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— Quem é a loira gostosa que acabou de passar por mim no corredor?
Levantei os olhos para Matt, o filho da puta que ocupava os cargos de
melhor amigo e sócio. Ele sentou na cadeira que há poucos minutos estava
ocupada por Eveline. Eve, corrigi mentalmente.
— A nova contadora, pelo menos até eu ter certeza do seu bom trabalho.
— Sem dúvidas ela é melhor aos olhos que o desgraçado do Anthony. —
Matt levantou as pernas e apoiou os tornozelos cruzados em cima da minha
mesa. — E suponho que você decidiu contratá-la única e exclusivamente por sua
inteligência e longa experiência profissional. A menina não deve ter mais de
vinte anos. — O olhar dele era zombador.
— Vinte e seis. E essa informação pode ser chocante para você, mas nem
todos os caras pensam com o pau. — Franzi a testa ao ouvir a gargalhada dele
ecoar pela sala. — Fico feliz que esteja de tão bom humor — falei, agora usando
o mesmo tom irônico do infeliz. — Lucy começou hoje.
Assisti, com uma tremenda satisfação, o sorriso presunçoso que Matt
ostentava morrer no instante que pronunciei o nome da minha irmã. Ele tirou os
pés de cima da mesa numa velocidade admirável e ajeitou-se na cadeira,
desconfortável.
Cadê a tiração de sarro agora, otário?
— Quando topei essa sociedade, achei que as minhas opiniões fossem ser
levadas em consideração — comentou, indignado.
— E são, mas você perdeu.
— Luke, cara, revê essa parada aí. Eu não acho uma boa ideia Lucy
trabalhar aqui.
— E se você me der um bom motivo, além do fato de ter transado com
ela e agora estar desesperado por precisar vê-la diariamente, eu reconsidero o
meu voto — rebati.
Não tive a intenção de soar acusatório, mas foi inevitável. Ainda não
engolia Matt ter tido aquele tipo de interação com minha irmã caçula. Lucy era
adulta, responsável, excelente profissional e dona do próprio nariz. No entanto,
para mim, ela e Laura seriam sempre as minhas irmãzinhas.
— Se fosse ao contrário, queria ver se você estaria tão tranquilo assim,
filho da puta.
— Da próxima vez pense melhor sobre transar com as irmãs dos seus
amigos.
Matt gemeu, derrotado, e passou as mãos pela nuca, nervoso. Depois me
olhou, desanimado:
— Você nunca vai me perdoar por aquilo, vai? Quebrar o meu nariz não
serviu de nada?
— Serviu. — Levantei os olhos do currículo de Eve, que ainda estava
aberto sobre a mesa, e encarei os olhos azuis, que exerciam um grande efeito nas
mulheres, fato que testemunhei durante anos. — Para que minha raiva se
aplacasse um pouco e eu não te matasse.
— Ok, ok. — Levantou ambas as mãos em sinal de rendição. — Vamos
voltar para a loira. Como é o nome dela? É casada?
— Eveline Perry. Aparentemente, se mudou para cá recentemente com o
filho pequeno. Sem marido.
— Aparentemente? — Matt estranhou o meu tom.
— Meus instintos me dizem que ela está escondendo alguma coisa.
— E ainda assim você a contratou. Depois eu sou o acusado de pensar
com o pau. — O sorrisinho irritante estava de volta à boca dele.
— Contratei para um período de experiência. Que alternativa temos?
Vamos ficar fora pelos próximos quinze dias e as coisas aqui precisam ser
regularizadas depois do que aquele pau no cu fez.
Houve uma batida na porta e, em seguida, a voz de Lucy preencheu o
ambiente:
— Mas que infelicidade a minha. Dar de cara com certos imbecis no
primeiro dia de trabalho.
O corpo de Matt enrijeceu ao ouvi-la, mas ele se recuperou rapidamente,
voltando à atitude despreocupada.
— Boa tarde para você também, doce Lucy — cumprimentou sem virar
para olhá-la.
— Você pode enfiar o "doce Lucy" no…
— Ei, ei, ei! — interrompi. — Você prometeu que conseguiria conviver
pacificamente com ele, Lucy.
— Eu sei, foi um lapso momentâneo. — Ela fechou a porta e caminhou,
rebolando um pouco demais na minha opinião. Após sentar na cadeira ao lado de
Matt, roçou a ponta do pé propositalmente na perna dele.
Puta que me pariu.
Matt engoliu em seco e Lucy continuou, a expressão inocente:
— E então, Luke, Amanda disse que você queria falar comigo antes de ir
embora.
— Só pra te dar as boas-vindas oficialmente — eu disse, abrindo um
sorriso para ela.
— Muito obrigada, já estou me sentindo à vontade por aqui.
Lucy se formou há pouco tempo em administração, na melhor
universidade do país na área, a Universidade da Pensilvânia, como uma das
melhores da turma. Porque ela quis trabalhar aqui na LTM Security, quando
poderia ir para empresas muito maiores e com melhores oportunidades, era um
mistério que eu já tinha desistido de tentar desvendar.
— E você, traste, digo, Matt, não vai me desejar boas-vindas? —
provocou, revestida de uma falsa inocência que não enganou ninguém.
— Por mim, docinho, você nem estaria aqui.
— Isso não me surpreende, imbecil. Caras como você são tirados a
machões, mas tremem na base e se mostram verdadeiros covardes ao precisarem
encarar uma mulher com quem já transou.
— Pelo que me lembro, da última vez que ficamos sozinhos, quem
tremeu bastante foi você.
— Ah, faça-me o favor, né?! Vai ficar se gabando por ter me dado um
orgasmo meia-boca?
Mas que porra…?!
— Meia-boca? Talvez você queira usar orgasmos, no plural. E seus gritos
escandalosos me disseram outra coisa.
Os dois pareciam não lembrar da minha presença.
— Gritos escandalosos? Quem estava gritando feito uma hiena foi você,
meu amigo. Se quer mesmo saber, foi constrangedor.
— Lucy… — Tentei interromper, sentindo vontade de furar meus
próprios tímpanos para não continuar ouvindo a conversa.
— Espere um minuto, Luke. — Fez sinal com a mão. — Não vou deixar
esse ridículo com o ego inflado falar inverdades. Fique sabendo, idiota, que
outros homens já me deram orgasmos muito mais arrebatadores. Você não entra
nem no top dez.
— Ah, sim? Podemos sair daqui agora mesmo e eu te mostro qual
posição vou estar ocupando quando acabar com você.
Ah, vá tomar no…
— Bem que você gostaria, né? — A discussão continuou, sem trégua. —
Pois eu prefiro ter um braço arrancado do que ir pra a cama com você
novamente. Não foi uma experiência muito agradável.
— Não foi o que eu ouvi por aí…
— Calem a porra da boca, os dois! — gritei, levantando da cadeira, puto
da vida com o rumo que a conversa tomou. — Eu não preciso ficar sabendo
sobre a vida sexual da minha irmã, principalmente quando você está diretamente
envolvido, Matt! Se os dois não conseguem ficar no mesmo ambiente por cinco
minutos sem se insultarem, isso aqui não vai dar certo.
— Eu avisei que não era uma boa ideia — resmungou Matt, olhando
atravessado para Lucy, que o encarava como se quisesse arrancar suas cabeças (a
de cima e a de baixo) fora.
Lucy respirou fundo, fechando os olhos, e falou:
— Você tem razão, Luke, peço desculpas. Me deixei levar pelo momento.
Sou uma mulher madura o suficiente para aguentar a presença desagradável do
seu amigo. Desde que ele finja que não existo, farei o mesmo.
— O prazer será todo meu, docinho.
Antes de levantar e caminhar rapidamente para fora da sala, Lucy não
resistiu ao impulso de mostrar o dedo do meio para ele.
Quando entrei em casa naquela noite, estava exausto.
Desde que havíamos descoberto o rombo na contabilidade, há alguns
meses, minhas horas de trabalho aumentaram para caralho. Anthony Carter,
antigo contador e um homem que cheguei a considerar um amigo, fez um
estrago tão grande na empresa que se mostrava cada dia mais difícil de ser
consertado. Eu esperava que Lucy e Eveline fossem capazes de reverter o
quadro.
A LTM Security estava longe de ser uma grande empresa, mas vinha em
uma ascensão promissora. Naperville era uma cidade conservadora em muitos
aspectos, inclusive no que dizia respeito à segurança privada. As pessoas que
precisavam do serviço já tinham seu time de confiança e muitos preferiam
recorrer a profissionais em Chicago. Crescemos pouco a pouco, cliente a cliente,
fidelizando cada um deles. Os contatos que fizemos durante os dez anos de
exército ajudavam, indicando nosso serviço. Matt, Ty e eu investimos tudo que
tínhamos nela, então deixar que um filho da puta qualquer a destruísse estava
fora de cogitação. Se fosse preciso, trabalharíamos vinte e quatro horas por dia
para fazê-la sair da corda bamba.
Mas se você era incompetente o suficiente para deixar alguém te roubar,
as pessoas começavam a questionar por que deviam confiar suas vidas a você.
Perdemos clientes, perdemos dinheiro e precisamos demitir metade dos
nossos funcionários. Ainda assim, não sabia como faríamos para pagar os
salários daquele mês.
Conheci Matt no ensino médio, viramos amigos depois de um começo
turbulento. Passamos por uma caralhada de situações fodas juntos. Ty se juntou
no segundo ano de exército. A amizade entre nós três se desenvolveu de forma
natural, sem forçação de barra. O ataque que quase matou o nosso pelotão
inteiro, e deixou uma sequela permanente na perna direita de Ty, foi a gota que
transbordou o copo. Pedimos a dispensa.
Sair não era tão simples quanto entrar. Tecnicamente, qualquer um pode
pedir baixa. Mas se a sua unidade estiver carecendo de efetivo, eles vão te dar
uma boa enrolada. Se quiser sair imediatamente então… Até sai, mas não recebe
porra nenhuma. Uma quantia por cada ano de serviço prestado.
Ao voltar para casa, nada era o mesmo. Sair ileso de uma experiência no
Iraque era algo que ninguém, ninguém conseguia. Com dificuldades para nos
readaptar à vida civil, resolvemos fundar uma empresa de segurança privada,
aproveitando a experiência de campo que cada um possuía. Após meses de
capacitação, inúmeras idas a bancos em busca de empréstimo e muita dor de
cabeça, a LTM foi fundada. E eu me recusava a deixá-la falir.
Lola, uma Yorkshire terrier de dois quilos, veio me receber na porta.
Presenteou os meus ouvidos com os latidos agudos, pulou em minhas pernas e
abanou o rabo em uma velocidade impressionante. Abaixei para pegá-la no colo
e recebi, de bom grado, as lambidas no rosto.
— Ei, garota, eu também estava com saudades — confessei, afagando
uma orelha.
A cadela foi herança da outra irmã, Laura. Ela ganhou o filhote de
presente do namorado, mas dois meses depois eles se separaram. O término não
foi nada amigável — rolou traição e o caralho a quatro — e Laura ficou tão mal
que decidiu fazer um intercâmbio para esquecer o relacionamento fracassado.
Lola, então, foi deixada aos meus cuidados — contra a minha vontade —, até
que ela voltasse, três meses depois. Os três meses viraram um ano e meio.
Gostou tanto da Alemanha que resolveu renovar o visto de estudante.
Ela até veio buscar Lola, que já estava muito apegada a mim e ficou
extremamente depressiva ao ser levada daqui. Não que eu fosse admitir aquilo
em voz alta, mas o animal fez uma falta da porra aqui em casa, a ponto de em
alguns momentos eu achar que iria enlouquecer com o silêncio. Não demorou
uma semana e Laura bateu na minha porta com Lola nos braços, a cama
minúscula, ração e todos os brinquedos enfiados em uma sacola.
— Ela já é sua, Luke. É uma crueldade separá-la de você.
Internamente comemorei a volta dela como se o meu time tivesse
vencido o Super Bowl. Mas para a minha irmã, eu só disse:
— Beleza. Se você acha que vai ser melhor pra ela ficar aqui, paciência.
Desde então, dividimos a casa. A cadela parecia ter algo místico que me
tornava mais atrativo para o público feminino. Quando levava Lola para passear,
por exemplo, sempre ouvia de, pelo menos, três mulheres: Ahhh, que coisinha
mais fofa! Qual é o nome dela? E no final da conversa quem sabia os nomes e os
números dos telefones delas era eu.
Apenas unindo o útil ao agradável, jovens.
Depois de tê-la alimentado e passado vários minutos brincando no chão
para que gastasse a energia acumulada de um dia inteiro dentro de casa, fui
tomar banho. O passeio ficaria para amanhã de manhã. Jantei e fui direto para a
cama, sentindo-me incapaz de manter os olhos abertos por muito tempo.
No entanto, no instante em que coloquei a cabeça no travesseiro, um par
de olhos muito tristes e desconfiados invadiu a minha cabeça por alguns
segundos. Não percebi em Eveline, à primeira vista, sinais de um caráter
duvidoso; pelo contrário, ela se mostrou bastante transparente. Mas meus
instintos se equivocaram em relação à Anthony e eu não cometeria o mesmo erro
duas vezes. Manteria os olhos abertos.
O que você está escondendo, Eveline?
CAPÍTULO 3
Desconfiança
Algo estava errado.
Algo estava muito errado com aquela mulher. Os meus instintos gritaram
"problema" desde o instante em que pus os olhos nela. Eveline não era uma
mentirosa, pelo contrário, mentia mal para caralho. Bastou um pouco de pressão
para que ficasse nervosa, abalada, trêmula. Mas escondia alguma coisa.
A breve pesquisa que mandei fazer sobre ela foi reveladora. Não
conhecia os pais, abandonada recém-nascida na porta de um orfanato. Viveu por
anos em uma instituição católica e depois passou por alguns lares adotivos, até
entrar numa universidade, através de bolsa integral.
Nada anormal. Nada suspeito.
Não consegui, entretanto, informações sobre o pai do filho dela. Quem
quer que ele fosse, os dois não se casaram civilmente. Mas alguém estava
sustentando-a durante os três anos que não trabalhou. E, apesar da óbvia falta de
experiência profissional, fiquei positivamente surpreso com a visão de Eveline
sobre a situação financeira da empresa e gostei das propostas apresentadas.
Então, contanto que nada resvalasse na LTM, ela podia manter seus segredos.
Não era da minha conta.
Matt e Ty entraram na sala de reuniões, na qual eu já estava há alguns
minutos esperando por eles. Precisávamos discutir e decidir sobre um trabalho
importante. Importante a ponto de ajudar a LTM a se reerguer ou fechá-la de vez.
— Não entendo por que esse assunto ainda está em discussão — disse
Ty, antes de qualquer cumprimento. — É uma oportunidade que não estamos na
posição de recusar.
— Não tô dizendo para não pegar, só quero que vocês vejam a situação
por todos os ângulos. Se aceitarmos e for um sucesso, alça a LTM a outro
patamar. Se alguma coisa der errado, qualquer coisa, significa a falência. A
empresa de segurança que deixar algo acontecer com a filha do prefeito perde
toda credibilidade. Naperville está longe de ser uma metrópole e as notícias por
aqui se espalham como pólvora — defendi meu ponto de vista.
— A situação já está crítica, Luke — Ty contra-argumentou. — O valor
que a justiça conseguiu levantar através dos bens de Anthony chega ser ofensivo.
Não chega perto de pagar o que aquele ladrão roubou de tanta gente. Não
sabemos onde está o resto do dinheiro e nunca saberemos. Essa é a porra da
verdade. Se recusarmos o trabalho, estaremos assinando atestado de
incompetência. Desde quando a possibilidade de dar errado é motivo para deixar
de fazer algo?
— Quase não te reconheço, cara. — Matt franziu a testa, ainda de pé, os
braços cruzados na frente do peito. — O prefeito podia contratar qualquer
segurança do país, mas está nos escolhendo. Qual é o problema? Do que você
tem medo? Que a gente não dê conta?
— Ele nos escolheu porque Arthur disse que confiava em nós. — Arthur
Dane era coronel do exército, irmão do prefeito e, além de um superior, amigo
nosso. — Reduzimos nosso pessoal pela metade. Éramos dez, agora somos
cinco. E George exigiu que nós três déssemos prioridade à sua filha. Os caras são
competentes, confio neles, mas a última vez que deixamos a LTM na mão de
outras pessoas, fomos roubados. Hoje vivemos na pele as consequências do
descuido. Vocês me conhecem e sabem que eu cresço no perigo, mas aqui não é
a porra do Iraque. Esses caras vão vir com tudo para cima no instante que a
informação vazar. E acreditem, vai vazar. Não temo por mim, e sim pela minha
família.
O mais absoluto silêncio se fez após as minhas palavras. Eles sabiam que
havia razões para aquele tipo de preocupação. A filha do prefeito estava
recebendo sérias ameaças de um grupo criminoso com o qual seu pai manteve
negócios ilícitos em um passado não muito distante. A garota de quinze anos era
inocente e não fazia ideia em que tipo de atividade ele andava metido. George
Thompson foi burro o suficiente para ter a campanha financiada por um
traficante e achar que poderia esquecê-lo depois de eleito. Burro e corrupto.
— Lucy é favorável à aceitação do trabalho. Ela disse isso na reunião e
parecia saber o que estava falando — relembrou Ty.
— Lucy não faz ideia com que tipo de pessoa estamos lidando. A opinião
dela foi profissional, como administradora de uma empresa que passa por uma
forte crise — falei.
— Sua mãe é uma mulher sensata, saberá se cuidar — Ty continuou. —
Laura está segura na Alemanha. E Lucy, bem… — Olhou para Matt, abrindo um
sorriso. — Nosso amigo aqui pode ficar de olho nela, não?
Percebi, pela contração do queixo dele, que Matt queria meter um soco
em Tyler. Desejei fazer o mesmo.
— Vá se foder. Até parece que alguém consegue controlar a rebeldia
daquela garota — Matt respondeu, puto.
— E você bem que apreciou toda a rebeldia dela. — Ty continuou a
provocar.
— Seria excelente se pudéssemos voltar a falar sério. Não vejo motivos
para brincadeiras, porra! — Cortei a discussão, impaciente, irritado e
preocupado. — Essa é a decisão final de vocês?
Tyler assentiu. Matt demorou um pouco mais, mas também afirmou.
Respirei fundo e levantei da cadeira, tenso.
— Sou voto vencido. Vou conversar com dona Rebecca e Lucy. Talvez
consiga fazer aquela menina me ouvir. Dizem que há uma primeira vez pra tudo.
A gargalhada de Matt pôde ser ouvida por todo o andar:
— Boa sorte!
Lucy estava saindo da sua sala no momento que desci, pronto para ir
embora. Olhei para o relógio. Quase nove da noite. Ela sorriu ao me ver,
demonstrando cansaço. Só não mais exausta do que eu.
— O que está fazendo aqui tão tarde? — questionei.
— Tentando consertar a bagunça que vocês fizeram.
— Me desculpe se não sou um administrador fodão formado na melhor
universidade do país. — Aproximei-me, depositando um beijo no cabelo dela.
— Fazer o quê? Alguém tinha que nascer inteligente nessa família. Aliás,
mereço um aumento.
Eu ri e levantei os braços acima da cabeça, alongando os músculos
doloridos.
— Esse é o seu primeiro mês.
— E já precisei fazer várias horas extras. Se isso não é razão para
merecer um aumento, não sei o que é. — Continuou a brincar, bem-humorada.
Depois de rir novamente, ofereci:
— Quer uma carona?
— Vou aceitar, ainda estou sem carro.
— Qual é a sensação? — perguntei, a caminho do meu antigo endereço.
— Morar com a mãe depois de tantos anos de independência.
— É como voltar à adolescência. Dona Rebecca se preocupa até com a
variedade de verduras que eu como.
Aquilo me fez gargalhar.
— Não estou surpreso.
— Para completar, agora inventou de me arrumar namorado. Você
precisa ver os candidatos. O último, filho de uma amiga da igreja, parecia nunca
ter visto uma mulher na vida, quase babou no meu decote. Literalmente. — Ela
continuou o relato, sem saber se achava divertido ou irritante.
— Não pode ter sido tão ruim assim. Você deveria ter dado uma chance
ao cara — provoquei.
— Isso, Lucas! Tira uma com a minha cara mesmo. Aposto que ela
ficaria profundamente encantada em descobrir que o filho mais velho finalmente
decidiu se comprometer com uma mulher e lhe dar vários netinhos.
O carro deu uma leve engasgada.
— Você não faria isso com seu irmão favorito.
— Experimenta. — Sorriu de forma maligna. — Mas falando sério
agora, eu senti muita saudade de casa. Os meus colegas ficavam superfelizes e
animados por estarem longe da família. Eu não nego que aproveitei todas as
fases, curti muito, mas o pensamento ficou aqui, imaginando minha mãe
sozinha.
Nem todas as famílias eram como a nossa. Nem todas as mães eram
como Rebecca Buttler. Ela era a mulher mais forte, bondosa e admirável que eu
conhecia.
Perdeu os dois maridos em serviço. Michael — meu pai — foi
assassinado em uma emboscada realizada por uma quadrilha que estava
investigando. Ele era detetive de polícia. Thomas — pai das minhas irmãs —
nunca voltou para casa do último turno no exército. O pelotão foi bombardeado e
não houve sobreviventes.
Thomas foi o pai que conheci. Ele e minha mãe começaram um
relacionamento quando eu tinha oito anos, após um longo período de luto por
parte dela. Dois anos depois veio Laura. Outros dois depois, Lucy.
Nunca percebi a mínima diferença de tratamento entre nós três. Ele foi
um homem honrado, amoroso e completamente apaixonado pela esposa. E me
amou como um filho. Era militar e, cada vez que saía para um turno, eu via
minha mãe chorar no quarto, acreditando que estávamos dormindo. Eu nunca
estava. Também ficava apavorado com a possibilidade de ele morrer.
E aconteceu quando eu tinha dezesseis. Dona Rebecca ficou devastada e
se isolou por meses, trancafiada em um sofrimento que me destruía. Mas precisei
engolir o meu próprio luto porque a minha família precisava de mim. Era o que
Thomas esperava que eu fizesse.
Para o desespero da minha mãe, me alistei aos dezoito. Ela gritou,
chorou, me ameaçou e chantageou. No final, entendeu que foi a maneira que
encontrei de honrá-lo. Por mais que doesse colocá-la naquela posição
novamente, precisava provar para mim mesmo que conseguia, que era capaz.
Precisava fazer a diferença, como Thomas fez para mim. Precisava proteger meu
país, pelo qual ele deu a sua vida.
Uma coisa eu faria diferente dele, no entanto. Enquanto sentisse a
necessidade de servir, não teria relacionamentos sérios. Não me casaria. Não
haveria uma mulher esperando por mim em casa, dormindo e acordando a cada
dia sem saber se o marido estava vivo.
Eu era um homem de trinta e três anos, saudável. Gostava de sexo. Forte,
sem pudores, sem amarras, sem cobranças. Mas sempre tomei o cuidado de me
envolver com mulheres que buscavam o mesmo que eu.
— O que foi? De repente ficou todo sério e calado.
Balancei a cabeça.
— Nada, pensando em várias coisas. Você e Eveline parecem próximas.
— Sondei, mudando de assunto.
— Almoçamos juntas todos os dias. Ela é um amor de pessoa. — Diante
do meu silêncio, continuou: — Por quê? Você não costuma fazer perguntas por
fazer. O que tá rolando?
— Ela não está contando tudo.
— E quem conta? Todo mundo tem os seus segredos, isso não é nenhum
crime.
— Gostaria que me falasse se perceber alguma atitude suspeita e
estranha.
Lucy franziu o cenho, olhando-me de um jeito esquisito que me causou
desconforto imediato.
— A única coisa estranha aqui é sua atitude, Luke. Para mim, ela é
apenas uma mulher lutando para criar o filho sozinha em uma cidade nova, como
tantas outras.
— Nunca comentou nada sobre o pai do menino?
— Não. E nem toquei no assunto. Ainda não somos tão próximas para
esse tipo de pergunta.
Voltei a ficar calado, arrependido por ter comentado sobre as minhas
desconfianças.
— Relaxa, Luke. Depois do que o seu antigo contador fez, é normal
suspeitar de todo mundo.
— Pode ser. — Tentei encerrar a discussão, mas Lucy tinha outros
planos.
— E quer saber o que mais? Ela é a maior gata, inteligente, competente,
responsável e acho você está tentando desqualificá-la apenas porque quer dar
uns pegas nela.
O carro engasgou novamente, de maneira mais brusca.
— Essa afirmação não tem fundamento. Não costumo misturar negócios
e prazer. Você sabe disso.
Ela riu, jogando a cabeça para trás.
— Ah, meu irmão, você não sabe o que está perdendo…
CAPÍTULO 4
Lembranças
Reno, Nevada, 2014.
Despertei com o barulho das chaves. Sonolenta, percebi que havia
dormido no sofá, enquanto esperava por Bryan. Mais uma vez. A porta demorou
alguns segundos para ser aberta. O relógio marcava quase quatro da manhã.
Ele entrou tentando ser silencioso e falhou por motivos óbvios. Através
dos movimentos descoordenados de suas mãos e a falta de equilíbrio, ficou
nítido que esteve bebendo. Mais uma vez.
Avistou-me de imediato ao se virar e parou no meio do caminho, abrindo
um sorriso estranho:
— Que surpresa agradável encontrar a minha mulher me esperando! Com
medo que eu estivesse na farra, querida?
Mesmo àquela distância, pude sentir o bafo forte de álcool. Levantei,
chateada.
— Na verdade não, Bryan. Fiquei preocupada por ser tão tarde e você
não ter chegado ou dado notícias. Liguei no seu celular, mas caía direto na caixa
postal. Você poderia, ao menos, ter a consideração de me avisar quando não for
passar a noite em casa, assim eu não espero acordada.
— Ah, estava demorando… Vai começar com a chatice, Eveline? Eu e os
caras saímos para um happy hour. Uma cerveja levou a outra e perdemos a
noção do tempo.
— Eu não me importo que saia com os seus amigos, você sabe disso.
Mas ultimamente vocês fazem um happy hour por dia.
Ontem entrei na décima sétima semana — ou quarto mês — de gestação.
O primeiro trimestre foi um verdadeiro inferno, praticamente não conseguia
segurar nenhum alimento no estômago. Agora estava melhorando, mas eu havia
perdido peso e vivia cansada. Continuei frequentando a faculdade por pura força
de vontade.
Bryan ficou ao meu lado durante os momentos difíceis, prestando um
apoio essencial. No entanto, as coisas começaram a mudar há um mês, quando
ele passou a chegar cada vez mais tarde em casa, sempre fedendo a álcool. Não
conversávamos como antes e percebia nele uma impaciência muito grande.
Qualquer bobagem era motivo para discussão.
Talvez a realidade de uma gravidez difícil houvesse se sobrepujado à
alegria de ter um filho. Talvez os meus constantes mal-estares tenham enchido o
seu saco. Talvez existisse um arrependimento por ter me chamado para morar
com ele. Mas, ao mesmo tempo que me esforçava para compreendê-lo, entender
seus motivos, me sentia extremamente irritada com a possibilidade de Bryan se
chatear por situações que fugiam ao meu controle. Era horrível para mim
também. Muito mais do que para ele, a propósito.
— Você acha que manda em mim porque está morando na minha casa,
dormindo na minha cama? — O tom acusatório me chocou.
