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Guilherme (Mila) Nardelli Rodrigues, Maria Gabrielle Mello, Victória Cristina Dos Santos
Lage
Nesse sentido, o Brasil é uma boa exemplificação para os conceitos da obra, se observa
exatamente o que a obra propõe, a heterogeneidade produzida por essas características tão
diversas e em contraponto, a existência de um Estado que só é capaz de perceber e apaziguar
os interesses de uma grande elite: a branquitude rica. Do lado oposto desse espectro se
encontra a comunidade negra, as pessoas pobres, ribeirinhas, LGBTQ+, amarelas, indígenas e
etcetera, isto é, aqueles que mais necessitam de medidas que auxiliem em suas vivências são
aqueles que possuem seus desejos ignorados. Isso é herança direta dos tempos de Colônia,
Império e até mesmo da Primeira República, no qual a população negra escravizada foi
finalmente libertada, mas deixada desamparada por um governo cujos olhos estavam virados
apenas para a elite branca, através disso provando a herança histórica da democracia.
Com os interesses de apenas uma pequena parcela da sociedade sendo supridos pelo
Estado surge a necessidade de buscar mudanças por outros meios, como fazem os diversos
movimentos sociais brasileiros, que reivindicam os interesses que a elite não deseja que
sejam entregues. Como exemplo disso tem-se o manifesto “Enquanto houver racismo não
haverá democracia”, no qual a população negra organizada, os povos do campo, os
trabalhadores explorados e todos os simpatizantes buscam o fim do racismo como prática
genocida contra a população negra. Compreende-se que, como apresentam os autores, o
nosso país esteja submerso por uma diversidade imensa, ainda há uma área cinza que sempre
tem suas necessidades deixadas de lado, sendo, nesse caso, o povo preto, cuja organização se
faz necessária, estando abarcado na discussão dos grupos de esquerda da obra de Dagnino,
Olvera e Panfichi.
Dessa forma, com o descontentamento com a democracia de uma parte da sociedade, a
disputa pode resultar numa crise. Assim, os partidos políticos entram com medidas diversas
para apaziguar a população. Um grande movimento visto na América Latina é o populismo,
que surge com um um discurso de identificação com essa população que não está tendo seus
direitos cumpridos, se passando como uma grande representação do povo com a promessa de
suprir suas necessidades, no entanto, torna-se na prática uma falsa ideia de que o povo
carrega a salvação por intermédio desses movimentos sociais, enquanto na verdade é apenas
uma solução simples para problemas extremamente complexos. No Brasil, observamos de
Getúlio Vargas à Luís Inácio Lula da Silva, sendo o segundo um grande exemplo de
utilização de pautas populares com um representante da classe trabalhadora, mas sem intuito
real de inclusão de massas.
Quando a população percebe que estes partidos políticos não passam de representações
vazias, cujo vendem-se como grandes representantes do povo e acabam por não cumprir suas
promessas de suprir as necessidades deles, há um processo de perda na crença nesse sistema
democrático. Em um primeiro momento há a promessa de direitos pela Constituição, com a
justificativa de que todos são iguais perante a lei e em seguida o povo é confrontado com o
fato de que esses direitos não serão sempre cumpridos pelo Estado. Essa crise dos partidos
políticos é uma das formas em que o regime perde a sua força e pode entrar em um estado de
crise.
Para Przeworski (2020, p. 14), uma crise acontece quando é impossível manter o
status quo e encontrar uma alternativa para contornar os problemas decorrentes dele, a partir
disso, traçando um panorama das crises da democracia brasileira ao longo da história, pode-
se observar que as instituições democráticas entraram em colapso, pois a ordem estava sendo
questionada e as instituições se enfraquecendo, primeiramente com os mandatos estendidos e
populistas de Getúlio Vargas e a perda de direitos políticos da sociedade e após com o golpe
militar de 1964 à João Goulart. Se vê um padrão de desestruturação e não cumprimento da
ordem democrática histórica, o que para Przeworski é letal para o regime e, de fato, culminou
em seu extermínio.
O processo ditatorial não é específico do Brasil, também pôde ser visto em países da
América Latina, porém a diferença de processos políticos históricos também influenciam na
crise da democracia e afastamento do povo na conjuntura atual brasileira, de acordo com
Glenda Mezarobba (citação do youtube) o fim da ditadura no Brasil possui diferenças em
relação à Argentina e ao Chile, pois em ambos os militares foram derrotados e enfraquecidos,
fato que no Brasil não ocorreu. Vale também mencionar as diferenças no tratamento dessas
duas sociedades com a barbárie de seus regimes autoritários em relação ao caso brasileiro,
enquanto no Brasil não houve um caráter punitivo na anistia, nos outros dois países havia a
tendência à responsabilização dos violadores dos direitos humanos. Como consequência
desses fatos, a sociedade civil brasileira, segundo Mezarobba, não reconhece os atos da
ditadura como crimes e não tem como ideais extraídos dessa experiência histórica valores
como a dignidade humana e o senso de proteção de direitos humanos, ambos conceitos chave
para a proteção da ordem da democracia.
Em suma, a democracia pode ser concebida como muito mais que um sistema de
regras, é na verdade um regimento da vida política que está presente em vários cenários, tanto
de modo individual com as regras estabelecidas por Dahl para um cidadão pleno, quanto nas
instituições, ordens deveres e poderes do Estado. Quando se menciona a democracia como
uma gramática da vida social, devemos perceber que essa é uma novidade para o povo, um
governo participativo foi conquistado e é mais complexo do que o senso comum nos leva a
acreditar.
Todos estes conceitos vistos na sociedade atual demonstram que como povo estamos
distantes da democracia e através da análise da conjuntura histórica brasileira pode-se afirmar
que sempre estivemos e isso contribui para a falta de democracia plena. Há uma herança de
desconexão do povo com o Estado, âmbitos que deveriam dialogar para o funcionamento da
democracia, aqui completamente afastados pela elite no poder, pode-se dialogar que não há
crise de representação, pois nunca houve representação clara popular.
Dito isto e com a análise feita de vários pólos brasileiros através deste trabalho, resta a
questão: existe democracia no território brasileiro? Baseando-se em “Poliarquia: Participação
e oposição”, Dahl enfatiza a responsividade ativa do governo às preferências de seus cidadãos
que devem ser considerados como politicamente iguais independente de sua posição, para
isso de fato obter sucesso são passados três requisitos para os cidadãos com relação às suas
vontades: formular, expressar através da ação individual e coletiva e ter consideradas
independentemente do nível suas preferências pelo Estado em vigência. Esses três conceitos
de participação dependem de oito garantias institucionais para um grande número de pessoas,
essas são: liberdade (de formar e aderir a organizações e de expressão); direito (de voto
popular, de líderes políticos disputarem apoio e voto); eleições livres; fontes de informação;
instituições de cunho público para regular a existência de eleições e manifestações de
preferências. A junção ou falta desses conceitos e por quem são usados demonstram quão
democrático o modo de organização de um regime ativo é.