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possibilidades de curso de vida de

O QUE EU uma maneira bem realista.

VOU SER
SOBRE A NOSSA PESQUISA

QUANDO Nós estamos curiosos para saber quais


serão as nossas opções para o futuro. Então,

CRESCER?
nossos pais nos convidaram para uma
viagem através de várias manifestações
artísticas, entremeado com recortes de
perspectivas da sociologia, entre outras
áreas de conhecimento, para entendermos
quais opções temos.

Primeiro, nossos pais apontaram pra gente a


definição da BNCC (Base nacional comum
curricular ) sobre o que é considerado arte,
manifestações artísticas e estudo da arte
pelo Ministério da Educação do nosso país.
E nossos pais nos mostraram também como
Alunos: Ana de Castro Leão, Davi de Castro as manifestações artísticas retratam os
Leão e Flora. sistemas de crença que organizam a nossa
Ensino Fundamental I: 6 e 7º Grade sociedade. Então, aos poucos, ao longo de
Escola Clonlara - https://clonlara.org/ nossas pesquisas e estudos, separamos
uma lista de filmes, livros, peças de teatro,
Trabalho escolar sobre as nossas músicas, entre outras manifestações

possibilidades de trajetória feito a


artísticas, que estão distribuídas por esse
livreto, e refletimos sobre o que estavam
partir de um corte colagem de dizendo.
recortes de várias fontes,
organizando todas as informações
Segundo, nossos pais apresentaram uma
forma de ver como a nossa sociedade se
que pesquisamos, com a ajuda dos organiza, através das perspectivas da
nossos pais, e nos ajudaram a sociologia e outras áreas de conhecimento,
para apresentar o cenário e o contexto em
entender mais sobre nossas que nascemos e vivemos, e como essa
organização nos afeta, pois é constritiva
(limitante) e construtiva (nos forma e nos
orienta). Entremeado a essas perspectivas,
apresentamos uma seleção de transformam percepções acerca do corpo e
manifestações artísticas. da dança, por meio de arranjos que
permitem novas visões de si e do mundo.
Eles têm, assim, a oportunidade de repensar
dualidades e binômios (corpo versus mente,
popular versus erudito, teoria versus
RETRATOS DA VIDA
prática), em favor de um conjunto híbrido e
dinâmico de práticas.
Sobre o aprendizado através das
manifestações artísticas

A BNCC diz o seguinte: “As Artes visuais são


os processos e produtos artísticos e
culturais, nos diversos tempos históricos e
contextos sociais, que têm a expressão
visual como elemento de comunicação.
Essas manifestações resultam de
explorações plurais e transformações de
materiais, de recursos tecnológicos e de
apropriações da cultura cotidiana.

As Artes visuais possibilitam aos alunos


explorar múltiplas culturas visuais, dialogar
com as diferenças e conhecer outros
espaços e possibilidades inventivas e
expressivas, de modo a ampliar os limites
escolares e criar novas formas de interação A Música é a expressão artística que se
artística e de produção cultural, sejam elas materializa por meio dos sons, que ganham
concretas, sejam elas simbólicas. forma, sentido e significado no âmbito tanto
da sensibilidade subjetiva quanto das
A Dança se constitui como prática artística interações sociais, como resultado de
pelo pensamento e sentimento do corpo, saberes e valores diversos estabelecidos no
mediante a articulação dos processos domínio de cada cultura. A ampliação e a
cognitivos e das experiências sensíveis produção dos conhecimentos musicais
implicados no movimento dançado. Os passam pela percepção, experimentação,
processos de investigação e produção reprodução, manipulação e criação de
artística da dança centram-se naquilo que materiais sonoros diversos, dos mais
ocorre no e pelo corpo, discutindo e próximos aos mais distantes da cultura
significando relações entre corporeidade e musical dos alunos. Esse processo lhes
produção estética. Ao articular os aspectos possibilita vivenciar a música
sensíveis, epistemológicos e formais do inter-relacionada à diversidade e
movimento dançado ao seu próprio desenvolver saberes musicais fundamentais
contexto, os alunos problematizam e
para sua inserção e participação crítica e A arte como retrato dos nossos sistemas
ativa na sociedade. de crença

O Teatro instaura a experiência artística “[...] A sociologia da literatura investiga as


multissensorial de encontro com o outro em práticas literárias como um produto social,
performance. Nessa experiência, o corpo é em que estão inscritos instituições e
lócus de criação ficcional de tempos, agentes que produzem, consomem e
espaços e sujeitos distintos de si próprios, avaliam esses bens culturais [...]” (Gisele
por meio do verbal, não verbal e da ação Sapiro). Aliás, de um modo geral, podemos
física. Os processos de criação teatral assumir que as manifestações artísticas
passam por situações de criação coletiva e retratam os sistemas de crença que
colaborativa, por intermédio de jogos, organizam a nossa sociedade. Tendo isso
improvisações, atuações e encenações, em mente, buscamos uma seleção de filmes,
caracterizados pela interação entre atuantes peças de teatro, músicas, entre outras
e espectadores. O fazer teatral possibilita a manifestações culturais, para refletir sobre
intensa troca de experiências entre os como a nossa sociedade se organiza, e
alunos e aprimora a percepção estética, a quais são as nossas opções nessa
imaginação, a consciência corporal, a organização.
intuição, a memória, a reflexão e a emoção.

