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Resumo
As dimensões da Cidadania
O conceito de cidadania foi bem definido por Marshall (1967, p.63-64), através da
distinção de três dimensões, a saber: civil, política e social. Os direitos civis seriam os direitos
fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. São direitos cuja
garantia se baseia na existência de uma justiça independente, eficiente, barata, e acessível a
todos. Eles garantem as relações civilizadas entre as pessoas, além da própria existência da
sociedade civil surgida com o desenvolvimento do capitalismo. Os direitos políticos referem-
se à participação do cidadão no governo da sociedade. Suas instituições principais são os
partidos e um parlamento livre e representativo. Já os direitos sociais incluem a educação, o
trabalho, um salário justo, saúde, aposentadoria. Sua garantia depende da existência de uma
efetiva máquina administrativa do Poder Executivo. Vejamos como Marshall (1967) discorre
a respeito destes elementos da cidadania.
De acordo com José Murilo de Carvalho (2002, p.10), “sem os direitos civis,
sobretudo a liberdade de opinião e organização, os direitos políticos, sobretudo o voto, podem
existir formalmente, mas ficam esvaziados de conteúdo e servem antes para justificar
governos do que para representar cidadãos”. Quanto aos direitos sociais, o autor afirma que,
“em tese eles, podem existir sem os direitos civis e certamente sem os direitos políticos.
Podem mesmo ser usados em substituição aos direitos políticos. Mas, na ausência de direitos
civis e políticos, seus conteúdo e alcance tendem a ser arbitrários”.
Marshall desenvolveu a distinção entre as dimensões da cidadania através de uma
reconstrução histórica do processo de desenvolvimento da cidadania ocorrido na Inglaterra, o
qual, segundo o autor, foi muito lento. Primeiro vieram os direitos civis, no século XVIII.
Depois, no século XIX, surgiram os direitos políticos. Posteriormente, os direitos sociais,
conquistados no século XX.
Reinhard Bendix (1996) acrescentou um elemento importante à análise do
desenvolvimento dos direitos de cidadania feita por Marshall. Ele se refere aos princípios de
representação funcional e plebiscitário. De acordo com o autor (1996, p.110) a cidadania, a
princípio, “exclui todas as pessoas social e economicamente dependentes. Durante o século
XIX, essa restrição maciça é gradualmente reduzida até, finalmente, todos os adultos serem
classificados como cidadãos”. O processo de integração gradual da comunidade nacional
desde a Revolução Francesa é discutido “em termos de extensão do princípio de
representação funcional àqueles previamente excluídos da cidadania”. Aqui o termo “função”
designa “atividades ou direitos e deveres específicos de grupos”. Como tal, ele “abrange
ambas as coisas, observações de comportamento e mandatos éticos daquilo que é considerado
apropriado”. Por outro lado, Bendix (1996, p.110) coloca que “a Revolução Francesa também
fez avançar o princípio plebiscitário. De acordo com esse princípio, todos os poderes que
intervêm entre o indivíduo e o Estado devem ser destruídos (como Estados, corporações etc.),
de modo que todos os cidadãos como indivíduos possuem direitos iguais perante o soberano,
autoridade nacional”. Aqui o termo “plebiscito” refere-se ao “voto direto numa questão
pública importante por todos os eleitores qualificados de uma comunidade”. (grifos do
autor).
A questão é o quão exclusiva ou inclusivamente o cidadão é definido numa questão
pública. E aqui pensaremos sobre os limites além dos quais a relação direta dos indivíduos
com a autoridade pública não poderia ir. Há que se considerar que a cidadania, mesmo
pressupondo um status de igualdade, é construída sob uma estrutura de classes desigual
pautada na propriedade, raça, gênero, entre outras coisas. Nesse momento verifica-se o
conflito entre o princípio plebiscitário e o funcional quanto à participação dos cidadãos em
todo tipo de atividade considerada apropriada ao Estado. Sendo assim, podemos, assim como
Marshall (1967, p.63), nos perguntar se haveria limites além dos quais a tendência moderna
em prol da igualdade social não poderia chegar ou provavelmente não ultrapassaria, e
estaremos pensando não em custo econômico, mas nos limites inerentes aos princípios que
inspiram essa tendência. E é nesse meio que se enquadra a questão da informação,
impactando de maneira fundamental sobre a transparência das ações do Estado, conforme
discutiremos logo mais.
As significações da informação
[...] inclusão social pressupõe formação para a cidadania, o que significa que
as tecnologias de informação e comunicação devem ser utilizadas também
para a democratização dos processos sociais, para fomentar a transparência
de políticas e ações de governo e para incentivar a mobilização dos cidadãos
e sua participação ativa nas instâncias cabíveis (TAKAHASHI, 2000, p.45).
Nota-se que uma das intenções foi mostrar que a utilização das TIC´s para o fomento
da transparência de políticas e ações de governo é condição para se facilitar o exercício dos
direitos dos cidadãos.
