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Tempo

ISSN: 1413-7704
secretaria.tempo@historia.uff.br
Universidade Federal Fluminense
Brasil

Bertonha, João Fábio


Reseña de "O Império de Hitler. A "Nova ordem" nazista na Europa, 1939-1945" de MAZOWE, Mark
Tempo, vol. 14, núm. 28, enero-junio, 2010, pp. 241-246
Universidade Federal Fluminense
Niterói, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=167013403011

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28 • Tempo

O Império de Hitler. A “Nova


ordem” nazista na Europa,
1939-1945*
João Fábio Bertonha∗∗

MAZOWE, Mark. Hitler´s Empire – How the Nazis ruled Europe.


New York: Penguin Books, 2008, 725 p

Vários mitos rondam a história A pesquisa histórica dos últi-


da Alemanha nazista. A princípio, mos anos tem indicado como estas
seria esta o Estado mais eficiente qualificações para o III Reich são,
que já existiu, já que combinava a acima de tudo, mistificações, criadas,
tradicional eficiência e organização em parte, pela própria propaganda
alemã com o sistema político nazista, nazista. O Estado nazista, longe de ser
o qual seria completamente hierárqui- hierárquico e centralizado, era uma
co e centralizado. Um super Estado, verdadeira coleção de instituições,
que funcionaria como um relógio, organizações e indivíduos disputando
substituindo a anarquia da sociedade poder e influência. É evidente que
liberal democrática que ele vinha a Hitler detinha, no limite, o poder
substituir. de decisão final, mas isso não impli-

*
Resenha recebida e aprovada para publicação em agosto de 2009.
**
Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá/PR e Pes-
quisador do CNPq. E-mail: fabiobertonha@hotmail.com

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João Fábio Bertonha Resenha

cava na formação de uma estrutura diretrizes gerais a seguir na busca do


tão coesa e hierarquizada como se Império. Unificar todos os germânicos
supunha. numa grande Alemanha, conseguir o
Isso fica evidente, por exemplo, controle da Europa e, especialmente,
na produção de armamentos durante da Rússia européia, eram os está-
a Segunda Guerra. Estados Unidos gios mais ou menos certos a serem
e a Grã-Bretanha conseguiram ar- seguidos. Um dia, no futuro, talvez,
ticular a coordenação estatal com haveria um grande conflito com os
a livre empresa, enquanto a URSS Estados Unidos, mas isso estava ape-
adotou um modelo mais centralizado nas no campo das especulações, sem
e com planejamento central. Todos nenhuma indicação imediata de que
estes países conseguiram aumen- iria ocorrer.
tar significativamente sua produção O que Mazower indica é que,
bélica durante o conflito, enquanto na verdade, mesmo para os estágios
a Alemanha, o suposto Estado mais iniciais, os nazistas não tinham muita
eficiente do mundo, ficou muito atrás segurança do que fazer. A unificação
e isso ocorreu, em boa medida, pelas dos povos alemães dentro de um Es-
disputas sem fim de seus líderes e tado nazista era algo mais ou menos
instituições. simples de conceber e imaginar. No
Mark Mazower derruba mais entanto, mesmo os passos posteriores,
um mito sobre a Alemanha nazista em apesar de sempre pensados, nunca
seu novo livro. Em Hitler´s Empire haviam se convertido em planos e
– How the Nazis ruled Europe diretrizes prontas a serem aplicadas.
(New York: Penguin Books, 2008, 725 Assim, quando quase toda a Europa
p.), ele demonstra como, ao contrário caiu sobre o controle alemão, entre
do que tradicionalmente se imagi- 1939 e 1941, a ideologia nazista ofere-
na, os nazistas não tinham nenhum cia apenas alguns esboços gerais do a
plano definido e perfeito de como ser feito, sendo necessárias inúmeras
dominar o mundo e que ninguém adaptações e experiências para tentar
mais do que eles se espantou com a delimitar o que fazer.
enormidade de suas conquistas entre Assim, em pouco tempo, vários
1939 e 1941. órgãos e instituições começaram a de-
O autor, na verdade, não rompe bater sobre como agir frente ao novo
com a análise tradicional que indica Império. A Ucrânia, por exemplo, era
que, nas mentes dos líderes nazistas, vista como o seu futuro celeiro. Mas
haveria sim algumas prioridades e seria ela um protetorado com algum