Ainda que, na BNCC, as linguagens artísticas


das Artes visuais, da Dança, da Música e do
Teatro sejam consideradas em suas
especificidades, as experiências e vivências
dos sujeitos em sua relação com a Arte não
acontecem de forma compartimentada ou
estanque. Assim, é importante que o
componente curricular Arte leve em conta
o diálogo entre essas linguagens, o diálogo
com a LITERATURA (incluindo HQ,
cartoons, charges etc), além de possibilitar
o contato e a reflexão acerca das formas
estéticas híbridas, tais como as artes Nós sentimos que aprendemos muito com
circenses, o CINEMA e a performance”. E a os desenhos animados, seriados, filmes e
BNCC também fala de explorar e analisar novelas, pois são literatura também, porque
elementos constitutivos da música e das podem ser analisados e interpretados da
artes visuais por meio de recursos mesma forma que a literatura escrita
tecnológicos, como GAMES e plataformas tradicional; e, todos os elementos da ficção
digitais, jogos e canções. presentes na literatura escrita estão
presentes na literatura apresentada ali. Bons
filmes contam boas histórias, e uma boa
narrativa requer o uso de dispositivos e
técnicas literárias tradicionalmente significado a letras e talvez não ative a
respeitadas, e o mesmo vale para séries, imaginação da mesma maneira que uma
novelas e desenhos. Nós usamos desenhos, forma puramente textual. Mas em todos os
séries, filmes e novelas que são adaptações outros modos de exercício mental
de obras de literatura escrita, e igualmente associados à leitura a televisão está ficando
aqueles para os quais não há livro, e até cada vez mais rigorosa. E o ritmo está
mesmo clipes curtos às vezes. acelerando – graças a mudanças na
economia do negócio da televisão e na
Steven Johnson, em sua obra "Tudo que é tecnologia da qual dependemos para assistir
Ruim é Bom pra Você", coloca o seguinte: a ela [...] Em 1981, era possível tecer três
"[...] Algumas narrativas obrigam o linhas narrativas principais e meia dúzia de
espectador a fazer algum esforço para tramas secundárias ao longo de um
compreendê-las, enquanto outras programa de uma hora no horário nobre e
simplesmente permitem que ele se arrebanhar público suficiente para manter a
acomode na poltrona e se desligue. Parte produção no ar. Hoje pode-se desafiar o
desse esforço cognitivo decorre da público com uma mistura mais complicada,
necessidade de acompanhar diversos fios criando um leviatã no processo. A
narrativos, de distinguir claramente enredos multiplicidade de linhas é a característica
que muitas vezes formam tramas estrutural mais apreciada da moderna
densamente entrelaçadas. Mas outra parte dramaturgia televisiva, e certamente merece
consiste na atividade do espectador para; parte da glória que tem recebido. Quando
“preencher as lacunas”; compreender assistimos TV, identificamos de forma
informações deliberadamente incompletas intuitiva, como medida da complexidade de
ou obscuras. Narrativas que exigem dos determinado programa, a quantidade de
espectadores o trabalho de acrescentar linhas narrativas por episódio. E todas as
elementos cruciais levam a complexidade a evidências sugerem que esse padrão vem
um nível mais desafiador. Para seguir a ascendendo continuamente nas duas
narrativa, é preciso mais do que lembrar. É últimas décadas [...]".
preciso analisar. Essa é a diferença entre
programas inteligentes e programas que E nós definitivamente aprendemos muito
obrigam o espectador a ser inteligente [...] com videgames. Como relata Steve
Outro tipo de inteligência televisiva está em Johnson: “Romances podem ativar nossa
ascensão. Lembremos os benefícios imaginação, e a música pode evocar
cognitivos convencionalmente atribuídos à emoções poderosas, mas os jogos forçam
leitura: atenção, paciência, retenção, análise você a decidir, escolher, priorizar. Todos os
de linhas narrativas. Ao longo do último benefícios intelectuais do jogo derivam
meio século de domínio da televisão na dessa virtude fundamental, porque aprender
cultura de massa, tem havido, na a pensar é, em última análise, aprender a
programação da TV, um aumento constante tomar as decisões certas: pesar evidências,
da demanda precisamente sobre essas analisar situações, consultar seus objetivos
faculdades mentais. Pela própria natureza de longo prazo e, em seguida, decidir.
do meio, a televisão jamais melhorará a Nenhuma outra forma cultural pop envolve
capacidade dos espectadores de dar diretamente o aparato de tomada de
decisão do cérebro da mesma forma. Do prontamente quatro níveis de
lado de fora, a atividade primária de um intencionalidade embutida (você duvida que
jogador parece uma fúria de clicar e atirar, e Brian aceite que Lisa saiba o que Robin diz),
é por isso que grande parte da sabedoria mas descobrimos que é mais difícil lidar com
convencional sobre jogos se concentra na outros níveis. A ficção frequentemente
coordenação mão-olho. Mas se você olhar empurra “nossa capacidade de processar
dentro da mente do jogador, a atividade intencionalidades embutidas além de nossa
principal acaba por ser outra: é a constante zona cognitiva de conforto”. Segundo a
tomada de decisões, algumas delas, autora, a leitura de ficções também
julgamentos rápidos, algumas estratégias de proporciona maior poder explicativo,
longo prazo [...]”. precisão e clareza. Realmente, fazer
inferências sobre os estados mentais de
E as crianças exploraram muitos videojogos outras pessoas é tão natural para os seres
de RPG e os de STG. RPG (role playing humanos que fazemos isso
games) são definidos por mecânicas que automaticamente, sendo essas pessoas
estão associadas ao mundo do jogo. No fictícias ou reais, realmente presentes ou
caso, os jogos de roleplaying são não. Logo, a razão pela qual lemos ficção, a
evidentemente sobre desempenhar um autora afirma, é porque esta exercita
papel. Desempenhar um papel é fazer tremendamente a nossa habilidade de
escolhas como se você fosse o leitura da mente. A autora explica como a
personagem. Portanto, para que um jogo Teoria da Mente é um conjunto de
seja um jogo de RPG a mecânica do jogo habilidades cognitivas para entender nosso
tem que ser sobre resolver impasses e fazer mundo social, e, o romance - ao engajar
escolhas como se você fosse o essas habilidades na classificação de
