Você está na página 1de 18
en } Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42457 Responsabilidade civil nas patologias de edificagdes: uma visio técnica sobre as pericias judicias Civil liability in building pathologies: a technical view on court reports DOI10.34117bjdv74-623 Recebimento dos originais: 04/02/2021 ‘Aceitagao para publicagao: 01/03/2021 Beatriz Costa de Mendonga Engenheira Civil Departamento de mestrado em Engenharia Civil da Universidade Federal Fluminense — UFF Enderego: Rua Passo da Patria, 156 - sala 365 - Bloco D - Sao Domingos - Niterdi ~ CEP:24210-240 E-mail: biacm86@yahoo.com.br Elie Chandan Mounzer Ph.D em Engenharia Civil Departamento de mestrado em Engenharia Civil da Universidade Federal Fluminense - UFF Enderego: Rua Passo da Pitria, 156 - sala 365 - Bloco D - Sao Domingos - Niteréi ~ CEP:24210-240 E-mail: emounzer@ yahoo.com. br RESUMO A responsabilizagdo civil do profissional de engenharia ou do construtor ¢ prevista na legistagio Brasileira. Assim, 0 proprietério do imével pode recorrer ao tribunal para buscar a resolugdo de lides quanto a patologias e a vicios construtivos apos a conclusio de uma obra. Por se tratar de questao técnica, o juiz nomeia um perito engenheiro que atuard no processo como auxiliar da justiga. Por mais que a engenharia seja uma ciéncia exata, 0 contetido do laudo é variavel e isso impacta diretamente na sentenca, isto &, na responsabilizagio civil das patologias. Para verificar a qualidade do laudo pericial e sua aplicabilidade, esta pesquisa analizou 50 processos judiciais do Tribunal de Justiga do Estado do Rio de Janeiro e verificou o impacto direto destes pareceres no desenvolvimento do processo. Em que pese a legislagio disponha de requisitos necessérios para a confeccdo de um laudo pericial, verifica-se, na pratica, que o atendimento as exigéncias estabelecidas nio é relevante para influenciar a formagio da conviegao do magistrado. Nota-se, contudo, que parece ser suficiente a simples resposta 4 quesitagZo, para a prolagaio da sentenea. Palavra-ehave: Responsabilidade civil, laudo pericial, perito, engenheiro civil, obra. ABSTRACT Civil liability for the engineering professional or the contractor is provided for in Brazilian law. Thus, the owner of the property can go to the court to seek resolution of Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en } Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42458 disputes regarding pathologies and constructive vices after a work. As this is a technical issue, the judge appoints an expert engineer who will act in the process as an adjunct to justice. AS much as engineering is an exact science, the content of the report is variable and this directly impacts the sentence, that is, the civil liability of pathologies. In order to verify the quality of the expert report and its applicability, this research analyzed 50 judicial processes of the Court of Justice of the State of Rio de Janeiro and verified the direct impact of these opinions on the development of the process. In spite of the legislation having the necessary requirements for the preparation of an expert report, itis verified, in practice, that the compliance with the established requirements is not relevant to influence the formation of the magistrate's conviction. It is noted, however, that the simple answer to the question seems to be sufficient for the delivery of the sentence. Keyword: Civil liability, expert report, expert, civil engineer, construction site © Termo patojogia ¢ amplamente utilizado na medicina para designar um funcionamento anormal no organismo vivo. Na engenharia o termo tem significado similar, Aplica-se, genericamente, ao estudo de manifestagdes de falhas ou de deterioragao da estrutura (SOUZA ¢ RIPPER, 2009). Assim, a patologia das construgdes & o estudo de todo e qualquer problema que afete o desempenho da estrutura . Quando falhas acontecem, fica constatado que a estrutura patolégica nao atua como prevista em projeto, logo, nao realiza a fungo para a qual foi eriada . A engeuharia forense atua no sentido de dar um diagnéstico ao problema apresentado. O profissional forense deve ser capaz de realizar a identificagao de falhas e a descrigao dos fendmenos que levam ao problema na construgao ou na reforma; . Para a engenharia pericial atuar, nfo ha a necessidade de que uma estrutura edilicia chegue a sofrer um colapso de grandes