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grau de autonomia ou uma colônia? que eles construíram suas políticas,


E a França, seria ela retalhada ou numa combinação de tradição e no-
manteria alguma autonomia? E os pa- vidade realmente notável.
íses nórdicos, fariam parte de algum Dessa forma, a ocupação da
tipo de confederação germânica ou Polônia, por exemplo, refletia um
seriam anexados ao Reich? Essas e histórico de luta entre alemães e po-
outras questões começaram a surgir loneses que já vinha de séculos, mas
naqueles anos em que parecia que a os nazistas incluíram, na mesma, um
Alemanha tinha vencido a guerra e padrão de guerra racial que implica-
não havia resposta clara a elas. va na impossibilidade de qualquer
Claro que algumas diretrizes autonomia para a Polônia. Eles ten-
centrais já estavam mais ou menos diam a ver, no Leste Europeu, um
estabelecidas. Haveria uma hierar- verdadeiro “Far West” nos moldes da
quização geral dos povos europeus conquista americana do oeste, no qual
com base na doutrina racial e todos os eles exterminariam os povos nativos,
recursos desse espaço serviriam para ou uma Índia, a ser dominada pela
manter a máquina de guerra alemã e, raça superior. Ou seja, eles seguiam
ao seu final, para o engrandecimento padrões tradicionais para o colonia-
desse Império. Também está claro lismo europeu, com o diferencial de
como haveria povos que seriam mais estarem aplicando estes padrões no
ou menos tolerados, como os euro- continente europeu e os combinando
peus ocidentais, e outros destinados a com a obsessão racial.
escravidão, como os poloneses, além, Estas tradições e obsessões,
é claro, da eliminação, pela emigração contudo, eram tão vagas que permi-
ou morte, dos judeus. Mas isso eram tiam que o Exército, o Partido, os di-
apenas idéias gerais, que, ao serem versos ministérios civis, a SS e muitas
confrontadas com a realidade, leva- outras instituições apresentassem a
ram, muitas vezes, a improvisação e sua versão do correto a fazer, levando
a experiências diversas. a reorganização do espaço europeu a
Os nazistas tiveram que recor- se tornar mais um campo de disputa
rer, assim, às únicas fontes de ins- entre os pólos de poder nazista.
piração possíveis, ou seja, os velhos Assim, enquanto Rosenberg e
padrões colonialistas europeus, os outros líderes políticos queriam ofere-
tradicionais objetivos geopolíticos cer, aos ucranianos, sérvios e mesmo
alemães na Europa do Leste e as suas aos russos algum grau de autonomia
obsessões raciais. Foi com base nisto para atraí-los ao campo do Eixo, a

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SS e o próprio Hitler preferiam uma Na verdade, tenho dúvidas se


política de terra arrasada, de repressão todas estas opções menos brutais, que
contínua, que acabou por ampliar o autor elenca com cuidado, tinham
cada vez mais a resistência. realmente chance de ser colocadas
Já muitos militares e burocra- em prática. Em alguns momentos,
tas do Ministério dos armamentos aliás, Mazower dá a impressão de
não se conformavam com a morte considerar que todas as várias propos-
de milhões de prisioneiros de guerra tas tinham chances iguais de serem
soviéticos, ciganos e judeus enquanto transformadas em políticas, o que me
a necessidade de mão-de-obra no parece complicado. Afinal, mesmo
Reich crescia a olhos vistos. Pessoas que reconheçamos que havia várias
do Ministério do exterior, por sua percepções nazistas sobre o mesmo
vez, queriam oferecer algum tipo de assunto, fato é que o nazismo se carac-
recompensa mais palpável para os terizava por uma idolatria à violência e
colaboracionistas em toda a Europa, à dominação e a vitória das propostas
enquanto a SS e outras forças se re- mais radicais, de dominação total e
cusavam a compactuar com os racial- ostensiva, como as da SS, me parece
mente destinados a obedecer. quase lógica.
Enfim, fica claro como havia Um ponto interessante do livro,
um intenso debate a respeito da polí- igualmente, é quando ele começa a
tica a ser seguida. A idéia dos nazistas discutir o significado de raça e po-
como monstros que só pensavam em lítica racial dentro do pensamento
matar e destruir nos faz perder a rea- nazista e, especialmente, as inúmeras
lidade de que aqueles eram homens adaptações que a doutrina racial teve
que podiam defender, dentro de cer- que se submeter para se tornar mini-
tos limites, propostas diferentes. mamente prática na organização do
Mazower indica, além disso, novo Império.
como a própria experiência da guerra Assim, no afã de colonizar as
levou a política nazista a se radicalizar partes ocidentais da Polônia, subs-
de forma expressiva. Assim, enquanto tituindo os poloneses por alemães,
o “problema judeu” era uma constan- eles encontraram um problema de-
te no pensamento nazista, a idéia de mográfico insuperável. Não apenas
exterminá-los fisicamente foi emer- os poloneses eram numerosos, como
gindo aos poucos, até a criação dos não havia germânicos em número
campos de extermínio, não previstos suficiente para substituí-los. A so-
desde o primeiro momento. lução, em boa medida, passou pela