Após o sentimento de perplexidade, tive raiva. Eu não costumava me
alterar, era uma pessoa calma e fazia o possível para evitar brigas. Contudo, os
hormônios da gravidez bagunçaram completamente as minhas emoções e, de
repente, me senti humilhada e injustiçada.
Quem acordava todos dias vomitando até a alma era eu e ainda assim me
arrastava até a faculdade à base de remédios para conseguir o diploma. Mesmo
cansada e sonolenta durante a maior parte do tempo, cuidava da casa e cozinhava
todas as refeições para que ele encontrasse um lugar limpo e comida na mesa ao
chegar do trabalho. Não contribuía em dinheiro com as despesas porque ganhava
pouco e tudo era gasto com itens pessoais e o enxoval do bebê, mas com certeza
fazia a minha parte.
Bryan não precisava me jogar na cara que a casa era dele, como se eu
houvesse forçado a minha mudança. Então, explodi:
— Você não tem o direito de falar assim comigo! — gritei, segurando a
vontade de chorar. — A sugestão para que morássemos juntos foi sua! Nunca
tive a intenção de usar a gravidez para te encurralar e obrigar a fazer nada. Se
estou aqui, na sua casa, foi porque você pediu e me fez acreditar que queria isso!
— Você está se transformando em uma vadia ingrata!
O ruído seco do forte tapa que recebi no rosto ecoou através do
ensurdecedor silêncio que o procedeu.
Todo o meu corpo ficou congelado, sem reação. O coração disparou e eu
perdi o ar, enquanto meu cérebro processava o que havia acabado de acontecer.
Levei a mão ao local, que ardia como fogo, e não pude mais controlar o choro.
Olhei para o desconhecido diante de mim sem saber o que fazer.
Ele me bateu! Ele me bateu!, a mente urrava, ultrajada e incrédula.
Quem era aquele? Onde estava o meu namorado educado e carinhoso?
— Eveline… — Bryan tentou se aproximar e eu dei um passo para trás,
perturbada. — Não sei por que fiz isso. Deve ter sido a bebida, fiquei
descontrolado e agi sem pensar. — Passou as mãos pelos cabelos, parecendo tão
perdido quanto eu.
Àquele ponto, o meu pranto tinha evoluído para um choro desesperado.
Neguei com a cabeça, tentando me afastar dele a qualquer custo.
— Não chegue perto de mim — sussurrei, a voz trêmula, a boca amarga
pela bile.
— Não faça assim, meu amor. Por favor, me escute. Não vai acontecer
novamente, eu prometo. Me perdoe. — Continuou andando na minha direção,
causando um pânico até então desconhecido.
A última coisa que eu queria naquele momento era ter qualquer contato
físico com ele, mas, apesar da quantidade de álcool no organismo, Bryan
continuava a se mover com rapidez e o meu estado de atordoamento me deixou
mais lenta, de forma que me alcançou facilmente.
Enrijeci no momento que seus braços me rodearam sem chances de
recusa. Mantive os meus para baixo, paralisados. Minha bochecha ardia e
latejava forte, meu corpo tremia por inteiro.
Apesar da orfandade, apesar dos lares adotivos, apesar das pessoas de
merda que cruzaram a minha vida, eu nunca havia apanhado. Nunca tinha
tomado um tapa na cara.
A constatação da violência física me humilhou, destruiu o castelo de
areia que construí.
— Me perdoe. Me perdoe… — Bryan ecoou uma cantiga repetida no
meu ouvido. — Eu te amo. Por favor, me perdoe. Me perdoe…
Não conseguia raciocinar, tentar compreender, descobrir como deveria
agir dali em diante. Permaneci estática. Era como se, por nunca ter estado ou
cogitado a possibilidade de passar por uma situação minimamente semelhante,
meu sistema defensivo não soubesse como reagir.
Então, cometi o erro que me levaria ao fundo do poço naquele
relacionamento.
Acreditei nele.
Atualmente, Naperville
— Ele garantiu que somente pessoas da mais absoluta confiança do
prefeito sabem sobre a assinatura do contrato. Ficou ofendido com a nossa
desconfiança — Matt entrou na sala, desligando o celular.
— Que ele meta a sensibilidade no rabo! — falei, irritado. — É muita
coincidência que, poucos dias depois de pegarmos o trabalho, uma funcionária
nossa seja perseguida à luz do dia até a porta da nossa empresa. Eu avisei que os
caras viriam pra cima com tudo. — Massageei as têmporas, antecipando a dor de
cabeça que já dava sinais.
— Ainda não temos certeza de nada — Ty resmungou, sentado numa
poltrona afastada, fechado dentro de si mesmo, certamente remoendo não ter
conseguido alcançar o perseguidor.
Ele quase perdeu parte da perna na explosão e, às vezes, sentia fortes
dores. As frustrações por conta das limitações eram compreensíveis, mas, no
momento, eu estava cem por cento focado na merda que quase aconteceu hoje e
o que aquilo poderia significar para a minha família.
— Eu acredito em coincidências tanto quanto no Papai Noel — ironizei.
— Suponhamos que o assessor esteja certo e não exista X9 no lado deles.
Isso iria querer dizer que alguém daqui traiu a nossa confiança. — Matt manteve
a expressão séria enquanto externava o pensamento que perpassou por nós três.
Traição. Mais uma vez. A boca amargou com a hipótese.
Macey e Diego estavam conosco desde a abertura da LTM. Por que
vazariam a informação, colocando-nos em perigo antes da hora? Dinheiro,
talvez?
Lucy entrou sem bater, feito um furacão. Cabelos bagunçados, olhos
arregalados e bochechas vermelhas. No meio da sala, parou e descansou as mãos
na cintura, dividindo o olhar furioso entre Matt, Ty e eu.
— Quem vai ser o primeiro a abrir a boca e me contar o que está
acontecendo por aqui?
Girei na cadeira e levantei para ficar frente a frente com ela.
— Onde está Eveline? — perguntei.
— Lá embaixo, coitada, assustada pra cacete! Nós estamos, na realidade.
Eu não gosto que omitam informações importantes de mim, Luke. Então
desembucha.
Respirei fundo, sentindo as primeiras pontadas da dor de cabeça.
— Vou falar quando todos estiverem aqui.
Eveline e Amanda foram as últimas a entrar. A primeira segurava o filho
nos braços, aparentando estar em estado de choque. A criança mantinha a
bochecha encostada na clavícula dela, um dedo na boca, os olhos grandes
analisando tudo ao redor. Uma mão segurava uma mecha do cabelo de Eveline
distraidamente, como se fosse um hábito. Quando ele me encarou, percebi como
se parecia com a mãe. A semelhança era assombrosa.
Depois de todos se acomodarem, comecei a falar:
— Recentemente fechamos um trabalho com George Thompson, prefeito
de Naperville. Ele solicitou segurança para ele próprio e a filha, que vem
recebendo sérias ameaças há algum tempo. As pessoas em questão são
perigosas, mexem com todo tipo de tráfico.
— Desconfiamos que o ataque que Eveline quase sofreu hoje pode ter
ligação com o caso. A informação que a nossa empresa aceitou o trabalho vazou
e eles prometeram retaliação para quem atravessasse o caminho — completou
Matt.
Eveline levantou o rosto e nos encarou, parecendo surpresa e atordoada
pela revelação.
— Mas… Eu não entendo — balbuciou, a testa franzida.
— Até termos certeza, é essencial que todos tomem cuidado. — Voltei a
falar, alternando o olhar entre as três, buscando a confirmação que entendiam a
seriedade da situação. — Principalmente vocês.
Lucy voltou a andar de um lado para o outro, as mãos em punho, sem
poder disfarçar a preocupação.
— Com que tipo de gente vocês, idiotas, foram se meter? — Alisou o
tecido do vestido, depois ajeitou o cabelo. — Eu não sabia a gravidade das
consequências quando aconselhei que fechassem o contrato. Seria muito bacana
da parte de vocês terem me colocado a par.
Ela tinha razão. Se acontecesse alguma coisa com qualquer uma delas a
culpa seria nossa.
— Trocar acusações agora não vai levar a lugar nenhum. — Matt
aproximou-se dela. — Ao menos uma vez na sua vida, escute alguém. Há um
risco aqui, um risco sério. Não seja idiota.
Tática errada, meu amigo.
Os olhos de Lucy crisparam e ela inclinou o corpo para frente,
praticamente colando seu rosto ao dele.
— E você não fale assim comigo — rebateu entredentes. — Não me
chame de idiota ou me dê ordens, papai.
Matt recuou uns centímetros, abrindo um sorriso estranho, enquanto eu
soltava minha coleção de palavrões, esgotado. Eles nunca parariam de brigar, foi
ingenuidade da minha parte acreditar no contrário.
— Para a sua sorte, não sou seu pai. Caso contrário, colocaria essa bunda
arrebitada no meu colo e te daria uns tapas até enfiar um pouco de juízo na sua
cabeça.
— Isso foi… — Ela começou a gritar, vermelha de ódio, mas parou
abruptamente, respirou fundo e levantou as mãos, empurrando-o pelo peito. —
Quer saber? Hoje não vou perder o meu tempo discutindo com você. Eve, você e
Romeo vão pra casa comigo.
Eveline piscou, finalmente saindo do transe e encarando Lucy como se
ela houvesse sugerido um assalto a banco. Estranhei o comportamento apático
durante toda a conversa, mas o atribuí ao susto que levou hoje.
— Agradeço o convite, Lucy, mas me mudo na sexta. Já acertei com
dona Gloria.
Tive vontade de rir. Não era bem um convite.
— Então vocês ficam com a gente até lá. Serão apenas três dias e não
vou me tranquilizar sabendo que estarão em um quarto de hotel qualquer,
desprotegidos. — Desviou o olhar para mim. — Tenho certeza de que Luke
concorda comigo.
Ai de mim se não concordasse.
— A ideia é boa — opinei. — A casa possui o sistema de segurança mais
avançado do mercado. E eu também me sentiria melhor se você e seu filho
estivessem seguros. O que aconteceu hoje, aconteceu porque trabalha aqui e isso
nos torna responsáveis. Fique na minha mãe até se mudar.
Sem dar tempo para uma tréplica, Lucy bateu as mãos.
— Ótimo! Está decidido então. Vamos. Vou ligar para dona Rebecca e
avisar que estamos a caminho.
Após o almoço tardio, mesmo sabendo que seria falta de educação, pedi
licença e passei o restante do dia no quarto em busca de um tempo para
reorganizar as ideias. Minha cabeça estava uma bagunça e ainda tinha
dificuldades para acreditar no desenrolar dos últimos acontecimentos.
Abracei Romeo, adormecido ao meu lado, fresco e limpo do banho
recém-tomado, e olhei para o teto do quarto estranho. Era loucura estarmos
passando a noite na casa da mãe de Luke, a quem eu desconhecia até algumas
horas atrás. Rebecca foi bastante receptiva e simpática, fazendo-me sentir à
vontade e bem-vinda. Entretanto, era desconcertante ocupar um quarto dela.
Lucy decidiu tudo tão depressa que não tive tempo de pensar em motivos
plausíveis para uma recusa. E, apesar de estar tocada pela preocupação dela,
sabia que não era prudente ficar aqui. Não queria criar laços fortes com aquelas
pessoas, pois as chances de precisar ir embora a qualquer momento e sofrer pelo
afastamento abrupto eram enormes.
Passei a mão carinhosamente nos cabelos macios do meu filho enquanto
pensamentos sombrios me assolavam. Durante os minutos de pesadelo vividos
naquela manhã, não temi por mim, por minha própria vida, mas pelo futuro de
Romeo. Se houvesse acontecido alguma coisa comigo, o que seria dele?
Miranda o criaria com todo amor e carinho do mundo, sem dúvidas. O
meio que escolheu viver, no entanto, não era seguro ou honesto. Se um dia a
“sorte” de Dax chegasse ao fim, não cairia sozinho, mas levaria todos que
estivessem perto com ele, inclusive a minha melhor amiga. E imaginar Romeo
no meio de tanta sujeira fazia meu coração doer.
A outra opção era Bryan e eu não sabia o que me deixava mais
desesperada. O que um homem violento, que bebia vodca como água e achava
prazeroso espancar a mulher teria de bom para ensinar ao menino? Pedi a Deus
que essa escolha nunca precisasse ser feita. Queria viver o suficiente para vê-lo
crescer em um lar cheio de amor, transformar-se em um bom homem, honesto,
estudioso, com tantos sonhos quanto eu tive um dia.
Quando o sono me venceu, já passava das três da manhã.
No dia seguinte, entrei na cozinha um tanto envergonhada. Lucy e
Rebecca já tomavam o desjejum, conversando animadamente.
— Bom dia — cumprimentei.
— Bom dia, querida. Bom dia, príncipe Romeo. — Rebecca mandou
vários beijos para ele, que sorriu, escondendo o rosto no meu pescoço.
— Bom dia, dorminhoca — Lucy provocou.
— Eu apaguei — concordei. — Não lembro a última vez que dormi por
tantas horas consecutivas. E se não fosse este mocinho aqui, ainda estaria lá,
desmaiada.
— Isso é sinal de que você precisava descansar. — Rebecca apontou uma
cadeira vazia. — Agora sentem-se e comam.
— Com licença. — Acomodei Romeo no meu colo e cortei um pedaço
de bolo para ele. — Achei que nem ia te encontrar aqui, Lucy. Estamos
superatrasadas e somente agora me ocorreu que não tenho uma roupa adequada
para trabalhar.
— Não vamos à LTM hoje — respondeu.
Parei o movimento de cortar outro pedaço de bolo na metade. Desviei os
olhos da mesa para os dela.
— Não?
— Luke acha melhor trabalharmos em casa — esclareceu.
— Mas… Eu tenho tanta coisa para colocar em dia. E nunca consigo me
concentrar o suficiente com Romeo por perto.
— Eu fico com ele — ofereceu Rebecca. — Será um prazer ter a
companhia dele, há muito tempo não tenho crianças na minha casa. Culpa dos
três filhos ingratos que tive, parecem empenhados em não me dar netos!
— Me jogando praga a essa hora, mãe? Só tenho vinte e três anos, pelo
amor de Deus! — Lucy fez o sinal da cruz.
— Imagina! — interrompi, rindo. — Já estamos incomodando demais.
— Pare com isso, menina! Já falei que não é nenhum incômodo. —
Finalizando o seu suco de laranja, levantou-se e veio na nossa direção. — Você
quer vir no colo da vovó, lindinho?
Romeo abriu um sorriso enorme para ela, mas não fez menção de sair de
onde estava. Aquele comportamento não me surpreendeu. Éramos nós dois
desde sempre, não estava acostumado a outras companhias.
Rebecca, no entanto, não se deu por vencida.
— Sabe o que eu tenho ali na cozinha? Vários doces. Balas, pirulitos e
alguns bombons. Você gosta de chocolate? — Inclinou-se até seus rostos estarem
no mesmo nível.
A informação atraiu a atenção imediata do meu filho formiguinha.
Romeo jogou o tronco para frente, mas parou bruscamente, voltando a me
encarar, como se passasse por um doloroso dilema: Mamãe ou os doces?
Chocada, observei os doces vencerem a batalha enquanto ele estendia os
braços para uma Rebecca sorridente e orgulhosa.
— Carregamos durante nove meses para sermos trocadas por doces na
primeira oportunidade — comentei, brincando.
— Diz à mamãe que contra chocolate ninguém tem chance. — Rebecca
beijou a bochecha dele, arrancando uma risada gostosa. — Vamos pegar um
bombom?
— Vamos! — o pequeno traidor respondeu, animado.
Quando ambos desapareceram na cozinha, falei:
— Eu sei que ontem foi assustador, mas não é um pouco extremo não
irmos trabalhar?
— Concordo, só que é do Luke que estamos falando. Você não o
conhece, mas o meu irmão se torna paranoico com questões de segurança.
Acredito que faz parte da personalidade dele. Nem adianta reclamar porque não
vai deixar nenhuma de nós sair daqui hoje. — Revirando os olhos, como se
achasse a atitude extremamente irritante, voltou a comer suas torradas.
Não foi a intencional, mas as palavras de Lucy me deixaram bastante
irritada, especialmente a parte do “não vai deixar”. Eu não precisava da
autorização de Lucas para fazer ou deixar de fazer absolutamente nada. Estava
farta de sempre ficar submetida a alguém. Primeiro às freiras, em seguida ao
estado e os pais adotivos de merda e finalmente à Bryan, que gostava de impor a
sua vontade com os punhos.
Mordi a boca para evitar externar meu descontentamento, principalmente
porque ela e Rebecca haviam me recebido de braços abertos, então eu jamais
faria qualquer desfeita às duas. Só precisava aguentar hoje e amanhã e teria,
finalmente, a minha própria casa. Mal podia esperar para vivenciar aquela
experiência.
Passei o dia trabalhando com o notebook emprestado de Lucy. Vez ou
outra parava o que estava fazendo para dar uma espiada em Romeo, que parecia
completamente à vontade com Rebecca. Peguei os dois assistindo desenhos
animados, rabiscando com giz de cera — que eu, honestamente, não fazia ideia
de onde surgiu —, e surrupiando doces na cozinha. Achei divertido vê-lo tão
confortável com alguém além de mim.
À noite, jantamos uma macarronada deliciosa, que me fez repetir o prato.
Rebecca, contudo, estava um pouco irritada com o filho. Enquanto falavam ao
telefone, no andar superior, pudemos ouvir a bronca que passava nele. Não deu
para escutar qual era o assunto e nem me interessava, mas definitivamente ouvi a
palavra “ingrato” algumas vezes. Depois de conversarmos durante um bom
tempo, a senhora pediu licença para ir deitar. Romeo também já havia capotado
no meu colo, mas Lucy e eu seguíamos falando sem parar.
Há quanto tempo não fazia algo do tipo? Simplesmente sentar e trocar
informações com alguém de forma tranquila, sem medo de falar ou fazer alguma
coisa que irritasse Bryan e despertasse o ciúme doentio. Como uma pessoa
normal. Momentos simples da vida que faziam toda a diferença.
Lucy me lembrava Miranda. Elas falavam o que passava na cabeça, sem
se preocuparem com retaliações ou se as opiniões desagradariam alguém. Acho
que justamente por conta daquilo era tão fácil manter um diálogo com ela,
parecia que nos conhecíamos há anos e não há um mês.
Lucy voltou a sentar depois de me entregar uma taça com vinho. Tomei
coragem para indagar:
— Posso te fazer uma pergunta? Se estiver me intrometendo demais, me
ponha em meu lugar.
Cruzou as pernas e descansou as costas no sofá.
— Manda.
— Por que você e Matthew discutem tanto? Sei lá, pode ser apenas
impressão, mas parece sempre haver uma tensão no ar quando estão juntos, os
dois sempre se bicando.
Ela respirou fundo, tomou um longo gole da bebida e me olhou.
— Porque ele é um idiota.
— Bastante esclarecedor. — Sorri, experimentando o vinho. Delicioso.
— Durante a minha adolescência, período que eu provavelmente fui
acometida por uma espécie de loucura, me apaixonei por ele. Fiz de tudo para
chamar atenção do sujeito, mas Matt sempre me afastava usando a desculpa da
nossa diferença de idade, de ser o melhor amigo do meu irmão, blá-blá-blá. —
Interrompeu a narrativa por breves segundos, girando o líquido na taça de cristal,
imersa nas próprias lembranças. — Na madrugada do meu aniversário de dezoito
anos, ele cedeu. Transamos e foi uma noite maravilhosa. Ele é um imbecil, mas
fode como um maldito profissional. Tive três orgasmos na minha primeira vez.
Sabe como isso é raro?
Sei perfeitamente.
Quando perdi a virgindade, só senti dor e desconforto. Tive o primeiro
orgasmo somente vários dias depois.
Passando a língua pelo lábio inferior, ela continuou:
— E então o idiota estragou tudo. Acordei com ele fugindo como o diabo
foge da cruz, usando aquela velha desculpa que homem usa para dispensar uma
mulher: “isso nunca deveria ter acontecido”, coisa e tal.
— Que horrível! Sinto muito, Lucy.
— O que posso dizer? Não é o sonho de ninguém ver o cara pedindo
desculpas e arrependido por ter te fodido. Acho que as discussões foram uma
maneira que encontramos de conviver. Matt é o melhor amigo de Luke há quase
vinte anos, ele é família.
— Que situação complicada. — Ajeitei Romeo melhor no meu colo,
sorvendo mais um pouco do vinho. — Qual é a diferença de idade entre vocês?
— Dez anos.
— Ah, nem é tão absurdo assim — comentei.
— Hoje não, mas quando nos conhecemos eu tinha quatro e ele quase
quinze.
A história deles me deixava cada vez mais curiosa. Tinha lido em alguns
livros e assistido filmes que abordavam o tema. Todavia, era a primeira vez que
conhecia alguém que o vivenciou.
— Se você o conheceu ainda tão nova, presumo que conviveram bastante
tempo. O que te fez ficar apaixonada por alguém que conhecia desde criança?
— Essa é a parte engraçada…
Lucy foi interrompida pela chegada abrupta de Luke. A aparição
repentina me assustou, fazendo-me endireitar a postura. Olhei para ele, notando
como as roupas pretas o camuflavam na parte escura da sala.
— Tudo bem por aqui? — Com as mãos nos bolsos da calça, intercalou o
olhar entre a irmã e eu.
— Com a gente sim, mas dona Rebecca está puta contigo. Preparou sua
comida favorita, arrumou a mesa toda bonitinha e o senhor não apareceu. Foi
dormir te chamando de ingrato — respondeu Lucy, divertindo-se.
— Puta que pariu. — Ele passou as mãos pelo rosto. — Desde ontem
avisei que não tinha certeza se viria.
— Amanhã você amansa a fera.
— Que jeito. — Respirou fundo. — Sobrou alguma coisa? Estou
faminto.
— Para a sua sorte, guardei um pouco. Se não sou a melhor irmã do
mundo, não sei quem é. — Ela levantou e foi para a cozinha, deixando-nos a sós.
Um constrangedor silêncio se instalou entre nós. Abaixei o rosto,
concentrando-me em alisar o cabelo de Romeo. Luke permaneceu de pé, sem
demonstrar qualquer interesse em iniciar uma conversa. Mas eu precisava falar
com ele, então pigarrei para limpar a garganta e disse:
— Vou chegar um pouco atrasada amanhã, mas compenso no almoço. —
Como continuou quieto, emendei: — Preciso passar no hotel para pegar umas
roupas e deixar Romeo na creche.
— Com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, não me atentei a esse
detalhe. Vou pedir a Macey para buscar suas coisas.
— Não! — A negativa veemente o pôs em alerta.
Merda! Tentei disfarçar o nervosismo que a simples frase provocou em
mim. Se alguém fosse lá, descobriria que não existia nenhuma Eveline Perry
hospedada no local.
— Minhas coisas estão espalhadas pelo quarto. É constrangedor permitir
que um desconhecido mexa em itens pessoais. Gostaria de ir pessoalmente.
Lucy voltou com a marmita na mão, cortando nossa conversa.
— Que foi? — Ela notou o clima estranho, intercalando a atenção entre
nós dois.
Sem desviar o olhar duro e desconfiado do meu, ele falou:
— Qualquer coisa você me liga, Lucy.
— Ok.
Engoli em seco, nervosa e irritada. As íris castanho-esverdeadas me
avisavam para tomar cuidado, pois ele não confiava em mim. E senti raiva por,
de certo modo, Luke interferir nas minhas escolhas. As intenções eram boas,
mas eu precisava estar no controle da minha vida novamente. Não sairia de um
relacionamento de merda para suportar qualquer relação — ainda que não fosse
amorosa — de sujeição.
Lucas não possuía o direito de tomar decisões por mim.
Então, mesmo amedrontada, sustentei seu olhar em um mudo desafio.
Ele desistiu primeiro, afastando-se em seguida para sumir tão rapidamente
quanto havia aparecido. E, finalmente, respirei fundo, deixando os ombros
caírem.
Estava mais desconfiado e gostava menos de mim a cada dia.
— Eve, você está envolvida com alguém? Namorado, noivo talvez?
Aquela pergunta, feita de maneira tão despretensiosa por Lucy, quase me
fez cuspir o suco. Pigarreando, levei o guardanapo à boca para ganhar tempo, me
recompor.
Nas nossas conversas, quando o assunto tomava um rumo pessoal, eu
escutava e pouco falava. Dei uma informação aqui, outra ali, apenas porque seria
estranho não compartilhar nada com elas, mas tomava cuidado para não deixar
escapar algo comprometedor. Nunca mencionei Bryan ou homem algum e Lucy
e Amanda não tinham perguntado sobe meu passado diretamente. Não até agora.
— Por quê? — questionei, a voz saindo arrastada, rouca.
— Ah, não é nada. Só acho que meu irmão está a fim de você.
Amanda riu e eu fiquei chocada.
— Você está louca, Lucy! Ele nem mesmo gosta de mim.
— Por que você acha isso? — questionou Amanda, divertindo-se.
— Ele sempre tem uma carranca quando estou por perto. Não demonstra
paciência ao ouvir as minhas propostas para a empresa, parece o tempo inteiro
desconfiado que vou dar um golpe, como o antigo funcionário — enumerei sem,
no entanto, mencionar as outras razões que o meu chefe tinha para ter o pé atrás
comigo.
— Vou precisar defendê-lo — continuou Amanda. — Trabalho aqui
desde o início, quando os meninos tinham pouquíssimos clientes. Vi a batalha
dos três para fazer a LTM dar certo. Anthony Carter foi um mau-caráter sem
escrúpulos que se aproveitou da confiança que depositaram nele para roubá-los.
No lugar de Luke, eu também estaria com os dois pés atrás e os olhos
abertíssimos.
— Eu entendo, mas parece ser mais do que isso. E é horrível trabalhar
sob pressão, com a sensação de que serei demitida no primeiro deslize.
— Você não respondeu a minha pergunta, Eve. — Lucy voltou para a
conversa que iniciara. — Você tem ou não alguém?
Analisando as minhas opções, cheguei à conclusão de que, se fugisse do
assunto, levantaria suspeitas. Porém, tampouco poderia contar toda a verdade.
Por fim, decidi que uma meia-verdade era o ideal para sair bem dessa situação.
— Não tenho ninguém, Lucy. Não deu certo com o pai de Romeo. Somos
meu filho e eu.
Ela assentiu, parecendo acreditar na história. Graças a Deus! Pensando
que o assunto estava encerrado, voltei a atenção para meu almoço, apenas para
ser interrompida outra vez:
— E sobre essa história de mau-humor, falta de paciência, etc., é tudo
para esconder a atração. Meu irmão é liberal para a maioria das coisas, mas em
outras consegue ser bem careta. Ele é totalmente contra misturar vida pessoal e
profissional, mesmo que esteja desejando foder a nova funcionária.
— Lucy! — quase gritei, desnorteada com sua honestidade crua.
— O quê? Estou falando a verdade! Já o peguei secando a sua bunda
várias vezes. Tão concentrado que nem se deu conta que percebi.
Mas o que…? Como ela jogava essa informação assim?
— Só falei porque existe a possibilidade de você também estar
interessada nele. Você solteira, ele solteiro… Nada impede — finalizou, dando
de ombros. Amanda ria sem parar do meu constrangimento.
Um bolo se formou na garganta e, de repente, estava difícil respirar.
