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Análise da crise da democracia por meio da construção social entre América Latina e Brasil:

Rompimento da idealização democrática em locais considerados como terceiro mundo.

Guilherme (Mila) Nardelli Rodrigues, Maria Gabrielle Mello, Victória Cristina Dos Santos
Lage

1. Introdução à democracia - Contextualização do regime

A democracia é um conceito dinâmico de grande complexidade conhecido por estar


em constante disputa por grupos diversos dentro da sociedade, sua discussão e exercício são
essenciais para entender as organizações políticas e o estado do mundo atual, principalmente
no contexto brasileiro. Seu significado base pode ser visto dentro da etimologia da palavra,
com demos e kratos significando respectivamente povo e poder, a partir disso pode-se inferir
que mesmo em sua definição mais simples a democracia implica num governo do povo.
Porém, ao analisar sua aplicação prática ao nosso redor nos deparamos com várias
adversidades e perspectivas distintas do regime.
Primeiramente, é indispensável estabelecer que as características da democracia a
torna necessária para o corpo social, este é o único regime baseado na criação e conservação
de direitos, que leva em conta o conflito legítimo e fundamental e defende a soberania
pertencente ao povo e não ao governante (Marilena Chaui, citação indireta do youtube). Não
obstante disto, obtemos um conjunto de conceitos democráticos que nos fazem defender e
perseguir este regimento, como mencionados por Dahl (citação indireta): o regime
democrático evita a tirania e incorpora direitos essenciais, traz consigo a liberdade geral,
autodeterminação, autonomia moral, desenvolvimento humano, proteção dos interesses
pessoais essenciais, igualdade política, a busca pela paz e prosperidade. Com base nesses
pontos, pode-se ligar a democracia com o potencial de participação popular na vida política e
definir seu conjunto como um ideal, que nós como sociedade devemos nos esforçar cada vez
mais para alcançar de modo concreto.
A definição de um ideal se baseia em algo não existente na realidade, assim quando a
visão da democracia é trazida para a prática cotidiana, um leque complexo de possibilidades é
aberto e se identifica um abismo entre o ideal e o concebido em várias partes da sociedade,
em relações macro e micro. Quando se leva em conta a expansão do conceito de sociedade,
chega-se à conclusão que ela é heterogênea, existindo várias partes variadas que têm olhares
diferentes sobre o exercício da democracia e colocam significado próprio no fazer
democrático.
Há dois pólos maiores que deveriam dialogar para o funcionamento da democracia,
mas acabam fomentando sua disputa, sendo estes o institucional e o social. Da perspectiva
institucional tem-se o regime como instituições (executivo, legislativo e judiciário) que
regulam o poder no Estado e se balanceiam, uma não podendo exercer mais influência que a
outra, dentro deste se introduz o conceito da democracia representativa, onde por meio de
eleições, voto universal e secreto e igualdade política se elegem representantes que seriam
legitimados pela soberania do povo, mas o que é observado na prática é uma democracia
liberal que abarca muitas vezes apenas os interesses das elites institucionalmente e estão
despreparadas para suprir a demanda da maior parte da sociedade. Em contraste a este ponto,
há a democracia participativa, onde o povo pode fazer mais que exercer seu poder de voto,
ele se faz presente nas organizações sociais, ações coletivas, movimentos sociais que puxam
a democracia para a representação das massas. No âmbito social, de acordo com Leonardo
Avritzer (citação do vídeo do youtube) o regime democrático se torna uma gramática da vida
social, sendo assim presente nos tipos de associativismo, em relações de cooperação e em
vários níveis estruturais sociais, determinando o tom da convivência política. Levando em
conta a democracia como gramática da vida social, vale-se uma análise de um quadro
democrático perto de nossa realidade passando pela América Latina para entender o contexto
da crise da democracia dentro do território brasileiro.
Os escritores Evelina Dagnino, Alberto Olvera e Aldo Panfichi colocam em evidência
a heterogeneidade da sociedade civil e do Estado em sua obra “A disputa pela construção
democrática na América Latina”. O estudo da pluralidade nos dois pólos com enfoque na
América Latina leva ao ampliamento de possibilidades mais complexas na prática e
aprofunda o tema levando em conta diferentes construções sociais, desse modo adicionando
nuances à idealização democrática, principalmente em países que tiveram processos de
formação política turbulentos e foram influenciados por intervenções militares em sua
formação. Estes princípios trazem consigo consequências como a crise da representatividade
de partidos e a crise da democracia para a organização política atual.