magnitudes. Para ser considerada uma falha estrutural, basta uma nio conformidade com o que foi planejado e, consequentemente, um resultado nfo esperado, Em resumo, uma falha estrutural pode ser earacterizada por uma incompatibilidade entre o pretendido ¢ o atual desempenho da estrutura ; A engenharia diagnéstica, realizada através de estudos forenses e de pericias, deve ser conduzida e pautada pela técnica, pela ética e pelo conhecimento ; , pois tais estudos também sdo utilizados para orientar o juiz na sentenga judicial Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en } Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42459 2. A ATUAGAO DO ENGENHEIRO NA CONSTRUCAO CIVIL ‘No que tange ais normativas especificas de construgo, ha diferentes normas com © intuito de melhorar a qualidade. Assim, elas definem os eritérios de desempenho e de seguranga para materiais e estruturas. As entidades internacionais mais utilizadas sio as European standards (EM), American standards (ASTM) e a International Organization for Standardization (ISO) standards . No Brasil, além das normas internacionais, também sdo utilizadas as normas brasileiras (NBR), certificadas pela Associagao Brasileira de Normas Téenicas . Neste sentido, & consenso entre diversos autores que o engenheiro perito, que atua com engenharia diagnéstica e forense, deve ter um sélido conhecimento téenico e experigneia no campo de atuacZo, pois somente assim haveré uma anilise pericial precisa ede qualidade , LEGISLACAO APLICAVEL Quando no so atendidas as normas técnicas e aparecem os prejuizos de uma edificagao com defeitos, ou seja, 08 vicios ocultos e as patologias, pode ser necessirio recorrer a0 Poder Judicidrio, se nfo houver uma solugio amigavel entre proprietirio e construtor No Brasil, campo do direito a se socorrer & 0 eivil, quigé, 0 direito penal, se houver algum crime relacionado aos fatos. Com efeito, esse estudo se limita 4 abrangéncia da responsabilizagao civil de falhas ocorridas nas estruturas edilicias. Neste sentido, extrai-se o fundamento, nos principais instrumentos normativos, tanto da Constituigdo da Repiblica Federativa do Brasil quanto do Cédigo Civil e do Cédigo de Proceso Civil . Neles, hi artigos direcionados aos construtores, aos engenheiros € até mesmo aos proprietérios que, ao nio contratar um profissional especializado para a construgio, passam a serem os responsiiveis por quaisquer danos ¢ acidentes que, eventualmente, possam ocorrer, se relacionados & construgio ou 4 reforma, Assim, para presente tema, como prineipal destaque na legislago brasileira, Cédigo Civil (CC) traz, em seus artigos 186 e 187, a definiglo de ato ilieito, quais sejam: Art. 186 Aquele que, por acio ow omissao voluntaria, negligéncia ow imprudéneia, violar direito e causar danno a outrem, ainda que exelusivamenie moral, comete ato ilicito. Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en ] Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42460 Art. 187. Também comete ato ilicito o titular de um direito que, ao exercé-lo, ‘excece manifestamente os limites impostos pelo seu fim econsmico ou social, pela boa-# ou pelos bons costumes. Logo, aplicam-se os referidos dispositives quando ocorre um erro por parte do profissional. 14 o artigo 197 leciona que o profissional que se enquadrar nos artigos 186 € 187 do CC 2002, devers reparar o dano causado. Além disso, a jurisprudéncia da principal Corte infraconstitucional do pais, o Superior Tribunal de Justiga (STI), também regula 0 direito material. Durante muitos anos, orientado por ela, o prazo maximo para nao se perder a pretensio de reparagao do direito de obter do construtor uma indenizacio por defeitos da obra, conforme expresso pelo STJ na Simula n° 194 (1994), preserevia em vinte anos. Contudo, esse prazo de prescrigao da ago foi reduzido para dez anos com 0 advento do novo Cédigo Civil de 2002 (art. 205). Assim, um engenheiro deve trabalhar de forma com que a construgao nao tenha problemas estruturais ao longo de dez anos, observando-se a devida manutengao a0 Jongo da vida util da estrutura RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil é a obrigagio que pode incumbir uma pessoa a reparar 0 prejuizo causado a outra, por fato proprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam (RODRIGUES, 2006). Assim, a parte envolve 0 juizo, em busca do responsivel para o ressarcimento das patologias que, direta