personagem. Um exemplo de videojogo metarepresentações - é uma versão focada
RPG é Stardew Valley, em que o jogador e destilada dessas mesmas habilidades
escolhe um personagem e uma fazenda e cognitivas. Essa ênfase na ficção narrativa
através das escolhas que faz “escreve” a como um desdobramento das habilidades
história de uma vida. Por outro lado, STG cognitivas sociais humanas também leva
(videojogos narrativos, storytelling games ou Zunshine, primeiro implicitamente e no final
story-driven-games) são definidos pela do livro também explicitamente, a considerar
mecânica de controle narrativo, o jogador a cognição e a emoção como inextricáveis,
faz escolhas dentre as opções de rumos da em vez de formar algum tipo de oposição
narrativa, e não como se fosse o entre racionalidade e
personagem como é no RPG. Um exemplo irracionalidade/emoção.
de videojogos narrativos são os da LEGO,
em que as crianças reviveram as aventuras "Psicólogos evolucionistas cognitivos que
de Harry Potter, entre muitos outros. trabalham com ToM (theory of mind) pensam
que essa adaptação deve ter se
Em sua obra 'Why We Read Fiction: Theory desenvolvido durante a "evolução
of Mind and the Novel" Lisa Zunshine sugere neurocognitiva massiva" que ocorreu
que lemos ficções a fim de nos dar um treino durante o Pleistoceno (1,8 milhão a 10.000
cognitivo. Normalmente entendemos anos atrás). O surgimento de um "módulo"
da Teoria da Mente foi a resposta da permaneçam cientes de que personagens
evolução ao desafio "incrivelmente fictícios não são pessoas reais. O romance,
complexo" enfrentado por nossos em particular, está implicado em nossa
ancestrais, que precisavam dar sentido ao capacidade de ler mentes a tal ponto que
comportamento de outras pessoas em seu não me considero em perigo de exagerar
grupo, que poderia incluir até 200 nada quando digo que em sua forma familiar
indivíduos. Baron-Cohen aponta que atual existe porque somos criaturas com
"atribuir estados mentais a um sistema ToM. Como uma representação sustentada
complexo (como um ser humano) é de longe de inúmeras mentes em interação, o
a maneira mais fácil de entendê-lo", isto é, romance alimenta o complexo poderoso e
de "encontrar uma explicação do faminto de representações de adaptações
comportamento do sistema complexo. cognitivas cuja própria condição de ser é
interpretar e prever o que ele fará em uma constante estimulação social fornecida
seguida, o comportamento observado em por interações diretas com outras pessoas
termos de estados mentais subjacentes (por ou por aproximação imaginária de tais
exemplo, "Peter Walsh estava tremendo interações.
porque estava animado para ver Clarissa
novamente") parece ser tão fácil e Além disso, os antropólogos cognitivos
automático (no sentido de que não estamos estão cada vez mais conscientes de que
mesmo consciente de se engajar em nossa capacidade de atribuir estados de
qualquer ato particular de "interpretação") espírito a nós mesmos e a outras pessoas
porque nossa arquitetura cognitiva evoluída depende intensamente do contexto. Ou
nos "incita" a aprender e praticar a leitura da seja, é sustentada não por uma adaptação
mente diariamente, desde o início da cognitiva uniforme, mas por um grande
consciência. conjunto de adaptações especializadas
voltadas para uma variedade de contextos
Assim, uma implicação preliminar de aplicar sociais" (Leia mais em 'Why We Read Fiction:
o que sabemos sobre ToM ao nosso estudo Theory of Mind and the Novel" por Lisa
de ficção é que isso torna possível a Zunshine).
literatura como a conhecemos. O próprio
processo de dar sentido ao que lemos Como a sociedade molda nossas mentes
parece basear-se em nossa capacidade de
revestir as frágeis construções verbais que A posição da neurologista Leslie Brothers é
generosamente chamamos de que a mente não é interna aos indivíduos,
"personagens" com um potencial para uma mas é constituída por nossa participação em
variedade de pensamentos, sentimentos e uma rede de atos sociais. A mente é criada
desejos e, então, procurar por " pistas" que socialmente e nossos cérebros são
nos permitiriam adivinhar seus sentimentos especificamente programados para
responder a estímulos sociais. A mente é um
e, assim, prever suas ações. A literatura
sistema público de sinais e comportamento.
pervasivamente capitaliza e estimula os
mecanismos da Teoria da Mente que Nossa capacidade de linguagem inata
evoluíram para lidar com pessoas reais, ganha vida quando somos expostos à
mesmo que em algum nível os leitores linguagem de nossa comunidade durante a
infância. Antes da exposição social, a interações uns com os outros com relativa
linguagem existe apenas como uma espécie facilidade. E é exatamente isso que a
de potencial abstrato. Isso vale também para aculturação realiza: por meio de narrativas e
o conceito de pessoa em sua dimensão performances, ela transforma categorias
social. Nossos cérebros têm a capacidade sociais arbitrárias em realidade para os
de gerar os conceitos de pessoa e ordem participantes.
social, mas eles devem assumir sua forma
específica a partir da exposição a uma Sobre as performances, enquanto as
cultura particular. As culturas transmitem o narrativas são informativas; as conversas
conteúdo da pessoa e da ordem social de são performativas. Embora as narrativas —
duas maneiras – por meio de narrativas e usando o vocabulário de razões e "deveres"
performances. — nos eduquem sobre o que significa ser
um tipo particular de pessoa em nossa
Por que as narrativas são tão influentes? cultura, as conversas são onde a
Pertencer é uma motivação humana personalidade é exercida no aqui e agora.
primária: para pertencer, os indivíduos Na conversa, as pessoas marcam seu status
adotam e usam as narrativas que os cercam. momentâneo na ordem social por meio de
Assim, as narrativas do grupo organizam o signos.
pensamento de seus membros,
especificando as categorias de suas O encontro face a face, por exemplo, é
percepções, especialmente as percepções ricamente performativo. Antes da invenção
sobre as pessoas. das insígnias e cerimônias, em nossa
evolução, os encontros face a face
As narrativas são inerentemente públicas: prolongados devem ter sido o primeiro
elas são elaboradas por indivíduos em campo em que os humanos exibiam e
