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FILOSOFIA

Mayara Joice Dionizio


Platão e Aristóteles
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Perceber a influência do pensamento de Platão e Aristóteles no co-


nhecimento científico atual.
 Comparar o pensamento de Platão ao de Aristóteles.
 Reconhecer as áreas de conhecimento que tiveram início com Platão
e Aristóteles.

Introdução
A produção filosófica de Platão e Aristóteles é indissociável da evolução
das sociedades ocidentais. Suas contribuições foram os pilares para o
desenvolvimento do pensamento ocidental em diversas áreas do saber.
Nesse sentido, compreender as ideias desses filósofos da Grécia Antiga
é essencial para entender como se iniciaram os estudos sobre política,
ética, arte, epistemologia, matemática, astronomia, entre outros campos.
Neste capítulo, você vai verificar a influência das teorias de Platão e
Aristóteles na produção do conhecimento científico histórico e atual.
Você também vai conhecer as principais distinções entre os argumentos
desses pensadores. Por fim, vai ver as áreas de conhecimento que foram
desenvolvidas graças às teorias platônicas e aristotélicas.

A influência de Platão e Aristóteles


no conhecimento científico atual
Apesar de os filósofos Platão (428/427–348/347 a.C.) e Aristóteles (384–322 a.C.)
terem vivido e escrito suas obras na Antiguidade, suas teorias embasam o
conhecimento atual e ainda se mostram uma fonte infindável de reflexões.
Aqui, você vai ver a relação entre os pensamentos de ambos os filósofos, as
suas contribuições para a teoria do conhecimento atual e a sua implicação
científica. Como você vai perceber, o conhecimento científico contemporâneo
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evolui, também, graças às reflexões e métodos desenvolvidos por Platão e