ou indiretamente, afetam a edificacao. Soma-se a isto que o profissional responsével pela obra possui ainda a chamada responsabilidade objetiva. Nela, hi a responsabilizacdo de quem deu causa ao problema, independentemente de culpa ou de dolo. Para tanto, basta a presenga somente um nexo causal entre a conduta ilicita do individuo e a consequéncia por ela gerada, conforme o aut, 927 do CC 2002 (GAGLIANO e PAMPLONA, 2018, p. 380), (TARTUCE, 2019, p. 819). Pelo exposto, como se nota, no Brasil, o engenheiro ou o construtor pode ser responsabilizado pelas patologias que surgem na edificagdo e que foram ocasionadas por vieios ocultos na construgao. Este tipo de problema é caracterizado quando um defeito nao pode ser facilmente percebido a olho nu, mas iré aparecer definitivamente com o Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en } Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42461 decorrer do tempo conforme expresso pelo STI, no Agravo em Recurso Especial n° 1820955 (2021). Assim, observa-se que, quando uma construgio ou reforma apresenta falhas, inicialmente, em sede extrajudicial, hd uma tentativa amigével de resolugao do problema, por quem o causou, neste caso, pelo engenheiro ou pelo construtor. Estas podem ser feitas através de mediagio ou de arbitragem. Se no for alcangada a solugdo através destes meios, 0 demandante ainda pode se socorrer do Poder Judiciério. Nele, busca-se a anélise do mérito da questo, ou seja, a atribuigdo da responsabilidade civil objetiva ou subjetiva do engenheiro sobre a obra (JAGANNATHAN e DELHI, 2019), (FIKER, 2011). No Brasil, quando a opgao é entrar com uma agio no Tribunal, 0 demandante deve, preliminarmente, provar que a sua residéncia possui patologias geradas apés a contratagdo de uma obra, seja ela obra nova ou de manutengao, conforme o art. 319, IV do Codigo de Processo Civil (CPC). A parte ré ¢ chamada para dar eselarecimentos nos autos do processo, podendo adotar a postura de negar todas as acusagdes. E nesse momento que, se a prova dos fatos depender de conhecimento técnico, o juiz nomeia um perito judicial para realizar a anélise diagnéstica das patologias da edificagao, seguindo a orientagio do art. 156 /e 375 do CPC 2015. Ato continuo, o perito entio passa a desempenhar o papel de auxiliar da justica Nessa toada, atuando com imparcialidade (CONFEA, 2002), deverd analisar os fatos, principalmente, atuando in loco. Apés, diante de suas conclusdes, devera emitir seu parecer. Uma vez que o perito apresente © laudo ao juiz, este poderd julgar 0 mérito da ago nos moldes do art, 479 da mesma lei, Em geral, quando apontado no parecer a sugesto de que houve tecnicamente um erro do profissional engenheiro ou construtor, 0 juiz acompanha referido parecer. A partir de entao, o profissional responsivel pela obra deverd efetuar o reparo material e/ou moral, conforme determinado na sentenga, Dessa forma, é estabelecida em juizo a responsabilidade civil das patologias de edificagdes, © CONTEUDO DO LAUDO PERICIAL PARA A CONVICCAO DO MAGISTRADO Teoricamente, o perito engenheiro sé pode atuar no processo se comprovar experiéneia na area debatida nos autos e se estiver inscrito no Cadastro EletrOnico de Peritos e Orgios Técnicos ou Cientificos, conforme resolugdo do CNI (2016). Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en ] Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42462 Neste sentido, o art. 156, § 3° e 5° ele 465 do CPC 2015 torna obrigatério ao engenheiro ter conhecimento tedrico-técnico necessirio para fazer a anilise forense das questdes a serem enfrentadas. Além disso, em decorréncia, emitir um laudo pericial com as causas, as consequéncias, bem como registrar as metodologias tilizadas no estudo. Nesta toada, a resolugdo n° 345 do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (1990), define que a pericia é a atividade que envolve a apuragio das causas que motivaram determinado evento ou da assergdo de direitos. Isto posto, o engenheiro nomeado pelo juizo, portanto, um perito, é expert para realizar o parecer técnico tanto pelo Conselho de Engenharia, quanto pela Lei Civil. Para tanto, a legislagao prevé os seguintes contetidos dos laudos periciais, no artigo 473 do Cédigo de Processo Civil: 1 -a exposiéio do objeto da pericia; I a cméllse técnica ou cientfica realizada pelo perito; IIT ~ a indicagto do método uiitizado, esclarecendo-o ¢ demonstrando ser _predominantemente aceito pelos especialisias da drea do conhecimento da {qual se originou: IV - resposta conclusiva a todos os quesitos apresemados pelo juts, ‘partes e pelo orgdo do Ministérto Publico. elas § 1°No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentasao em linguagem ‘simples e com coeréncia légica, indicando como aleancou suas conclusdes. Em que pese a previsio da determinacio legal, o perito é livre para confeccionar a escrita do seu laudo, afinal é 0 responsivel por este (FIKER, 2019). Assim, nao sio todos os laudos que atendem de forma clara e objetiva a definigdo das causas dos vicios. De certo, cada Inudo pericial traz consigo as suas peculiaridades. Afinal, o trabalho téenico pericial 6 0 documento mais seguro que se vale o Magistrado para um pronunciamento firme sobre a pretenstio deduzia em juizo (TIERI, 2013), Por conseguinte, 0 documento téenico em comento devera prover o fundamento necessério para influenciar a conviegao do magistrado na prolagio da sentenga. Afinal, em acordo com o ineiso IX, do Act, 93 da Carta Magna, é nula a sentenga sem fundamentagio, Pode-se entio o juizo realizar a fundamentagio per relationem, isto & com base na pericia, desde que o julgado faga a referéncia conereta ao laudo, inclusive, transerevendo partes que julgar necessiria (BRASIL, 2015). Braalian Journal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en } Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42463 3 METODOLOGIA, DESIGN E PERFIL DA PESQUISA Esta pesquisa ocorreu no Brasil, especificamente no Estado do Rio de Janeiro, Os processos judiciais neste pais sio publicos, salvo algumas excecdes, conforme art, 189 do CPC 2015. 0 Poder Iudiciério, para facilitar o acesso a qualquer interessado, mantém os processos em seu site virtual (TJERD). A andlise processual foi realizada por amostragem de forma que pudesse refletir © atual cendrio daquela Justiga Estadual, Para o presente estudo, foram analisados 50 processos judiciais, instaurados para a responsabilizagao objetiva de danos na edificagao, causado apés uma construgio ou uma reforma. Compondo a relagio juridiea, como demandante, o proprietirio do imével e, como réu, 0 engenheiro ou o construtor que executou 0 servigo. Especificamente, este estudo contempla somente edificagdes residenciais unifamiliares ou multifamiliares. FERRAMENTAS PARA ANALISES A coleta de laudos periciais foi realizada no sitio eletrOnico do Tribunal de Tustiga do Estado do Rio de Janeiro, no campo de pesquisa de jurisprudéncia, no més de setembro de 2020, Contudo, a pesquisa foi limitada entre os anos de 2015 a 2020. Ao todo foram encontrados 397 resultados. Para tanto, foram utilizadas as seguintes frases: “laudo pericial engenheiro”, obtendo-se 111 resultados; bem como “laudo pericial estrutura", obtendo-se 286 retornos. Os processos judiciais que apareceram nas duas pesquisas foram contabilizados uma tinica vez, De modo que foram analisados os 108 processos iniciais para que se atingissem 0 quantitativo de 50 processos contendo peritos nomeados pelo juizo. Deste total, 10 processos foram excluidos, pois nao tinham como base principal a lide por responsabilizagio de patologias e vicios construtivos. Dos 40 processos restantes, 26 possuiam laudo conclusivo e a devida responsabilizagio civil pelos danos 4 edificagio, isto & aqueles com os pareceres que possuiam a real definigio das patologias, vieios construtivos e considerados pelo magistrado para emissio da sentenca. Em sequéncia, foram analisados minuciosamente os 26 laudos periciais de cada processo. O intuito foi compatibilizar 0 contetido previsto no artigo 473 do Cédigo de Processo Civil de 2015 com o de fato utilizado pelo expert, da seguinte forma: Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en } Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42464 Gmpo A - Anilise técnica ou cientifica realizada pelo perito, considerando a descrigdo do objetivo da pericia, descrigao do objeto periciado e fotografias do objeto, conforme incisos Ie II, do Art. 473 do CPC; Grupo B - Utilizag3o de método téenico-cientifico reconhecido: deserigio da metodologia e sua aplicagao, laudo conclusivo e objetivo, conforme incisos III, do Art. 473 do CPC; Grupo C - Quesitagao: resposta objetiva aos quesitos, isto é, perguntas formuladas pelas partes, conforme ineisos IV, do Art, 473 do CPC. Em um segundo momento, o estudo do laudo pericial