Senti-me extremamente incomodada, o fato despertou lembranças bastante
desagradáveis. A última vez que chamei esse tipo de atenção de um homem
acordei com um corpo forte me prendendo à cama enquanto tentava tirar as
minhas roupas antes que eu despertasse. Arrepiava-me inteira só de imaginar o
que teria acontecido se Miranda não houvesse chegado a tempo de pará-lo.
Ainda que gostasse da atenção masculina — e não gostava —, não me
sentia pronta para entrar em qualquer tipo de relacionamento. Talvez nunca
estivesse. Então, era melhor o senhor Lucas Hayes tirar os olhos do meu traseiro.
Após o expediente, enquanto Luke nos levava para a casa de dona
Rebecca, apenas porque Lucy e Matt não conseguiam ficar no mesmo ambiente
por um minuto sem se ofenderem, olhei as ruas de Naperville através da janela
do carro, ouvindo a constante conversa entre os irmãos. Eles debatiam sobre a
discussão que acontecera essa manhã.
Observar a interação entre os dois era interessante. Qualquer um percebia
que, a despeito das discordâncias, havia carinho e amor naquela relação. Meus
pensamentos voltaram à Miranda, fato que vinha acontecendo recorrentemente
nos últimos dias. Há algum tempo estávamos afastadas e aquela distância me
machucou demais. Sabia que grande parte da culpa era minha, por ter cedido às
vontades de Bryan e deixado a nossa amizade de lado, inventando desculpa atrás
de desculpa para não a ver.
Vez ou outra me perguntava se tinha irmãos biológicos. E, se tivesse, será
que a nossa relação seria parecida com a que eu presenciava no momento?
Conforme o carro se aproximava do condomínio, a ansiedade para ver
Romeo aumentou. Ele não havia ido à creche, ficando aos cuidados de Rebecca,
por insistência dela, e não me recordava de outra ocasião em que meu filho e eu
ficamos tanto tempo separados. Trabalhei os dois turnos hoje, porque fiquei sem
jeito de pedir para alguém interromper o trabalho e me dar uma carona; também
não queria esbanjar dinheiro pegando um táxi. Então, esperei até o final do dia e
aproveitei para adiantar o serviço.
— Ele me chamou de filha do satã! Filha do satã! — A voz alterada de
Lucy me trouxe de volta à realidade.
— Você também não facilita as coisas, Lucy — comentou Luke.
— Agora vai ficar do lado do idiota? — acusou ela, indignada.
— Não vou escolher um lado nessa história. Mas é insuportável
presenciar as discussões infantis e ofensas sem fundamento entre vocês.
Principalmente em um ambiente de trabalho, com a LTM na corda bamba,
precisando de cem por cento do nosso foco. Parecem duas crianças birrentas do
caralho.
— Também não é para tanto. Só temos opiniões diferentes sobre a
maioria dos assuntos — ela se defendeu.
— Se Matt disser que está frio, pode nevar, a temperatura cair para
abaixo de zero, que a senhorita colocará uma regata, saia curta, sandálias de
dedo e irá desfilar no gelo, somente para contrariar o homem. Confiei quando
disse “serei razoável, Luke, prometo. As pessoas nem irão perceber que seu
amigo e eu nos conhecemos. Sou profissional”.
Quase deixei escapar uma risada ao ouvir o tom agudo que ele empregou
na voz para tentar imitá-la. No entanto, a expressão furiosa de Lucy mostrava
que ela não compartilhava do meu divertimento. E Deus me livre de atrair a
irritação da mulher para mim.
— Está questionando o meu profissionalismo, Lucas?
Proferir o nome completo de alguém no meio de uma discussão era sinal
que as coisas estavam ficando seriamente feias. Mesmo com o carro em
movimento, cogitei a possibilidade de abrir a porta e, sorrateiramente, me atirar
para fora, fugindo da situação embaraçosa. Àquela velocidade, o máximo que
me aconteceria seriam uns arranhões feios pelo corpo, talvez uma torção nos pés
durante a aterrissagem, mas valeria a pena. Os dois pareciam ter esquecido da
minha presença no veículo.
— É por admirar tanto a profissional que você é que estou chamando a
sua atenção. Já passou da hora de vocês dois deixarem essa tensão toda ir
embora.
— Talvez no dia que der uma joelhada nas bolas do idiota eu consiga
deixar a tensão para lá. — O automóvel mal tinha parado quando ela abriu a
porta e saiu. — Agradeço os elogios, mas vá se ferrar por tentar defender o
energúmeno! — A porta foi batida com tanta violência que senti meu corpo
estremecer pelo barulho.
O súbito silêncio que procedeu as vozes alteradas foi absolutamente
constrangedor. Luke respirou fundo e bateu a mão no volante com força,
praguejando. Será que eu conseguiria sair sem ser vista? Sabia que devia ter me
jogado do carro enquanto era tempo!
— Peço desculpas por você ter presenciado essa cena, Eveline. — Ele
olhou para mim através do espelho retrovisor.
— Hã… — Pigarreei. — Sem problemas. Essas coisas acontecem.
— Lucy normalmente é uma mulher sensata, exceto quando o assunto é
Matt.
Não sabia o que responder, então permaneci calada. Estava sem graça por
ter testemunhado um momento íntimo deles, mas não havia nada que pudesse
fazer para evitar.
Após um novo período de silêncio, aproveitei para agradecer e sumir
dali.
— Obrigada pela carona — falei, alcançando a maçaneta.
Luke também saiu do carro e foi até a parte traseira, tirando a minha
mala preta de rodinhas. Sem falar nada, subiu os degraus da casa da mãe
carregando-a como se não pesasse nada. Depois de abrir a porta com a própria
chave, depositou-a no chão.
Com um aceno rápido de cabeça, despediu-se. Senti a estranha sensação
de estar sendo observada e, antes de fechar a porta, virei o rosto para a rua e o
flagrei olhando diretamente a minha bunda.
O safado!
CAPÍTULO 6
Quebrando o Gelo
— Já vai? — perguntou Michelle, virando-se na cama para me olhar. O
movimento fez o lençol deslizar por seu corpo, deixando um seio parcialmente à
mostra.
— Meu turno começa meia-noite — informei, terminando de vestir a
camisa.
Ela ajeitou a cabeça no travesseiro, puxando os cabelos pretos para o
lado.
— Nós dois trabalhamos demais, Luke. Precisamos sair dessa vida. — A
frase não era uma crítica, apenas a constatação da realidade.
Michelle era uma detetive de polícia morena, gostosa, independente e, o
mais importante, queria a mesma coisa que eu: fodas ocasionais sempre que as
nossas agendas permitissem. Conheci-a após trocar tiros para proteger um
cliente e o caso cair nas mãos dela. Ao final dos depoimentos, com tudo
esclarecido, ela enfiou um pedaço de papel com seu número no meu bolso
traseiro, ao mesmo tempo que sussurrou um “me ligue” em meu ouvido.
Liguei, fodemos e seguíamos fodendo há três meses regularmente. O
sexo era excelente, ela tão participativa quanto eu, e a falta de cobranças — de
qualquer tipo —, tornava nosso arranjo perfeito. Michelle beirava os quarenta,
não pretendia se casar ou ter filhos, concentrando-se com exclusividade na
carreira. Estava prestes a ser promovida.
— Quantos vezes já tivemos essa conversa? — brinquei, pegando a
carteira e as chaves do carro.
— Perdi as contas.
— Um dia chegamos lá. — Inclinei-me para lhe dar um rápido selinho e
caminhei até a porta. — Vou deixar a conta paga.
— A próxima vez é minha.
Assenti e saí.
Enquanto dirigia para a casa de George Thompson, o prefeito, pensei em
Eveline. O encontro com Michelle não poderia ter acontecido em melhor hora,
porque, desde o almoço de hoje, ocasião em que caí por cima dela e senti aquela
bunda de proporções maravilhosas contra meu pau, não fui capaz de ignorar o
que estava diante do meu nariz.
Eu estava atraído por ela.
Uma funcionária. Uma mulher que escondia segredos ainda não
descobertos por mim. Uma loira cuja risada pareceu preencher a casa da minha
mãe e despertou o desejo de rir com ela.
Poderia enumerar as razões pelas quais ceder à tentação seria uma grande
tragédia. Então descarregar a tensão sexual me ajudaria a manter o controle e a
cabeça no lugar.
Cheguei à mansão, abaixei o vidro para que os seguranças atestassem
minha identidade e atravessei o enorme portão de ferro. O carro de Matt estava
estacionado em uma das inúmeras vagas da garagem e o encontrei na sala
designada para ficarmos quando nossos serviços não eram ativamente
solicitados, com um copo de café na mão.
— Quase dez minutos atrasado, puto — comentou, usando um dedo para
bater no relógio de pulso. — Espera. Está com aquela expressão satisfeita de
quem acabou de foder.
Não respondi, limitando-me a tirar a jaqueta e jogá-la em cima da
cadeira.
— Ainda é detetive gostosa? Ela usa as algemas para te prender na
cabeceira da cama e dar voz de prisão? — continuou.
— Sua vida sexual anda tão frustrante a ponto de desejar informações
sobre a minha? — inquiri, erguendo uma sobrancelha, despejando um pouco de
café em uma xícara.
— Poderia mentir, mas a realidade é que nunca passei por um período tão
grande de seca.
— O quê? Não me diga que o galã loiro está perdendo o jeito —
provoquei.
Matt, carinhosamente, me mostrou o dedo do meio. Sorri, tomando um
gole do líquido quente.
— Sem tempo para nada. Com a redução de funcionários, é saindo de um
turno para entrar em outro. Quando tenho algumas horas livres, só quero dormir.
Ele tinha razão, estávamos trabalhando feito condenados para reerguer a
empresa. O cansaço e desânimo cobravam seu preço, mas precisávamos
acreditar que o esforço valeria a pena ou tudo desandaria.
A madrugada foi tranquila, sem contratempos. Às oito, troquei de lugar
com Macey e passei na LTM para resolver questões burocráticas. Quase
entrando na sala de reuniões, um borrão rosa na visão periférica chamou minha
atenção. Eveline caminhava diretamente para mim em um vestido que, embora
não fosse colado, caía em seu corpo como uma luva.
— Bom dia — cumprimentou ao passar por mim.
— Bom dia, Eveline — respondi, virando a cabeça para olhar suas
costas.
Porra, a bunda em formato de coração tornou-se ainda mais provocante
dentro daquela peça de roupa. Involuntariamente, senti o pau inchar.
Puta que pariu. As transas com Michelle não adiantaram porra nenhuma.
CAPÍTULO 7
Brincando Com Fogo
Eu consegui!
Mantive a boca fechada e não estraguei o aniversário surpresa de
Rebecca. Quando Lucy compartilhara comigo sua intenção em organizar a festa
em segredo, entrei em pânico, prevendo a tragédia. Eu era a última pessoa no
mundo indicada para participar de uma trama parecida. Toda vez que a mulher se
aproximava de mim, eu murmurava qualquer coisa e impunha o máximo de
distância entre nós duas, tarefa supercomplicada, a propósito, uma vez que ela e
meu filho desenvolveram uma relação bastante próxima nos últimos dias.
Por isso, ter sido capaz de guardar aquele segredo era motivo de orgulho.
Olhei a sala de estar quase irreconhecível, sentindo-me satisfeita com
resultado do nosso esforço para decorá-la. Dourado e branco, as cores favoritas
de Rebecca, mesclavam-se em perfeita harmonia.
— Qué, mamãe. — Em meu colo, Romeo estendeu os braços para os
balões de ar presos ao teto. Sorri, beijando-o no rosto macio.
— Depois pego um para você. Agora não pode, é da vovó Rebecca.
A casa estava cheia. Amigos próximos e alguns familiares aguardavam o
momento de surpreender a aniversariante. E seria uma surpresa e tanto.
A campainha tocou e Lucy apressou-se em atender. Amanda entrou
animada, usando um vestido preto alça única, sem dar indícios de cansaço por
haver passado o dia carregando objetos pesados de um lado para o outro,
subindo e descendo escadas. Talvez somente eu estivesse tão fora de forma.
— Você trouxe? — Ouvi Lucy sussurrar enquanto me aproximava delas.
— Tchã-rã! — Tirando uma garrafa da bolsa, Amanda a ergueu e sacudiu
o líquido marrom. — Garota, você está tão em dívida comigo!
— Ah, meu Deus! Obrigada, amiga! — Lucy agarrou a bebida como se
fosse sagrada.
— O que é isso? — perguntei, curiosa.
Antes de qualquer uma das duas sanar minha dúvida, o celular de Lucy
apitou, indicando a chegada de uma mensagem. Os olhos dela aumentaram de
tamanho ao ler o conteúdo.
— Atenção, pessoal! — Elevou o tom de voz, cessando as conversas
paralelas. — Luke acabou de avisar que estão na entrada do condomínio. Por
favor, todos em silêncio e nas posições combinadas, vou desligar a luz. Vocês já
sabem o que fazer, né? Toda aquela história de "surpresa!", coisa e tal.
Meu coração disparou por conta da adrenalina. Romeo me encarou e
soltou um riso divertido, certamente sem compreender a súbita escuridão e
silêncio. Colocando o dedo indicador na boca, fiz um shhh para calá-lo, mas eu
também sorria, animada e ansiosa.
Agucei a audição e prendi o fôlego ao perceber a aproximação do
automóvel. Portas foram abertas e fechadas. Passos nos três degraus de entrada.
A chave foi encaixada na fechadura, a maçaneta girada e, finalmente, a voz dela:
— Por que a casa está fechada e escura desse jeito? Será que as meninas
saíram?
Quase deixei uma risadinha escapar, mas me contive a tempo. Rebecca
entrou, levou a mão ao interruptor e iluminou a todos, ao mesmo tempo que
gritávamos, em alto coro: Surpresa!
Ela ficou visivelmente aturdida, como se estivesse diante de uma
miragem. Em seguida, escrutinou o cômodo da própria casa com os olhos
esbugalhados e a boca aberta em um perfeito O de espanto.
— Mas… O que… Como… Quando… — balbuciou, atordoada.
Risos sucederam suas frustradas tentativas de formar uma frase coerente.
— Feliz aniversário, mãe! — Lucy foi a primeira a se aproximar,
abraçando-a carinhosamente.
— Eu sabia que estavam escondendo alguma coisa! — confessou
Rebecca, retribuindo o gesto. — Percebi certo mistério no ar, só não consegui
decifrar do que se tratava.
Um a um, os convidados foram até ela, desejando felicidades, trocando
cumprimentos, beijos, abraços e sorrisos. Rebecca Buttler era uma pessoa
extremamente querida por quem a conhecia. E não poderia ser diferente.
Esperei a aglomeração diminuir para felicitá-la. Ela colocou as duas
mãos na cintura ao me encarar, fingindo-se de brava.
— Sua danada! Era por isso que você não me olhava nos olhos e fugia
cada vez que eu me aproximava, não era?
Sorri, esmagada entre seus braços.
— Não imagina o sufoco que passei! Sou uma péssima mentirosa. Morria
de medo de deixar escapar alguma coisa. — Após me afastar, desejei: — Feliz
aniversário, querida Rebecca.
Associando minhas palavras ao que acontecia, Romeo bateu palmas e
jogou os braços para ela, que o segurou prontamente.
— Vovó! — disse ele, passando os pequenos braços ao redor do pescoço
dela, colando a bochecha rechonchuda à sua.
A simples palavra de duas sílabas esmagou meu coração. Era a primeira
vez que o menino a usava.
— Isso mesmo, neném. Sou a vovó Rebecca — confirmou, levando-o
consigo para conversar com os amigos.
Cerca de três horas depois, Amanda e eu batíamos um papo no sofá,
beliscando uns salgados. A maioria das pessoas já havia ido embora. Romeo
capotara de cansaço, após gastar até a última gota de energia correndo e
brincando.
Lucy seguia conversando com um primo, firme no propósito de ignorar
Matt. Até o momento, os dois não tinham brigado nenhuma vez, um milagroso
acontecimento.
Sentindo a garganta ressecada, notei o copo vazio em minha mão.
— Vou pegar mais refrigerante, quer? — ofereci a Amanda.
— Não, obrigada. Já ultrapassei minha cota de líquidos por hoje, estou
indo ao banheiro a cada dez minutos.
Assentindo, me dirigi à cozinha. Ao abrir a geladeira, constatei que os
refrigerantes, assim como os sucos, água mineral e a maior parte da comida,
tinham acabado. Agachei, na esperança de achar uma latinha perdida, mas estava
sem sorte. Prestes a desistir e beber água da torneira mesmo, meus olhos
focaram na garrafa de Lucy, escondida atrás de uns potes. Toquei no vidro,
notando como o líquido estava frio. Minha boca encheu de água. Certamente ela
não se importaria se eu bebesse um pouquinho.
Retirei a tampa da garrafa, levando-a ao nariz. O cheiro era forte, mas
não ruim. Enchi metade de um copo e a coloquei de volta no lugar. Sorvi uma
pequena quantidade, provando a bebida. Diferente, mas, novamente, não podia
defini-la como ruim. Excêntrico, talvez. Ingeri o líquido em longos goles e voltei
para a sala.
Em algum momento durante a próxima meia hora, comecei a sentir umas
sensações estranhas. A temperatura pareceu subir alguns graus, fato que não
fazia o menor sentido, pois estávamos no início de novembro. Levantei o cabelo,
segurando-o em um coque improvisado, enquanto me abanava com a mão livre.
Virei para Amanda, na intenção de perguntar se ela também estava percebendo o
súbito calor, mas ela falava ao celular.
— Preciso ir, amiga. Meu marido foi escalado para o turno da noite e
entra em meia hora no serviço — avisou, fechando a bolsa e levantando-se.
— Ok — respondi, agoniada.
— Você está bem, Eve? — Encarou-me com o cenho franzido.
— Eu… Acho que sim. Vou tomar banho e deitar. O dia foi agitado e o
cansaço me pegou.
Despedimo-nos com um abraço e, observando as poucas pessoas
espalhadas no ambiente, minha atenção parou em Luke. Ele estava de pé, uma
mão no bolso frontal da calça, a outra sustentando um copo. Conversava com
Matt e Ty em um canto. A posição me permitia vê-lo de perfil.
Que traseiro!
Era afrontoso um homem ser dono de um bumbum tão bonito, enquanto
nós, mulheres, precisávamos nos matar na academia para alcançar um resultado
minimamente decente.
Meu olhar subiu para as costas fortes, marcadas pela camisa preta. As
tatuagens tomavam todo o braço direito, interrompidas pela manga curta da
blusa. Imaginei como seria vê-las completamente, após contemplá-lo tirando a
peça devagar, desnudando o tronco que, com certeza, seria definido.
Minha nossa! Por que a casa está tão abafada?
Luke tomou um grande gole da bebida e eu, encantada, notei como o
braço flexionou com o movimento, desenhando os músculos torneados. O pomo-
de-adão ficou mais visível, subindo e descendo para engolir o líquido.
O calor aumentou, dessa vez não no ambiente, mas em mim. Os mamilos
pesaram, pontudos contra o sutiã, assim como a vagina latejou. Confusa, apertei
as coxas, sentindo como estava molhada. Imagens indecentes pipocaram na
minha cabeça, sem controle. Desejei despi-lo e beijar cada pedaço do corpo
bonito.
Que merda estou pensando?!
Perdi-me na batalha entre o corpo e a mente. Em algum nível, meu
inconsciente protestava pelo rumo dos pensamentos, mas as sensações físicas
eram fortes demais e, de alguma maneira, sobrepujava a razão.
Mordi o lábio, deixando um fraco gemido escapar quando ele jogou a
cabeça para trás e riu de algo dito por Tyler. Eu precisava sair dali imediatamente
e tomar um banho gelado para voltar a raciocinar com clareza. O intenso desejo
ameaçava destruir o resquício de controle que habitava em mim.
Entretanto, antes que eu pudesse dar o primeiro passo e escapar dali,
Luke se afastou dos amigos, sumindo no corredor. A adrenalina me invadiu,
acelerando meu coração, bombeando o sangue mais rápido, esquentando-me
completamente. Atordoada, segui-o sem a menor ideia do que faria ao alcançá-
lo.
Luke abriu a porta do banheiro e, acelerando os passos, impedi que a
fechasse. Visivelmente surpreso com a minha aparição repentina, soltou a
maçaneta e deu um passo para trás. Aproveitei para entrar e nos trancafiar no
espaço escuro. Movida por um tesão que nunca havia experimentado, empurrei-o
até a parede e o beijei.
Na boca.
O homem não reagiu ao contato imediatamente, estático. Então, mordi
seu lábio inferior e passei a língua lentamente pela região. Colei nossos corpos,
gemendo ao ter os seios extremamente sensíveis pressionados no peitoral amplo.
De repente, em um rápido movimento, Luke trocou as nossas posições e
as minhas costas foram coladas à parede. Uma mão grande deslizou para baixo,
estacionando na bunda, que ganhou um firme apertão, enquanto gemia na minha
boca. Em seguida, chupou minha língua ao mesmo tempo que esfregava o
membro duro na minha barriga, os dedos livres subindo para puxar meus cabelos
para trás.
O beijo foi desesperado, molhado, uma mistura de lábios, línguas e
dentes, botando fogo no meu corpo que já incinerava. Sentia-me ultrassensível
em todos os lugares.
Em um impulso, Luke agarrou minhas duas coxas, elevando-me até
passar as pernas ao redor dos seus quadris, tornando o momento ainda mais
carnal, porque agora nossos sexos se tocavam por cima das roupas. Gemi alto,
altamente sensibilizada. E, quando ele passou a se movimentar em círculos,
impondo a pressão exata, foi a minha perdição.
Eu ia gozar apenas com aquilo!
Espantada pela minha resposta às carícias dele, preparei-me para um
orgasmo potente. Mas ele nunca chegou. Luke afastou-se alguns centímetros, a
respiração ofegante brincando no meu rosto. Confusa, abri os olhos e encarei
seus olhos fixos em mim, a expressão faminta, a ereção parada no lugar ideal.
— Por que parou? — perguntei sem fôlego, tentando mover meus
próprios quadris para voltar a sentir tamanho prazer.
— Fique quieta, Eveline. — A voz grossa me atingiu em cheio. As mãos
dele voaram para minha cintura, firmando-me no lugar, como a garantir que eu
obedeceria ao comando. — Alguma coisa aqui não bate — afirmou.
Frustração e derrota me abateram. Enquanto Luke acendia a luz,
possibilitando que nos víssemos mais nitidamente, eu só pensava naquela boca
cobrindo a minha outra vez, depois indo de encontro a outras partes do meu
corpo que também imploravam por atenção.
Tentei puxá-lo pela camisa, obrigando-o a realizar todas as indecências
que rondavam minha cabeça, mas ele não cedeu.
— Você está sob o efeito de algo? Sente-se mal?
— A única coisa que estou sentindo neste momento é muito tesão e uma
frustração absurda porque você quer conversar ao invés de aplacá-lo.
O aperto doloroso em minha cintura foi o único sinal que minhas
palavras provocaram uma reação dele.
— Puta que pariu! — xingou, fechando os olhos rapidamente. — Você
não está no seu estado normal e vai se arrepender disso amanhã.
Eu quis chorar. A frustração virou raiva e ergui o dedo indicador até seu
peito.
— Você é um estraga-prazeres! — acusei, furiosa. — Se não vai resolver
o meu problema, saia para que eu mesma dê um jeito.
Novamente, fui pressionada de forma gostosa pelo corpo dele. Gemi,
satisfeita. Era exatamente o que eu queria.
— Não pode dizer a um cara que vai se masturbar assim que ele sair pela
porta — grunhiu, a boca quase na minha.
— Mas é o que vou fazer! Já que, claramente, não está interessado em
continuar.
— Não estou interessado? — Riu, debochado. — Tudo que eu quero
agora é levantar o seu vestido até a cintura, afastar a sua calcinha para o lado e
meter a noite inteira na sua boceta gostosa.
Arrepiei-me toda, sentindo a parte citada por ele se contrair por causa das
palavras descaradas.
— E o que te impede? — desafiei.
— A certeza de que você não está no seu estado normal. E quando fodo
uma mulher, a quero consciente do que irá acontecer, sabendo exatamente o que
farei com ela.
Meu corpo protestou, pegando fogo, tremendo, insatisfeito com o quase
orgasmo. Luke desenroscou minhas pernas dele, abaixando-me até os pés
tocarem o chão. Em seguida, me soltou completamente. Lançando-me um último
olhar intenso, abriu e fechou a porta em um baque.
— Covarde! — gritei, desejando que me ouvisse.
Quando a porta voltou a abrir, levantei o rosto ansiosa, torcendo para que
tivesse voltado atrás, mas foi Lucy quem apareceu, aparentando preocupação.
— Eve? — sussurrou, cautelosa. — O que houve?
— Eu queria transar e o idiota do seu irmão saiu correndo como se o
próprio demônio o estivesse perseguindo! — esclareci, as terminações nervosas
abaladas.
Os olhos, de proporções grandiosas, cresceram ainda mais.
— Deus do céu! — Aproximando-se, analisou-me de cima a baixo. —
Você tomou a bebida que Amanda trouxe para mim, não tomou?
Não neguei, apenas abaixei a cabeça, envergonhada por ser descoberta.
— Desculpa por pegar sem avisar. Estava morrendo de sede e sem
vontade de beber água. Achei que não teria problema.
— É uma bebida caseira altamente afrodisíaca. — Tocou meu ombro. —
Quanto você tomou?
— Quase um copo. Mas não estava cheio, prometo.
— Jesus Cristo, Eve! O indicado é um gole por vez!
As palavras de Lucy não faziam o menor sentido para mim. As partes do
meu corpo tocadas por Luke pareciam formigar e tudo que eu queria era que o
infeliz voltasse para finalizar o trabalho.
— Vem. — Puxou-me até o box, auxiliando-me na complicada tarefa de
tirar o vestido. — Vou te ajudar a tomar banho e ir para a cama.
Meu protesto foi calado com água fria caindo na cabeça.
Acordei com dor de cabeça, enjoada e sem ter ideia de onde estava.
Diferente do quarto onde dormi nas últimas noites, aquele possuía as paredes na
cor cinza. A janela era localizada em um ângulo diferente e as cortinas eram
amareladas, ao invés de brancas. O corpo encostado ao meu tampouco pertencia
a Romeo.
Girei para o lado e contemplei os cabelos castanhos de Lucy espalhados
pelo travesseiro. Confusa, tentei lembrar como fui parar ali, mas nenhuma
recordação veio à tona.
— Lucy — sussurrei com a voz rouca, tocando-a levemente no ombro.
Após se espreguiçar e bocejar algumas vezes, desejou:
— Bom dia.
Devagar, sentei na cama, piscando ligeiramente os olhos a fim de
eliminar as pontadas na testa. Massageei as têmporas com a sensação de que
uma banda de rock tocava diretamente em meu ouvido.
— Se não se importar, pode me explicar por que estou na sua cama? —
pedi.
Sentando-se ao meu lado, Lucy fez um coque no cabelo e apoiou os
braços nos joelhos dobrados.
— Você não se lembra de nada?
Uma coisa era certa, nada de bom vinha depois daquela pergunta. Ela,
normalmente, antecedia uma merda das grandes.
— Lembro de estar conversando com Amanda, depois o marido ligou e
ela precisou ir embora. A partir daí não recordo com clareza. É como se eu
estivesse de ressaca sem ter ingerido bebida alcoólica.
A forma condescendente que Lucy me encarou fez meu coração acelerar.
O cérebro passou a trabalhar a toda velocidade, tentando recuperar os fatos
temporariamente esquecidos.