contextos sociais para se comunicarem e trocavam sinais, o terreno sobre o qual eles
serem respondidas com outras narrativas. testaram, bajularam e apaziguaram uns aos
São sobre as relações entre as pessoas e a outros enquanto outros membros do grupo
ordem social na cultura do falante. A função observavam. A conversa começa com
da narrativa é revelar e comentar a rostos. As expressões faciais são sinais
linguagem da ordem social – isto é, os imperativos para todos os primatas. O
deveres, direitos e justificativas da vida equipamento neural que gera e percebe
cotidiana. A relação entre os indivíduos e a essas expressões é muito mais antigo que a
ordem social é, portanto, a essência da espécie humana. Mas o cérebro humano
narrativa. Ver a narrativa dessa maneira colocou as exibições faciais sob um alto
explica por que as histórias sobre pessoas e grau de controle para produzir fluxos de
seus comportamentos são infinitamente sinais sutilmente modulados. Esses sinais,
fascinantes. acompanhados de palavras, são trocados
publicamente no pas de deux de uma
Embora algumas categorias sociais se conversação incrivelmente rápida.
tornem objetos de luta entre facções
políticas dentro de uma única sociedade (um [...] Os primatas mudaram no curso da
exemplo contemporâneo é o status dos evolução de uma dependência do olfato (o
animais domésticos como objetos de sentido do olfato) para uma dependência de
preocupação moral), a maioria das sinalização visual. No processo, os músculos
categorias faz parte de nossa paisagem de seus rostos foram reorganizados para
mental. Nós os tomamos como fatos simples produzir uma rica variedade de movimentos
e, assim, somos capazes de realizar que podiam ser comunicados visualmente:
as expressões. No lado perceptivo, as ou família deve fazer, pensar e dizer. Além
estruturas cerebrais que anteriormente disso, somos altamente flexíveis a esse
serviam ao olfato foram adaptadas para ler respeito, até mesmo ansiosos para redefinir
sinais visuais. Para resumir, vimos que a a nós mesmos e uns aos outros por meio de
"conversa" carrega as marcas de sua nossas interações. As funções sociais do
descendência da sinalização facial e sua cérebro são relativamente novas para a
sinalização olfativa precursora. Darwin neurociência. Em contraste, a ideia de que
escreveu verdadeiramente quando disse: as pessoas criam realidades sociais por
"Os movimentos de expressão dão meio de suas interações tem sido articulada
vivacidade e energia às nossas palavras por filósofos e trabalhadores das ciências
faladas". Exibições expressivas chamam a sociais. Alguns desses pensadores
atenção porque nossos cérebros estão chegaram a propor que o conceito de self é
programados para responder a elas. Mas, uma criação puramente social.
como tigres em um ato de circo, eles podem
ser forçados a atuar de forma restrita e [...] As palavras não são ponteiros para
orquestrada. Este é o truque que nossos objetos ou situações fora da linguagem. Em
cérebros aperfeiçoaram: o rosto é o anel vez disso, apenas as frases cotidianas
central – todos os olhos estão nele. E pronunciadas em contextos sociais podem
quando vemos exibições faciais, nós as ser consideradas como tendo significado, e
registramos em redes cerebrais seu significado deriva unicamente das
evolutivamente antigas que incluem "formas de vida" sociais (por exemplo, jogar
estruturas como a amígdala. Essas redes um jogo; dar uma ordem) das quais eles
são configuradas para desencadear fazem parte. A linguagem simplesmente
disposições comportamentais apropriadas incorpora as crenças e práticas
às situações sociais em que os primatas compartilhadas da comunidade de usuários
comumente se encontram ao longo de sua da linguagem. as noções de self e
história. Com base neste equipamento autoconsciência podem ser abordadas da
básico, com nossa moderna capacidade de mesma maneira. Segundo Mead, a
criar cultura, geramos novas situações, consciência de si é a adoção da atitude do
novos contextos e novas respostas por meio outro generalizado em relação a si mesmo.
de nossa conversa. Impulsionadas pelo desejo de
pertencimento, as crianças ingressam nas
Então resumindo, vimos que nossos organizações inicialmente como uma
cérebros atribuem um locus de espécie de jogo social; o self da criança
subjetividade a rostos e corpos, dotando-os torna-se então determinado por sua relação
de vida mental, dimensão fundamental do com o grupo ao qual ela pertence. A
conceito de pessoa. Vimos também como a autoconsciência surge no processo da
relação entre as pessoas e a ordem social é experiência social. A atitude generalizada
continuamente inventada e retrabalhada em dos outros em relação a si mesmo se liga às
narrativas e como nossos cérebros sensações do próprio corpo, para produzir
evoluíram para realizar a sofisticada os sentimentos de existência pessoal com
performance face a face conhecida como os quais estamos familiarizados.
"conversar". Assim, somos adaptados não
apenas para formar o conceito de pessoa, [...] Lev Vygotsky sustentou que a cognição
mas também como receptáculos tanto para individual tem sua origem nas transações
histórias comunitárias quanto para com os outros. Ele sustentou que as
performances do que significa ser uma transações nas quais os bebês participam
pessoa – o que uma pessoa em sua cultura são internalizadas para criar a estrutura da
mentalidade individual. As crianças delas. Isso parece complicado, mas na
aprendem roteiros e convenções sociais verdade é a lógica penetrante do
participando deles; a cognição individual pensamento cotidiano. Este ramo da
traz posteriormente a marca de suas origens sociologia, originado pelo pesquisador
sociais. Isso implicaria, de acordo com Harold Garfinkel, analisa como os fatos do
Mead, que o conceito que a criança tem de senso comum - as coisas que "qualquer um
si mesma, como seus outros conceitos, pode ver" - são criados e perpetuados pelas
surge de interações com outros, ao invés de pessoas por meio de suas falas e ações. Em
existir a priori. outras palavras, como performances e
narrativas criam conceitos que então têm o
[...] Podemos reconciliar a ideia de que a caráter de serem objetivamente
subjetividade é criada por cérebros verdadeiros, “realmente lá fora no mundo”
individuais com a ideia de que a para os participantes engajados em sua