2. Disputa democrática latina: Rompimento histórico ao ideal

Ao trazer à tona que a diversidade política, social e cultural estão conectadas ao


nascimento das sociedades da América Latina, Evelina Dagnino, Alberto J. Olvera e Aldo
Panfichi colocam que a democracia depende do processo político de cada país e defendem
que essa pode ser ou não exercida em âmbitos diferentes, independentes de si na sociedade,
como vemos em países latinos. A heterogeneidade descreve a diferenciação interna da
sociedade civil em relação aos atores sociais, as formas de ação coletiva, a construção
identitária e projetos políticos. A prova da pluralidade política, social e cultural na América
Latina se dá por meio dessa heterogeneidade, no qual os atores se originam em períodos
históricos plurais e agem conforme eles, tendo um Estado reconhecedor e incorporador
seletivo dos direitos sociais, deixando grande parcela da população de fora. Desse modo, se
pode começar a formular questionamentos com relação à democracia latina e se é possível
considerá-la como existente e funcional, se sua constituição não está sendo respeitada e o
povo em massas não está sendo reconhecido.

Nesse sentido, o Brasil é uma boa exemplificação para os conceitos da obra, se observa
exatamente o que a obra propõe, a heterogeneidade produzida por essas características tão
diversas e em contraponto, a existência de um Estado que só é capaz de perceber e apaziguar
os interesses de uma grande elite: a branquitude rica. Do lado oposto desse espectro se
encontra a comunidade negra, as pessoas pobres, ribeirinhas, LGBTQ+, amarelas, indígenas e
etcetera, isto é, aqueles que mais necessitam de medidas que auxiliem em suas vivências são
aqueles que possuem seus desejos ignorados. Isso é herança direta dos tempos de Colônia,
Império e até mesmo da Primeira República, no qual a população negra escravizada foi
finalmente libertada, mas deixada desamparada por um governo cujos olhos estavam virados
apenas para a elite branca, através disso provando a herança histórica da democracia.

Com os interesses de apenas uma pequena parcela da sociedade sendo supridos pelo
Estado surge a necessidade de buscar mudanças por outros meios, como fazem os diversos
movimentos sociais brasileiros, que reivindicam os interesses que a elite não deseja que
sejam entregues. Como exemplo disso tem-se o manifesto “Enquanto houver racismo não
haverá democracia”, no qual a população negra organizada, os povos do campo, os
trabalhadores explorados e todos os simpatizantes buscam o fim do racismo como prática
genocida contra a população negra. Compreende-se que, como apresentam os autores, o
nosso país esteja submerso por uma diversidade imensa, ainda há uma área cinza que sempre
tem suas necessidades deixadas de lado, sendo, nesse caso, o povo preto, cuja organização se
faz necessária, estando abarcado na discussão dos grupos de esquerda da obra de Dagnino,
Olvera e Panfichi.
Dessa forma, com o descontentamento com a democracia de uma parte da sociedade, a
disputa pode resultar numa crise. Assim, os partidos políticos entram com medidas diversas
para apaziguar a população. Um grande movimento visto na América Latina é o populismo,
que surge com um um discurso de identificação com essa população que não está tendo seus
direitos cumpridos, se passando como uma grande representação do povo com a promessa de
suprir suas necessidades, no entanto, torna-se na prática uma falsa ideia de que o povo
carrega a salvação por intermédio desses movimentos sociais, enquanto na verdade é apenas
uma solução simples para problemas extremamente complexos. No Brasil, observamos de
Getúlio Vargas à Luís Inácio Lula da Silva, sendo o segundo um grande exemplo de
utilização de pautas populares com um representante da classe trabalhadora, mas sem intuito
real de inclusão de massas.