também levou em consideragao a aplicabilidade do laudo. Em outras palavras, a avaliagio consistia em apurar se, de fato, o magistrado pode utilizar o documento técnico para a sua conviegio © consequente prolagdo da sentenga. Assim, verificou-se se 0 juiz conseguiu utilizar o contetido do laudo para analisar o mérito da lide e assim determinar a responsabilidade civil das patologias de edificagdes que dio causa ao processo judicial, Para tanto, foi realizada uma andlise pormenorizada em cada amostra dos 40 processos que dio base a este estudo. A categorizacao foi realizada da seguinte forma: a) Laudo utilizado muito bom: o laudo possuia em seu contetido, obrigatoriamente, todos os itens que compée os grupos A, Be C; b) —_Laudo utilizado bom: o laudo possuia em seu contetido os componentes do grupo A ou do B e, obrigatoriamente, os do grupo ©) Laudo utilizado regular: o laudo possuia em seu contetido somente os itens de um tinico grupo, isto é, itens ou do grupo A ou do B ou do C, 4) Laudo descartado regular: 0 Laudo nao possuia itens do grupo A e do B, somente o item do grupo C, sem, contudo, ser conclusivo 2) Laudo descartado ruim: o Laudo nfo apresentou quaisquer itens do grupo A, do B on do C. Portanto, foi incapaz de prover o minimo de esclarecimento ao juizo. 4 ANALISE DA PESQUISA E DISCUSSAO Apés a categorizagio do contetido do laudo pericial, foi possivel verificar quais os itens foram relevantes para a conviegio do magistrado. Deste modo, Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en } Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42465 possibilitou-se identificar a consequente responsabilizagao civil das patologias de edificagdes. Nese espectro, 0 grupo A foi integrado por itens que visam compor a caracterizagdo do objeto, Para tanto, realizou-se a anilise técnica ou cientifica pelo perito, considerando também a descrigio do objetivo da pericia, bem como a descrigio do objeto, além de fotografias e da descrig&o dos fatos. Estes atos trazem ao processo a validagao ou nao da possivel realidade ja relatada nos autos, bem como 0 status quo em que se encontram, tornando tangivel aos envolvidos a situagio do objeto periciado. De todos os grupos e itens considerados neste estudo, o grupo A é 0 tinico que nao exigiu elevado saber técnico de engenhari |, pois se tratou de um simples relato da cena existente ao tempo da pericia Ha de se apontar que a diferenga entre os laudo se deu nas pequenas observagdes de acordo com a experiéneia profissional. A titulo de ilustragio, constata-se a qualidade das fotografias de fato expressarem adequadamente 0 objeto retratado, como, por exemplo, fotografias pontuais e localizadas, sem demonstrar 0 todo e, consequentemente, nao retratando claramente ao leitor o fato. No entanto, as diferencas na discriminagao do objeto nao trazem prejuizos ao proceso, pois basta 0 relato da verdade dos fatos visiveis ao homem de conhecimento médio. Com efeito, na presente pesquisa, em relagio ao grupo A, do total de laudos analisados, 80% possuiam as caracteristicas que compde esta categoria. De outro modo, 0 grupo B foi composto por itens que presassem pela descrigdo da metodologia para realizar a pericia e sua aplicagao, Neste, inclui-se ainda a necessidade do laudo apresentado ser conelusivo. E relevante destacar que esse grupo, teoricamente. ¢ de fundamental importancia. Primeiro, porque quando o perito indica a metodologia, tem-se a validagao da anélise que esti sendo realizada, Segundo, porque também contempla a condugdo do estudo até a sua conclusio, isto & a efetividade do laudo em determinar as causas € as consequéneias de determinada patologia; bem como em revelar 0 agente e 0 momento do evento danoso. Ainda, neste grupo, é de fundamental importincia que o perito tenha experiéncia na area que est em debate. Isso para nao acabar por lesar o direito das partes, seja por omissdo ou supervalorizagdo de algum fator determinante na patologia sob pericia. Além disso, este grupo é integrado pela parte mais importante do laudo pericial, na qual sto Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en } Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42466 analisados 0s fatos que compde o grupo A e que dario subsidios devidamente fundamentados ao grupo C, vistos a seguir. A vista disso, na investigagao em tela, na busea pelos itens que compde 0 grupo B, foram encontrados somente em 50% dos laudos