subjetividade é o produto de um sistema de construção.
crenças sociais? Podemos. Percebendo que
o órgão de criação da mente, o cérebro, Como exemplo, vejamos um estudo que
opera dentro de um campo social. Um mostrou como os professores encontraram
campo social por si só não é suficiente, pois evidências de tipos sociais como "criança
as crianças autistas não conseguem pensar, imatura", "trabalhador independente" e
apesar de terem sido criadas de maneira "aluno brilhante". O sociólogo Kenneth Leiter
completamente social. Portanto, um órgão descobriu que vários comportamentos das
de criação da mente por si só não é crianças eram interpretados pelos
suficiente: a sociedade deve fornecer ao professores, para si mesmos e uns para os
cérebro formas específicas de self e pessoa, outros, como "o documento de" ou como
assim como fornece a linguagem específica "apontando para" tais categorias
que o órgão de criação de linguagem do subjacentes. O problema era que o
cérebro irá captar e reproduzir. comportamento real das crianças nem
sempre era consistente com os atributos
[...] A atividade pela qual as pessoas criam que os professores lhes atribuíam. Como, se
conjuntamente fatos sociais simples é o são reais, tais atributos devem existir
assunto de um campo chamado independentemente de variações de
etnometodologia. Este ramo da sociologia, comportamento, os professores
originado pelo pesquisador Harold Garfinkel, encontraram maneiras de explicar e
analisa como os fatos do senso comum - as descartar comportamentos, como
coisas que "qualquer um pode ver" - são desempenho em testes que não estavam de
criados e perpetuados pelas pessoas por acordo com as atribuições que haviam feito.
meio de suas falas e ações. Em outras Essas contas foram realizadas fornecendo
palavras, como performances e narrativas contextos criativamente ("ela estava
criam conceitos que então têm o caráter de chateada naquele dia") para
serem objetivamente verdadeiros, comportamentos específicos que de outra
“realmente lá fora no mundo” para os forma ameaçavam corroer a congruência do
participantes engajados em sua construção. objeto social (criado). Um desempenho ruim
Os etnometodologistas descobriram que a no teste por uma "estudante brilhante" pode
realidade das categorias socialmente ter sido tomado como evidência de seu
construídas é sustentada pela lógica circular: estado de espírito perturbado ou de que o
sua factualidade é presumida enquanto, ao teste foi mal escrito - mas não contestou sua
mesmo tempo, eventos inerentemente atribuição à categoria "estudante brilhante".
ambíguos são trazidos como evidência O fato de um aldeão sair na noite de lua
nova e retornar ileso pode ser explicado da realidade, o andaime da pretensão cai e a
mesma maneira criativa: ele estava co-construção adulta, que é tácita, sobrevém
carregando um amuleto especial, ou um (Leslie Brothers).
xamã havia trilhado o mesmo caminho no
dia anterior, tornando-o seguro. Por tais A cultura define nossos sentimentos e
métodos, as "verdades" subjacentes (o emoções
estudante é brilhante, a lua nova é perigosa)
Como vimos anteriormente, é preciso
são sustentadas e as evidências contrárias
diferenciar entre emoções e sentimentos,
explicadas. A crença nas categorias
não existe uma parte do cérebro
subjacentes só é fortalecida, nunca
responsável pelas emoções, a "emoção" não
enfraquecida, por eventos reais. Os
pode ser localizada em nenhum sistema
etnometodólogos chamaram esse tipo de
neural real ou estado corporal. O que nós
lógica de "método documental". O método
denominamos emoções são na realidade
documental geralmente é empregado
certas áreas no cérebro que recebem uma
coletivamente em performances e
confluência de estímulos sensoriais em uma
narrativas, por isso é um criador muito
variedade de modalidades e, por sua vez,
poderoso de crença compartilhada.
são diretamente acopladas a outras regiões
O sociólogo Alfred Schutz apontou que as que causam mudanças nos estados
pessoas fazem duas suposições básicas em corporais, como frequência cardíaca,
relação umas às outras, com o propósito de tamanho da pupila, níveis hormonais e
supor que existe um mundo comum que atividade muscular. As áreas que foram mais
transcende sua experiência privada. A universalmente aceitas como pertencentes
primeira é a intercambialidade de pontos de ao "sistema límbico" são aquelas que
vista. De acordo com essa idealização, se eu possuem esse padrão de entrada-saída no
tomasse o lugar do meu parceiro, veria as maior grau.
coisas como ele vê agora, estaria à mesma
Já os sentimentos são construtos sociais.
distância das coisas que ele agora está, e
Nesse sentido, como aponta o sociólogo
assim por diante. A segunda idealização é a
Steven Gordon, a cultura desempenha um
congruência do sistema de relevâncias. Esta
papel crítico nos processos básicos de
é a suposição de que meu parceiro e eu
rotular ou definir nossas experiências
subscrevemos, para todos os efeitos
emocionais. Ao rotular nossas emoções,
práticos, o mesmo sistema de relevâncias
devemos nos basear na cultura emocional
nos objetos e eventos com os quais
de nossa sociedade, ou melhor, nos
estamos engajados em conjunto.
sentimentos sociais. Um “sentimento social”
A fé de que meu mundo e o seu mundo são introduz a importância da cultura e é
compartilhados em comum cria o seguinte definido como "um padrão socialmente
efeito: quando juntos criamos objetos construído de sensações, gestos e
sociais (por exemplo, categorias como significados culturais organizados em torno
"propriedade privada" ou "criança imatura"), de uma relação com um objeto social,
eles se tornam reais para nós dois. As geralmente outra pessoa.” Os sentimentos
crianças, que são novas nas práticas de sociais são, portanto, mais um conceito
co-construção, criam realidades sociológico porque os sentimentos são
compartilhadas explicitamente em definidos pela cultura e requerem
fingimento ("vamos fazer de conta que isto é socialização para serem aprendidos pelos
uma loja"). Uma vez que as crianças tenham indivíduos.
alcançado a capacidade de co-construir a
Acho que é possível ser completamente quais desencadeia o outro - e o significado
sociológico sobre os sentimentos. Fazer isso da expressão ameaçadora é dado pelas