Aristóteles na Grécia Antiga.
Platão (2000), nas teorias apresentadas na sua obra A República, especi-
ficamente no livro V, defende a importância do conhecimento. Mas de que
forma essa importância estaria ligada ao conhecimento científico? Pois bem,
por meio da figura de Sócrates, é apresentada uma idealização ou, ainda,
uma interpretação de como a pólis (cidade) deveria ser dividida, organizada.
Segundo Platão (2000), a pólis deveria seguir uma estrutura hierárquica que
se relaciona à tripartição da alma, como você vai ver a seguir. Para que isso
fique mais claro, é necessário conhecer um pouco da ontologia platônica
(teorização do ser das coisas e dos seres).
Para Platão, tudo o que existe no mundo real, que ele chama de “sensível”,
é mutável. Platão compreende tal mutabilidade como imperfeição; assim, as
coisas mudam, os seres morrem e tudo se modifica em razão da imperfeição
que é própria ao mundo. Em contrapartida, há um mundo perfeito, que é o
mundo das ideias. Assim, tudo o que existe no mundo sensível é uma projeção
imperfeita de uma ideia. Por exemplo, se você pensa na ideia de um cavalo,
tal ideia é perfeita, não muda, não acaba. Já o cavalo do mundo sensível está
sujeito a variações, a uma série de mutações; portanto, é imperfeito.
A partir dessa duplicidade de mundos — mundo das ideias e mundo sensível
—, para Platão (2000), seria possível organizar a pólis de acordo com uma
estrutura baseada nas ideias. Ou seja, Platão compreende que o conhecimento, a
veracidade das ideias, se dá por meio do pensamento, da reflexão. Nesse sentido,
a sociedade ideal deve obedecer às ideias, que se originam de tudo que há no
mundo sensível, e ser dividida de acordo com as aptidões dos indivíduos que
a compõem. Nesse contexto, a alma é entendida como um elemento perfeito,
pertencente ao mundo das ideias. Antes de estar presa ao corpo, ela já foi livre,
porém se esqueceu desse momento anterior. É somente pelo conhecimento que
a alma pode lembrar-se das ideias que um dia vislumbrou. Assim, a alma está
intrinsecamente ligada à estruturação e à organização da pólis. Segundo Platão
(2000), a alma é composta de três partes: a parte racional, a parte irascível e
a parte da concupiscência.
De acordo com a teoria platônica (PLATÃO, 2000), a parte racional é res-
ponsável pelas duas outras partes. A irascível, que é a parte abaixo da cabeça,
é responsável pelas emoções; por fim, a parte mais inferior, chamada de concu-
piscível, é responsável pelo apetite e pelo desejo. Com isso, Platão aponta para a
relação entre as ideias e a sua transposição no mundo sensível. Do mesmo modo,
ele pensa a organização social: “[s]e os filósofos não forem reis nas cidades ou
se os que hoje são chamados reis e soberanos não forem filósofos genuínos e
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capazes [...] não é possível [...] que haja para as cidades uma trégua de males e,
penso, nem para o gênero humano [...]” (PLATÃO, 2000, p. 211–212).
Ou seja, Platão defende que a alma sirva como exemplo para a estruturação
não só do corpo, mas da sociedade. Assim, o filósofo, sendo a parte mais
reflexiva e racional da sociedade, é que deveria ser rei. Os soldados vêm logo
abaixo, uma vez que a parte irascível é correspondente à coragem. Por fim,
haveria os camponeses e artesãos, que se ocupam de tarefas mais elemen-
tares. Apesar de parecer uma concepção tanto política quanto metafísica, a
teoria do conhecimento platônica se dá por meio da filosofia. Ao delegar ao
filósofo o reinado da cidade, mais do que fazer um autorreconhecimento,
Platão demonstra que só é possível conhecer por meio da reflexão filosófica
em busca de uma verdade, e não por meio de crenças. O mesmo se dá em
diversas metáforas, tal como a metáfora sobre o sol e a iluminação, que faz
alusão à iluminação intelectual (PLATÃO, 2000).
Já na obra de Aristóteles, pode-se encontrar um rompimento com a concep-
ção platônica da teoria do conhecimento. Apesar de ter sido aluno de Platão,
Aristóteles destoa de certas concepções platônicas, como o dualismo — o
mundo das ideias e o mundo sensível. Para Aristóteles, não se conhece por meio
das ideias, ou em busca delas, e sim pelo mundo sensível. Ou seja, primeiro
têm-se a experiência empírica, que posteriormente é formulada pelo intelecto.
Aristóteles buscou trazer um caráter mais material e realista à filosofia. Nesse
sentido, a sua filosofia se fundamenta em dois pontos centrais: a valorização
do sujeito e a compreensão das formas.
Segundo Aristóteles, a essência das coisas está em sua forma. Assim, um
homem é um homem em razão de sua forma, e o mesmo vale para os animais.
Ou seja, o que algo é pode ser reconhecido pela sua finalidade. Por exemplo:
um cavalo é um cavalo pelas suas propriedades e características que o definem
como cavalo. Dito de outro modo: um animal pode se distinguir de outro
animal da mesma espécie em cores e em algumas características que não lhe
retirem sua característica central, ou seja, sua forma. A tais distinções meno-
res, Aristóteles dá o nome de “acidentes”. Os acidentes se opõem à essência:
as propriedades acidentais trazem variações entre os objetos, apesar de não
incidirem nas propriedades necessárias.
Com isso, Aristóteles busca demonstrar que é na articulação das coisas
e indivíduos que as formas/essências são reconhecidas. Portanto, o mundo é
reconhecido tal como é e não de acordo com um ponto de vista. Em sua obra
Metafísica, Aristóteles ressalta que existem maneiras, modos de ser, que são
organizados em categorias. Tais categorias, listadas a seguir, servem para
designar o modo como as coisas são (CHAUÍ, 2000).
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 Substância: tudo aquilo que não precisa de algo para existir, como o
homem e os animais.
 Quantidade: definição a partir de números, metragem.
 Qualidade: adjetivos próprios ao sujeito ou à coisa.
 Relação: consideração resultante da comparação — “isto é maior do
que aquilo”, por exemplo.
 Lugar: localização.
 Tempo: momento.
 Posição: situação espacial em que algo se encontra.
 Posse: propriedade sobre algo.
 Ação: verbos, como “odiar”, “amar”, etc.
 Paixão: o que é passível de sofrer uma ação.

Tais categorias designam, segundo Aristóteles, o modo de ser de cada coisa.


Ou seja, não é possível a cor amarela existir como uma substância, visto que
essa cor depende de outro ser para existir — o sol é amarelo. Com as suas
reflexões, Aristóteles contribuiu para o desenvolvimento da episteme, pois a
sua investigação em relação à verdade, ao conhecimento, à ciência natural e à
biologia trouxe as descrições dos corpos, do seu modo de ser e das maneiras
como são definidos.