— Foi algo com Romeo? — questionei apreensiva.
— Não! Ele está bem, dormindo com dona Rebecca.
— Graças a Deus! — Suspirei aliviada. — Estou ficando nervosa, Lucy.
Me diz de uma vez o que houve.
— Ok, só tente não surtar. — Notando meu olhar amedrontado,
prosseguiu: — Você tomou a bebida que ganhei de Amanda ontem. É um
afrodisíaco caseiro feito pela sogra dela, no México. Dizem que é proibido em
alguns países.
— Então aquela porcaria é a responsável pelo meu mal-estar?
— Sinto te informar, mas o desconforto físico é o menor dos seus
problemas. — Enfiando o polegar na boca, Lucy começou a roer a unha, fazendo
uma pausa dramática completamente desnecessária.
— Desembucha! — Aumentei a voz, perdendo a paciência.
Ela respirou fundo, parecendo tomar coragem para finalizar o relato.
— Está bem! Dizem que é melhor arrancar o band-aid de vez, então lá
vai. Aparentemente, após tomar uma dose muito maior do que o indicado, você
seguiu Luke até o banheiro, entrou sem ser convidada, agarrou o homem e
implorou para ele te foder.
O quê?!
Pisquei, chocada. Abri e fechei a boca algumas vezes, falhando em
formar qualquer frase coerente.
— Lucy, essa brincadeira não tem a menor graça! — rebati, nervosa.
— Não é brincadeira, Eveline — garantiu, séria. — Ele me puxou para
um canto, visivelmente alterado, os cabelos bagunçados, a boca vermelha e
inchada, tentando disfarçar o volume na frente da calça. Disse que você estava
precisando da minha ajuda no banheiro. Quando cheguei lá, te encontrei
desgrenhada, nervosa, beirando às lágrimas porque não transaram.
Não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não!
Preparei-me para outra negativa veemente, garantir que ela falava de
outra pessoa, não de mim. Contudo, antes que as palavras deixassem minha
boca, o primeiro flash apareceu. A forma como a casa de Rebecca tinha
esquentado, causando um calor suspeito. Depois, outros vieram em rápidas
sucessões. Meus olhos varrendo o corpo de Luke com desejo, admirando-o nos
mínimos detalhes. Minhas pernas se movendo por vontade própria para irem
atrás dele, trancando-nos no banheiro sem iluminação. O beijo selvagem,
dominador, transbordando desejo sexual. O membro duro roçando em partes
sensíveis do meu corpo.
Eu quero morrer!
— Merda, merda, merda! — gemi, escondendo o rosto nas mãos. —
Estou começando a lembrar. É verdade, Lucy! E agora? Como vou encará-lo?
Como posso voltar ao trabalho sabendo que assediei meu chefe?
— Você está pálida, mulher. Acalme-se antes que caia dura no chão.
— Me acalmar? — gritei, fora de mim. — Impossível! E que diabos
tinha naquela bebida para me transformar, de uma hora para outra, em uma
oferecida? — Lancei-a um olhar atravessado.
— Já te disse, é um afrodisíaco. E não estava a mostra, ao alcance de
qualquer um, mas escondido no fundo da geladeira. Você bebeu sem permissão.
— Eu não sabia que estava consumindo uma droga!
— Não é droga! Apenas uma bebida… Potente.
Levantei da cama, agoniada demais para permanecer parada, e andei de
um lado a outro.
— Posso perguntar para que merda você quer aquele negócio?
Seu olhar desviou do meu e, se eu não estivesse equivocada, as
bochechas tinham adquirido um tom rosado.
— Nada demais — desconversou, dando de ombros. — Se tomado na
dose correta, não causa os efeitos que você teve.
— O que vou fazer agora? — Passei as mãos nos cabelos, retornando à
questão primordial de como encararia Luke no dia seguinte.
— Nada. Meu irmão conhece a bebida, vai entender que seus atos foram
consequências dela.
— Você não tem noção das coisas que falei para ele, Lucy. Nem tenho
coragem de repeti-las.
— Pare de se torturar. Você bebeu o caralho do afrodisíaco sem saber do
que se tratava, ficou atacada, agarrou o cidadão, os dois deram uns amassos no
banheiro, mas não foram até o final e pronto. Fim de papo. Problema resolvido.
Deus!
Lucy parecia não compreender a gravidade da situação. Ainda que Luke
fosse um perfeito cavalheiro compreensivo, mudava absolutamente tudo.
Ninguém, em sã consciência, conseguiria agir como se nada tivesse acontecido.
Em meio à confusão que se encontrava na minha mente, as lembranças
das sensações que ele me fez sentir com a boca e mãos eram espantosas. Esperei
o medo e apreensão que normalmente apareciam em ocasiões como aquela, mas
apenas o leve formigamento onde me tocou estava presente.
Um calor subiu pelo meu corpo, tanto de embaraço quanto de excitação.
Balancei a cabeça, tentando deixar todos os pensamentos para lá, pelo
menos até amanhã, quando eu precisasse encará-lo pessoalmente, e voltei meus
olhos para Lucy.
— Por favor, me diz que a sua mãe não ficou sabendo desse vexame —
implorei.
— Fique tranquila, Eve. Inventei que você passou mal com a comida e
vomitou até a alma.
— Menos mal. — Suspirei aliviada. — Está aí uma lição aprendida com
sucesso. Nunca comer ou beber nada até ter certeza que aquilo não vai te
transformar em uma… Maníaca sexual.
— A questão vai muito além disso, Eveline — ela disse, após parar de rir
do meu comentário. — O afrodisíaco não transforma ninguém em um tarado,
somente ajuda a pessoa a ficar desinibida e ir atrás do que deseja. O que não
consegui entender é o curioso fato de, apesar de haver, pelo menos, três homens
atraentes no recinto, você ter ido diretamente para Luke. Não é engraçado? Por
que não Matt ou Ty?
Senti as bochechas arderem e desviei o rosto do seu, tentando esconder
dos olhos perspicazes a minha reação. Eu não sabia a resposta, nem queria
raciocinar sobre aquele questionamento. Então, como vinha aprendendo nos
últimos tempos, a melhor defesa era o ataque.
— Isso é culpa sua — acusei, cruzando os braços.
— Minha?!
— Exatamente. Ficou colocando merda na minha cabeça, falando que
seu irmão estava a fim de mim, encarando a minha bunda, fazendo perguntas
sobre a minha vida pessoal. Com certeza as suas sandices ficaram no meu
inconsciente e tudo potencializou por causa da sua droga. E o resultado foi esse
desastre estratosférico.
— Está bem, lindinha. Continue repetindo isso, quem sabe consegue
convencer a si mesma. — Sorrindo, concluiu: — Você está tão a fim dele quanto
ele de você.
— Não me sinto preparada para continuar essa conversa agora. —
Recuei, como a bela covarde que eu era. — Vou tomar um remédio para dor de
cabeça, depois pegar Romeo. E então me esconder o resto do domingo no
quarto, remoendo como vai ser humilhante encarar o seu irmão amanhã.
Caminhei rapidamente para fora do quarto, ouvindo a risada debochada
por todo o corredor.
CAPÍTULO 8
Chamuscado
— Sabe uma coisa que nunca entendi? — questionou Lucy, alternando o
olhar entre mim e Amanda, enquanto lanchávamos no shopping. — Por que os
homens insistem em usar a expressão "comer uma mulher", se o que acontece na
prática é o contrário? Já pensaram nisso?
Amanda riu alto, esforçando-se para não engasgar com o refrigerante, e
eu tentei entender de onde a mulher tirava aquelas ideias absolutamente
aleatórias.
As duas me ajudaram a escolher os móveis da casa. Lucy tinha um bom
gosto admirável e um igual talento para encontrar itens em promoção, o que era
excelente para meus recursos limitados. O lugar não era nada impressionante,
mas estava conservado, limpo, a rua parecia tranquila, e o melhor: a cozinha já
mobiliada me economizaria um bom dinheiro.
Eram quatro cômodos: a sala e cozinha, separadas por um balcão, no
melhor estilo americano; dois quartos, o maior com a suíte; e uma pequena área
de serviço com uma máquina lava-e-seca instalada. Com um pouco de cuidado e
a decoração certa, ficaria bem bonitinho.
A emoção quase me dominou quando recebi as chaves. Finalmente, meu
filho e eu teríamos um lugar só nosso. Finalmente, começava a me sentir livre,
independente, dona de mim, a sensação de recomeço aflorando.
— Se é o nosso equipamento que engole o deles, não seria mais
adequado falar que é a mulher quem come o homem? — Lucy prosseguiu com
sua linha de raciocínio.
Ela mantinha uma expressão séria, como se o assunto discutido fosse
algo de extrema relevância, como a política atual ou o aquecimento global. Sorri,
balançando a cabeça de um lado para o outro.
— De onde você tira essas coisas, Lucy? — indaguei, tomando um gole
do meu suco.
— Toda noite, antes de dormir, minha cabeça fica trabalhando por horas,
analisando os mais variados assuntos. Em uma dessas, essa questão me chamou
atenção — explicou, ainda séria. — Mas enfim, deixando isso de lado, estive
analisando a minha vida desde que voltei à cidade e cheguei à conclusão de que
preciso sair um pouco, dançar, me divertir, beber, ver uns homens gostosos. Que
tal?
Às vezes eu sentia dificuldade em acompanhar a velocidade com a qual
ela mudava de um tópico para outro em milésimos de segundos.
— Acho excelente — opinou Amanda. — Você é jovem, solteira, linda e
precisa aproveitar a vida.
— Quero que vocês duas venham comigo. Seria uma espécie de noite das
garotas, numa versão muito mais animada.
Nem pensar. A ideia de ir em uma balada, ao invés de animar, causou o
efeito contrário em mim. Miranda vivia implicando comigo, acusando-me de ser
uma alma idosa presa em um corpo jovem.
— Contem comigo! Ando mesmo sonhando com uma distração.
Trabalhar fora, cuidar de quatro filhos e uma casa é enlouquecedor. Amo minha
família, mas todo mundo precisa de um tempo para si mesmo. Me avisem com
uns dias de antecedência para Juan e eu combinarmos nossos horários. Eu saio e
ele fica com as crianças, para variar.
Após a concordância de Amanda, toda a atenção se voltou para mim. Dei
a primeira desculpa que me ocorreu:
— Não vou ter tempo, preciso organizar a mudança.
— Mais um motivo para comemorar — rebateu Lucy. — Vamos te
ajudar e, assim que estiver tudo pronto, dançaremos a noite inteira. Preciso
conhecer novas pessoas, de preferência um homem alto, bonito, solteiro, com
pegada e se tiver com o físico em dia, não vou reclamar.
— Você quer sair para se divertir? Dou o maior apoio, mas a última coisa
que desejo, neste momento é uma noitada. Além disso, tem Romeo…
— Ele fica com minha mãe, Eve — interrompeu, encontrando soluções
para cada empecilho que eu inventava. — Cadê o apoio feminino? Amanda e eu
precisamos nos divertir e aposto que seria ótimo para você também. Sair uma
vez na vida não vai arrancar pedaço.
— Seria maravilhoso passar um tempo com vocês duas fora da LTM —
emendou Amanda.
Elas me olhavam em expectativa, com expressões igualmente
esperançosas. De repente, me dei conta que estava sendo ingrata e um pouco
egoísta. Recebi o apoio e a amizade daquelas duas mulheres desde o primeiro dia
na empresa. Ambas gastavam parte do sábado escolhendo móveis e objetos
decorativos para o meu apartamento, quando podiam se concentrar em outras
atividades com suas respectivas famílias, por exemplo. Então não custava nada
sair para nos divertirmos juntas.
— Está bem, eu vou. — Ao ameaçarem uma comemoração, ponderei: —
Mas não a noite inteira. Estou enferrujada nesse negócio de ir para baladas e não
quero ficar a madrugada inteira fora de casa.
— Ótimo! — Lucy bateu palmas, satisfeita. — E já sei qual será nosso
destino. Depois de acertar os detalhes, aviso a vocês.
No domingo à tarde, dei uma olhada na minha futura casa, incrédula com
a drástica mudança que os móveis e a decoração promoveram no ambiente.
Acordamos cedo, deixei Romeo aos cuidados de Rebecca e iniciamos a
faxina. Quis cuidar daquilo sozinha, constrangida por submeter Lucy a esfregar
o chão comigo, mas ela se recusou a ouvir não. Por ter sofrido uma recente
reforma, o piso e algumas partes da parede estavam imundos. Finalizamos o
trabalho pesado no meio da manhã, suadas, exaustas e famintas.
Após tomarmos banho, estreei os utensílios de cozinha preparando uma
macarronada e assei dois filés de frango. Comemos em meio a uma conversa
agradável e descontraída. Lucy era uma pessoa divertida, expansiva e falante.
Era fácil manter um diálogo com ela, especialmente porque eu mais ouvia do
que falava. Conforme me confidenciava situações inusitadas e hilárias pelas
quais passara, eu percebia as drásticas diferenças entre as nossas vidas. Será que
ela se dava conta do quão sortuda era por ter nascido em uma família tão
especial, rodeada de carinho, amor e proteção?
Às duas da tarde, Luke e Tyler chegaram para ajudar na montagem dos
móveis e instalar o tal sistema de segurança. Passados oito dias do aniversário de
Rebecca, ainda era complicado e constrangedor estar no mesmo ambiente que
ele. Por mais que Luke houvesse sido compreensivo e cumprido a proposta para
seguirmos em frente, ficava aquele clima meio estranho, não sabíamos como
agir na presença um do outro.
A intensidade do que aconteceu no banheiro parecia forte para ser
ignorada. Vez ou outra, as imagens se repetiam em minha cabeça feito um disco
arranhado. As coisas que disse, as que escutei… Deus!
A única experiência sexual que tive foi com Bryan e, apesar de haver
sido relativamente prazeroso nos primeiros meses de relacionamento, ele nunca
me disse frases tão cruas e sexuais, enquanto Luke não poupou no palavreado,
beirava o pornográfico. E, ao invés de ficar chocada e amedrontada, as palavras
tiveram o poder de me acender, excitar. Talvez aquela reação tão forte e atípica
tenha ocorrido por conta do afrodisíaco.
Disfarçadamente, espiei sobre o ombro, admirando-o na camisa regata,
os braços musculosos trabalhando, movimentando-se de maneira bonita para
prender alguns nichos na parede. Boa parte das tatuagens ficavam à mostra,
outra era escondida pelo tecido preto. Gostaria de ver todos os desenhos e saber
os significados deles. Outra vez, da mesma forma que ocorrera na casa de
Rebecca, senti a temperatura subir.
Precisava perguntar à Lucy por quanto tempo o efeito daquela porcaria
permaneceria no meu sistema.
Dona Gloria, que havia dado um jeito de se enfiar na minha sala ao ver
os dois chegarem, sorria como uma adolescente apaixonada, enquanto servia
limonada e biscoitos para eles. A senhora chegou ao ponto de se abanar com as
mãos no instante em que viraram de costas para ela.
— Se eu fosse trinta anos mais jovem, prenderia qualquer um na minha
cama e o manteria lá por uma semana, no mínimo — sussurrou em meu ouvido
ao passar por mim, um tanto ofegante e vermelha.
Primeiro fiquei chocada, realmente abismada, porque ela parecia uma
daquelas vovós boazinhas dos filmes infantis, que faziam biscoitos para todo
mundo e dava sábios conselhos para quem quer que aparecesse. Depois, me senti
aliviada, porque se nem mesmo uma senhora da idade dela estava imune à
criatura, eu tinha o direito de ficar… Curiosa.
— E então, o que acha? — Lucy perguntou, olhando para os quadrinhos
organizados de maneira aleatória no chão, formando um quadro maior. — Se
você não gostar desse padrão, posso testar outros, antes de passar para a parede.
— Ficou muito bonito, Lucy. Não precisa mudar — garanti com
sinceridade. Eu tinha amado todas as ideias que ela deu para a decoração.
Queria que esse fosse um lar alegre, aconchegante, com pontos de cores
vivas espalhadas por todos os cômodos. Tudo que a casa de Bryan não era. Os
tons cinza, azul turquesa e amarelo se misturavam em harmonia. Juntos, eles
ficavam lindos.
— Onde está a fita dupla-face?
— Na minha bolsa, no quarto. Vou pegar.
Prestes a entrar no cômodo, um braço entrou no meu campo de visão,
apoiado na parede, impedindo a passagem. Não precisei desviar o olhar para
saber a quem pertencia, as tatuagens denunciavam.
— Escute, Eveline — ele disse, muito próximo a mim. — Estou tentando
ser um cara legal, respeitar seu espaço e interpretar o que houve naquele
banheiro como um mero efeito colateral da maldita bebida. Então facilite a porra
do meu trabalho e pare de me olhar desse jeito.
Não virei para encará-lo, mantendo os olhos para frente. Meu corpo
tremeu e a barriga contorceu de ansiedade.
— Hã… — Pigarreei. — Não estou fazendo nada. Nem te olhando de
nenhum jeito.
A risada baixa e sarcástica mostrou que não engoliu uma palavra que eu
disse.
— Está e sabe disso. Seus olhos me buscam com frequência,
principalmente quando estou de costas.
— Como você pode saber? Se está de costas?
— Eu fui um soldado por muitos anos, Eveline. Estar atento a qualquer
movimento, ser capaz de perceber se me observavam ou não foi o que me
manteve vivo durante todos os anos no Iraque — explicou, tão perto que eu
sentia perfeitamente o cheiro de suor e perfume misturados, assim como o calor
que emanava do corpo forte, atordoando minha cabeça.
Nervosa e encurralada, me restavam duas opções: inventar uma mentira
que soaria vergonhosa ou confessar parcialmente a verdade. Escolhi a segunda.
— Eu só estava curiosa sobre as suas tatuagens — expliquei
pateticamente.
— Você gosta delas? — A boca dele encostou na minha orelha, o hálito
morno arrepiando todos os pelos do corpo. — Posso te mostrar cada uma, se
quiser — murmurou a sugestão explicitamente sexual.
Algo em mim se contorceu. Respirei fundo, fechando os olhos em busca
de controle. Só a boca dele tocava a minha pele, mas eu sentia como se
estivéssemos colados, cada músculo rijo e bem trabalhando me marcando outra
vez.
— Não é… Bem… Hã… Sempre quis fazer uma, mas a coragem nunca
apareceu, e você tem tantas. Fiquei imaginando quanto deve ter doído. —
Esforcei-me para soar minimamente coerente.
— Já passei por dores piores.
Silêncio.
O coração estava tão acelerado, desgovernado, desejando escapar do
peito. Precisava sair dali, da presença dele, me recompor. As reações que Luke
provocava em mim eram estranhas e atordoantes. Engoli em seco.
— Preciso pegar algo no meu quarto.
Luke continuou em silêncio, o braço estendido, os lábios resvalando na
minha orelha. Ele se moveu poucos centímetros, esfregando o nariz por meu
cabelo, inalando profundamente, como se desejasse sentir meu cheiro. Como se
o apreciasse. As duas pernas, de repente, viraram gelatina.
— Preste atenção, Eveline. — Voltou a falar, a voz rouca, grossa,
carregada de algo que eu não saberia definir. — Não sou um canalha e jamais
forçaria uma situação com você. Mas se eu perceber que é recíproco, que
também sente todo esse tesão, que me deseja, vou querer continuar o que
começamos naquele banheiro. — Oh, Deus! Vou desmaiar! — Me dê os sinais
certos. Me dê uma palavra. Apenas uma.
Cada partezinha de mim tremia e formigava, as mãos suavam. O que ele
estava fazendo comigo?
— Luke, por favor… — implorei, sem saber exatamente o pelo que.
— Eve, por que está demorando tan… — A voz de Lucy penetrou a
névoa de irrealidade que nos encobria, tirando-me daquele torpor. Luke se
afastou com rapidez, virando de costas para ela, as duas mãos enfiadas nos
bolsos da calça.
Contudo, não foi rápido o suficiente para que ela não percebesse o clima
pesado, a tensão que parecia tomar conta do corredor inteiro. Estreitou os olhos,
a boca entortando em um sorrisinho malicioso, e eu soube que nunca mais teria
paz. Na primeira oportunidade, Lucy me interrogaria feito uma agente do FBI
até arrancar cada informação.
Quando Luke caminhou para longe, passando ao meu lado com o maxilar
cerrado, a expressão séria, sem sequer dirigir um último olhar em minha direção,
tentei compreender o que havia lhe pedido.
Luke, por favor, afaste-se.
Luke, por favor, continue de onde paramos.
CAPÍTULO 10
Castelo de Areia
Reno, Nevada, 2014.
A porta atrás de mim bateu com violência e todo o meu corpo tremeu.
Agarrei a pequena bolsa com as duas mãos, empregando uma força além da
necessária, e aguardei. A voz de Bryan não tardou a me alcançar.
— Gostaria de entender o que significaram todos os olhares e sorrisinhos
dirigidos ao garçom.
Fechei os olhos. De novo não.
Tínhamos ido jantar fora para comemorarmos a promoção de Bryan na
empresa. Ele se mostrou muito animado com o reconhecimento e, de alguma
maneira, aquela felicidade acabou me contagiando e influenciando o meu
comportamento. Contudo, o que eu via como educação e simpatia acordou nele o
monstro há dois meses adormecido.
No instante em que devolvi o cardápio ao garçom, sorrindo e
agradecendo pelo bom atendimento, Bryan fechara a expressão e passara a me
encarar com nítido descontentamento. Até a recente acusação, não compreendia
o que fiz para deixá-lo tão fechado e sombrio, mas um medo atroz quase me
paralisou por completo. Dali em diante, pus-me em alerta e expectativa,
amedrontada e incapaz de me concentrar na refeição.
O caminho de volta foi verdadeira tortura. Ele calado e eu sem condições
de tentar iniciar qualquer diálogo.
— O quê? — sussurrei, intensificando o aperto na bolsa.
— Não se faça de desentendida, Eveline! — Encolhi com o grito, os
olhos ardendo de vontade de chorar. — Você ficou a noite inteira dando mole
para o cara!
— Isso não é verdade, Bryan — neguei veementemente.
— Não tente me enganar. Não me faça de idiota, vagabunda!
O pânico venceu a cautela. Virei para ele, chorando e magoada.
— Pare! — gritei. — Pare de me chamar assim! Pare de agir desse
modo! Não lembra o que aconteceu a última vez que ficou tão alterado? Você
prometeu que não se repetiria.
Minhas palavras pareceram deixá-lo ainda mais transtornado. Pisando
fundo, Bryan fechou a distância entre nós em poucas passadas.
— Estou tentando, mas não é possível quando convivo com uma vadia.
— Eu não sou nenhuma vadia! — defendi-me. — Nunca te dei motivos
para me tratar assim. Não entendo o que está acontecendo com você. — Solucei,
dando dois passos para trás.
— O que está acontecendo comigo? — Aproximou-se outra vez,
agarrando meu cabelo dolorosamente, puxando-o para trás. — Você é o que está
acontecendo comigo!
Gemi, sentindo a dor se espalhar por todo o couro cabeludo. Soltando a
bolsa, levantei as mãos para as dele, tentando afastá-las de mim.
— Me solte! Está me machucando! — implorei aos prantos.
— Você tem que aprender a me respeitar, porra. Mulher minha não fica
dando moral pra outro cara, principalmente na minha frente. Quando vai
aprender isso, Eveline?!
— Eu não fiz nada! Me larga! — Finquei as unhas nos seus dedos, a
cabeça posicionada em um ângulo esquisito para amenizar a dor.
O alívio foi imediato quando fez o que pedi, mas a sensação durou pouco
tempo. O dorso da mão dele atingiu meu rosto em um baque. Senti o impacto, a
dor e o gosto metálico do sangue que começou a escorrer do canto da boca.
— Vê o que me obriga a fazer? — gritou outra vez, voltando a agarrar
meus cabelos, o rosto descontrolado a centímetros do meu. — Por que não se
comporta? Não quero te bater, Eveline, mas você me provoca o tempo inteiro.
— Vo-você está doente. — Solucei. — Não jogue a culpa em mim.
— E ela é de quem, se não for sua? Está me desafiando, porra? — Um
novo tapa, exatamente onde o anterior atingira, mostrou-me que argumentar com
alguém desequilibrado e fora de si não era o melhor caminho.
Permaneci parada, sem fazer menção de escapar. Chorando, o rosto em
chamas e amedrontada, simplesmente aguardei. Ainda mais irritado com a falta
de reação, Bryan me atirou no sofá. Caí desajeitada, batendo a barriga
avantajada de seis meses no braço do móvel. Arfei, levando a mão aberta ao
local com desespero. A possibilidade de acontecer algo de ruim com o bebê
levou meu chão e resquício de racionalidade para longe.
— Você prometeu. — Cerrei o maxilar, encarando-o com ódio. —
Prometeu que não ia acontecer de novo. Vou embora daqui, está ouvindo?! Vou
te deixar e você não vai colocar as mãos em mim nunca mais!
Bryan inclinou-se em minha direção e encolhi quase até murchar,
aguardando o próximo golpe de olhos fechados, protegendo o ventre como
podia. Porém, daquela vez não foi o punho dele que me atingiu, mas as palavras
dotadas de crueldade:
— E para onde vai, estúpida? Não seja burra, analise as suas chances e
não me ameace. Recém-formada, quase parindo, sem experiência profissional.
Quem é o imbecil que vai empregar uma mulher nessas condições? Entenda, de
uma vez por todas, que só tem a mim. Fui a única pessoa a te querer, te dar valor.
Nem sua mãe quis manter você. Então está na hora de começar a se mostrar
grata.
Aquelas palavras doeram bem mais que as agressões físicas. Eu devia ser
mesmo burra para ter confiado nele a ponto de contar a minha história, apenas
para que tudo fosse atirado contra mim com requintes de crueldade. Negando-me
a deixá-lo saber quão profundamente me feriu, rebati:
— Não tenho família biológica, mas ganhei uma irmã que se importa
comigo.
— A puta que abre as pernas para o traficantezinho de merda? Esse é o
seu grande plano? Ser a prostituta de um deles também? — Enquanto apertava a
parte de trás do meu pescoço, o olhar de Bryan era apavorante. — Se quiser ir,
vá sozinha, mas o meu filho não vai ser bandido. Experimente afastá-lo de mim
e sofrerá as consequências. Sumo com o moleque e quem não voltará a colocar
os olhos em nenhum dos dois é você.
Gelei por dentro, petrificada. Aquela criança era tudo que tinha, toda a
minha esperança, a única razão para não desistir. A primeira pessoa a ter meu
sangue correndo nas veias. Ficar sem o meu pequeno Romeo me destruiria
completamente e Bryan sabia disso.
Pensei em fugir antes que ele cumprisse a ameaça, mas não possuía
dinheiro guardado, previsão de conseguir um emprego ou condições de pagar
uma babá, caso milagrosamente arranjasse algo.
Foi o momento em que mais me senti impotente na vida. E doeu como o
inferno.
A contragosto, os soluços aumentaram. Bryan me soltou, passou as mãos
pelos cabelos em um claro sinal de descontrole e sentou-se ao meu lado. Por
mais que ser tocada por ele fosse uma ideia repugnante, não encontrei forças
para me afastar. De que adiantaria? O homem me alcançaria de um jeito ou de
outro no final das contas.