depende de ver o corpo e suas mudanças mudanças corporais que ela evoca em seu
como essencialmente públicos e destinatário (Leslie Brothers).
comunicativos. Ações mediadas pelo
sistema nervoso autônomo são elementos O trabalho emocional
de uma retórica social pré-histórica do corpo
A socióloga Arlie Russell Hochschild, em seu
que ainda persiste em nós. A micção
livro “The Managed Heart”, fala sobre o
repentina é um sinal; assim é corar e
"trabalho emocional", isto é, a gestão das
transpirar. Sinais evocativos, como palidez,
emoções e dos sentimentos para criar uma
urina ou tremores, são mais primitivos e
exibição facial e corporal observável
menos evanescentes historicamente do que,
publicamente. A emoção pode estar e
por exemplo, um desmaio orquestrado em
frequentemente é sujeita a atos de gestão, o
um salão acolchoado ou um dedo médio
indivíduo se autoregula para induzir ou inibir
erguido em um cruzamento de trânsito. No
determinados sentimentos, de modo a
entanto, o que as demonstrações físicas
torná-los "adequados" a uma situação:
antigas e modernas têm em comum é que
elas surgiram em situações históricas que “[...] Por que a experiência emotiva de
foram e são fundamentalmente sociais. Além adultos normais na vida diária é tão ordeira
disso, não é surpreendente encontrar novos quanto é? Por que, de modo geral, as
e antigos sistemas de sinalização operando pessoas se sentem alegres em festas, tristes
ao mesmo tempo, em harmonia ou em funerais, felizes em casamentos? Essa
dissonância entre si, para produzir gestos questão nos leva a examinar, não
sociais completos. Esses gestos inteiros convenções de aparência ou
devem então ser interpretados por outros e comportamento exterior, mas convenções
por si mesmos. de sentimento. As convenções de
sentimento tornam-se surpreendentes
As emoções e sentimentos são sistemas
apenas quando imaginamos, por contraste,
evoluídos para a regulação mútua do
como a vida emocional totalmente sem
comportamento, muitas vezes envolvendo
padrões e imprevisíveis pode realmente ser
mudanças corporais que atuam como sinais.
em festas, funerais, casamentos e na vida
O conceito tradicional de emoção, com suas
familiar ou profissional de adultos normais
conotações de sentimentos isolados e
[...]”.
expressão, deve ser substituído pela noção
de um ciclo comunicativo de sinalização e As “regras de sentimentos”, como chama a
resposta. O emissor de um sinal — por autora, governam como as pessoas tentam
exemplo, uma expressão facial de ou não se sentir de maneiras "adequadas à
sobrancelhas franzidas e dentes situação". Tal noção demonstra quão
arreganhados — desencadeia um estado profundamente o indivíduo é "social" e
complementar no receptor que causa, por "socializado" para tentar homenagear as
meio de caminhos evolutivamente inscritos, definições oficiais das situações com nada
um estado de "ser ameaçado". Esse estado menos que seus sentimentos. As regras do
consiste em disposições corporais sentimento governam a intensidade (forte
complexas para agir, como liberação de versus fraca), a direção (positiva versus
hormônios de luta ou fuga, mudanças na negativa) e a duração (fugaz versus
pressão sanguínea, encolher-se e assim por duradoura) de uma emoção. As regras de
diante. "Raiva" e "medo submisso" são dois exibição (também chamadas de regras de
comportamentos complementares, um dos expressão) envolvem normas sobre como
uma emoção ou sentimento deve ser que a formiga cresça um abdômen vermelho
expresso. Hochschild descreveu as regras vivo, simulando bagas. Este abdômen
de sentimento como indicadores normativos brilhante constitui um fenótipo manipulado
do que é apropriado em uma determinada pela lombriga. Os pássaros comem as
situação em relação à experiência e "bagas", ou formigas infectadas, e então
expressão de sentimentos ou emoções. espalham o parasita em seus excrementos,
Tomadas em conjunto, as regras de que são subsequentemente coletados
sentimento e expressão definem forrageando Cephalotes atratus e
culturalmente grande parte de nossas alimentando suas larvas, e o ciclo de
experiências emocionais. Além desses dois comportamento manipulado começa
tipos de regras, Hochschild também novamente”.
defendeu a existência de regras de
enquadramento. As regras de Ao mesmo tempo, foi interessante notar
enquadramento ditam os significados que os como, enquanto primatas linguageiros,
indivíduos devem dar a situações criamos histórias que aprovam e
particulares. Essas regras também existem desaprovam determinadas manipulações. O
como parte de nossa cultura emocional. neurologista Michael Gazzaniga explica o
Essencialmente, o conteúdo de qualquer seguinte: “Os cérebros são dispositivos
cultura emocional inclui vocabulários automáticos, governados por regras e
emocionais, crenças e normas. Essas determinados, enquanto as pessoas são
respostas emocionais também agentes pessoalmente responsáveis, livres
compreendem a cultura emocional de uma para tomar suas próprias decisões. Assim
sociedade. como o tráfego é o que acontece quando
um carro determinado fisicamente interage,
Teoria dos jogos evolutivos a responsabilidade é o que acontece
quando as pessoas interagem. A
Nesse sentido, a teoria dos jogos evolutivos responsabilidade pessoal é um conceito
vê o comportamento emocional como uma público. Existe em um grupo, não em um
forma de manipular a si mesmo para indivíduo. Se você fosse a única pessoa na
manipular as expectativas de outros terra, não haveria o conceito de
organismos. Na biologia evolutiva, a responsabilidade pessoal. Responsabilidade
manipulação ocorre quando um indivíduo, o é um conceito que você tem sobre as ações
manipulador, altera o comportamento de de outras pessoas e elas sobre as suas. Os
outro indivíduo de maneiras que são cérebros são determinados; as pessoas
benéficas para o manipulador, mas, às seguem regras, vivem juntas e dessa
vezes, podem ser prejudiciais para o interação surge o conceito de liberdade de
indivíduo manipulado. A manipulação não ação”.
ocorre apenas em primatas, como nós, mas
em outros animais também, por exemplo, no Ou seja, nós evoluímos para sermos,
plano celular, como entre células de um estarmos e nos comportarmos de uma dada
organismo multicelular, ou em parasitas, que forma no mundo, e isso se dá em muitos