analisados. Dessa forma, pode-se inferir que parece ser frdgil a emissio de conclusdes nas respostas a quesitagdo, uma vez que carecem da devida fundamentagio técnica prévia. Por outro lado, 0 contetido mais relevante para 0 magistrado e para as partes, revelou-se no grupo C. Nele, primou-se pela simples resposta objetiva a quesitagio. Assim, diante da andlise dos dados, obteve-se a sua incidéncia em 92% dos laudos. Tal dado revela que o juizo, talvez por nfo dominar a matéria técnica, fixe a sua conviegdo somente nas respostas objetivas aos quesitos apresentados pelas partes € respondidos pelo perito, independente do critério que levou a tais respostas. ‘No entanto, em que pese o engenheiro atue como auxiliar da justiga, a falta de metodologia técnica-cientifica explicitada no parecer. pode demonstrar uma fragilidade no laudo pericial. Isso porque a engenharia civil é uma cigncia exata e os produtos estdo diretamente relacionados aos métodos utilizados. Desse modo, ao se garantir a aplicagio de um procedimento padrio, previamente validado, tem-se a certeza de que se afasta do documento técnico qualquer cariter subjetivo, Portanto, os itens que compde o grupo B sio importantes para trazer a objetividade ao parecer técnico, No grafico abaixo € possivel verificar o quantitativo percentual de cada grupo que compée o Laudo avaliados nesse estudo, Observa-se a diferenga significativa entre 0 grupo A (80 %) e o C (92 %) para o B (50 %). Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en | Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42467 Figura 1: Percentual de cada grupo que compde o laudo. 1000 900 800 + 700 + 600 + 500 | 400 + 300 | 200 + 100 | 00 | Grupo A Grupo 8 Grupo c Fonte: A autora A anélise realizada em seguida ¢ referente 4 qualidade do laudo ¢ a sua aplicabilidade no processo. Para tanto, foram analisados os $0 processos constantes no presente estudo. Com efeito, em relago aos laudos utilizados para emissio da sentenga, a maior incidéncia apresentada foi de laudo muito bom (32 %), seguido de laudos bons (29%). Os laudos regulares utilizados foram 21%. Por outro lado, os laudos descartados somam 18%, Destes, a maior parte foi considerado regular (13%) © o restante ruim (5%). Destarte, pode-se verifiear que 32% dos laudos utilizados silo considerados muito bons, isto é, possuem como contetido todos os itens que compae os grupos A, Be C. Dessa forma, constata-se que este ¢ 0 percentual de laudos, na amostra analisada, que preenchem todos os requisitos téenicos e legais. Portanto, cuida-se de laudos com capacidade maxima para servir de suporte ao fundamento a uma sentenga, prezando também pela qualidade técnica objetiva. Interessante ressaltar sobre essa andlise é que, ainda que o valor obtido represente a terca parte do quantitativo total de laudos do presente estudo, trata-se do maior percentual no quesito qualidade relacionada a aplicabilidade. Em seguida ha 29% dos laudos, considerados bons. Dessa forma, embora possuam © componente do grupo C (a resposta a quesitagdo), contém, como complemento, alternativamente 0 grupo A ou o B. Portanto, em consequéncia, dese percentual, nota-se que os laudos silo deficientes das provas de fato ou da Braalian Journal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en } Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42468 complementagao da parte técnica. Dessa forma, a toda evidéncia, 0 magistrado tende a formar a sua conviegdo com informagdes incompletas. Por iltimo, dentre os laudos utilizados, tem-se 21% somente com o grupo C, isto 6, pareceres técnicos contendo a simples resposta & quesitagao. Tal documento, em que pese induza o juiz a proferir a sua sentenga, parece trazer contornos prejudiciais aos litigantes. Primeizo porque no hé como as partes averiguarem a capacidade técnica do perito e, consequentemente, deixa uma lacuna acerca da validade de suas conelusdes. Deve-se ainda ressaltar que no foi encontrado, na amostra analisada, nenhum processo com perito assistente, atuando em concomitaneia a pedido pela parte autora e/ou pela parte ré. Nesse sentido, inexistindo tais profissionais que confrontassem 0 laudo, a andlise do parecer restou limitada 4 andlise exclusiva do magistrado e dos advogados, ou seja, por profissionais sem a expertise recomendada para debater a matéria técnica, Desse modo, a atuacao do profissional perito parece ser livre de fiscalizagao €, por