio, que prevalece ¢ uma ladainha de queixas, mimetizando-se difusamente e com poucas instituigdes exercendo ages em forma de andlises que esclarecam as relagoes entre estes lamentos e as préticas sociais que juntos reprodu- zimos e criamos, de modo que contribuam pata identificagio dos mecanismo de medos e fantasmas, que de forma impensada vio limitando nossos pensamentos € nossa democracia, reforgando atitudes defensivas e competitivas. Mas devemos dar mais um passo, para situar as repercuss6es dos catastrofis mos, mormente, quando estes se confundem com profecias de um final infeliz.¢ se enderegam aos pobres ¢ as instituigdes nas quais cles tém acesso. Entio, 0 peso deste veredicto se agranda e se acumula com muitas experiéncias em que ressalta- Lptloes tesa ecco pln ages pas eure + 9 se, quase com exclusividade, fracassos e perdas, esvaziando de significagées os pro- ccessos ¢ as tenacidades, com que pobres, mulheres, criangas velhos, gays, Iésbicas, inegros, indigenas € mestigos véo avangando e se apropriando de suas aprendiza gens de empenhos, lutas ¢ conquistas Pesquisar experiéncias instituintes, Investigar na contramao? Bem sabemos que pata ir na contramio é preciso afirmar valores que sejam acolhidos socialmente, assumindo riscos de colisio com interesses acumulados {que se expressam e se divulgam como cientificamente comprovadas, Um exem- plo? As comprovagaes estatisticas dos fracassos escolares que sio apregoadas como verdades absolutas, embora tomadas sem as conexées histdricas das condigdes que as foram contextualizando ¢ que passam a funcionar como terriveis espelhos para aqueles que procuram dar outros rumos para uma histéria elitizada e homogé- Desta forma, estas informagées, 20 invés de serem submetidas as andlises {que evidenciem seu carster parcial, abrindo-se a confrontos e complementasées, so assumidas, erroncamente, como uma conclusio irrctocével, indiscutivel, en- fraquecendo as condigdes para criar ¢ recriar ferramentas de construgio de um ‘outro mundo ¢ de uma outra educagio, com mais autonomia, mais interligagées de includéncias e paridades, mais dialogicidades e com mais respeito 4s infinitas outridades e surpresas de que a vida é feita No entanto, qualquer observagio atenta, porque desejosa de transformagées, ird apreender outras concepgbes de politica, de educacio e de conhecimento que vvém irrompendo dos mais diferentes solos sociais, na busca de atender necessida- des ¢ de se contrapor as opressées de todas as ordens. Essas inrupgdes procuram, se legitimar, através de processos de institucionalizagio, como um modo de ofi-

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