Em suma, o autor procura revelar uma impressionante força das TIC´s, as quais seriam
capazes de fazer irromper dos círculos governamentais uma informação transparente em
direção ao cidadão, permitindo a este avaliar a eficácia das políticas públicas, além de
viabilizar a participação dele (o cidadão) nas decisões e acompanhamento dos atos
governamentais. No tópico seguinte discutiremos estas expectativas de modo a obter um
entendimento mais claro sobre o assunto.
Postas as argumentações esboçadas no Livro Verde, organizado por Takahashi,
façamos agora a exposição de outros autores.
Denis A. Rezende e Klaus Frey (2005) compartilham desta última correlação feita por
Takahashi entre tecnologia de informação e comunicação, transparência na gestão pública, e
cidadania. Porém expõem-na de forma diferente, citando Waisanen (2002), o qual afirma que
“as aplicações ou serviços real-time se tornam mais operáveis e consistentes, estabelecendo
uma maior conectividade entre os cidadãos e o governo e resultando na melhoria da
responsabilidade e transparência da gestão urbana”. Ou seja, as aplicações ou serviços de
informática são capazes de ampliar o nível de informação entre cidadãos e governo, gerando
mais responsabilidade e transparência da gestão urbana.
A partir daí, compartilham também do pensamento de M. A. Ruediger (2002 apud
REZENDE; FREY, 2005, p.55), o qual expõe que o governo eletrônico seria, entre outras
coisas, potencializador de boas práticas de governança e catalisador de uma mudança
profunda nas estruturas de governo, proporcionando mais efetividade, transparência e
desenvolvimento, além do provimento democrático de informações para decisão.
Porém Ruediger (2002 apud REZENDE; FREY, 2005, p.55) coloca uma ressalva: “se
esse potencial será efetivado, dependerá das decisões e desenhos de diversas políticas de
médio e longo prazo delineadas nos próximos anos para esse campo”.
Pensando nesta hipótese, Ruediger vai além no seu argumento, colocando que
Quando Takahashi (2000, p.65) afirma que “os conteúdos do governo deverão
progressivamente facilitar o exercício dos direitos dos cidadãos”, perguntamo-nos em que
dimensão essa facilitação poderia ocorrer. Recobrando os elementos definidos por Marshall
(1967), os quais constituem a cidadania (civil, político e social) vemos que o que está em
questão são os direitos políticos, mais especificamente o direito de voto. Esse entendimento é
reforçado quando Takahashi (2000, p.45) coloca que “as tecnologias de informação e
comunicação devem ser utilizadas também para a democratização dos processos sociais”.
A preocupação com as relações democráticas, inclusive transparentes, está presente
também em Ruediger (2002 apud REZENDE; FREY, 2005) e em Sanchez (2003). Este
último, em conformidade com Takahashi (2000), vai mais longe ao cogitar a participação do
cidadão nos processos democráticos, possibilitada pelo acesso aos processos legislativos, pela
comunicação mais direta com os representantes eleitos através de meio eletrônico e pelo
melhor acesso à informação pública para a prestação de contas (SANCHEZ, 2003, p.94). A
intenção dos autores citados parece clara no sentido de exercer o efetivo controle sobre os
agentes públicos.
Observando as relações do tipo agent x principal que se estabelecem entre as classes
de atores, descritas por Adam Przeworski (1998), pode-se ter maior clareza quanto a essa
problemática. Neste caso, interessa-nos as relações entre cidadãos e governos2. De acordo
com Przeworski (1998, p.60), “como os cidadãos é que detêm a soberania, são eles os
principals em relação aos políticos que elegem. Mas, como o Estado é um mecanismo
centralizado e com poder de coerção, são os agents que decidem a que regras os principals
devem obediência, e quem os obriga a obedecer”. Um grande problema que se apresenta a
essa relação é a assimetria de informação entre governo e eleitores. Como poderia então se
dar o controle dos governos pelos cidadãos?
Segundo Przeworski (1998, p.62), “os governos prevêem, antecipadamente, o
julgamento que será feito, retrospectivamente, pelos cidadãos; prevendo o que pensarão os
eleitores, o governo escolhe políticas e emite mensagens que, a seu ver, os cidadãos
considerarão positivas à época das eleições seguintes”. Esse seria o mecanismo de
funcionamento da accountability. A questão está no fato de os governos, desejando ser
reeleitos e conhecendo as regras pelas quais os cidadãos decidem, fazem o possível para
satisfazer esses critérios.
E o que motivaria os governos a realizarem esse jogo? Podemos encontrar a resposta
em uma palavra: poder. Poder aqui é entendido no sentido empregado por Max Weber (2000,
p.33), segundo o qual “significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação
social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”.
Os líderes, os políticos, os empresários, as organizações, as igrejas, indivíduos e
entidades, de algum modo, procuram exercer o poder através de uma forma de dominação, a
qual, segundo Weber (2000, p.33), é “a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem
de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis”. Inclusive preferem
situações em que há disciplina que é “a probabilidade de encontrar obediência pronta,
automática e esquemática a uma ordem, entre uma pluralidade indicável de pessoas, em
virtude de atividades treinadas”.