podem alterar o comportamento de seus planos, mas, quando operando em nosso
hospedeiros: coletivo, porque nos organizamos através
de ficções compartilhadas (que ditam até
“Considere o caso da lombriga parasita nossos sentimentos), nos policiamos para
Myrmeconema neotropicum, que uma vez evitar algumas manipulações - por sermos
ingerida pela formiga tropical Cephalotes responsabilizados por elas - ou nos
atratus na América Central e do Sul, faz com
forçamos a realizar algumas manipulações - identificou elementos rituais para a
em prol do coletivo ou por interesse próprio. restauração da face. De acordo com
Goffman, face é "o valor social positivo que
Roteiros culturais uma pessoa efetivamente reivindica para si
mesma pela linha que os outros supõem
O sociólogo Morris Rosenberg mostra em
que ela tomou durante um contato
seu trabalho como a cultura é fundamental
particular". A escolha do rosto é
para identificar e exibir nossas emoções e
determinada pela situação e, portanto,
sentimentos. E o sociólogo Erving Goffman
determinada pela cultura. Quando o
examina a estrutura desses cenários
comportamento de um ator está em
culturais ou roteiros culturais. Goffman
desacordo com o rosto escolhido, o ator
comparou muito da interação social e da
deve trabalhar para aliviar o
vida social a uma produção dramática, a
constrangimento e restaurar o rosto. Assim,
uma peça de teatro. Os atores fazem uma
os roteiros culturais são importantes não
performance, que envolve invocar roteiros
apenas na escolha do rosto, mas também na
culturais para criar sua performance. O
tentativa de restaurar o rosto.
trabalho de Goffman também descreveu
como usamos as emoções como pistas na Nossas ordens imaginadas nos organizam
análise de interações, bem como reagimos
emocionalmente a uma interação.
A nossa sociedade se estrutura através de
Goffman situou esse encontro focado em historinhas, e estas historinhas moldam o
contextos culturais mais amplos. Os nosso curso de vida …
encontros estão inseridos em encontros
(assembléias de indivíduos dentro de um
Ao invés de historinhas, se preferir, pode
espaço), que estão inseridos em ocasiões
chamar de ficções, ou de mitologias, ou de
sociais. Dentro de cada nível de interação,
os roteiros culturais servem para orientar os ideologias, ou de religiões, ou de ordem
atores. Esses roteiros culturais são imaginada.
compostos por uma série de dimensões: (1)
forma de falar; (2) uso de rituais; (3)
enquadramento; (4) uso de adereços; (5)
categorização da situação; (6) criação de
papéis; e (7) expressividade. Segundo
Goffman, os roteiros culturais utilizados na
interação incluem sentimentos e emoções
proscritos apropriados à interação. Em
particular, a inclusão da expressividade por
Goffman entre as dimensões dos roteiros
culturais demonstra claramente essa
conexão entre emoção e roteiros culturais.
Um elemento do encontro ligado às
emoções que Goffman discutiu são os
procedimentos ritualizados para apontar e Entendemos que a nossa espécie animal
corrigir atos desviantes. O conceito de evoluiu para cooperar. Num dado momento
facework de Goffman elabora esses da nossa evolução, o Homo Erectus
procedimentos ritualizados. Goffman
percebeu que podia fazer barulhos com a
analisou situações constrangedoras e
boca e combinar com seus amigos o que
aqueles barulhos significariam, e isso prontos para a linguagem (que ainda são tão
facilitou a cooperação, pois um passou a variáveis ​quanto os de nossos ancestrais)
poder instruir a imaginação do outro sobre o foram forçados a existir pela linguagem, e
que via. “Logo uma rede de significados que não o contrário" (Daniel Dor).
chamamos de cultura surge das atividades
conjuntas dos cérebros de nossos
ancestrais. Essa rede forma o conteúdo vivo
da mente, de modo que a mente é comunal
em sua própria natureza: não pode ser
derivada de um único cérebro isoladamente.
Sistemas sociais de crença confabulados
coletivamente, transmitidos por meio de
performances e narrativas, são retomados e
reproduzidos no comportamento individual.
Ou seja, nossas experiências, assim como a
de nossos ancestrais, foram e são A nossa espécie animal, o Homo Sapiens, é
determinadas pelos conceitos cotidianos o único primata da família dos grandes
aos quais subscrevemos através da macacos que sofisticou essa técnica da
participação em narrativas e performances linguagem - uma técnica que nos permite
coletivas (Leslie Brothers). instruir a imaginação uns dos outros, para o
outro poder "ver" o que estamos "vendo" -
ao ponto de conseguir conviver em ordens
A clássica história de ficção de Robinson
imaginadas.
Crusoé é um excelente exemplo do quão
social é o cérebro humano e os frutos disso:
suas técnicas (a linguagem, as ferramentas,
os utensílios, as armas etc). O romance
descreve como um marinheiro naufragado
sobreviveu sozinho em uma ilha deserta. Ele
orou, manteve um diário e diligentemente
fez ferramentas, roupas, utensílios e abrigo
para si mesmo. Robson Crusoé portanto
nunca esteve isolado, pois veio para sua ilha
deserta levando consigo todas as conversas
e narrativas de sua sociedade. A sociedade
estava lá com ele o tempo todo, o que
revela a natureza essencialmente social da E o que são ordens imaginadas? A
mente (Leslie Brothers). linguagem - usando de símbolos, isto é,
combinando que determinados barulhos
Em outro momento da nossa evolução, o com a boca representariam algo - foi se
Homo Erectus se transmogrificou em Homo sofisticando a tal ponto que a nossa espécie
Sapiens. "Eventualmente, o Homo sapiens começou a inventar "mentirinhas"
emergiu como uma espécie pronta para a coletivamente; por exemplo: dinheiro
linguagem. Nossos cérebros e fisiologias (combinando que um pedaço de papel que
não vale nada teria valor), países
(combinando mentirinhas de que existem
brasileiros, americanos, como forma de
organizar o nosso coletivo de animais
Sapiens), religiões (combinando que existem
forças superiores que ordenam
determinadas condutas e comportamentos),
entre outras “mentirinhas”. E combinamos de
todos nós acreditarmos nessas
"mentirinhas". Isso que nós estamos
chamando de mentirinhas também pode ser
chamado de: histórias, ficções, mitos,
ideologias, narrativas, religiões, ou como
define o historiador Yuval Noah Harari,
ordem imaginada. E essas histórias também
nos definem.