consequéneia, exposto a uma maior probabilidade de erros. Estes equivocos, sejam por auséneia de experiéneia, sejam pela certeza de que nfo haverd contra argumentagio de seu trabalho, embora inerentes ao ser humano, podem colocar em risco o ramo de uma demanda, que, muitas vezes, representa a vida de uma das partes. No que toca aos laudos descartados, evidencia-se o percentual de 18%, dos quais 5% nao possuiam nenhum grupo necessario 4 composigao de um relatorio. Os 13% restantes se referem aos laudos que tiveram a simples resposta a quesitagao sem, no entanto, serem conelusivos. Outrossim, nota-se aqui uma possivel semelhanga com o percentual de 21% de laudos utilizados ¢ que tiveram também a quesitagao respondida. A diferenga, no entanto, é que niio se mostrou conclusive ao magistrado, Todavia, convém frisar que © fato de ter um laudo conclusive nio pode significar que, de fato, houve uma pesquisa livre de subjetividade. Abaixo, conforme explicado, pode-se verificar o percentual de cada laudo, bem como a aplicabilidade. Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en ] Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42468 Figura 2: Percentual de qualidade do laudo e aplicabilidade W Utiizado muito bom '@ Utilizado bom w Utiizado Regular u Descartado regular w Descartado ruim Foote: A autora Neste sentido, a pericia se mostra como um trabalho estritamente téenico, ‘posta ao empirismo e pautada por metodologia técnico-cientifica. Nao comportando, neste tipo de servigo, que se tenham laudos com simples respostas 4s perguntas das partes sem as devidas metodologias ou explicagdes que levaram 0 expert a concluir sobre o assunto tratado. Assim, acredita-se que a diferenca entre os laudos utilizados e os descartados esteja na a clareza da eserita e no entendimento do magistrado, Noutro giro, recomenda-se que a selegdo dos pareceres a serem aproveitados deveria ser a existéncia de base cientifica ou nao. Portanto, diante dos resultados dessa pesquisa, constatou-se que 82% dos laudos so aproveitados pelo magistrado para subsidiar a formagao de sua convicgao na prolagao das sentenga. De outro modo, 18% dos laudos so por eles descartados e, por decorréncia légica, hé a requisigao de nova pericia. 5 CONCLUSAO A responsabilidade civil do engenheiro ou do construtor perante as obras & prevista, mormente, no Cédigo Civil Brasileiro e no Cédigo de Processo Civil. Por esta razio, problemas de engenharia podem se transformar em processo judicial com a finalidade de buscar a responsabilizagio civil, com o reparo da patologia e de todos os danos por esta advinda. Para tanto, o juiz necesita que um perito em engenharia analise os fatos relatados ‘no proceso, através de visita a0 local e, em acordo com a legislagao, pantado por método téenico-cientifico. Braalian Journal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 ] Brazilian Journal of Development | 42470 ISSN: 2525-8762 en Com efeito, este estudo analisou 50 processos judiciais do Tribunal de Iustiga do Estado do Rio de Janeiro, contendo laudos periciais de engenharia. Foi constatado que 80% dos laudos relatam os fatos encontrados através de histérico e registro fotografico, 50% indicam a metodologia cientifica utilizada, bem como a conelusio sobre a causa da patologia que da causa ao processo. De outro modo, a simples resposta a quesitagio esta presente em 92% dos laudos ese verifica que ¢ o fator de maior relevancia para a conviegao do magistrado na prolagao da sentenga. Logo, tem-se em 50% dos laudos a auséneia da metodologia utilizada. Isto significa, na pritica, a anséneia dos critérios téenicos e objetives que tangenciaram 0 perito a atingir as devidas conctusdes. Nesse sentido, permite-se assim, atribuir uma carga elevada de subjetividade na confecgao dos pareceres e até mesmo admitir que a inexperiéncia do engenheiro perito se reflita no laudo, Por certo, consequentemente, deixando a conviego do magistrado, a toda evidéneia, frigil. Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 en ] Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8762 42471 REFERENCIAS ABNT, Associacio Brasileira de Normas e Técnicas. Disponivel em: -. Acesso em: 01 mar. 2021 BELL, G. Engineering investigation of structural failures. In: RATAY, R. Forensic Structural Engineering Hankbook. New York: Me Graw-Hill, 2000. p. 6.2 - 6.4. BRASIL. Constituicio da Repibliea Federativa do Brasil, 1988. Disponivel em: Acesso em: 07 mar 2021 BRASIL. Conselho Federal da Engenharia e Agronomia. Resolugéo n° 345, 1990. Disponivel em: . Acesso em: 04 abr 2021 BRASIL. Superior Tribunal de Justiga, Stimula 194, 1994, Disponivel em: -. Acesso 7 mar 2021 BRASIL. Lei n° 13.105. Codigo de Proceso Civil, Brasil, 2015. Disponivel em: . Acesso em: 07 mar 2021. BRASIL. Superior Tribunal de Justiga. HC 214049-SP. 6° turm: abr 2021, 2015. Acesso em: 04 BRASIL. Conselho Nacional de Justiga. Resolugdo n° 233, 2016, Disponivel em: , Acesso em: 04 abr 2021. BRASIL. Superior Tribunal de Justiga.. AREsp n° 1820955, 2021. Disponivel em: - Acesso em: 04 abr 2021. Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 ] Brazilian Journal of Development | 42472 ISSN: 2525-8762 en CARPER, K. Structural Failures During Construction. Journal of Performance of Constructed Facilities, abr. 1987. 132-144. CONFEA. Conselho Federal de Engenharia e Agronomia. Cédigo de Etiea do Profissional da Engenharia, da Agronomia, da Geologia, da Geografia e da Meteorologia, 2002. Disponivel em: . Acesso em: 04 abr 2021 FEIGELSON, S. Pericias de Engenharia. A Apuragio dos Fatos. 3°. ed. Rio de Janeiro: Leud, 2016. FELD, J.; CARPER. K. Construction Failure. New York: John Wiley, Inc. , 1997. FIKER, J. Pericias e Aval Paulo: Leud, 2011. ces de Engenharia. Fundamentos Praticos, 2°. ed. Sio FIKER, J. Manual de Redagio de Laudos. 3. ed. Sio Paulo: Oficina do Texto, 2019. GAGLIANO, P. $.; PAMPLONA, R. Novo Curso de Direito Civil. 17°. ed. Sao Paulo: Saraiva Jur, v. 3, 2018. 380 p. GOMIDE, T. Engenharia Diagndstica em Edificacdes. So Paulo: [s.n.], 2016. HEYWOOD, R. J. Responding to failure: an introduction to forensic structural engineering, Australian Journal of Structural Engineering, 2011. 1-10. INGHAM, J.; LEEK, D. Forensic engineering of construction materials: lessons learnt from disputes. Forensic Engineering, p. 33-44, 2016. ITTMANN ET AL. Personal Liability of the Practicing Engineer. Journal of Legal Affairs and Dispute Resolution in Engineering and Construetion, muar. 2016 JAGANNATHAN, M.; DELHI, V. Litigation in Construction Contracts: Literature Review. Journal ofLegal Affairs and Dispute Resolution in Engineering and Construction, 27 nov. 2019. MURPHY, P.; DUTHIE, L.; BIELERT, B. Australian Journal of Structural Engineering. Australian legal guidelines for forensic engineering, N° 1 Vol. 11 2010. p. 11-22 Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 ] Brazilian Journal of Development | 42473 ISSN: 2525-8762 en NICASTRO, D. Failure Mechanismin build construction. Virginia: ASCE Press, 1997. RATAY, R. Forensic structural engineering practice in the USA. Proceedings of the Institution of Civil Engineers — Civil Engineering, maio 2009. 52-56. RATAY, R. The forensic structural expert consultant/witness - US practices. Forensic Engineering, maio 2011. 79-86. RODRIGUES, S. Direito Civil. 20°. ed. Sao Paulo: Saraiva, v. 4, 2006, SHIEN NG ET AL. Teaching Forensic Engineering in Civil Engineering. Journal of Performance of Constructed Facilities, mar. 2017. SHNOOKAL, B.; SHAW, J. The ethies of forensic engineers. Austratian Journal of Structural Engineering, 2011 SOUZA, V.; RIPPER, T. Patologia, recuperacao e reforco de estruturas de conereto. Sao Paulo: Pini, 2009. TARTUCE, F. Direito Civil. Direito das Obrigacdes e Responsabilidade Civil. 14°. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 2, 2019. 819 p. THOMAZ, E. Patologia. Sao Paulo: ABCI, 1990. TJERJ. Acordio Proceso n° 0030222-71.2013.8.19.0007. Tribunal de Justiga do Estado do Rio de Janeiro, 2" instancia. Rio de Janeiro, 2013. do Estado do Rio de Janeiro, Disponivel em: . Acesso em: 03 jan. 2021 TOIT, J. Ethies as commodity in higher education of South African natural science and engineering students, Koers Journal, November 2012. 1-8. VERCOSA. E. Patologia das Edificagdes. Porto Alegre: Sagra, 1991 VERRAX, F. Engineering ethies and post-normal science: A French perspective. Futures, February 2017. 76-79. Braalian Joumal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021 ] Brazilian Journal of Development | 42474 ISSN: 2525-8762 en WANG ET AL. Research on Optimization of Big Data Construction Engineering Quality Management Based on RNN-LSTM. Complexity Problems Handled by Big Data Technology, July 2018. Braalian Journal of Development, Curitiba, v.7, 4, p. 42457-42474 apr 2021

Você também pode gostar