A situação de dominação está ligada à presença efetiva de alguém mandando
eficazmente em outros. Daí a utilização de processos seletivos que impõem aos dados3
determinados juízos de valor que constituirão a informação. E esse valor comporá o campo
dos conteúdos aptos a integrarem a comunicação.
Isso demonstra o caráter eficiente, influente e decisivo, sob o qual a informação se
insere nas relações, processos e estruturas que articulam e dinamizam as diferentes esferas da
sociedade, como uma técnica social que visa à reprodução da dominação.
Além do mais, conforme explicita Weber (2000, p.139), “nenhuma dominação
contenta-se voluntariamente com motivos puramente materiais ou afetivos ou racionais
referentes a valores, como possibilidades de sua persistência. Todas procuram despertar e
cultivar a crença em sua ‘legitimidade’ ”. Dessa forma, mudanças institucionais que visem a
uma maior acessibilidade às informações fundamentais para a promoção de relações mais
transparentes entre governo e sociedade civil poderiam corroer os fundamentos de
legitimidade da dominação.
Portanto não basta observar apenas os resultados das políticas governamentais para
poder decidir se o governo está fazendo tudo o que pode fazer para promover o bem-estar de
todos ou se está servindo a interesses particulares. Refletindo sobre que mecanismos
institucionais amenizariam os efeitos desses problemas informacionais, Przeworski (1998,
p.67) conclui que
Conclusões
Desse modo, o regime contábil misto adotado no Brasil, de caixa para receitas e
competência para despesas, dificulta a análise estritamente financeira, porque para parte da
despesa empenhada no exercício não houve o desembolso financeiro. A real análise da
situação financeira de um município, no entanto, envolve ainda outros componentes não
considerados no Balanço Financeiro.
Restringir o objeto de divulgação à evolução das disponibilidades de recursos gera
informação pouco relevante, uma vez que tais recursos registrados nas contas do disponível
representam atualmente apenas parcela da evolução do saldo financeiro, ao não incluir os
recursos públicos mantidos em aplicações financeiras. O Balanço Financeiro definido em lei
ainda não considera os recursos mantidos em aplicação financeira, uma vez que esses
possuem liquidez quase imediata e são excedentes.
Nesse sentido, interessa ao cidadão a informação sobre esses recursos excedentes, para
que ele possa participar da decisão sobre sua utilização. Fundamental ainda é a qualificação
desses recursos disponíveis para o exercício seguinte. É de interesse de quem aplicou os
recursos saber com clareza se os excedentes estão livres para serem reprogramados em novas
políticas de governo ou se estão comprometidos com despesas já empenhadas, como os restos
a pagar, ou mesmo se deveriam ser preservados a título de reserva, para gastos futuros
iminentes advindos da possibilidade de realização de um passivo contingente.
A participação de todos os cidadãos nas decisões e acompanhamento dos atos
governamentais, a transparência de políticas e ações de governo, a busca pela dignidade
humana, representatividade e controles sobre os agentes públicos, a facilidade para o
exercício dos direitos dos cidadãos, são argumentos fortes e de fácil aceitação social. Todavia
não têm sido suficientes para mudar a postura daqueles que detêm o poder decisório.
Sendo assim, a universalização do acesso e a promoção do uso dos meios eletrônicos
de informação, por si só, não levam a uma maior participação de todos os cidadãos nas
decisões ou transparência das políticas e ações de governo. É necessário ir além, pensar em
quem define quais elementos têm valor significativo para a informação e, com base nesse
valor, o que comporá o campo dos conteúdos aptos a integrarem a comunicação. É preciso
refletir sobre como atuar junto às motivações que regem as ações desses atores sociais no
sentido de garantir de fato a transparência e a participação dos cidadãos.
Notas
1
O programa Sociedade da Informação desdobra-se em sete linhas de ação: mercado, trabalho e oportunidades;
universalização de serviços para a cidadania; educação na sociedade da informação; conteúdos e identidade
cultural; governo ao alcance de todos; P&D, tecnologias-chave e aplicações; e infra-estrutura avançada e novos
serviços.
2
Przeworski descreve três relações do tipo agent x principal: governo e agentes econômicos privados
(regulação), políticos e burocratas (supervisão/ acompanhamento), e cidadãos e governos (responsabilização).
3
Dado é aqui entendido como um registro ou anotação a respeito de um determinado evento ou ocorrência.
Referências Bibliográficas
2. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
3. COHN, Gabriel. A forma da sociedade da informação. In: DOWBOR, L.; et al. (Org.)
Desafios da comunicação. Petrópolis: Vozes, 2000, p.20-27.
4. IANNI, Octavio. O príncipe eletrônico. In: DOWBOR, L.; et al. (Org.) Desafios da
comunicação. Petrópolis: Vozes, 2000, p.62-76.
10. TAKAHASHI, Tadao (Org.). Sociedade da Informação no Brasil: livro verde. Brasília:
Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000.