— Não gosto de fazer ou dizer essas coisas para você, mas seu
comportamento continua a me desagradar, por mais que eu a tenha alertado. Eu
te amo, por isso sinto tanto ciúmes, por medo de te perder. Ciúmes é a prova do
meu amor. — Repousou a mão na minha perna e eu estremeci de repulsa. —
Não volte a falar em me deixar, porque isso me tira do sério. Em três meses o
nosso menino nasce e seremos uma família completa. — Alisou minha barriga.
— Faremos um trato, sim? Prometo manter meu temperamento forte sob
controle e você passa a se comportar como uma mulher de respeito,
comprometida e futura mãe. Posso contar com a sua colaboração?
Meu medo nunca foi tão intenso quanto naquele instante. Só um
psicopata bateria em alguém até tirar sangue para, minutos depois, fazer
declarações de amor. Como pude ser enganada por tanto tempo? Por que não
percebi a verdadeira face dele nos primeiros meses de namoro? Será que, de
alguma maneira, fui a responsável por despertar o lado agressivo de Bryan?
Todas as outras pessoas que faziam parte da vida dele recebiam um tratamento
cordial, respeitoso e extremamente amigável. Ninguém acreditaria que o mesmo
homem que era capaz de divertir um grupo com histórias engraçadas, dentro de
quatro paredes usava o punho na companheira grávida.
Talvez, involuntariamente, eu o provocasse. Se fosse cuidadosa nas
próximas vezes que saíssemos de casa, as crises de ciúmes não voltariam a
acontecer.
— Posso ou não contar com seu apoio, Eveline? — insistiu após meu
silêncio.
Emocional, psicológica e fisicamente destruída para lutar contra ele,
limitei-me a assentir.
Acariciei o ventre.
É por você, meu amor. É por você.
Atualmente, Naperville
Despertei molhada de suor, o corpo trêmulo e a respiração acelerada.
Momentaneamente desorientada, demoraram alguns segundos para que me desse
conta que estava na minha casa, deitada na minha cama, dormindo com meu
filho ao lado. Era a nossa terceira noite ali e Romeo se encontrava manhoso,
confuso com tantas mudanças em pouco tempo.
Levantei com cuidado para não o acordar e fui até a cozinha. A água
gelada aplacou a sensação de secura na garganta e segui até o banheiro.
Enquanto o jato morno caía na minha cabeça, esforcei-me para relaxar, entender
que havia sido somente um pesadelo e repetir para mim mesma que estávamos a
quilômetros de distância dele.
No dia seguinte à segunda vez que Bryan levantou a mão para mim,
liguei para Miranda e marcamos um encontro. Contar a verdade à minha melhor
amiga foi difícil e humilhante. Senti-me absolutamente envergonhada,
fracassada, derrotada.
Vi o choque e pavor nos olhos castanhos, seguidos pela incredulidade e
ódio. Ela me abraçou, choramos juntas e, ao final, mandou que eu arrumasse as
malas e fosse viver em sua casa. Recusei, apavorada demais com as ameaças de
Bryan.
Miranda, então, ofereceu dinheiro, uma quantia suficiente para eu
desaparecer. Desejei, com todo o coração, ter sido forte o suficiente para ter
aceitado aquela proposta. Mas, para ser honesta, àquele ponto Bryan tinha
conseguido entrar na minha mente, fazendo-me duvidar de mim, do meu valor,
força de vontade e capacidade. Apesar de tudo, causava-me pânico a
possibilidade de entrar em trabalho de parto sozinha, longe de todos. Se
acontecesse algo comigo, meu bebê seria enviado aos cuidados do estado, do
mesmo modo que eu fui. E compreendia perfeitamente as implicações de crescer
órfã, desprovida de família, amor e proteção.
Hoje eu sabia que havia desabafado com Miranda não para ela me
apontar saídas, mas em busca de um ombro amigo, de uma confirmação que
alguém se importava. Entretanto, como a maioria das pessoas que não conhecia
um relacionamento abusivo e suas consequências na pele, ela não recebeu bem a
minha recusa e proferiu palavras que machucaram:
— Estou te dando opções aqui, caralho! Que merda você está fazendo
com a sua vida, Eveline? Por acaso gosta de apanhar? Por isso quer continuar
nesse relacionamento doentio?
Incapaz de aguentar mais aquele golpe, quis feri-la igualmente, descontar
a minha raiva em alguém.
— Pelo menos eu não sou a mulher de um traficante, vivendo de
dinheiro sujo de sangue, que precisa de um guarda-costas cada vez que coloca
os pés na rua!
E tudo só piorou. Trocamos ofensas, dissemos coisas horríveis uma para
a outra e saímos chorando, magoadas e jurando um rompimento definitivo da
amizade.
Hoje eu não a culpava, até conseguia compreendê-la. Miranda não podia
saber como eu estava destruída por dentro, o quão profundamente Bryan afetara
meu psicológico. Eu continuava respirando, o cérebro funcionava, o coração
bombeava sangue, meus órgãos trabalhavam em perfeita harmonia, carregava
uma vida no meu ventre, mas, por dentro, estava morta.
Bryan me matou.
E apenas meu filho conseguiu me trazer de volta à vida.
Enrolada em uma toalha, voltei à cozinha e comecei a preparar o
desjejum. Eram cinco e quarenta da manhã, mas não conseguiria voltar a dormir.
Durante as duas horas seguintes, trabalhei um pouco, comi, vesti-me e apliquei
uma leve camada de maquiagem para disfarçar as olheiras. Em seguida, acordei
Romeo e o arrumei para ir à creche.
Lucy digitou o código de segurança e aguardou o portão abrir para
estacionar o carro na garagem da LTM. Íamos juntas ao trabalho a pedido de
Luke e, embora eu acreditasse ser uma medida exagerada uma vez que nada de
suspeito havia acontecido nos últimos dias, não podia negar que a carona era
bem mais confortável do que utilizar o transporte público.
— Se programe, a nossa noite das garotas acontecerá na sexta —
anunciou Lucy, manobrando o carro na vaga. Diante do meu silêncio, fui
analisada minuciosamente pelos olhos perspicazes. — Posso ver, pela sua
expressão, que está pensando em dar para trás, mas não ouse! Amanda e eu
contamos com você.
— Tenho escolha? — resmunguei, ajeitando a bolsa no ombro, e saí do
veículo.
Perdi a linha de raciocínio com a repentina aparição de Luke. Ele
caminhava rapidamente, as chaves do carro em uma mão, a outra segurando o
celular no ouvido, concentrado em uma conversa aparentemente desagradável.
As mãos ficaram ligeiramente úmidas e as batidas do coração aceleraram. Eu
odiava as minhas reações a ele.
Ao perceber nossa presença, cumprimentou-nos com um breve aceno de
cabeça e seguiu até a picape prata, dando partida logo em seguida.
A lembrança da última vez que conversamos a sós, no corredor de casa,
permanecia viva e pulsante. Desde então, Luke não voltou a se aproximar de
mim, principalmente na empresa, limitando-se a me cumprimentar
educadamente e comportando-se de maneira adequada na reunião de ontem.
“Mas se eu perceber que é recíproco, que também sente todo esse tesão,
que me deseja, vou querer continuar o que começamos naquele banheiro. Me dê
os sinais certos. Me dê uma palavra. Apenas uma.”
Eu sentia? Eu o desejava?
Razão e emoção duelavam sem descanso. Apesar de nunca ter me sentido
mais excitada do que quando nos beijamos, racionalmente eu sabia que não
estava preparada para arriscar, o pesadelo daquela madrugada evidenciou a
questão. Por outro lado, Lucas Hayes despertou em mim uma curiosidade
genuína, uma vontade de me certificar se tudo não passou do efeito do
afrodisíaco. E, por mais que eu tentasse reprimir tais desejos, eles rondavam o
tempo inteiro, atiçando, pondo lenha na fogueira.
Ele deixou o seu posicionamento claro e recuou, esperando a minha
reação. E eu sabia que se não tocasse no assunto novamente, Luke também não o
traria à tona. Não duvidei, nem por um segundo, que ele dizia a verdade ao
garantir que jamais forçaria uma aproximação. Então, o que aconteceria — ou
não aconteceria — dependia exclusivamente de mim.
Caso alguma coisa, de fato, ocorresse entre nós, hipoteticamente falando,
eu estaria preparada para o sexo casual? Transar com um homem sem envolver
sentimento, intimidade, uma ligação mais forte?
Além disso, havia outros problemas a serem analisados e o principal
deles era Romeo. Eu era mulher, mas também era mãe e precisava pensar no que
seria melhor para o meu filho, já que todas as minhas decisões o afetavam
diretamente. Colocar um homem praticamente desconhecido no convívio dele
não estava nos meus planos. Romeo tinha sofrido demais, presenciando
inúmeras brigas e demonstrações de violência em seus curtos três anos de vida.
E, a despeito da minha crença de que Luke era diferente de Bryan, levando em
consideração sua relação com a mãe, irmã, amigos e funcionários, quando um
filho entrava na equação, eu não colocaria minha mão no fogo uma segunda vez.
Por fim, havia a relação profissional. Luke era um dos meus chefes e isso
o colocava, automaticamente, em uma posição superior na empresa. Aprendi na
universidade que não era uma boa ideia relacionar-se amorosamente com
pessoas que estavam hierarquicamente acima de nós, pois se desse merda, a
corda quebraria para o lado mais fraco. Naquele caso em especial, para o meu
lado. E eu estava gostando muito do meu trabalho, da independência financeira,
de ter condições de pagar o meu próprio aluguel para arriscar tudo por um
homem que poderia tirar todas essas conquistas de mim em um estalar de dedos.
— Acho que você precisa dessa noite tanto quanto eu. — A voz de Lucy
me trouxe à realidade.
— Posso perguntar por quê? — Arqueei uma sobrancelha.
— Um e oitenta de altura, musculoso, tatuado, um pouco mal-humorado.
Quatro letras. Luke.
— Vai continuar insistindo nisso? — Desviei o olhar, sentindo as
bochechas esquentarem.
— Não posso ficar calada quando vejo duas pessoas claramente atraídas
perdendo um tempo precioso. Está na cara que vocês se desejam. Falta o que
para fazerem acontecer?
— Pare com isso, Lucy! — pedi, ainda mais envergonhada. — Sua
imaginação é muito fértil.
— Você finge que fala a verdade e eu finjo que acredito, Eve. Esqueceu
que peguei os dois em uma posição bastante comprometedora no corredor da sua
casa? Se eu demorasse mais um minuto, tenho certeza de que vocês teriam se
atracado lá mesmo.
— Estávamos apenas conversando, já te disse isso.
Apressei o passo, louca para entrar no prédio e me livrar do
interrogatório.
— Tudo bem então. Já que não há nada rolando entre vocês, quem sabe a
senhorita encontra seu príncipe encantando na nossa noite? — brincou.
— Oh, querida, há muito tempo eu parei de acreditar em conto de fadas.
CAPÍTULO 11
Quem é Ele?
Durante a minha vida, aprendi a confiar nos meus instintos. E, desde o
início, eles alertaram para não aceitarmos o trabalho com George Thompson,
prefeito de Naperville.
Mas como em uma sociedade não se pode tomar decisões sozinho, fui
voto vencido e agora me encontrava em uma tensão do caralho porque a
patricinha mimada do filho da puta resolveu ser uma adolescente de merda e
fugir de um funcionário nosso. Macey era um bom profissional, bem treinado,
bem recomendado e eu não entendia como pôde ter sido enganado por uma
garota de quinze anos e o seu namorado imbecil.
Mesmo confiando que Ashley Thompson não seria tola o suficiente para
se colocar em uma posição de risco sabendo quem ameaçava sua vida,
mandamos instalar um rastreador que ela levava no pescoço todos os dias sem
saber, na forma de um colar, herança da mãe falecida.
Aparentemente, subestimei o nível de imbecilidade que alguém de quinze
anos pode atingir.
O programa de rastreamento indicava que os dois haviam parado há
pouco tempo em um bairro periférico da cidade, marcado por pequenos
apartamentos descuidados e pontos de vendas de drogas. O que os idiotas foram
fazer lá estava além da minha capacidade de compreensão. Pisei fundo no
acelerador, esperando fazer o caminho na metade do tempo, na tentativa de que
aquela fuga não chegasse aos ouvidos do pai dela antes que os encontrássemos,
ou teríamos que ouvir uma lição de moral interminável do prefeito e eu não
estava com humor para aquilo.
Os últimos dias foram estressantes, trabalhosos e desgastantes. Só
frequentava a minha casa para dormir e, ocasionalmente, tomar banho. Além
disso, estava sendo difícil não tomar nenhuma atitude em relação à Eveline.
Se eu não fosse tão cético, acreditaria que a mulher me jogou uma praga,
um feitiço, ou qualquer merda parecida, pois não saía da minha cabeça. Depois
daquele maldito sábado, Eveline parecia ter se instalado sob a minha pele e nada
que eu fizesse conseguia tirá-la de lá. As lembranças dos minutos que ficamos
tão colados, o sabor do seu beijo, o cheiro da pele, a temperatura da boceta se
esfregando no meu pau eram torturantes.
Mas eu reconhecia uma mulher fechada quando via uma. E Eveline
estava além de fechada. Alguém a tinha magoado, colocado a tristeza e
desconfiança nos belos olhos azuis, algum filho da puta estava impedindo-a de
tentar qualquer coisa. Por mais que a quisesse, por mais que a desejasse como
nunca desejei outra mulher, não iria forçar a barra e colocá-la em uma situação
difícil no trabalho, porque era nítido como voltar à ativa, profissionalmente,
havia feito bem a ela.
Então, fiz a única coisa ao meu alcance e abri o jogo, coloquei as cartas
na mesa, confessei como me sentia e uma parte do que gostaria de fazer com ela.
Agora a decisão cabia inteiramente a Eveline. Continuava não sendo atraente a
ideia de transar com uma funcionária por todas as possíveis implicações que uma
relação do tipo poderia trazer. Tinha certeza que ouviria um monte de merda,
especialmente de Matt, que aproveitaria a situação e encheria a porra do meu
saco para o resto da vida. Mas eu estava disposto a ouvir quantas gozações
fossem necessárias, desde que a minha gozação tivesse endereço certo.
Nela.
Estacionei, brecando os pneus, e desci do carro usando todo meu
autocontrole, porque se ouvisse qualquer gracinha do namorado imbecil seria
difícil impedir o meu punho de encontrar o nariz do moleque. Eles estavam em
um conjunto de apartamentos baratos que há muito não via uma pintura ou
reparos na estrutura. Conforme adentrava o local, recebi uns olhares de
estranhamento dos habitantes, contudo, minha expressão de poucos amigos
devia tê-los alertados para manter a porra da distância, motivo pelo qual fiz o
caminho sem nenhuma interrupção.
Os quatro apartamentos do primeiro andar estavam vazios, então subi
para o segundo. A raiva crescia à medida que eu checava um por um. Tinha me
transformado na porra de uma babá. Travei o maxilar, puto e alimentando o
desejo de socar meus dois sócios. Da próxima vez, eles que se resolvessem com
a princesinha de Naperville.
No último apartamento do andar ouvi vozes baixas, sussurros e risinhos.
Quem naquele bairro, além dos dois imbecis, estaria às nove da manhã perdendo
tempo com aquele tipo de coisa? A porta velha cedeu ao primeiro empurrão e fui
recebido pelo grito histérico de Ashley, que aproveitou a oportunidade para
cobrir os seios com os braços.
Encarando diretamente o garoto, a paciência por um triz, acusei:
— Foi por isso que colocou a vida dela em risco, idiota de merda? Por
uma foda matinal?
— O que você está fazendo aqui? — questionou ela, virando-se de costas
para vestir a blusa às pressas. — Eu já disse que não preciso de babá! E não
culpe o Jimmy, eu vim porque quis e não porque alguém me influenciou!
— Vocês têm um minuto para se vestir. Caso contrário, vou arrastar cada
um do jeito que estiverem até meu carro — avisei, sem desviar os olhos dos
dele.
— Não vou voltar com você! Nós vamos fugir e começar uma vida longe
de toda essa palhaçada!
Mentalmente, contei até dez e a encarei pela primeira vez.
— Escute, garota, você não vai querer testar a minha paciência. Não
hoje.
Ashley abriu a boca para discutir, mas o tal Jimmy tocou em seu braço,
chamando a atenção dela.
— Vamos, Ash. Depois nós conversamos.
— Mas…
— Faça o que estou pedindo, gatinha.
Senti-me um pouco menos irritado com o idiota. Parecia que sabia o
quão perto meu punho estava do seu nariz. Os dois me acompanharam até o
carro, ambos calados. O caminho até a LTM foi feito em um tenso silêncio,
quebrado somente quando liguei para avisar que a situação estava sob controle.
Sentada atrás da sua mesa, Amanda entregava alguns papéis para
Eveline. Ficaram caladas ao perceberem nossa entrada. Ashley, parecendo criar
coragem ao avistar duas figuras femininas, estufou o peito e me encarou,
questionando em desafio:
— Como nos achou?
— Para a sua sorte, tenho os meus métodos. Se você for a garota esperta
que pensa ser, fique grata por isso e não repita tamanha estupidez — respondi,
preparando-me para subir as escadas e permanecer isolado na minha sala por
alguns minutos.
— Toda essa situação é uma estupidez! — Alterou o tom de voz. —
Tenho quase dezesseis anos, há muito tempo deixei de precisar de uma babá
atrás de mim, para cima e para baixo. Você faz ideia do quanto isso é
embaraçoso? As pessoas me olham, riem e cochicham como se eu fosse uma
aberração! Tenho vontade de morrer todos os dias quando chego na escola com
um troglodita atrás de mim!
Sentindo a impaciência chacoalhar cada osso do meu corpo, subi as
escadas e caminhei até o cofre. Após digitar a senha, peguei o envelope e desci
outra vez, calando as conversas iniciadas pela minha saída. Todos me olhavam
em expectativa.
Tirando três fotos do papel, parei ao lado da mesa de Amanda, onde o
casal imbecil se encontrava.
— Lindsay Moore, estuprada e morta por asfixia, única e exclusivamente
por estar saindo com o chefe da gangue rival. — Joguei a imagem da mulher
morta na superfície de madeira. — Peter Bosh, espancado até a morte e
esquartejado, tornando impossível juntar os pedaços. — A foto foi jogada ao
lado da primeira. — Christopher Malory, torturado, espancado, teve as unhas e
dentes arrancados. E, para dar um recado sobre o que aconteceria a um xis-nove,
eles arrancaram a sua língua. Tudo isso enquanto estava vivo. — Atirei a última
imagem.
Ashley olhava as fotografias em estado de choque. As mãos cobriram a
boca no instante em que o primeiro soluço horrorizado escapava da sua boca.
Jimmy havia empalidecido a ponto de poder se passar por um boneco de cera, os
olhos praticamente saindo de órbita. Ótimo, era para estarem assustados mesmo.
— São essas pessoas que vocês estão subestimando. São desses bandidos
que os trogloditas estão tentando te manter afastada. Foi para isso que o seu pai
nos contratou. — Apoiei as duas mãos na mesa, alternando o olhar sério entre os
dois adolescentes para que compreendessem que não se tratava de uma
brincadeira. — Então, antes de pensar em fugir para qualquer lugar de merda
achando que vai viver a porra de um conto de fadas, desça do pedestal que te
colocaram e encare a realidade, menina. Você não quer uma babá na mesma
intensidade que nós não temos interesse em ser uma. Por isso, vou avisar pela
última vez, ou você leva esse caralho a sério e segue à risca o plano que
montamos, facilitando o nosso trabalho de te mandar a salvo, ou vamos largar o
caso sem qualquer remorso, porque ninguém aqui vai perder tempo tentando
proteger uma garota mimada que não quer ser protegida.
Antes de me afastar definitivamente, vi Ashley inclinar o corpo para a
frente e vomitar.
CAPÍTULO 12
Tragédia Anunciada
Era impressionante a forma que o clima mudou de uma hora para outra.
Passar a véspera de Natal na casa de Rebecca foi, sem dúvidas, uma
experiência inesquecível. A conversa girou entre os mais variados assuntos, mas
a anfitriã divertiu a todos revelando segredos e situações constrangedoras vividas
pelos três rebentos. Há muito tempo eu não ria tanto, relaxada e feliz, quase
sentindo como se fosse parte de algo maior, uma família amorosa e unida.
Descobri que as semelhanças entre Lucy e Laura eram meramente
físicas. Enquanto a primeira exalava energia, parecendo incapaz de ficar quieta
mais que alguns minutos, no limite da civilidade ao emitir opiniões sobre o que
quer que fosse, a segunda era calma, com voz macia, sorriso delicado e
reconfortante. Pensei que seria uma excelente psicóloga, pois possuía a
habilidade de passar confiança com um simples olhar. Simpatizei com ela
imediatamente.
O namorado se mostrou mais retraído, calado, às vezes meio perdido em
meio às vozes animadas, uma se sobrepondo às outras para ser ouvida. Talvez
fosse sua veia europeia. O fato era que os dois demonstravam uma cumplicidade
invejável apesar das diferenças.
Lucy interagiu como de costume, mas notei tensão entre ela e Matt. E
para quem os via sempre dispostos a irritar um ao outro, era estranho presenciar
o afastamento silencioso, calculadamente civilizado. Pensei que era natural,
depois da boate.
A alegria do meu filho, no entanto, foi o que teve o poder de aquecer meu
coração. Ele brincou com Lola a maior parte do tempo, como se só existisse a
pequena cadela no mundo. E, enquanto recebia um brinquedo atrás do outro,
parecia não acreditar que eram, de fato, dele. O ápice da minha noite se deu no
instante em que Luke sentou-se ao lado dele e o ajudou a montar a pista de
carrinhos com obstáculos. Romeo mostrava uma felicidade tão mal contida,
concentrado e absorto na atividade, que precisei usar cada gota de autocontrole
para não chorar feito uma idiota na frente de todos.
Aos três anos de idade, era a primeira vez que meu filho recebia a
atenção absoluta de um homem. Bryan não tinha tempo, paciência ou interesse
em ser pai. Gostava de atuar na frente dos amigos, para sair bem na fita. No dia-
a-dia era bem diferente, a máscara caía.
E então, fui jogada da extrema emoção materna diretamente para um
frenesi sexual intenso, que só Lucas Hayes conseguia despertar. Um beijo na
boca e algumas palavras sussurradas ao pé do ouvido foram suficientes para me
pôr de pernas bambas, ansiosa para chegarmos em casa e permitir que ele
cumprisse promessa por promessa. Eu não era uma mulher que chegava ao
orgasmo com facilidade, pelo contrário, a maioria das vezes não atingia aquele
pico delicioso de prazer. Entretanto, desde a nossa primeira transa, alcançava a
borda com rapidez. Luke sabia onde, como e com que intensidade tocar para me
proporcionar sensações inenarráveis. Era um amante atencioso e nada egoísta.
Fazia questão de dar prazer na mesma intensidade que recebia. Às vezes
inclusive mais.
Enquanto o carro cortava a cidade, Romeo adormecido na cadeirinha,
Lola deitada ao seu lado, descansando o rosto entre as pequenas patas, me dei
conta de que estava quebrando as regras novamente. Jurei não o deixar dormir na
minha casa e, no entanto, estávamos indo diretamente para lá, onde passaríamos
a noite acordados, perdidos nos prazeres da carne. Depois, prometi não permitir
Romeo criar um vínculo com ele, mas vi, de mãos atadas, os dois interagirem
como se fizessem aquilo há anos, na maior naturalidade.
Eu precisava tomar muito cuidado para não me apaixonar perdidamente
por Luke.
Entrei na casa parcialmente escura e fui até o quarto de Romeo. Estava
tão cansado que não acordou quando o coloquei na cama e troquei as roupas
grossas por um pijama confortável e quentinho. Lola nos seguiu até lá, abanou o
rabo para mim e, em um pulo impressionante para uma criatura tão diminuta,
subiu na cama. Cheirou o colchão, deu várias voltas em si mesma e deitou com
as costas coladas às dele. Segundo Luke, a cadela tinha ido ao petshop mais
cedo, de modo que o lacinho vermelho a deixava engraçadinha.
Sorrindo, liguei o abajur e encostei a porta, retornando para sala. Sentado
no sofá, Luke perguntou:
— Lola?
— Perfeitamente à vontade na cama de Romeo.
— Tenho a leve sensação de estar sendo trocado — brincou, levantando-
se para caminhar até mim.
— Não posso negar. Parece que sua cadela não resistiu ao charme do
meu filho — respondi, querendo fazer graça também. — Se servir de consolo,
tenho certeza que ele foi igualmente fisgado pelo charme canino.
Passou um braço na minha cintura, puxando-me para perto.
— Enfim, sós. Vai deixar eu me aproveitar de você pelo resto da noite?
— indagou, abrindo um sorriso safado.
— Só se você fizer o mesmo. — Passei as mãos nos ombros fortes.
— Sou todo seu. — Abriu os braços. — Faça o que quiser comigo.
Soltei uma risada nervosa, sentindo-me excitada e envergonhada na
mesma medida. Sempre foi ele quem tomou a iniciativa e conduziu o ato. Luke
era um homem dominante na cama e aquilo não me incomodava. Não tinha
como incomodar quando o resultado era tão inebriante e satisfatório. Mas era
igualmente atraente tê-lo à minha mercê para fazer o que desejasse.
Na ponta dos pés, aproximei o rosto do seu pescoço, inalando o aroma
gostoso da sua pele. Em seguida, timidamente, passei a língua na região,
imitando o gesto que ele fizera comigo tantas vezes. A respiração de Luke
acelerou, as mãos grandes apertaram minha cintura com força, reagindo com
intensidade às minhas carícias.
Gostei daquilo. Subi as mãos para a nuca, arranhando o couro cabeludo
com as unhas e elevei ainda mais o corpo, alcançando a orelha. Mordi o lóbulo,
beijei, passei a língua e voltei a morder. Fui agraciada com o gemido rouco, a
ereção firme na minha barriga. Deslizei a boca para o queixo, o canto da boca e
mordisquei o lábio macio. Beijei-o com vontade, demonstrando que ele me
deixava louca, que eu o desejava da mesma forma que ele a mim.
Luke soltou um ruído bruto, chupando minha língua como gostava de
fazer, sem nenhuma delicadeza. O meio das pernas latejava, os seios estavam
tesos, os mamilos eretos e pontudos esmagados no peitoral quente. Mesmo por
cima das camadas de roupas, conseguia sentir a alta temperatura do corpo dele.
Sem desgrudar nossos lábios, Luke se impulsionou para frente, obrigando-me a
ir automaticamente para trás. Como chegamos ao meu quarto sem atingir um
móvel ou parede era um mistério.
A porta foi fechada em um baque. Luke girou nossos corpos, invertendo
as posições, e me pressionou contra a madeira branca. Enfiei as mãos por baixo
da sua blusa, arranhando os músculos das costas bem definidos, que se
contraíram involuntariamente. Levantei a barra do tecido, pausando o beijo para
retirá-la por completo. Maravilhada com a visão, espalmei a mão no peitoral,
abaixando a cabeça para distribuir beijinhos por toda a extensão. Ele arfou,
pressionando meu rosto na pele incandescente.
Enrosquei o dedo no cós da calça jeans, tornei a alterar nossas posições e
puxei Luke até a cama. Sentei na beirada, mirando o rosto tenso, maxilar
travado, os olhos escurecidos pelo desejo reprimido. Com as mãos trêmulas, abri
o botão da calça e desci o zíper. Em seguida, abaixei a cueca. O membro duro
despontou na minha direção em toda sua glória. Ansiosa, permiti-me tocá-lo pela
primeira vez.