O pensamento de Platão e Aristóteles


Pode-se encontrar nas obras de Platão e Aristóteles várias distinções em
relação a diversas áreas do comportamento humano e da organização da
sociedade. Além disso, eles discorreram sobre pensamentos metafísicos: o que
é o bem, o que é o amor, o que são as virtudes, etc. Uma das distinções mais
assertivas entre ambos consiste em suas teorias do conhecimento: enquanto
Platão (2000) defende um dualismo entre o mundo sensível e o mundo das
ideias, Aristóteles acredita que o conhecimento se dá de modo inverso. Ou
seja, se para Platão a verdade advém das ideias, para Aristóteles é possível
conhecê-la pela causa, pelos sentidos.
As compreensões distintas dos dois filósofos aparecem em várias das suas
teorias, como a teoria política. Segundo Platão (2000), os conceitos de justiça
e bem-estar só podem ser conhecidos por meio do método dialético. Ou seja, só
a possibilidade de conhecer tais conceitos já é um acesso ao mundo das ideias.
Por isso, sendo os filósofos que buscam o conhecimento das ideias, deveriam
ser os responsáveis por governar a pólis. Já para Aristóteles, a justiça é o que
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deve reger as relações sociais. Em Ética a Nicômaco, Aristóteles defende que


as virtudes são responsáveis por equilibrar as ações de cada sujeito, visto que
a finalidade de toda ação é o bem. Ou seja, todo indivíduo deve buscar o bem,
pois é no bem que se dá a felicidade; isso faz com que o sujeito seja virtuoso.
Aristóteles nomeou tal concepção de justo-meio, que é esse equilíbrio entre
os sujeitos, reconhecido como justiça. Dessa forma, não há, para Aristóteles,
como separar ética (a vida virtuosa) de justiça (justo-termo).
Outro ponto de divergência teórica é a visão sobre a poesia. Platão sempre
demonstrou em sua obra uma grande preocupação com o que é verdadeiro.
Quando aborda a formação de um Estado ideal, Platão (2000) defende que os
poetas não deveriam ter lugar na pólis, pois a poesia não aproxima o homem
da verdade, ou seja, a dissimula e ensina os jovens a falar do que as coisas não
são, a mentir. Em geral, Platão acredita que a arte é mentirosa, enganadora,
uma vez que as coisas que existem no mundo são uma cópia do mundo ideal.
A arte, ao “imitar” as coisas do mundo sensível, distancia o homem mais
ainda da verdade das ideias.
Em contraposição, Aristóteles (1993) dá um tratamento diferente às artes.
Para ele, as artes são uma ciência, a ciência poética, pois produzem coisas no
mundo. Entretanto, não se trata de mera produção. Nesse sentido, cabe uma
distinção entre produção artística e produção técnica: a técnica consiste na
mera reprodutibilidade das coisas; já a produção artística leva ao conhecimento
do porquê das coisas, bem como ao questionamento sobre o mundo, que recai
novamente sobre o conhecimento. Em sua obra Poética, Aristóteles defende que
a poesia, a despeito da concepção platônica, em vez de reproduzir meramente
as coisas do mundo sensível, vai além, as recria de diversos modos. A isso ele
nomeou mimésis: “[o] historiador e o poeta não se distinguem por escrever
em verso ou prosa; [...] a diferença é que um relata os acontecimentos que de
fato sucederam, enquanto o outro fala das coisas que poderiam suceder [...]”
(ARISTÓTELES, 1993, p. 47).

Como você pode notar, a maior distinção entre Platão e Aristóteles é o modo como
concebem a verdade e o conhecimento. Enquanto a filosofia platônica se prefigura
como idealista, a filosofia aristotélica se distingue por ser realista. As teorias de Platão
e Aristóteles influenciaram muitos pensadores ao longo dos séculos: os medievos, os
modernos e até a episteme contemporânea.
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Áreas do conhecimento iniciadas