Quando a população percebe que estes partidos políticos não passam de representações
vazias, cujo vendem-se como grandes representantes do povo e acabam por não cumprir suas
promessas de suprir as necessidades deles, há um processo de perda na crença nesse sistema
democrático. Em um primeiro momento há a promessa de direitos pela Constituição, com a
justificativa de que todos são iguais perante a lei e em seguida o povo é confrontado com o
fato de que esses direitos não serão sempre cumpridos pelo Estado. Essa crise dos partidos
políticos é uma das formas em que o regime perde a sua força e pode entrar em um estado de
crise.

3. Processos da crise e contrastes na instabilidade democrática brasileira

A crise da democracia existe de várias formas, em primeiro momento podendo ser


definida como um momento decisivo onde mudanças boas ou ruins acontecerão no regime ou
ele será substituído. Especificamente para Przeworski, a democracia está fundada nas
eleições e no bom funcionamento de suas regras propostas, assim a crise acontece quando as
instituições políticas estão sob ameaça e não conseguem mais regular conflitos dentro do
regime. No âmbito social, quando a população se torna apática em relação aos processos
democráticos por insatisfação com a política, aumento da desigualdade, dificuldades
financeiras há um afastamento do processo político e uma ascensão de lideranças populistas e
anti-sistêmicas que culminam em crise (PRZEWORSKI, 2020. p. 98).

O sistema brasileiro é ideal para observar o funcionamento dos conceitos em prática, a


crise local político-institucional começa com a desigualdade social acentuada em conjunto
com o neoliberalismo e a herança de seu processo de democratização frágil, então os dois
lados, social e institucional estão em constante instabilidade.

Para Przeworski (2020, p. 14), uma crise acontece quando é impossível manter o
status quo e encontrar uma alternativa para contornar os problemas decorrentes dele, a partir
disso, traçando um panorama das crises da democracia brasileira ao longo da história, pode-
se observar que as instituições democráticas entraram em colapso, pois a ordem estava sendo
questionada e as instituições se enfraquecendo, primeiramente com os mandatos estendidos e
populistas de Getúlio Vargas e a perda de direitos políticos da sociedade e após com o golpe
militar de 1964 à João Goulart. Se vê um padrão de desestruturação e não cumprimento da
ordem democrática histórica, o que para Przeworski é letal para o regime e, de fato, culminou
em seu extermínio.

O processo ditatorial não é específico do Brasil, também pôde ser visto em países da
América Latina, porém a diferença de processos políticos históricos também influenciam na
crise da democracia e afastamento do povo na conjuntura atual brasileira, de acordo com
Glenda Mezarobba (citação do youtube) o fim da ditadura no Brasil possui diferenças em
relação à Argentina e ao Chile, pois em ambos os militares foram derrotados e enfraquecidos,
fato que no Brasil não ocorreu. Vale também mencionar as diferenças no tratamento dessas
duas sociedades com a barbárie de seus regimes autoritários em relação ao caso brasileiro,
enquanto no Brasil não houve um caráter punitivo na anistia, nos outros dois países havia a
tendência à responsabilização dos violadores dos direitos humanos. Como consequência
desses fatos, a sociedade civil brasileira, segundo Mezarobba, não reconhece os atos da
ditadura como crimes e não tem como ideais extraídos dessa experiência histórica valores
como a dignidade humana e o senso de proteção de direitos humanos, ambos conceitos chave
para a proteção da ordem da democracia.