Ele gemeu alto, agoniado. Fechei a mão ao redor do comprimento,
sentindo-o grosso, grande, quente, muito duro e macio ao mesmo tempo.
Acariciei a carne para cima e para baixo. O corpo inteiro de Luke se retesou,
enrijecendo.
— Caralho, Eveline, você está acabando comigo — grunhiu.
Sorri, sentindo-me poderosa como nunca. De repente, a necessidade de
tirar cada resquício de controle dele era vital. Não gostava de fazer sexo oral,
mas ali, segurando a dureza de Luke nas mãos, observando-o cerrar os olhos e
jogar ligeiramente a cabeça para trás, desejei fazer.
Ele me passava confiança necessária para fazer qualquer coisa e ter a
certeza de que não seria julgada por aquilo. O sentimento de liberdade era
indescritível.
Iniciei beijando a cabeça, pincelando-a com a língua em curtas lambidas.
Incentivada pelos sons de deleite, abri a boca e movi os lábios para frente e para
trás, tomando-o até onde conseguia. O gemido de Luke saiu grosso, torturado.
As mãos ásperas ergueram meus cabelos em um alto rabo-de-cavalo, os
quadris se movendo à procura de profundidade. Minha boca produziu um
barulho seco quando seu pau saiu de forma inesperada. Confusa, busquei seu
rosto, mas, antes de formular qualquer questionamento, a cabeça grossa voltou a
penetrar, esticando meus lábios. Repetiu o gesto inúmeras vezes, sempre
retornando mais fundo, mais rápido.
Eu não era experiente naquela atividade, mas a expressão embriagada no
rosto másculo me disse que estava no caminho certo. Relaxei a garganta quando
enfiou até o limite, esforçando-me para não engasgar. Daquela vez, ao se afastar,
Luke me puxou para cima, agarrou um punhado de cabelo e saqueou minha boca
com fúria.
O inesperado empurrão me derrubou de costas na cama. Arfei, contendo
um gritinho no último segundo, surpresa e excitada. Prendendo-me com o olhar
em chamas, tirou a roupa em rápidos movimentos. Em seguida, ergueu minha
perna para retirar a bota de salto médio, aproveitando para me despir também da
meia. Fez o mesmo com o outro pé. Tão rápido quanto se desnudara, desfez-se
das minhas roupas com falsa calma. A veia da testa protuberante e pulsante
entregava seu verdadeiro estado emocional.
O corpo grande cobriu o meu e, sem aviso, sugou meu mamilo para
dentro da boca, dando início a uma constante sucção, quase dolorosa. Como se
houvesse uma conexão direta entre as duas partes, o estímulo no seio umedeceu
a vagina, que já latejava, antecipando o que viria a seguir. Gemi, acariciando os
cabelos curtos, intimamente desejando que fossem um pouquinho maiores para
os puxar.
Enquanto a língua revezava entre os dois montículos inchados, as mãos
de Luke tocavam todos os lugares, os dedos habilidosos parecendo não se
decidir onde queriam ficar.
— Qual era a sua intenção? Me enlouquecer? — perguntou, mordendo o
mamilo com delicadeza.
— Sim — admiti, ofegante.
A calcinha foi colocada para o lado e seus dedos encontraram a carne
molhada, satisfeito ao encontrá-la preparada. Desceu o pano com impaciência e
arrastou-se pelo colchão, inclinando o tronco para fora da cama até alcançar a
calça jogada no chão de qualquer jeito e, consequentemente, a carteira e
camisinha. Protegeu-se em segundos e voltou à posição anterior.
Afastou minhas pernas, levantando uma coxa até seu quadril, e penetrou-
me completamente em uma estocada firme. Gritei, surpreendida. Não doeu, mas
houve uma pressão grande, a invasão brusca alargando minha carne ao extremo.
Luke calou meus protestos com a boca, aumentando a velocidade das
estocadas, entrando e saindo sem descanso. Entrelacei as pernas ao redor dele,
levantando um pouco os quadris, permitindo uma penetração mais profunda.
Nossos corpos se chocavam, o barulho do encontro mesclando-se aos gemidos
entrecortados.
— Você não faz ideia, Eveline — arfou, encostando o nariz ao meu. —
Não faz ideia como sua boceta é gostosa, quente e apertada. Parece estrangular
meu pau.
Lá estava o palavreado chulo, cru, vulgar, responsável por criar faíscas
internas. Movendo-me para encontrar as arremetidas, arranhei suas costas com
violência, suspendendo o pescoço para plantar uma mordida no ombro.
Precisava fazer alguma coisa para aplacar o fogo que me consumia.
Tentei sair de debaixo dele, contudo, Luke me prendeu com sua força. Na
segunda tentativa, diminuiu a velocidade da penetração, sem pará-la
completamente, e me encarou em confusão.
— Quero ficar por cima — esclareci, repentinamente corajosa.
Os olhos brilhantes adquiriram contornos selvagens. Ele deu espaço,
deitando-se de barriga para cima, e segurou na base do pau para mantê-lo
erguido. Movida pelo tesão, passei uma perna por cima dele, encaixando os
joelhos na cama, um em cada lado do seu corpo. Desci devagar, abrigando cada
centímetro da carne dura dentro de mim. Luke fechou os olhos e jogou a cabeça
para trás, deixando o pomo-de-adão visível enquanto engolia a saliva em busca
de controle. Apoiei as mãos no largo peitoral, acostumando-se com rapidez à
nova posição, subindo e descendo com mais segurança.
— Isso — incentivou, amassando minhas coxas. — Engole o meu pau
inteiro.
Arfei, alucinada com a fricção no clítoris, e desci o tronco, alcançando a
sua boca em um beijo molhado. Luke espalmou minha bunda e, sem que eu
esperasse, deu um tapa firme em uma nádega. Paralisei por uns instantes,
acreditando que a ação traria recordações traumáticas, mas, conforme o pau
continuava a invadir minha boceta e a língua a minha boca, relaxei, suspirando
de alívio. As pernas foram ficando fracas, os tremores intensificando, e gritei ao
receber outra palmada, exatamente no mesmo lugar da anterior. Ardeu e elevou
minha libido à um patamar até então desconhecido.
Percebendo minha dificuldade para me mover, Luke me empurrou para o
lado, empilhou dois travesseiros no meio da cama e disse:
— Agora empina essa bunda pra mim, safada.
Arrastando-me, posicionei-me de bruços como ele pediu, o rosto
repousado no colchão macio, o quadril elevado pelos travesseiros.
— Nunca vou me acostumar à essa visão — confessou, dando um
terceiro tapa ardido na minha bunda.
Quando voltou a estocar, indo torturantemente mais fundo daquele jeito,
gritei, tremendo inteira. Afastou as nádegas, penetrando a carne em brasas sem
dó. Subitamente saiu, dando-me a impressão de vazio. Em seguida, voltou com
tudo, somente para sair outra vez. Ficou nessa brincadeira de tirar e colocar,
esticando-me com a cabeça grossa, frustrando minha busca pelo orgasmo que já
dava sinais.
Apertei o lençol, empinando um pouco mais a bunda, recebendo cada
arremetida com agonia. E então, no instante em que Luke resolveu para de
brincar e retornar às estocadas ritmadas, o formigamento conhecido começou
nas extremidades do meu corpo, evoluindo rapidamente para um orgasmo
arrebatador.
Afundei o rosto na cama, abafando os gritos, enquanto Luke atingia a
própria libertação, todo enterrado em mim, as mãos marcando a pele da minha
cintura.
Ele se retirou, caindo ao meu lado e, gentilmente, retirou os travesseiros
para que eu ficasse mais confortável. Sentia-me incapaz de mexer até os dedos
dos pés, relaxada e lânguida. A mão quente percorreu minhas costas até a
protuberância do traseiro em uma carícia suave.
— Tudo bem?
— Tudo ótimo. Só estou exausta — falei, embolando as palavras.
Luke sorriu, parecendo divertido. Admirei a fileira de dentes brancos
perfeitos.
— Coitadinha. Estamos longe de acabar.
Não tive forças para protestar, avisar que provavelmente dormiria por, no
mínimo, dez horas seguidas. Algum tempo mais tarde, no entanto, Luke me
provou que falava sério e demonstrou que o meu cansaço ficava em segundo
plano quando a perspectiva era o prazer embriagador de estar nos seus braços.
CAPÍTULO 18
Eles Vão Pagar
Lutei para manter os olhos abertos e não ser levada pela inconsciência.
Eu tinha perdido a noção de tempo, não saberia dizer se estávamos ali há
um dia ou dez. Minha garganta queimava feito fogo, a língua parecia ter
triplicado de tamanho dentro da boca ressecada e machucada. Eu mataria por um
gole de água.
Cada músculo do meu corpo estava dormente. As cordas levemente mais
frouxas nas pernas permitiam que eu as movesse sempre que ele não estivesse
por perto. A cabeça agora doía mais forte que antes, consequência da quantidade
de lágrimas derramadas nas últimas horas.
Tentei manter a esperança e segurar o último resquício de positividade.
Vítima de violência doméstica, não achei que presenciar um terceiro apanhando
fosse me alterar com tamanha intensidade. No entanto, observar Lucy ser
golpeada foi ainda pior, porque além da revolta, a impotência fazia eu me sentir
um lixo de pessoa. Aquele tipo de situação fazia qualquer um ter ciência da
própria insignificância.
A mente humana era algo extraordinariamente imprevisível. Enquanto
observava Lucy ao meu lado, machucada e inconsciente, lembrei de um
documentário que havia visto há muito tempo, intitulado O poder da mente.
Durante os noventa minutos de duração, um dos assuntos abordados foi a forma
como o cérebro reagia a situações traumáticas, tanto físicas quanto emocionais.
Em alguns casos ocorria uma espécie de apagão, uma maneira de nos poupar de
grandes sofrimentos. Até aquele momento, nem lembrava de tê-lo assistido, mas
agora só desejava que a mente de Lucy houvesse agido em prol de diminuir o
sofrimento dela, mantendo-a desacordada.
Gabriel Carter estava doente. Sua mente funcionava em uma frequência
alternativa; ele tinha perdido todo o senso de realidade e não adiantava tentar
argumentar, fazê-lo enxergar que estava cometendo um grande erro que mudaria
o rumo de muitas vidas, inclusive a dele. A partir do instante que mostrou o rosto
em vídeo, demonstrou estar disposto a ir até o final, quaisquer que fossem as
consequências.
Ele não tinha mais nada a perder.
Um brilho prateado no chão, a alguns centímetros de Lucy, despertou
meu interesse. Estreitando os olhos para enxergar o objeto, reconheci
imediatamente o pingente de âncora, que evocou a lembrança recente de uma
conversa que nós duas tivemos quando eu ainda estava hospedada na casa de
Rebecca.
— Que colar lindo — comentara, observando a joia que escapava da
blusa folgada. — Tem algum significado ou só comprou por achar bonito? —
Cruzara as pernas, sentada no confortável sofá de Rebecca.
Ela abaixara o rosto, o queixo quase tocando a pele acima dos seios e
sorrira, segurando o pingente entre os dedos.
— Se eu te contar a história por trás dele você vai achar que Luke é um
psicopata.
— Agora fiquei curiosa.
Lucy tomara um gole de vinho e apoiara a taça na coxa.
— Uns anos atrás ele apareceu com dois colares idênticos, um para mim
e outro para Laura. E, como se fosse a coisa mais normal do mundo, avisou
para usarmos sempre porque eles tinham um dispositivo de rastreamento.
Quando me dei conta do que aquilo significava, fiz um escândalo. Aos dezenove
e morando fora de casa há onze meses, estava me sentindo independente demais
para me submeter ao controle paranoico de um irmão mais velho. Luke ficou
possesso, a veia da testa quase saltou, e Laura, aflita entre nós dois, tentava
apaziguar.
Rira, imersa nas antigas recordações. Eu pude visualizar a cena com
perfeição.
— Depois dona Rebecca explicou que três amigos dele caíram em uma
emboscada, foram feitos reféns, torturados cruelmente e assassinados. Os
corpos mutilados foram deixados na estrada, próximo à brigada militar deles.
Luke voltou para casa com o emocional todo fodido, por isso insistiu nos
rastreadores. Como se eu estivesse vivendo em guerra, sob ameaça de ser
sequestrada a qualquer momento. — Revirara os olhos, soltando o pingente que
repousou no vale entre seus seios.
— Que horrível. Posso entender porque ele ficou tão mexido. Não temos
ideia do que aqueles homens passam durante guerra. — Ela concordara,
sorvendo mais vinho. — Mas se detestou tanto o presente, o que ele está fazendo
pendurado no seu pescoço?
— Não é que eu tenha detestado. Achei a âncora bonita, delicada e
significativa. Odiei a sensação de poder ser rastreada, como se alguém estivesse
controlando os meus passos. Então resolvi o problema pedindo para um colega
da universidade desativar o rastreador.
Sorrindo, levara a mão à âncora para vê-la melhor. Era muito linda,
definitivamente um artefato que compraria para mim mesma. A ideia de
permanência e amparo que ela representava era algo que busquei durante toda a
vida.
— Com exceção da triste história que deu origem ao presente, é
realmente lindo — eu havia elogiado. — Espero que você nunca precise mesmo
ser rastreada — comentara, brincando.
— Estou contando com isso.
Bingo!
A nossa última esperança, o milagre que tanto pedi a Deus estava naquele
colar caído, esquecido no chão imundo.
A despeito de Lucy ter garantido que mandara desativar o rastreador,
talvez houvesse um modo remoto de reativá-lo. Pelo menos aquele tipo de coisa
acontecia o tempo todo nas séries de ações policiais que eu assistia, bastava que
um gênio da tecnologia entrasse em ação. E a LTM contava com Jacob
Takahashi, um menino de dezesseis anos que podia até não ser um gênio, mas
fazia milagres com um computador em mãos.
O problema era bolar um plano para entrar em contato com Luke, enviar
pistas nas entrelinhas e torcer para que ele as desvendasse. Provavelmente era
um tiro no pé, mas eu tinha que tentar, porque as nossas vidas dependiam disso.
A oportunidade surgiu horas depois, quando Gabriel retornou Deus sabe
de onde. Movimentei-me de forma estabanada na cadeira, cerrando os dentes
para suportar as pontadas de dor. Tudo doía. Gesticulei com a cabeça para cima e
para baixo, depois para os dois lados, enquanto tentava falar. Ele me encarou
com a expressão indecifrável antes de caminhar em minha direção. Foi difícil
conter o pavor que a sua aproximação causava em mim.
— O que é? Quer falar alguma coisa? — perguntou impaciente.
Afirmei efusivamente, a adrenalina crescendo, dando-me coragem. Eu
era uma péssima mentirosa, todas as pessoas próximas a mim sabiam disso, e o
que estava prestes a fazer me colocaria em um risco altíssimo. Porém,
considerando que ele já decretara a minha morte, não restava alternativa.
O alívio de ter aquele pano retirado da boca foi inenarrável. Passei a
língua nos lábios, que, de tão ressecados, quase a mantiveram grudada neles.
Gemi com a ardência, sentindo rachaduras em toda extensão da pele. Tentei falar
e, evidentemente, nada saiu. Tentei outra vez. Nada. Comecei a ficar
desesperada, sem acreditar que justamente quando havia conseguido uma
oportunidade, as cordas vocais se recusavam a funcionar.
Notando minha dificuldade, Gabriel Carter afastou-se, tirou uma garrafa
de água de algum lugar e voltou para onde eu estava. Após abrir a tampa,
despejou um pouco na minha boca. Quase chorei de alívio. A quantidade nem
chegou perto de saciar a sede atormentadora, mas serviu para aliviar a
queimação insuportável na garganta.
— Tenho um pedido a fazer — rumorejei com a voz grossa, rouca e
distorcida. As palavras pronunciadas pareciam facas me cortando de dentro para
fora.
— E o que a leva a pensar que eu atenderia a qualquer pedido seu? —
Estreitou os olhos, cruzando os braços.
— Nada, mas vou arriscar mesmo assim. Gostaria muito de falar com
Lucas uma última vez. — A desconfiança que tomou seu rosto me deixou
apreensiva, de modo que me apressei em continuar: — Sei que você o odeia,
mas Luke me ajudou e esteve ao meu lado no momento mais difícil da minha
vida e minha alma não ficaria em paz se não o agradecesse de forma apropriada.
— Não foi preciso forçar as lágrimas, elas vieram com facilidade, levando em
conta a fragilidade emocional e física.
— O que está sugerindo, moça? Que você e o filho da puta têm uma
relação além da profissional? — inquiriu com deboche.
Abaixei a cabeça para evitar a resposta, deixando subentendido que ele
estava correto.
Gabriel Carter inclinou o corpo, olhando-me de perto.
— Você está mentindo — afirmou, os olhos crepitando de irritação.
— Juro que não estou! — Apressei-me em negar. — Por que eu mentiria
sobre o assunto, sabendo como você se sente em relação a ele e correndo o risco
de atrair sua fúria para mim?
Enrijeceu o tronco, voltando a ficar de pé e passou a me analisar com
renovado interesse.
— Isso é bastante curioso. Eu investiguei cada detalhe da vida de Lucas
Hayes e sei que ele sai com uma morena gostosa chamada Michelle. Ela não está
aqui porque é uma maldita policial e, correndo o risco de me tornar repetitivo,
não podia arriscar meu plano. Então, senhorita Eveline Perry, está dizendo que
seu querido Luke fode as duas ao mesmo tempo?
Michelle? Quem era Michelle?
Engoli em seco, morrendo de medo dele achar que o estava enganando.
— Não sei quem é Michelle, não sei se é alguém com quem ele se
envolveu antes de mim, mas posso garantir a você que estamos juntos há pouco
mais de um mês — reiterei, tremendo inteira.
O rapaz manteve a seriedade por alguns segundos e, de repente, começou
a gargalhar. De todas as reações, aquela era a que eu nunca esperei partir dele.
Confusa, permaneci quieta, olhando-o enquanto os ombros franzinos sacudiam
pelo ataque de riso.
— Não posso acreditar! — exclamou, levantando os braços para o teto.
— Quer dizer que coincidentemente peguei a namorada do filho da puta
mentiroso também! Que reviravolta sensacional! — Bateu palmas, curvando o
tronco para rir novamente.
Segui calada, aliviada por ele ter acreditado em mim no final das contas.
Quando por fim se controlou, Gabriel limpou as lágrimas, puxou uma
cadeira e sentou-se na minha frente.
— Digamos que, hipoteticamente, eu permita que você tenha a última
conversa com o amado. O que eu ganharia com isso?
Ele era um homem recém-saído da adolescência, mentalmente abalado e
achando-se o poderoso por levar seu plano de vingança à cabo. Gabriel Carter,
como a maioria das pessoas, era vaidoso, então fui diretamente no ego inflado.
— Não sei… — Desviei o rosto, fingindo confusão. — Talvez o prazer
de o presentear com uma triste mensagem de despedida? Ah, meu Deus! O que
estou falando? Luke ficaria arrasado ao receber uma mensagem minha, a culpa
vai corroer o homem por dentro. Esqueça o que eu disse, foi somente um
momento de fraqueza e extremo egoísmo. Prefiro que as coisas permaneçam
como estão.
A diversão abandonou o rosto pálido e ele derrubou a cadeira ao levantar-
se.
— Você o quê? — gritou. — Você prefere? Não dou a mínima para as
suas preferências! Pensei que fosse óbvio quem está no comando aqui. Eu
decido o que fazer. Entendeu?
Era exatamente a reação que eu esperava.
— Desculpe, eu…
— Cale a boca! Estou pensando em uma maneira de fazer isso acontecer
— esbravejou, andando de um lado a outro.
— Mas… Então você vai deixar que eu fale com ele ao telefone? —
arrisquei.
— Que porra de telefone! Um telefonema pode ser rastreado.
Murchei, angustiada com o rumo da conversa. Cheguei tão perto,
acreditei que poderia criar uma oportunidade de Lucy e eu sermos salvas.
Pisquei os olhos úmidos, tentando reprimir as lágrimas.
— Mas um vídeo não. — Voltou a dizer, estalando os dedos. Sumiu para
um canto escuro do cômodo e voltou instantes depois segurando uma câmera, a
mesma usada para gravar seu recado para Luke. — Pense bem em cada palavra
que vai dizer. Se eu perceber que é um truque, que está tentando enviar alguma
dica a ele, você vai receber o tratamento VIP que a irmãzinha está recebendo. —
A ameaça pairou no ar, gelando todos os meus ossos. — Está pronta? Sorria,
você está prestes a ser filmada.
Seria a atuação da minha vida.
Luke não deu notícias naquele dia — e eu não esperava mesmo que
desse, dada a maneira como havia saído de casa. Espiando através da persiana,
observei o carro de Macey parado do outro lado da rua, provavelmente a pedido
do patrão. Mesmo bravo, ele se preocupava com a nossa segurança.
Decidi dar esse tempo a ele. Amanhã, no entanto, eu pediria perdão às
duas pessoas mais afetadas por meu descontrole.
Comecei por Tyler. Amanda me dera o endereço dele e segui de UBER
até lá. Ajeitando Romeo no colo, toquei a campainha, nervosismo e ansiedade
acelerando as batidas do coração. Ele não demorou a abrir, o rosto demonstrando
surpresa ao me ver.
— Bom dia. Desculpa por aparecer sem avisar, mas precisava falar com
você.
— Entre. — Chegou para o lado, abrindo espaço. — Está tudo bem? —
Quis saber, preocupado.
— Sim… Quer dizer, acho que sim. Não sei — falei, toda atrapalhada. —
Não há uma maneira fácil de fazer isso, então vou dizer tudo de vez, está bem?
Ele assentiu, cruzando os braços na frente do peito, a atenção toda
voltada a mim.
— Quero que me perdoe, Ty. Estou muito envergonhada e não vou tentar
me justificar. Mexi em algo que não devia, tirei conclusões precipitadas e depois
resolvi afogar as mágoas no vinho, mesmo sabendo que sou fraca para bebidas.
Você não é capaz de entender como eu sinto muito por ter te envolvido nisso, ter
feito você tomar um soco e brigar com Luke. Eu contei a ele que não foi culpa
sua e sinceramente torço para a minha irresponsabilidade não estremecer a
amizade de vocês.
Ele assentiu, passando a mão no queixo, que ainda estava inchado e
levemente arroxeado.
— Levar um murro não é a minha atividade preferida. Mas entendo o
cara, ele chegou no pior momento e a cena falou por si só.
— Violência nunca é a resposta. Nunca — enfatizei.
— Não é. E Lucas normalmente não é violento, apenas reagiu ao sentir-
se enganado. Eu nunca o vi tão descontrolado antes.
Mirei o chão, sem reposta para a óbvia declaração dele.
— As coisas que contei… Sobre o meu passado. Ficaria muito
agradecida se ficassem entre nós.
— Ninguém vai saber por mim, Eve — garantiu.
Respirei fundo, aliviada.
— Obrigada. — Após curtos segundos de silêncio, me despedi: — O
UBER está me esperando.
— Torço para vocês dois se acertarem — confessou ele, acompanhando-
me até a saída.
— Eu também.
A parte mais simples havia passado. Agora viria o desafio de fazer Luke
ouvir minhas explicações.
Amanda abriu um enorme sorriso ao nos avistar, empurrou a cadeira para
trás e caminhou na nossa direção de braços abertos.
— Eve! Que surpresa maravilhosa a ver aqui. — Trocamos um abraço
apertado. — Esse mocinho parece ter esticado desde a última que te visitei. —
Passou a mão carinhosamente nos cabelos de Romeo.
— Nem me fale. — Sorri, tirando uma mecha do cabelo do olho dele,
que encarava Amanda com timidez. — Às vezes tenho a sensação que vou
acordar e perceber que ele já saiu de casa para morar sozinho.
— Entendo completamente. A minha mais velha vai fazer doze e parece
que foi ontem que descobri a primeira gravidez.
— É verdade. Amanda — chamei, pigarreando para ganhar coragem. —
Luke está ocupado? Queria conversar com ele.
— Está lá em cima, na sala dele.
— Você pode dar uma olhada rápida em Romeo? Eu não vou demorar —
pedi.
— Claro — aceitou, pegando-o no colo. — Vai tranquila.
Se ela percebeu o meu desconforto e nervosismo, teve o discernimento
de não comentar nada, atitude pela qual me senti imensamente grata. Subi as
escadas com as pernas trêmulas. Cheguei em frente à porta verde-musgo
hiperventilando, parecia ter dificuldades para exercer uma atividade tão simples
quanto a de respirar. Alisei a blusa quatro vezes, mexi no cabelo três e pensei em
desistir umas mil. A covardia, contudo, não poderia mais ter lugar na minha
vida.
Bati.
— Entra — a voz grossa respondeu.
Luke mantinha as costas apoiadas na cadeira confortável, alguns papéis
estendidos à sua frente cobriam parcialmente o rosto bonito enquanto ele os lia.
Estranhando o silêncio, abaixou os documentos para me olhar. A expressão
neutra e absolutamente controlada não dava qualquer dica sobre seus
sentimentos.
Momentaneamente paralisada, perdi-me ao encará-lo, absorvendo a força
reconfortante que os olhos castanhos emanavam. Um dia inteiro sem vê-lo,
depois de vários tendo-o a minha disposição por horas a fio, foi suficiente para
despertar uma estranha saudade.
— É bem provável que não queira me ver ou conversar comigo e eu
honestamente entendo. Mas você disse que todos merecem a oportunidade de se
defender, então peço que seja uma pessoa melhor do que eu e me deixe
esclarecer algumas questões antes de bater o martelo. Por favor.
Precisei morder o lábio com força para reprimir o choro. A última coisa
que desejava era passar a impressão de que estava me fazendo de coitada para
despertar a piedade dele. Errei e estava aqui para pedir perdão, isso tinha que
valer alguma coisa.
Assumi seu silêncio como indicação para prosseguir. Cautelosamente,
fechei a porta e dei uns passos para dentro, parando em frente a ele, a mesa de
madeira, alguns metros e a frieza de Luke nos separando.
— Não vou enumerar todos os meus erros, você fez isso com perfeição
na nossa última conversa. Talvez você não leve a sério, mas eu não sou assim,
não costumo agir daquele jeito, não começo brigas e muito menos magoo quem
quer que seja, especialmente se a pessoa for importante para mim. — Segurei
meus olhos nos seus, esforçando-me para fazê-lo perceber a verdade em cada
palavra. — Nós dois estivemos escondendo coisas um do outro nos últimos dias,
provavelmente por razões diferentes. Quando tentava convencê-lo a me deixar
gravar aquele vídeo, Gabriel Carter quase não acreditou no nosso envolvimento.
Ele me contou que havia investigado a sua vida e sabia que você saía com uma
policial chamada Michelle.
O único indício de que estava me ouvindo foi uma leve ruga formada na
testa. Fora isso, Luke continuava quieto, as mãos sustentando os papéis,
olhando-me.
— Depois que escapamos, a informação desapareceu da minha memória
— prossegui. — Foram tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo… — Fiz
uma pausa, secando as mãos molhadas de suor na blusa. — Isso até ler as
malditas mensagens e me deixar levar pelo ciúme. E eu sei que não tinha o
direito de me sentir assim, afinal você nunca prometeu exclusividade.
Como o silêncio dele persistiu, girei o corpo até ficar de lado para ele e
olhei para o teto, respirando fundo, recusando-me a chorar naquele momento.
