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O golpe no Brasil e a doutrina de segurança nacional

por Emir Sader

No Brasil, a introdução de uma ideologia de contenção do comunismo e da Subversão ,


aliada ao histórico autoritário e intervencionista do Estado, culminou no estabelecimento
de um Estado de Segurança Nacional, na institucionalização de princípios e práticas
repressivas e na violação de direitos fundamentais de cidadãos brasileiros.
O artigo apresenta uma análise da Doutrina da Segurança Nacional brasileira (DSN),
institucionalizada em 1949 com a fundação da Escola Superior de Guerra (ESG), à luz da
ideologia da bipolaridade do sistema internacional e da Doutrina de Contenção durante a
Guerra Fria (1945-1991).
O golpe e a ditadura militar no Brasil foram aplicação direta da Doutrina de Segurança
Nacional. Esta foi a doutrina elaborada pelos EUA e que comandou suas ações durante a
guerra fria.
Seu conteúdo totalitário vem das concepções positivistas, que buscam transferir modelos da
biologia para as sociedades contemporâneas. O modelo de funcionamento de um corpo
humano saudável daria o critério para o funcionamento harmônico das sociedades, com seu
critério finalista, em que cada parte contribui para o bom funcionamento do todo. Como
consequência, qualquer segmento que não esteja nessa lógica, estaria sabotando o
funcionamento harmônico da totalidade e deveria ser extirpado.
Essa lógica deu numa proposta totalitária, que não comporta o conflito, a divergência, a
diversidade. A Doutrina de Segurança Nacional recolheu essa concepção e lhe deu um caráter
militar, em que as FFAA de cada país – e as dos EUA no plano internacional – seriam os
responsáveis pelo funcionamento harmônico das sociedades.
Inserida na lógica da guerra fria, significava que qualquer divergência faria o jogo dos que
queriam destruir o corpo social, sua ação deveria ser atribuída a uma inserção de vírus de fora
para dentro do organismo social, deverá ser combatida com toda a força e ser extirpada.
A harmonia interna estava identificada com economias de mercado e com os valores da
ideologia liberal. As ameaças, aos perigos do comunismo internacional, a que deveriam ser
associadas todas as ações, organizações e pessoas que objetivamente estivessem
obstaculizando o livre funcionamento do mercado e das instituições liberais.
Na sua aplicação concreta no Brasil, os opositores eram catalogados como agentes da
subversão internacional, patrocinada pela URSS, pela China e por Cuba. Os editoriais do
Estadão usavam a expressão de governo “petebo-castro-comunista” para catalogar o governo
do Jango. Os outros órgãos da mídia seguiam a mesma linha, consideravam que a democracia
estava em risco e pregavam uma ação militar para resgatar a liberdade. As marchas que todos
apoiavam se auto intitulavam “Marchas da família com Deus pela propriedade” e organizavam
rezas domésticas com o lema “Família que reza unida, permanece unida”. Estariam em perigo
os valores mais tradicionais do país: a família (as crianças poderiam ser mandadas para a
Rússia e Cuba), a religião (que seria perseguida e proibidas as escolas religiosas) e a
propriedade (que seria abolida e expropriada pelo Estado).
A concepção funcionalista desembocou no lema da ditadura: Brasil, ame-o ou deixe-o”, com
plásticos em carros dos adeptos do Brasil apropriado pelos militares. O Estado foi militarizado e
transformado no quartel general das FFAA, desde onde controlavam o país através do SNI –
Sistema Nacional de Informaçoes –, buscando transformar o país numa caserna sob controle
dos militares.
Foi em nome dessa concepção totalitária que a ditadura militar buscou expurgar os que
considerava riscos para seu controle militar do país. Prendia arbitrariamente, interrogava com
os mais brutais métodos de tortura, fuzilava e fazia desaparecer os corpos dos que considerava
opositores.
Essa mesma doutrina comandou a golpe e a ditadura na Guatemala, desde 1954, fazendo do
país o mais massacrado de todo o continente. Valeu para as ditaduras militares no Chile, no
Uruguai, na Argentina e orientou a ação da direita por todo o continente.

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