Finalmente, através dos conceitos estabelecidos, questiona-se novamente se a


democracia no território latino-americano e principalmente brasileira é plena, pois não houve
estabilidade suficiente para ser vista pela população como gramática da vida social, a
participação política da população não foi estimulada em momento algum do processo de
mudanças de estrutura do Estado. Em "Poliarquia: Participação e oposição", Dahl define o
regime democrático pleno a partir da contestação pública e o direito de participação, ambas
dimensões estão intrinsecamente ligadas com a participação política do povo, participação
essa percebida como pouco presente no Brasil.
4. Conclusão: Existe democracia no território brasileiro?

Em suma, a democracia pode ser concebida como muito mais que um sistema de
regras, é na verdade um regimento da vida política que está presente em vários cenários, tanto
de modo individual com as regras estabelecidas por Dahl para um cidadão pleno, quanto nas
instituições, ordens deveres e poderes do Estado. Quando se menciona a democracia como
uma gramática da vida social, devemos perceber que essa é uma novidade para o povo, um
governo participativo foi conquistado e é mais complexo do que o senso comum nos leva a
acreditar.

Em seus vários níveis de nuances, tivemos pessoalmente uma experiência


democrática com a dinâmica dos batons em sala de aula, não foi necessário ir muito longe
para comprovar a real heterogeneidade do regime, através da dinâmica pode-se observar o
não pertencimento democrático a apenas um grupo e a influência por vários fatores. Em meio
a vários discursos e propagandas políticas, as propostas de cunho populista e a mobilização
através de redes sociais foram as que mais engajaram as pessoas da sala, obviamente uma
simplificação micro do processo político, mas ainda válida, pois percebe-se que espelhou
nossa sociedade atual em vários momentos. Vale uma análise de forma macro da sociedade a
partir das tendências vistas em sala de aula, de falta de satisfação com o resultado e
promessas populistas e a maioria apenas observando as escolhas feitas pelo que deveriam ser
as instituições, o que é exatamente o observado no quadro brasileiro nos últimos anos.

Todos estes conceitos vistos na sociedade atual demonstram que como povo estamos
distantes da democracia e através da análise da conjuntura histórica brasileira pode-se afirmar
que sempre estivemos e isso contribui para a falta de democracia plena. Há uma herança de
desconexão do povo com o Estado, âmbitos que deveriam dialogar para o funcionamento da
democracia, aqui completamente afastados pela elite no poder, pode-se dialogar que não há
crise de representação, pois nunca houve representação clara popular.

Dito isto e com a análise feita de vários pólos brasileiros através deste trabalho, resta a
questão: existe democracia no território brasileiro? Baseando-se em “Poliarquia: Participação
e oposição”, Dahl enfatiza a responsividade ativa do governo às preferências de seus cidadãos
que devem ser considerados como politicamente iguais independente de sua posição, para
isso de fato obter sucesso são passados três requisitos para os cidadãos com relação às suas
vontades: formular, expressar através da ação individual e coletiva e ter consideradas
independentemente do nível suas preferências pelo Estado em vigência. Esses três conceitos
de participação dependem de oito garantias institucionais para um grande número de pessoas,
essas são: liberdade (de formar e aderir a organizações e de expressão); direito (de voto
popular, de líderes políticos disputarem apoio e voto); eleições livres; fontes de informação;
instituições de cunho público para regular a existência de eleições e manifestações de
preferências. A junção ou falta desses conceitos e por quem são usados demonstram quão
democrático o modo de organização de um regime ativo é.

No Brasil se observa um governo responsivo apenas às elites, a grande população


politicamente desigual como já fora mencionado, tendo que lutar pelos seus direitos de
exercer cidadania e ter seus direitos básicos reconhecidos e um histórico longo de desconexão
ligado à tomada de decisões do Estado, assim chega-se à conclusão de que não somos um
país democrático, nossa democracia em si é frágil e ter um processo verdadeiramente
democrático requer um trabalho complexo que engloba uma grande desconstrução histórica.

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