Iria até o final e caberia a Luke decidir se eu merecia uma segunda chance ou
não.
Abaixei outra vez a cabeça e voltei a fitar o rosto esculpido em controle.
— Desculpe-me por tudo. Não quero que pense que sou uma mulher
leviana e traidora.
— Não acho que você seja — falou pela primeira vez, o tom de voz
baixo. Eu assenti, um pouco mais aliviada. — Mas toda vez que fecho a porra
dos olhos, vejo você e Tyler se beijando.
— Não foi culpa dele. — Apressei-me em assegurar. — Eu…
— Eu sei — interrompeu. — E não faz diferença saber. — Ele levantou-
se em um impulso e ameaçou sair da sala, perturbado. — Não posso me
concentrar nisso agora.
Concluí que, por mais que se esforçasse para compreender minhas
atitudes, Luke teria sérias dificuldades para alcançar o objetivo. Para que
entendesse verdadeiramente as inseguranças e motivações que me levaram a
quase entrar em uma estrada sombria, ele precisaria me conhecer.
Eu tinha consciência que eventualmente meu passado viria à tona, pois
certos fantasmas, se não fossem espantados, retornavam para te assombrar. Só
não esperava que seria tão cedo. O coração martelou no peito.
Havia duas escolhas muito claras. Deixava as coisas como estavam e
assumia o risco de acabar aquele relacionamento antes mesmo que começasse ou
contava a ele a parte da minha vida da qual mais me envergonhava.
Era sempre muito difícil expressar em voz alta os anos de humilhações e
fraqueza. Enquanto mantivesse as recordações aprisionadas dentro de mim,
poderia fingir que nunca existiram. Mas precisava tentar. Porque cada partícula
do meu corpo gritava que Lucas Hayes valia a pena.
— Vivi durante anos em um relacionamento abusivo — soltei, antes que
perdesse a coragem.
Ele estacou onde estava, a mão encobrindo a maçaneta da porta.
Ouvir uma das minhas teorias sobre o passado dela ser confirmada me
paralisou.
Os segredos que os olhos azuis escondiam, o buraco de três anos no
currículo desde a formatura até a entrevista de emprego, aqui, nessa exata sala, o
estranho pedido para receber o salário em espécie e a escassez de informações
pessoais, quando a maioria das pessoas adorava falar sobre si mesmas, me
alertaram e eu criei inúmeras hipóteses que justificassem aquele comportamento
evasivo.
Soltei a maçaneta e virei para encará-la. Eveline estava visivelmente
fragilizada, embora tentasse manter uma pose de confiança, queixo erguido e
coluna ereta. De braços cruzados, esperei que prosseguisse com o relato.
Era a hora de ouvir.
— Eu conheci o pai de Romeo no último ano de faculdade. Fui criada em
um orfanato católico cheio de regras religiosas, depois não tive boas
experiências nos lares adotivos para onde me enviaram, então eu era
naturalmente uma mulher inexperiente para a idade. Ele foi se aproximando aos
poucos, usando a única matéria que pegávamos juntos para puxar papo, até que
me chamou para sair. Fiquei indecisa, com receio de aceitar e passar vergonha
por não saber como me comportar em um encontro, afinal nunca tinha ido em
um, mas, ao mesmo tempo, me senti lisonjeada por um cara mais velho e
aparentemente responsável se interessar por mim. Acabei aceitando.
“Depois de seis meses de namoro, ele se formou e eu engravidei. Bryan
se mostrou empolgado e feliz com a ideia de ser pai a ponto de me convidar para
morar com ele. Não me lembro de quando os abusos começaram, mas sei que
foram sutis, algumas respostas atravessadas e grosseiras. Em seguida vieram os
ciúmes, as opiniões sobre minhas roupas, com quem eu deveria ou não sair e
manter amizade. Me convenceu a ficar a gravidez e o primeiro ano da criança
em casa, me dedicando exclusivamente ao bebê. Algumas agressões psicológicas
e não demorou para o primeiro tapa chegar.
“Àquele ponto, ele havia me afastado de todo mundo, me colocado em
uma bolha onde só havia nós dois e mais ninguém. Me isolou para que eu não
tivesse a quem pedir ajuda. E, de alguma maneira, me convenceu de que a culpa
das agressões era minha. Eu sempre o provocava, olhava tempo demais para
algum homem na rua, falava o que não devia, emitia algumas opiniões na frente
dos seus amigos. Tudo que eu fazia era motivo para irritá-lo. Minha confiança e
autoestima foram tão abaladas que comecei a acreditar que ele tinha razão.
“Mudei o comportamento e jeito de ser para agradá-lo, anulei a minha
personalidade e, aos poucos, deixei de ser eu mesma. Olhava o reflexo no
espelho e não reconhecia a mulher triste, abatida, submissa e sem perspectiva
alguma. Vivia única e exclusivamente para o meu filho, só ficava feliz ao lado
dele, o amor de Romeo refletia luz em meio ao breu absoluto. E gostaria muito
de dizer a você que, de repente, cansei daquela merda e decidi dar um basta.
Acabei me acostumando.
“Mas um dia Bryan gritou com Romeo. No outro, apertou o braço do
menino tão forte que os cinco dedos dele ficaram marcados na pele. Foi só ali
que realmente acordei e me dei conta do que acontecia ao meu redor. Entendi
que não havia chances de sujeitar meu menino ao comportamento violento do
pai. E então o deixei.”
Ela finalizou o relato aos prantos. Incapaz de continuar mantendo
distância, alcancei-a em poucas passadas e a abracei. Eveline retribuiu e me
agarrou como um bote salva-vidas, retorcendo minha blusa entre os dedos,
enquanto escondia o rosto no meu peito.
Paradoxalmente, uma fúria gelada me percorreu por inteiro. Ansiava por
fazer o filho da puta sofrer da forma mais cruel possível. Eu abominava uma
caralhada de coisas na vida, mas poucas me tiravam do eixo como os covardes
que se aproveitavam dos vulneráveis.
— Não contei para te fazer sentir pena de mim. Mas talvez agora você
compreenda porque fiquei tão insegura com aquelas mensagens. O único
relacionamento que tive foi desastroso, Luke, e ainda luto todos os dias para
combater as sequelas que restaram. Desculpe por ter te comparado a ele, saiba
que os dois não podiam ser mais diferentes.
— Eu sei. — Afastei sua cabeça de mim, ergui o queixo delicado e passei
os dedos no seu rosto, limpando as lágrimas. — Agradeço por ter confiado em
mim para contar sua história.
Eu estava consciente de que faltavam várias peças para o quebra-cabeça
estar completo. Eveline não revelara tudo e eu tinha várias perguntas rondando a
cabeça, mas não era a hora certa.
Durante o sequestro, enquanto ainda não fora possível descartar nenhum
suspeito e Gabriel Carter não assumira o crime, eu havia solicitado uma
investigação mais aprofundada sobre o pai de Romeo.
Enquanto voltava a abraçá-la, alisando as costas delgadas com as mãos,
pensei que Eveline me dera o gás necessário para retornar a atenção àquele
ponto.
Havia chegado o momento de descobrir quem diabos era Bryan Allen.
CAPÍTULO 27
Resiliência
Minha esperança de que tudo voltaria a ser como antes foi dissipada
quando Luke não voltou para casa na noite de ontem. Sequer telefonou. Havia
dois dias que não pisava os pés aqui e certamente a minha presença era a razão
para o afastamento.
O depoimento deles aconteceria hoje e eu queria estar presente para
prestar apoio e gratidão, mas não havia sido convidada.
As horas pareciam se arrastar, zombando da minha ingenuidade. Estava
claro que ele não conseguira me perdoar. E, se por um lado aquela constatação
me deixava triste, por outro tinha a consciência limpa por ter me desculpado.
Definitivamente não iria me humilhar. Doeria, mas eventualmente superaria.
A mente traidora ameaçou fazer suposições sobre o lugar em que ele
passara as duas noites, mas afastei os pensamentos venenosos sem dar chance
para a semente do ciúme criar raízes outra vez. Tinha cometido um erro e
aprenderia com ele; eu o usaria para amadurecer.
Permanecer na casa dele já não era uma opção. Se Luke estava evitando a
própria residência para ficar longe de mim, nada mais justo do que devolver sua
privacidade. Fisicamente recuperada, já era capaz de voltar à minha rotina sem
maiores problemas.
Enquanto Romeo assistia a um desenho animado na tevê, arrumei nossas
coisas e no final da tarde estávamos prontos para ir embora. Meu coração pesava
no peito, a velha sensação de haver um bolo na garganta impedindo-me de
respirar normalmente. Sentia-me machucada, culpada e alquebrada. No entanto,
colaria todos os cacos novamente, como sempre fiz, como sempre faria dali em
diante.
Eu me faria inteira novamente.
Enquanto esperava o transporte chegar, aproveitei para reabastecer os
potes de Lola com água e ração. A pequena cadela andava ao meu redor, ansiosa
e desinquieta, parecendo pressentir nossa partida. Desejei levá-la conosco, mas
não podia simplesmente fazer isso sem o consentimento do seu dono. Bastava ter
lido as mensagens sem a permissão dele.
Com um pouco de dificuldade, consegui apoiar uma mochila em cada
ombro e segurar Romeo com o braço direito. Lola soltou dois latidos quando
alcançamos a porta e aquilo foi o alerta para meu filho perceber que iríamos
embora sem a cadela a quem ele se afeiçoara com tamanha intensidade nos
derradeiros dias.
— Lola — Romeo chamou, apontando o indicador para ela. — Não.
Não! — Contorceu-se no meu colo com o intuito de escapar. — Não, mamãe!
Lola! — gritou, começando a chorar.
Àquela altura, as minhas próprias lágrimas escorriam. Fechar a porta e
deixá-la sentada aos pés do sofá, encarando-nos fixamente em desolação, foi
uma das piores coisas que já fiz em vinte e seis anos de vida. Romeo gritava e se
debatia tanto que quase não pude entrar no carro. Não dei importância à
expressão de confusão no rosto do motorista. Não precisava e nem queria lhe dar
explicações.
O caminho foi turbulento em todos os níveis. Consolei meu filho, que
não parou de chorar um segundo sequer; os olhos avermelhados me encaravam
com explícita acusação. Chorei junto, bastante abalada. Deus! Eu só pedia por
um período de paz. Sem preocupações, medos e dores.
A casa parecia diferente. Estava tudo no mesmo lugar que deixei, embora
parecesse que eu não entrava ali há meses e não há pouco mais de uma semana.
Organizei as roupas nos seus devidos lugares, dando tempo para Romeu e eu nos
recuperarmos da dramática separação.
Antes de dormir, enviei uma mensagem para Lucy informando-a que
estava de volta à minha casa e pedindo para alertar o irmão sobre os cuidados
com Lola. Ela me ligou minutos depois, mas não atendi. Não queria conversar
com ninguém, precisava ficar quieta no meu canto para lamber as feridas com
dignidade.
Passei a noite em claro.
Percebi que havia algo errado assim que entrei em casa, após passar
metade da madrugada bebendo com Matt.
Deitada no sofá, Lola levantou a cabeça em reação à minha chegada,
olhou-me e voltou a apoiar o queixo sobre as patas dianteiras. Sem latidos, rabo
abanando e lambidas no rosto. Que porra estava acontecendo?
A sala impecável, como nunca esteve antes de Eveline, passava a
impressão de um lugar desabitado. Joguei as chaves e carteira no aparador e fui
até o quarto. A cômoda respaldava somente minhas próprias coisas, sem o
exagerado número de cremes e perfumes femininos. Na suíte não havia mais
shampoos e hidratações no balcão, nem a toalha pendurada no gancho próximo
ao box ou a escova de dente junto a minha.
Não avistei nenhum brinquedo infantil durante a breve inspeção na
residência.
Eles foram embora.
Voltei à sala e me acomodei ao lado de Lola no sofá depois de conectar o
carregador ao celular. A apatia da cadela agora estava explicada. Ela também se
adaptara ao ambiente mais cheio, tanto de barulho quanto de vida. Afaguei a
orelha peluda e ganhei uma breve lambida na palma da mão.
Eu sei, garota. A casa não era a mesma sem eles.
Há anos morava sozinho e me sentia absolutamente satisfeito com a
minha própria companhia. Então, em uma semana, duas pessoas se apropriaram
de cada cômodo do meu lar com uma intensidade tão alarmante que não existia
um só canto do lugar que não evocasse lembranças deles.
Meu celular começou a tocar no instante que foi religado. Meio zonzo e
bêbado, levantei desanimado para atender.
— Até que enfim! Onde estava? — A voz de Lucy, vários tons mais altos
do que meus ouvidos sensíveis suportariam, exclamou.
— Estava com o celular descarregado desde ontem — esclareci. — Boa
madrugada para você também, querida irmã — completei com ironia.
— Boa madrugada o caralho. O que está acontecendo, Luke? Por que
Eveline pediu para eu te avisar que voltou pra casa?
— Não sei. Como você deve desconfiar, ela não deixou nenhum bilhete
de despedida. — Talvez houvesse um pouco de amargura na frase.
— Seja lá o que tenha feito de errado, conserte!
— Como tem tanta certeza que fui eu?
— Você é homem — elucidou, como se aquilo explicasse tudo.
— Vou resolver — garanti.
— Acho bom mesmo. Ela é uma amiga muito querida e eu ficaria muito
puta se nos afastássemos por alguma babaquice sua. Tenha um bom dia. — Sem
me dar tempo de devolver o cumprimento mal-educado, desligou.
Deitei no sofá, sem vontade de encarar o quarto vazio. Certamente os
lençóis exalariam o cheiro gostoso e cítrico do shampoo e o arome suave do
perfume floral. Seria torturante ficar envolto de lembranças sem o corpo macio e
delicado aconchegando-se a mim.
Eveline tinha escapado hoje, mas em breve teríamos uma conversa
definitiva. Porque eu odiei a sensação de ser um estranho na minha própria casa.
CAPÍTULO 28
Se conselho fosse bom não se dava, se vendia
— Puta que pariu, Eveline! Você é burra? — exclamou Lucy com a voz
bastante alterada.
Não era a frase que eu esperava ouvir ao terminar de contar a ela os
últimos acontecimentos. Pensei que se revoltaria com o irmão, não comigo.
— Eu?! Por quê?
— Você não devia ter ido embora desse jeito, criatura.
— E o que você queria que eu fizesse, Lucy? Ficasse na casa de um
homem que aparentemente não consegue dividir o ambiente comigo?
— Pelo amor de Deus, mulher! Meu irmão está apaixonado por você.
Minha cabeça começou a girar com aquela informação. Tentei obrigar o
coração a não se empolgar com as palavras incertas, mas o traidor não me deu
ouvidos e começou a sambar no meu peito.
— Acho que não escutou a mesma história que contei — rebati. —
Entendeu que fui até a LTM, abri uma parte do meu passado para ele, pedi
desculpas e Luke dormiu fora na mesma noite? Que ele não apareceu para me
falar como foram os depoimentos? Que sequer ligou?
— Homens são seres idiotas que não sabem lidar com o ego ferido, Eve.
Luke pode até ser mais evoluído que a maioria, mas continua tendo o
cromossomo Y no seu DNA.
Provavelmente eu havia nascido com algum problema também, pois me
tornava a maior tapada quando o tema era relacionamento amoroso. Enquanto
Lucy afirmava com uma certeza perturbadora os sentimentos de Luke por mim,
eu nem desconfiei que ele pudesse sentir-se daquele jeito. Sabia que não era
indiferente a mim, mas estar apaixonado era outra história.
— Como vo… — Pigarreei, limpando a garganta subitamente ressecada.
— Como você chegou a essa conclusão?
— São tantos sinais, amiga. Ele se envolveu com você, mesmo sendo
veementemente contra manter relação pessoal com funcionários. Depois levou
você e o seu filho para casa. Sabe quantas vezes uma mulher ficou hospedada lá?
Segundo dona Rebecca, fonte confiável e diretamente interessada na nossa
procriação, um total de zero. Então o homem, que normalmente é calmo, frio e
calculista perde as estribeiras e soca um dos melhores amigos porque pegou
vocês dois se beijando. A propósito, o Ty beija bem? Sempre tive essa
curiosidade. Com aquele jeito caladão, todo misterioso… Deve ser uma loucura!
Não sei a razão, mas sempre achei que ele faz o tipo Christian Grey, só que em
uma versão melhorada, sem aquela loucura psicótica do bilionário, é claro. Será
que usa uns chicotes e algemas nas mulheres?
— Foco! Foco, pelo amor de Deus! — implorei, quase sem poder
acompanhar as bruscas mudanças de assunto.
— Já que fez a merda, o que custa matar a minha curiosidade?
— Nem foi um beijo de verdade! — confessei exasperada. — Não teve
língua, foi praticamente um selinho demorado. Não faço ideia se ele é um tarado
que gosta de praticar BDSM. Podemos voltar ao que interessa, por favor?
— Você é inacreditável. — Negou com a cabeça, decepcionada. — Se
era para ter causado toda essa confusão, beijasse direito pelo menos.
Lucy estava sentada na cama, as costas apoiadas em dois travesseiros.
Um dos olhos seguia inchado, a coloração da pele ao redor esverdeada, mas já
não ficava fechado como antes. A mão permanecia imobilizada, recuperando-se
da fratura, e não aparentava sentir tanta dor nas costelas. Mesmo feliz pela
evolução física dela, tive vontade de sacudi-la até que parasse com as divagações
desnecessárias.
— Bela amiga, você — acusei, cruzando os braços. — Gosta de ver o
circo pegar fogo.
— Sempre tive tendência à piromania, não me culpe. — Quando estreitei
os olhos com irritação, ela riu. — Ok, ok, estressadinha. Concluindo o raciocínio
sobre Luke, um homem não faz coisas do tipo se não estiver levando a mulher a
sério. O que mais ele poderia ter feito para te mostrar isso?
— Não sei. Falado, talvez? — questionei irônica.
Lucy riu outra vez, gesticulando a cabeça. Não gostei do olhar
condescendente que me dirigiu.
— Algumas pessoas simplesmente não são boas com as palavras. Nós
dois, na verdade nós três, porque Laura também é um pouco fechada, e olha que
fomos criados por uma mãe expressiva até demais, não costumamos demonstrar
sentimento com palavras. Dificilmente você irá me ver fazendo declarações de
amor por aí. Por outro lado, faço o possível e impossível para ajudar aqueles que
amo. O segredo está nas atitudes, amiga. Concentre-se nelas e verá o que estou
falando.
As palavras dela causaram reflexão em mim. Cheguei à conclusão de que
preferia receber demonstrações de afeto através de gestos, pois as palavras nem
sempre traduziam a realidade. Às vezes as pessoas diziam as coisas por dizer,
enquanto as ações dificilmente eram motivadas por questões escusas. Quem tem
boca vai à Roma.
— Você tem razão. Sempre vemos em filmes e livros as pessoas
demonstrando amor através de grandiosos gestos, acabei internalizando esse
padrão. Na sua opinião, o que eu devo fazer agora?
— Colocá-lo contra a parede até ele se declarar.
— E como vou fazer isso?
— Seduzindo-o, é claro.
O brilho diabólico que tomou os olhos verdes me causou arrepios.
— Sinto muito te desapontar, mas não levo o menor jeito para esse tipo
de coisa. De verdade, sou péssima. Pior que péssima.
— Meu bem, toda mulher tem uma veia sedutora dentro de si. Algumas
apenas não se deram conta disso. Estou entediada pra caralho, louca para voltar a
trabalhar, minha mãe não me deixa nem levantar da cama, então vou esquecer
que é do meu irmão que estamos falando e te ajudar.
Que Deus me ajude!
Um plano de Lucy…
Salve-se quem puder!
O prelúdio para que não saíssemos aquela noite ocorreu quando torci o
pé descendo as escadas de casa. Soltei um palavrão, mordendo a boca por conta
da dor aguda. Luke sustentou o maior peso do meu corpo e perguntou se estava
tudo bem. Como não queria estragar nosso jantar, respondi que sim e caminhei
mancando até a picape.
Eu havia passado a tarde inteira em um SPA, recebendo um tratamento
de rainha. Fiz sauna, as unhas dos pés e das mãos, hidratação no cabelo, recebi
uma massagem relaxante e experimentei, pela primeira e última vez, uma
depilação à brasileira. Luke ficava maluco quando eu me depilava, de modo que
me empolguei com a possibilidade de surpreendê-lo. A técnica era conhecida
mundialmente e muito procurada, por isso a escolhi sem pensar duas vezes.
Maldita ignorância!
Mas quando a mulher passou uma camada da cera quente nos meus pelos
pubianos e deu o primeiro puxão, pensei que fosse morrer. Quase gritei
histericamente. Respirei fundo, com a vã esperança de que somente a primeira
vez seria tão dolorosa. A segunda se mostrou igualmente torturante. Em
determinado momento, pensei que minha vagina fora arrancada. Por puro
orgulho e com lágrimas nos olhos, aguentei até o final, mordendo tanto o lábio
que arranquei sangue.
Então, a torturadora que se autointitulava esteticista pediu que eu ficasse
de bruços. Entrei em pânico quando minha bunda foi aberta e o creme pegajoso
espalhado pela região. Passei os minutos seguintes xingando o maldito que
inventara aquela porcaria, xingando Lucas por gostar de boceta depilada e me
xingando por haver me submetido ao tormento de forma espontânea.
Foi a primeira vez que gastei dinheiro com algo que queria, mas não
precisava. Era bom se presentear de vez em quando, se permitir realizar
pequenos desejos, mesmo que aos olhos de outras pessoas eles parecessem
idiotas. Fiz principalmente por mim, mas também queria estar linda para o
primeiro jantar fora como casal.
Luke me convidara na quarta-feira, depois de fazermos amor. Ele
comentara que se dera conta que nunca saíamos e precisávamos mudar aquilo.
Deixei Romeo e Lola com Rebecca, que se mostrou entusiasmada com a
possibilidade daquela noite lhe render um neto. Se a mulher usasse a fé para
pedir um bebê, o filho dela precisaria colocar três preservativos para garantir que
a prece não seria atendida.
O segundo sinal de mau agouro fora a forte chuva que nos pegou no meio
do caminho. Foi estranho porque o céu estava limpo, embora fizesse muito frio,
e subitamente a água começou a cair de forma torrencial, dificultando a
condução do veículo. Luke murmurara um palavrão enquanto ligava o limpador
do para-brisa. Meu tornozelo ainda latejava um pouco, mas fiquei calada.
O terceiro aviso fora o barulho seco; o carro pendera para um lado e
Luke descarregara outra série de palavrões, jogando o veículo para o
acostamento.
E aqui estávamos, no meio de uma tempestade, no acostamento de uma
estrada deserta, com o pneu do carro furado.
— Vou descer para trocar — avisou, abrindo a porta do automóvel.
— Nessa chuva? Não é melhor esperarmos aqui dentro até diminuir?
— Não é uma boa ideia ficar aqui. O clima está dificultando a
visualização da pista e, mesmo no acostamento, algum desatento pode não nos
enxergar e bater.
Travei o maxilar, tensa e amedrontada. Outro acidente automobilístico
seria demais para a minha mente superar.
— Tome cuidado. — Passei a mão no cabelo curto, antes que ele saísse.
— Fique tranquila, vai ser rápido. — Deu-me um selinho, pegou uma
lanterna do compartimento em frente ao meu banco e sumiu no breu da noite.
Quando a porta foi ligeiramente aberta, o vento gélido e uns respingos da
chuva abaixaram a temperatura do interior do carro. Abracei meu próprio corpo,
sentindo frio mesmo com o aquecedor ligado. Estiquei o pescoço para trás,
tentando vê-lo, mas os vidros embaçados não permitiram. Alguns minutos
depois, percebi luzes vermelhas e azuis piscando à frente.
Graças a Deus!
A polícia certamente ajudaria Luke a trocar o maldito pneu e as luzes
fortes alertariam os outros motoristas sobre a nossa presença, evitando qualquer
batida. Sentia o pé inchado dentro da bota e só queria ir para casa, colocar uma
bolsa de gelo no tornozelo, tomar uma enorme xícara de chocolate quente e
dormir com o corpo de Luke abraçando o meu.
A viatura se aproximou e foi parando até emparelhar com a picape.
Depois ouvi vozes, mas o barulho da chuva não me permitia compreendê-las
perfeitamente. Desci o vidro alguns centímetros para escutar melhor.
— … Não é incômodo algum. Meu parceiro e eu fazemos questão de
ajudar — uma voz feminina e rouca falou.
— Está escorregadio demais, não consigo firmar a mão para girar essa
porra — Luke respondeu.
Portas foram abertas, fechadas e então eu ouvi a seguinte frase sair da
boca do meu namorado:
— Valeu, Michelle. Você sempre chega na hora certa.
Michelle?
Michelle?!
Aquela Michelle?
E eu, ingênua, achando que a noite não podia piorar.
Mesmo sem ter noção de como trocar um pneu, levei a mão até a trava e
abri a porta, sem me importar com o vento congelante, nem as gotas geladas da
chuva.
Finalmente eu conheceria a detetive gostosa.
Até meus ossos congelaram ao deixar o abrigo protegido e quentinho do
carro. Os pingos da chuva chegavam a incomodar quando batiam na pele. Meu
queixo começou a tremer e segurei um gemido pela dor chata que percorreu meu
tornozelo ao apoiar o peso nele. Luke, ouvindo a movimentação, parou o que
fazia e levantou. Seus olhos se estreitaram e me encarou irritado.
— O que está fazendo aqui fora?
— Quis saber como está indo — menti, apertando os dentes para proibi-
los de trincarem. Que frio!
— Volta para o carro. Vai acabar ficando doente — disse, aumentando a
voz para ser ouvido por cima dos ruídos ao nosso redor.
Ignorando o comando, aproximei-me dos três. A mulher próxima à
viatura tinha um guarda-chuva sobre a cabeça e me olhava fixamente. Seu
colega ajudava Luke a trocar o pneu furado. A primeira coisa que notei sobre ela
foi a indiscutível beleza. Mesmo no escuro, vi o cabelo preto, longo e volumoso.
Vestia roupas de trabalho essencialmente masculinas, mas que de uma maneira
estranha, caíam muito bem nela.
A filha da mãe parecia a Penélope Cruz! Não era justo!
— Eveline. — A voz de Luke penetrou o meu nevoeiro de pensamentos.
— Vou pedir mais uma vez, volta para o carro.
Estava prestes a concordar e me isolar no conforto do veículo para
remoer a insegurança que ameaçava tomar conta quando ela se aproximou
rapidamente.
— Aqui. Cabemos nós duas. — Sem esperar consentimento, encaixou-
me embaixo do enorme guarda-chuva junto a ela.
A repentina proximidade me deixou bastante desconfortável, mas não
havia nada que eu pudesse fazer sem que parecesse falta de educação, então dei
um sorriso amarelo e forçado em sua direção. Ela sorriu de volta, parecendo bem
mais confortável com a situação do que eu. Talvez não soubesse da minha
recente relação com Luke.
— Michelle — ela se apresentou, estendendo a mão para me
cumprimentar.
— Eveline. — Retribuí o gesto, achando estranho fazer isso com alguém
que estava com o corpo colado ao meu. Literalmente.
— É um prazer vê-la em melhores condições, Eveline. — Olhou para
baixo. — Notei que está mancando, algum problema com o pé?
