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AS TEMÁTICAS ESTRUTURANTES DO LIRISMO CAMONIANO

O Amor

Composições poéticas representativas: “o conjunto dos seus poemas líricos constitui, por assim dizer, um diário,
uma longa série de confidências, queixas e meditações. Mas, como a
 Sete anos de pastor Jacob servia própria vida que flui, como o próprio amor que nos domina, esse é
contraditório, vário e paradoxal.” JPC

Ao longo do soneto, assinale-se:


 a fidelidade amorosa do pastor – “sete anos de Pastor Jacob  A lírica amorosa camoniana está ligada a uma conceção neoplatónica do
servia/ (…) mas não servia ao pai, servia a ela, / e a ela só por amor – para Camões, o Amor é um ideal superior, único e perfeito, o Bem
prémio pretendia”; supremo pelo qual ansiamos. Mas, nós, como seres decaídos e
 a persistência apesar dos entraves – “Vendo o trite pastor que imperfeitos, somos incapazes de atingir esse ideal. Resta-nos a
com enganos/lhe fora assi negada a sua pastora/ (…) começa de contingência do amor físico, simples imitação do Amor ideal. A constante
servir outros sete anos”; tensão entre esses dois polos gera angústia e insatisfação na alma
 o caráter contemplativo do amor – “Os dias, na esperança de um humana.
só dia, / passava, contentando-se com vê-la” ;
 a vivência psicológica do tempo – “(…) – Mais servira, se não
fora/para tão longo amor tão curta a vida” ; Camões experimenta uma particular simpatia por todos os que sofrem por
 a negação da vivência amorosa em plenitude – “porém o pai, amor. Encontramos nos seus poemas um conflito entre o pensamento
usando de cautela, / em lugar de Raquel lhe dava Lia” ; divino e o corpo terreno. Camões entrega-se ao amor do corpo, mas
 a injustiça resultante da negação desse amor – “lhe fora a si reconhece que esse não é o amor que se deve desejar, mas, sim, o amor
negada a sua pastora,/como se a não tivera merecida” divino.
Preso no dualismo, o amor:
O tema dos amores contrariados tem a sua origem na lírica trovadoresca,  por um lado ilumina a mente, gera a poesia e enobrece o espírito,
permanece uma constante na tradição literária ocidental e assume em aproxima do divino, do belo, do eterno, do puro;
Camões uma das formas mais dolorosas da vivência amorosa.  por outro, é também um sentimento que tortura e escraviza pela
impossibilidade de ignorar o desejo físico da amada.

Do amor queixou-se o poeta inúmeras vezes, amargamente. Da tirania desses


amores impossíveis, chorou as distâncias, as despedidas, a saudade, a falta de

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 Amor é fogo que arde e sem se ver reciprocidade, e a inacessibilidade da amada.

Trata-se de um soneto que ilustra a complexidade do sentimento amoroso  A ilha dos Amores é um prémio pelos valorosos feitos lusitanos, é
visível na série de definições paradoxais que o sujeito poético tenta o lugar da perfeição – lembrando-nos o Mundo das Ideias de
atribuir-lhe e que constituem a primeira parte: Platão ou o Paraíso cristão. Camões emprega o erotismo nos
versos do canto (a perseguição às ninfas é descrita com grande
sensualidade) – “Nuas por entre o mato, aos olhos dando/ O que
às mãos cobiçosas vão negando” (Os Lusíadas, canto IX, 72, vv.
 fogo que arde sem se ver; 7-8) – mas para demonstrar, assim como em outros poemas
 ferida que dói e não se sente; líricos, que o amor do corpo é ponto de partida para o Amor
 contentamento descontente; divino.
 dor que desatina sem doer;
 não querer mais que bem-querer;
 andar solitário entre a gente;
 nunca contentar-se de contente;
 cuidar que ganha em se perder;
 querer estar preso por vontade;
 servir a quem vence o vencedor;
 ter com quem nos mata lealdade.

Na segunda parte, o sujeito poético remata a composição com uma


interrogação retórica que evidencia quer o caráter contraditório do Amor –
“Se tão contrário a si é o mesmo Amor” – quer a perplexidade do sujeito
poético face à aceitação desse sentimento, que apenas provoca
sofrimento, por parte do homem – “como causar pode seu favor/Nos
corações humanos amizade”.

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