por Platão e Aristóteles
Atualmente, muito se questiona a função ou a aplicabilidade da filosofia. En-
tretanto, tal questionamento se mostra inócuo se você pensar na criação e na
produção de conhecimento de áreas que hoje são essenciais. Considere, por
exemplo, a bioética, os estudos sobre os efeitos do uso da tecnologia e das mídias
sociais, a atual conjuntura política global, a ética em relação ao desenvolvimento
científico, as mudanças na reflexão estética na contemporaneidade, etc. Para a
constituição de todas elas, a obra de Platão e Aristóteles foi essencial e ainda
oferece uma contribuição significativa. Pense, por exemplo, na reflexão sobre
a justiça, tema fundamental no mundo contemporâneo: ambos os filósofos
escreveram sobre ela. Para eles, a justiça está atrelada tanto ao cidadão comum
quanto ao governante da cidade. Contudo, se para Platão o sábio deve governar
a cidade, porque tem acesso e conhece o que é a justiça ideal, para Aristóteles, a
justiça se associa às virtudes e ao respeito entre os cidadãos de uma sociedade.
No contexto da biologia (CHAUÍ, 2000), Aristóteles, em sua compreensão
indutiva, foi um dos primeiros a classificar as espécies. Não por acaso, a palavra
para forma/espécie é eidos, termo grego que significa “imagem”. Tal termo
é mais um dos pontos de discordância entre Platão e Aristóteles. Segundo a
teoria platônica, a ideia provém do mundo inteligível (Platão reconhece no
mundo o saber adquirido na inteligibilidade). Já para Aristóteles, a ideia é
formulada a partir da experiência sensível, ou seja, é o saber do humano que
assimila o que é interpretado pelos sentidos. Aristóteles investigou o que
constitui e distingue os seres, realizando uma pesquisa científica empírica
sobre os animais. Além desse trabalho investigativo, realizou um trabalho de
catalogação de espécies, o que lhe confere o título de primeiro ictiólogo, por
sua devoção ao estudo dos peixes e das espécies marinhas.
Ainda nesse contexto, em Sobre a alma, Aristóteles discorre a respeito do
intelecto. Para o filósofo, a razão é uma função cognitiva que tem como fina-
lidade operar a faculdade de descriminação em relação às coisas existentes no
mundo. Ou seja, o intelecto, juntamente à sensação, realiza uma descriminação
geral sobre tudo que existe. Aristóteles argumenta que o pensamento funciona
reconhecendo o que é captado, apreendido nas sensações e assimilado pela
imaginação. Já em relação aos animais, a sua apreensão do mundo se daria de
forma sensitiva. Assim, a alma dos animais — diferentemente da do homem,
que tem em sua base a complexidade e o entrecruzamento da razão e do intelecto
— é a sensação. É por isso que os animais são motivados apenas pelo desejo.
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Em relação à astronomia, não há grandes distinções entre as teorias aris-


totélica e platônica. Ambos os filósofos acreditavam que a astronomia era
uma ciência matemática e que tratava de algo não observável a olho nu. Eles
defendiam que o universo era finito, apesar de enorme, e que as estrelas or-
bitavam em torno da Terra. Como destaca Chauí (2000, p. 29), “[...] os gregos
fizeram nascer duas ciências: a aritmética e a geometria; da astrologia, fizeram
surgir também duas ciências: a astronomia e a meteorologia [...]”.
Por fim, é na ética que se encontra o centro da reflexão que permeia a
obra de tais pensadores, que dedicaram as suas vidas ao incessante trabalho
de buscar uma forma de viver bem em sociedade (CHAUÍ, 2000). Tanto
Platão, que foi aluno de Sócrates, quanto Aristóteles, que foi aluno de Pla-
tão, centralizam as suas teorias na reflexão sobre a educação do cidadão
e a formação para uma sabedoria justa, política e prática, que beneficie a
todos. Assim, o pensamento platônico e o aristotélico são indissociáveis de
categorias políticas, religiosas, artísticas, científicas, éticas e psicológicas.
As teorias desses filósofos sustentam, ainda hoje, tudo o que se conhece
como pensamento ocidental.

Acesse o link a seguir para aprender mais sobre o pensamento e as distinções teóricas
entre Sócrates, Platão e Aristóteles.

https://qrgo.page.link/LjXZR

ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Souza. 3. ed. São Paulo: Ars Poetica, 1993.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
PLATÃO. A república (ou: sobre a Justiça. Gênero Político). Tradução de Carlos Alberto
Nunes. Belém: UFPA, 2000.
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Leituras recomendadas
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gred Bornheim. São
Paulo: Nova Cultural, 1987. (Os Pensadores).
ARISTÓTELES. Metafísica. 2. ed. Tradução de Giovanni Reale e Marcelo Perine. São Paulo:
Edições Loyola, 2002. v. I, II, III.
OLIVEIRA, D. B.; ABREU, W. F. Conhecimento, arte e formação na república de Platão.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 203–215, 2015. Disponível em: http://www.
scielo.br/pdf/ep/v41n1/1517-9702-ep-41-1-0203.pdf. Acesso em: 29 jul. 2019.
THIRY-CHERQUES, H. R. O racional e o razoável: Aristóteles e o trabalho hoje. Cadernos
EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 1–11, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-39512003000100005. Acesso em: 29 jul. 2019.

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