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germanização forçada de muitos po- vimento, mas as idéias de assimila-


loneses que tinham as características ção cultural e lingüística também
adequadas para serem assimilados, estavam presentes, sendo judeus e
numa louca tentativa de encontrar ciganos, provavelmente, os únicos aos
alemães para os objetivos colonialistas quais essa possibilidade foi cem por
do regime. cento negada.
Duas questões de interesse O segundo ponto que me cha-
emergem, a meu ver, dessa sua obser- ma a atenção é a facilidade com a
vação. A primeira é que o nacionalis- qual Estados quase totalitários, como
mo etno-linguístico do século XIX e a Alemanha de Hitler, planejaram e
a visão mais racialista do nazismo não executaram projetos de engenharia
eram completamente incompatíveis. populacional de uma magnitude ina-
As discussões sobre raças, na Europa creditável. Discutia-se a morte ou o
do XIX, giravam sempre em torno deslocamento de dezenas de milhões
de questões de língua e cultura, com de pessoas e a reorganização espa-
a possibilidade de aculturação e assi- cial de todo um continente com uma
milação do “outro” sempre presente. facilidade impressionante. Em um
Mas havia também um tom racial, momento, chegou-se a imaginar até o
que identificava uma determinada envio de milhões de eslavos ao Brasil,
cultura com determinada raça e nem o qual, em troca, devolveria a popula-
sempre se aceitava que a assimilação ção de origem germânica ali emigrada
desta ou daquela raça era aceitável e/ (p. 209). Um total absurdo, mas que
ou desejável. indica a facilidade com que estes
A Alemanha nazista inverteu projetos de reorganização espacial e
esse padrão, absorvendo os ideais do populacional eram pensados e como,
racismo científico e levando a raça ao no caso nazista, eles foram colocados
posto de divisor central entre povos em prática ao menos em parte.
e pessoas. Mas um tom etno-cultural A ironia maior indicada pelo li-
também existia. Assim, havia eslavos vro, contudo, é a de que o próprio esti-
mais próximos da cultura alemã, como lo de administração alemã da Europa
parte dos tchecos, que poderiam ser ocupada colaborou para o seu fim. Ao
assimilados, enquanto os poloneses, pilhar toda a economia européia (ao
dado a histórica rivalidade entre os invés de permitir o seu desenvolvi-
dois povos, só o seriam em mínima mento), desperdiçar a sua força de
parte. O nazismo levou o racismo trabalho em massacres inúteis e não
biológico ao seu máximo desenvol- oferecer nenhuma opção aos povos

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dominados que não a dominação, o esforço para absorver e reorganizar


nazismo não conseguiu extrair, do toda a massa de informação recolhida
continente, tudo o que poderia em se transmuta em repetições e numa
termos de força militar, o que facilitou prolixidade que cansa o leitor. Mes-
a sua derrota pelos Aliados. Na sua mo assim, é um estimulante relato
brutalidade, na sua violência gratuita, a respeito dessa história de idéias,
estava a semente da sua destruição. adaptações, morte e construção im-
Uma conclusão não inédita, mas que perial que merece ser lido não apenas
ele consegue detalhar e explicitar em pelos especialistas em nazismo ou em
detalhes. políticas imperiais, mas por todos os
O livro de Mazower, assim, é interessados em estudar o processo
uma leitura que vale a pena. Ele não pelo qual idéias e (pré) conceitos se
explora fontes primárias e se baseia, adaptam a realidade e, ao mesmo
em essência, na imensa bibliografia tempo, fazem a realidade se adaptar
acumulada sobre o tema nas últimas a eles.
décadas. Em alguns momentos, o

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