Minha cabeça estava rodando, confusa e desestabilizada pelo rumo dos
acontecimentos. Se alguém me dissesse, há uma hora, que eu estaria de pé no
meio de uma estrada deserta, debaixo do maior temporal, conversando
amigavelmente com a mulher que Luke costumava transar antes de me conhecer,
teria gargalhado na cara da pessoa.
Era perturbador a mulher em questão estar sendo tão simpática comigo.
Desci do carro preparada para odiá-la, por mais ridículo que isso soasse, e não
queria que a criatura destruísse os meus planos com sorrisos perfeitos e sessões
de amabilidade. Só podia ser fingimento. Ninguém ficaria tão à vontade na
presença da atual do ex… Ficaria?
Luke repetira enfaticamente que foram apenas transas casuais sem
compromisso. Eu tinha lá minhas dúvidas se aquilo realmente existia. Em minha
opinião, um lado sempre acabava se envolvendo mais que o outro e, no final,
tudo virava uma grande confusão. Quando fui para a cama com ele pela primeira
vez, acreditei que pudesse levar as coisas sem compromisso, mas acabei me
apaixonando em pouquíssimo tempo.
Luke era maravilhoso. Que mulher não se encantaria com ele?
Para afastar a confusão de pensamentos nada saudáveis, concentrei-me
em manter uma conversa aceitável.
— Ah, isso aqui? — Apontei o pé e o movimentei rapidamente para
provar que estava em perfeitas condições, mas precisei fazer um tremendo
esforço para não gritar com a fisgada que senti. — Não foi nada demais, apenas
uma torção besta.
— Quando chegar em casa, coloque gelo para ajudar no inchaço.
— Com certeza farei isso. — Tentei sorrir novamente. — Hã… Não tive
a oportunidade de te agradecer por ter ajudado a nos resgatar. Soube que o seu
apoio foi muito importante.
— Não há de quê. Luke é um amigo querido e de onde eu venho amigos
são para essas coisas.
— Terminamos. — O objeto da nossa conversa se aproximou,
completamente encharcado, livrando-me de continuar aquela conversa esquisita.
— Sem a ajuda do seu parceiro eu teria demorado o dobro do tempo.
— É dever de todo policial prestar auxílio a qualquer cidadão em
necessidade. E tenho certeza que o novato Harris não vai se incomodar com o
uniforme molhado, não é? — Olhou para o homem mais novo que, assim como
eu, fazia esforço para não bater os dentes.
Pobre Harris.
— Não, senhora — ele respondeu de imediato, segurando a lanterna com
as mãos trêmulas.
— Ótimo. Espero que nos encontremos em melhores circunstâncias,
Luke. E novamente, foi um prazer vê-la, Eveline.
— Obrigado, Michelle. Fico te devendo mais uma.
Encontrar em melhores circunstâncias…
— Vamos, linda? — Luke segurou o meu ombro, olhando-me
atentamente.
Concordei, nos despedimos e andamos rapidamente até o automóvel
debaixo da chuva que, apesar de haver amenizado, ainda caía com vigor. O calor
proporcionado pelo aquecedor foi bem-vindo, aliviando a sensação de
congelamento. Luke retirou o casaco molhado, jogando-o no banco traseiro, e
pegou o cobertor que sempre levava para emergências. Depois de esfregá-lo em
mim, retirando o excesso de umidade, usou-o em si mesmo. Os lábios dele
estavam azulados. Eu também tremia muito. Havia sido imprudência minha sair.
Colocou o carro em atividade assim que recuperou os movimentos dos
dedos das mãos. Os primeiros metros foram percorridos em silêncio.
— No que essa cabecinha tanto pensa? — Foi o primeiro a falar.
— Em como tudo deu errado — confessei, optando por uma meia
verdade.
— Essas coisas acontecem.
— Eu sei, mas estava tão animada para essa noite… Nosso primeiro
jantar fora.
— Teremos outros, não fique chateada por isso. — A mão grande, fria e
sem luva apertou minha perna.
Percebi que me direcionava olhares ocasionais, mas forcei meus olhos a
focarem no movimento do limpador de para-brisa.
— Ela é bonita.
Quis retirar as palavras assim que saíram, recriminando-me mentalmente
por expressar aquele pensamento.
— É alguma pegadinha?
— Foi só um comentário, Luke.
— Tudo bem. — Silêncio. — Você quer conversar sobre isso, Eveline?
— Não. Quero. Não sei… Na verdade, nem sei por que eu disse isso em
voz alta, não era um comentário que pretendia externar, principalmente para
você. Só saiu.
— Ok.
Silêncio.
— Só fiquei pensando se aquela comissão de frente é de verdade ou
silicone, porque sinceramente, é meio impressionante. Estava escuro, ela tinha
dois quilos de casaco por cima do corpo e ainda assim consegui vê-los. Parecem
dois melões. Aliás, não responda. — Eu não tinha mais controle sobre minha
boca.
Silêncio.
Luke ligou a seta e parou o carro no acostamento. Tomando cuidado com
meu pé torcido, puxou-me de forma que fiquei sentada de frente para ele, as
costas batendo no volante, um joelho em cada lado do seu quadril. Enfiando a
mão nos meus cabelos, ele me fez olhá-lo.
— Eu não costumo falar as coisas da boca para fora. Cada palavra que
disse a você na academia e na sua casa foi verdade. Michelle e eu tivemos um
rápido envolvimento, ela é uma boa pessoa, passamos momentos agradáveis
juntos, mas não passou disso. Não houve envolvimento sentimental da minha
parte e acredito que nem da dela. Desde que parei de procurá-la, em nenhum
momento tentou entrar em contato comigo ou forçar a barra. Ainda que houvesse
feito, não sou esse tipo de cara. Sou um homem de trinta e três anos, estou longe
de ser virgem e já transei com várias mulheres, gostei de algumas delas. Não
posso apagar o passado, ninguém pode. Mas é com você que estou. É com você
que quero ficar. Confia em mim. Confia em nós dois.
Engoli em seco, sentindo cada palavra atingir o meu coração. Aquele era
Luke, brutalmente honesto e certeiro com as palavras.
— Me desculpa por toda essa insegurança idiota. Estou trabalhando
nisso, tenha só mais um pouquinho de paciência comigo — pedi, a voz trêmula
do choro contido.
— Estamos juntos nessa. Completamente. — Puxou minha cabeça,
encostando as nossas testas.
— Completamente — sussurrei antes de as nossas bocas se encontrarem
em um beijo maravilhoso.
Chegamos em casa pouco depois. Fomos direto para o banheiro e
ficamos por longos minutos embaixo da água quente. Senti alívio imediato
conforme a temperatura do meu corpo alcançava um equilíbrio, o calor levando
embora o frio absurdo e a sensação de congelamento.
Luke nem tentou disfarçar o tesão ao ver o resultado da tortura passada
no SPA. Ele abaixou, apoiou meu pé torcido no ombro e me chupou, arrancando
um orgasmo alucinante em minutos. Depois de estarmos devidamente secos, fez
questão de colocar gelo no tornozelo inchado até diminuir a dor, levou-me para a
cama e me apresentou a várias posições que alguém com o pé torcido poderia
transar sem sentir dor.
Exausta e saciada, antes de pegar no sono pensei que tudo tinha dado
errado naquela noite, mas, de alguma maneira, ela não poderia ter sido mais
perfeita.
CAPÍTULO 32
As Consequências
— Essa foi uma das fortes.
— Sim — concordei, ofegante, as mãos estendidas sobre as dele, que
espalmavam a minha enorme barriga de trinta e sete semanas e meia.
Todas as últimas contrações foram quase insuportáveis. Eu estava há sete
horas em trabalho de parto e com nove centímetros de dilatação. Apesar das
dores insuportáveis, me sentia calma e feliz por aquele momento. Porque…
Lá vem outra!
— Ahhhh! — gritei, curvando o tronco para frente, balançando a água ao
meu redor, sentindo muita dor na parte inferior das costas e região pélvica.
— Respire, amor — Luke sussurrou calmamente atrás de mim na
banheira, as pernas ao redor do meu corpo, massageando minha coluna como
aprendemos nas aulas de preparação para o parto.
O único momento em que o vi nervoso desde que descobrimos a gravidez
foi quando revelei o meu desejo de ter um parto domiciliar. Foi completamente
contra a princípio, enumerando com exasperação todas as coisas que poderiam
dar errado. Depois de compartilhar com ele todas as pesquisas que havia feito,
assistir a alguns documentários sobre o assunto e levá-lo à obstetra, que
explicara o procedimento em detalhes, ele foi se acalmando, aceitando a ideia.
No final, como sempre fizera nos três anos de relacionamento e dois de
casamento, ele me apoiara.
Tudo fora preparado para a chegada do bebê. Contratamos a equipe
médica e a enfermeira obstetra que assistiria o parto me acompanhou durante
toda a gestação. Os móveis da sala foram afastados e uma piscina inflável foi
instalada onde antes estava o sofá.
Luke usou o recipiente para pegar um pouco da água quente e jogar por
cima do ventre avantajado, enquanto tirava os fios de cabelo grudados ao meu
rosto por conta do suor. Outra contração chegou em seguida, tirando-me o ar.
Quando passou, joguei o tronco para trás, apoiando a cabeça no peitoral
firme do meu marido.
— Você está sendo maravilhosa — falou no meu ouvido, acariciando
toda a extensão da barriga com devoção.
Descansei o corpo nele, entrelaçando nossos dedos, confortada e cuidada
como sempre me sentia ao seu lado. Aquele parto estava sendo tão diferente do
de Romeo, em que o momento de júbilo fora atrapalhado pela presença daquele
homem horrível. Sentia-me segura, amada e realizada por saber que ele queria e
esperava o bebezinho tanto quanto eu.
O homem passou nove meses mimando-me além do razoável — fato do
qual você nunca me veria reclamar.
Abri os olhos e o rostinho assustado no corredor me chamou atenção.
— Chama ele, amor — murmurei para Luke, apontando com a cabeça
naquela direção.
Nós havíamos preparado Romeo durante toda a gravidez para aquele
momento. Contamos a ele que o irmão nasceria em casa e o deixamos à vontade
para circular por onde sentisse vontade. Ele decidiria se queria participar do
parto ou não. Aos seis anos de idade, era um menino carinhoso, inteligente e
intuitivo.
A despeito da decisão ser dele, a expressão de angústia no rosto amado
fez doer meu coração.
— Ei, rapaz. Quer vir até aqui e ver como eles estão? — Luke sugeriu.
Aparentemente indeciso, demorou alguns segundos para abandonar a
proteção das paredes e caminhar em nossa direção. Estendi a mão molhada para
ele, que a segurou com firmeza, os olhos idênticos aos meus cheios de
preocupação.
— Por que ele está fazendo a senhora sofrer tanto, mãe?
— Porque ele já está na minha barriga há muito tempo e agora quer sair.
Mas o espaço é bem pequeno, então dá um pouco de trabalho, sabe? — expliquei
com a voz fraca de cansaço.
— Ele não pode sair logo? Já faz horas.
Antes que houvesse tempo de responder, outra contração chegou e puxei
a mão da dele para não esmagar seus dedos. Encolhi-me inteira, prendendo a
respiração, travando o maxilar para não gritar.
— Faz um carinho na mãe para ela melhorar. — Ouvi Luke orientar.
A mão pequena alisou meus cabelos com carinho, inicialmente
hesitantes, mas ganhando confiança com a voz do pai incentivando-o a
continuar.
Patricia Maxell, a enfermeira obstetra, aproximou-se para me examinar.
— Dez centímetros, Eveline — avisou, sorrindo. — Agora é hora de
fazer força.
Luke beijou minha têmpora e eu olhei para o meu filho.
— Você quer ver o seu irmão nascer? Se não quiser, está tudo bem, amor.
Eu não vou ficar magoada.
Ele engoliu em seco e buscou o pai com o olhar. Em seguida, virou para
mim outra vez e assentiu.
— Eu quero.
Surpreendentemente, não demorou. No terceiro empurrão, senti uma
pressão absurda, que ameaçava me partir em duas e, em seguida, meu filho
deslizou para fora de mim. Patricia o pegou com rapidez e o colocou no meu
peito, enquanto a água ganhava tons avermelhados. Quando o chorinho irrompeu
no ambiente, a emoção explodiu no peito e vazou pelos olhos.
Eu olhava maravilhada para o minúsculo corpinho sobre o meu, a visão
embaçada pelas lágrimas.
— Ele é perfeito, Luke — comentei, soluçando.
— Ele é sim, linda — respondeu com a voz embargada.
— Seja bem-vindo ao mundo, meu amor. — Beijei a cabeça quase
careca.
Meu marido fechou os braços ao nosso redor e me deu inúmeros beijos
no rosto. Depois, puxou Romeo para mais perto.
— Consegue vê-lo, campeão?
Como ele não respondeu, levantei o rosto e o encontrei com lágrimas
contidas, o queixo tremendo, emocionado também. Com cuidado, virei o rosto
do bebê para o outro lado.
— E agora, amor?
Romeo deu dois passos à frente e pegou a pequena mãozinha. Os dedos
diminutos se fecharam ao redor do indicador dele, deixando-o maravilhado.
— Ele é pequenininho, mas aperta muito forte, mãe.
Luke e eu rimos do comentário espirituoso. E ao apoiar a cabeça no meu
marido outra vez, fiz uma prece silenciosa em agradecimento Àquele que sempre
me dava forças para seguir em frente.
Obrigada, meu Deus.
— Não machuca, linda? — perguntei, observando a boca ávida sugar o
mamilo com força.
— Apenas no início, mas é uma dor suportável. — Acariciou a fina
penugem escura que cobria a cabeça do bebê.
Era surreal a compreensão de que Eveline segurava nos braços uma
mistura nossa. Surreal e emocionante para um caralho.
A gravidez havia sido planejada. Quando completamos dois anos juntos,
um deles casados, ela parara de tomar o anticoncepcional. Após três meses de
deliciosas tentativas, a menstruação atrasara e um exame de sangue confirmara
as nossas suspeitas.
Ver todas as mudanças pelas quais o corpo da minha mulher passou foi
uma experiência enobrecedora. Junto à barriga dela, crescia a minha adoração
por ter ajudado a gerar uma nova vida.
E para ser honesto, eu não tinha do que reclamar. Eveline ficara muito
mais sensível ao toque, então bastava chegar perto dela para transarmos. Fui
acordado várias vezes com a boca dela no meu pau, ou a bunda gostosa roçando
em mim, provocando-me. Os seios maiores me enlouqueceram, assim como o
traseiro levemente mais arredondado. Nos últimos trintas dias, demos uma
maneirada, mas foram nove meses sensacionais. Por mim, teríamos cinquenta
filhos se ela assim o desejasse.
A gestação avançou de forma tranquila, sem nenhuma complicação. E foi
aquela certeza e a garantia da obstetra que Eveline era uma perfeita candidata ao
parto domiciliar que me fizeram aceitar aquela ideia. E ainda bem que ela
insistira, porque foi absolutamente incrível participar diretamente e ver meu
filho nascer em casa.
Ela estava sentada na cama, as costas apoiadas à cabeceira, alimentando
o bebê. Os cabelos presos e o semblante cansado não tiravam a beleza que os
olhos azuis exalavam. Enquanto para mim foi torturante vê-la sentindo tanta dor,
a mulher permaneceu calma, pacífica e satisfeita.
Quem bradava aos quatro ventos que mulher era o sexo frágil deveria
fazer um favor à humanidade e arrancar a própria língua. Um homem não
aguentaria dez minutos daquilo. Eu não suportaria um.
— Você pode fazê-lo arrotar? — ela pediu quando ele parou de sugar,
ajeitando o sutiã e a camisola.
— Claro. — Levantei, pegando-o no colo com delicadeza. — Descansa,
linda.
— Vou dormir um pouquinho. Qualquer coisa você me acorda? —
Bocejou, acomodando-se na cama.
— Descansa — repeti. Inclinei o corpo e depositei um selinho nela. —
Obrigado por me proporcionar essa experiência incrível.
Ela sorriu, os olhos brilhando de felicidade.
— Eu te amo, Luke.
— Não mais que eu.
Apaguei a luz e fechei a porta do quarto para deixá-la dormir. Depois de
colocá-lo na posição correta, não demorou nada até o forte arroto ser ouvido.
Logo depois, as vozes na sala chamaram minha atenção.
— É verdade, vovó, eu vi! — exclamou Romeo. — Ele saiu da perereca
da minha mãe.
Quase gargalhei ao entrar no cômodo já completamente arrumado e ver o
rosto estupefato da minha mãe, que certamente acabara de chegar para conhecer
o neto.
— Agora não, porque é pequeno, mas quando crescer vou lembrar todo
dia que ele passou a cara na perereca da minha mãe. Eu não fiz isso! Cortaram a
barriga dela para me tirar, então não podem me perturbar.
Não pude mais prender o riso e os dois perceberam a minha presença.
Dona Rebecca arregalou os olhos ao ver quem eu carregava. Levou as mãos à
boca, a emoção cobrindo toda a expressão. Ela parecia congelada no lugar.
— A senhora não quer conhecer seu neto, dona Rebecca? — brinquei.
— Oh, querido! — Mas continuou firme onde estava.
Notando que ela não conseguia se mover, aproximei-me e o passei para
seus braços.
— Meu Deus! Como ele é lindo e perfeito. — Passou o dedo nas
mãozinhas fechadas. — Oi, amor. Sou a vovó e vou estragar você de mimos e
amor.
Lola, deitada no sofá, se mostrava completamente indiferente à chegada
do novo membro à família.
— Eveline está descansando?
— Sim, acabou de amamentar e a deixei dormindo. — Sentei no sofá e
Romeo veio para o meu colo.
— Podemos contar a ela agora? — “sussurrou” no meu ouvido.
— Você quer falar?
— Sim!
— Então vá em frente.
— Vovó, sabia que o nome do meu irmão é Thomas Hayes?
Ela levantou o rosto do neto para o meu, os olhos ameaçando saírem de
órbita.
Nome do meu padrasto. Sobrenome do meu pai.
E no que dependesse de mim, seria um homem tão bom e honrado quanto
os dois foram.
— Que homenagem linda, querido — fungou, claramente emocionada.
— De onde os dois estiverem, sei que estão orgulhosos de você. Quando o vejo
com Romeo, Thomas vem à minha cabeça imediatamente. Vocês não
compartilham DNA, mas possuem muitas características em comum. E o seu pai
também era um homem maravilhoso.
Assenti, a emoção criando um bolo na garganta. Eu era consciente de ser
um homem sortudo por ter nascido em uma família como aquela. E me
orgulhava de estar construindo uma tão especial quanto.
Minha mãe passou o restante do dia conosco, ajudando e babando no
neto. Pouco antes das oito, Romeo tinha uma mochila nas costas, pronto para
passar a noite na casa da avó adorada.
— Querido, fiz comida para vocês. Amanhã volto para ver Eveline e
ajudar no que precisarem.
Abracei-a e beijei o topo da cabeça que não chegava ao meu queixo.
— Obrigada, mãe.
— Amanhã o pessoal vem conhecer Thomas. Estão loucos para vê-lo.
Sorri, imaginando a loucura que se instalaria em casa no dia seguinte.
— Pai, você consegue cuidar da mamãe e do meu irmão sozinho? —
Romeo perguntou, compenetrado e preocupado. — Se precisar de ajuda, eu fico.
O peito encheu de orgulho. Estávamos criando o garoto bem.
— Eu acho que consigo — respondi, bagunçando o cabelo dele. — Se
não der, ligo para você e vou te buscar, mesmo se for de madrugada.
Combinado?
— Combinado.
Trocamos um abraço, ele foi buscar Lola e os três saíram.
A casa caiu em um atípico silêncio. Ativei o alarme de segurança,
desliguei as luzes e fui para o quarto. Thomas dormia tranquilamente no peito da
mãe, todo encolhido e satisfeito. As duas mãos de Eveline repousavam nas
costas dele.
A cena me cobriu de emoção. Tirei os sapatos, deitei no meu lado da
cama e passei o braço ao redor dela, trazendo seu corpo para perto. Minha
esposa se remexeu e apoiou a cabeça no meu antebraço.
E, enquanto meus dedos alisavam o rosto pequeno e rechonchudo,
sentindo a maciez da pele de bebê, uma antiga dúvida foi definitivamente
extinta.
Sim, realmente existia um Deus. E eu sentia a Sua presença naquele
quarto.
LUCY – LIVRO 2 DA TRILOGIA LTM
SINOPSE
Para se livrar de uma família disfuncional, Matthew Baker fez da casa
dos Buttlers o seu verdadeiro lar. Tudo caminhava perfeitamente bem até Lucy, a
caçula do clã, decidir que estava apaixonada por ele.
Matt levou as inúmeras investidas na brincadeira, os dez anos de
diferença entre os dois mantendo-a a uma distância segura. Mas uma noite de
fraqueza mudou as coisas de forma irreversível.
Anos depois, carregando as consequências emocionais de um sequestro
violento e traumático, Lucy está decidida a deixar o passado para trás. Para
tanto, a paixão adolescente que sentira por Matt precisava ser enterrada de vez. E
era isso que faria.
No entanto, por mais que você tente fugir do passado, ele sempre
encontra o caminho de volta. E, nos momentos de dificuldades e surpresas
impostas pelo destino, de uma maneira improvável, eles encontrarão o apoio
necessário um no outro.
UMA PRÉVIA DO QUE VEM POR AÍ
Naperville, Illinois, abril de 2011.
Meu estômago reclamou pela terceira vez no último minuto. Tentei
ignorá-lo, mas a fome já causava dor na barriga. O relógio marcava duas e cinco
da manhã. Suspirando, tirei apenas o fone de um dos ouvidos, prendi o IPod à
calça do pijama e levantei na cama.
Como minha mãe estava fora há dois dias, acompanhando uma amiga
recém-operada, provavelmente eu só encontraria uma caixa velha de cereal na
cozinha. No máximo, se estivesse com sorte, haveria um pedaço de pizza na
geladeira.
Todo mundo sabia que eu era um completo desastre culinário ambulante,
até os meus ovos mexidos conseguiam ficar com consistência e gosto duvidosos.
Laura dizia que eu era a vergonha da família naquele quesito. Até Luke se saía
melhor que eu, mas quando conseguia as raras folgas do exército, cozinhar não
entrava na lista de prioridades dele.
Dona Rebecca havia preparado uma quantidade de comida que
normalmente duraria uma semana ou mais. Com meu irmão e os amigos em
casa, no entanto, tudo tinha acabado em vinte e quatro horas. Os brutamontes
consumiam em uma refeição o que eu levava três dias completos para ingerir.
Atravessei o comprido corredor que levava às escadas e, antes de descer
o primeiro degrau, pensei ter ouvido alguma coisa. Tensa, tirei o outro fone e
fiquei quieta, esperando para ver se o barulho se repetiria. Agucei a audição e
escutei mais uma vez. Aquilo era um… gemido?
Com o coração acelerado, voltei alguns passos até parar em frente ao
quarto de hóspedes onde Matt costumava dormir. Uma voz feminina exclamou:
— Vai, mete mais forte… Me come com força!
A constatação do que acontecia ali dentro, a poucos metros de mim, me
deixou estupefata. Por alguns segundos, fiquei completamente chocada, o queixo
quase tocando o chão. Tapei a boca antes que deixasse escapar um som de
espanto.
O canalha trouxe uma mulher para casa enquanto minha mãe estava fora!
E nem sequer teve a decência de fechar a porta completamente enquanto
transava com ela!
Uma irritação me percorreu e o sangue subiu para a cabeça. Era a maior
falta de respeito! Se quisesse comer alguém, pagasse a porra de um motel! Dei
dois passos para frente, disposta a invadir o cômodo e fazê-lo passar a maior
vergonha da sua patética existência. Quando meus olhos tiveram o primeiro
vislumbre da cena, contudo, fiquei estática.
Uma loira estava de quatro na cama, uma mão no colchão e a outra
segurando a cabeceira com força. Matt estava posicionado de joelhos atrás dela,
permitindo que eu visse somente o cabelo comprido. A bunda masculina
musculosa e bem-feita se contraía enquanto o quadril balançava para frente e
para trás em uma velocidade impressionante.
Engoli em seco, sentindo uma sensação estranha por dentro. Ao mesmo
tempo que estava ultrajada por presenciar algo tão cru e devasso, havia alguma
coisa de fascinante em ver um homem e uma mulher praticarem um dos atos
mais antigos da humanidade, tão unidos quanto fisicamente possível. Eu sabia
que deveria dar meia volta e correr para meu próprio quarto antes de ser
descoberta e acusada de voyeur, mas simplesmente não consegui me mover um
centímetro.
Matt enrolou os fios dourados com os punhos, puxou a cabeça da garota
para trás e aumentou a velocidade das estocadas. Os gemidos femininos também
cresceram.
— Ai, ai… Eu vou gozar, Matt! — ela quase gritou.
— Goza, porra! — ele respondeu, estapeando-a na bunda com força.
Então, a mulher perdeu o controle e gritou alto. Realmente alto. Ele
inclinou o tronco para frente e tapou a boca dela com a mão, sem parar os
movimentos.
Tarde demais, imbecil! A vizinhança inteira deve ter ouvido essa
baixaria! E pior, com certeza imaginam que sou eu a escandalosa fodedeira!
Instantes depois, foi a vez de um gemido rouco e meio contido sair da
garganta grossa. Matt jogou a cabeça para trás, apertou a cintura da loira e
estremeceu.
Com o coração retumbando no peito e a cabeça um tanto aérea, virei e
corri para o final do corredor o mais rápido que pude. Fechei a porta do quarto
em um baque e a tranquei. Meu peito subia e descia rapidamente e, por mais que
tentasse, não conseguia compreender a minha reação física ao flagra.
Eu estava com quinze anos, já havia beijado garotos e assistido vídeos
pornôs com as amigas da escola, mas aquilo foi o mais perto do sexo que tinha
chegado até então. Foi a primeira vez que presenciei duas pessoas transando.
Joguei-me na cama de barriga para cima, olhando o teto e tentando tirar a
imagem da cabeça, porém ela estava crua e nítida, como eu acreditava que
ficaria por um longo tempo. Sentia meu corpo quente e o estômago embrulhado.
Os mamilos estavam eriçados contra o tecido do pijama e a vontade de apertar
uma coxa na outra era latente, quase desesperada.
Deus, era Matt!
O cara que me viu crescer e esteve presente em todos os momentos
constrangedores da minha infância. Quando menor, eu costumava sentir por ele a
mesma coisa que sentia pelo meu irmão.
Eu deveria estar debruçada sobre o vaso sanitário vomitando por ter visto
aquela cena, e não ficar… Excitada.
Recoloquei os fones e aumentei o volume ao máximo, a voz de Beyoncé
estrondando em meus ouvidos.
Demorei horas para dormir e, quando o sono veio, tive o meu primeiro
sonho erótico.
Com Matthew Baker.
SOBRE A AUTORA
Isabela Delezzott tem vinte e seis anos, nasceu e se criou no interior da
Bahia, onde atualmente reside com o marido, a avó e os dois filhinhos de quatro
patas, Lola e Nick. Ainda pequena descobriu o amor pela leitura, mas a paixão
pela escrita se desenvolveu aos doze anos, quando passou a escrever fanfics no
extinto Orkut. Desde 2017 vem publicando suas histórias no Wattpad e depois de
muito incentivo da família e das leitoras, resolveu se aventurar na Amazon.
Facebook: https://www.facebook.com/isabeladelezzott.autora.9
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