Os videogames listados a seguir ajudaram


muito a entender como a nossa espécie
evoluiu, se organizou e como se organiza
atualmente:
Dawn of man -
http://madrugaworks.com/dawnofman/
Ancestors - https://ancestorsgame.com/en/
Far Cry Primal -
https://www.ubisoft.com/en-us/game/far-cr
y/far-cry-primal

GTA -
https://www.rockstargames.com/gta-online

Assassin’s Creed -
https://www.ubisoft.com/pt-br/game/assas
sins-creed

The Sims4 -
https://www.ea.com/pt-br/games/the-sims/
the-sims-4
As ordens imaginadas nos definem rica, classe média, ou pobre; ser brasileira,
chinesa, australiana,angolana, ou inglesa;

(c) definem os seus papéis, se você é


professor/aluno, mãe/filho; médico/paciente,
empregador/empregado;

d) e definem os seus suportes, as redes,


formais e informais, que te constituem, e que
funcionam como suportes da sua ação, já
que expressam as suas capacidades sociais,
exemplos seriam o trabalho, a religião, a
cidadania.

Assim, “uma experiência é sempre contida e


Aprendemos em nossas pesquisas que a organizada por instituições, exemplos disso
sociedade é como uma rede. Cada ponto da seriam: um doente em um hospital; um
rede é uma pessoa que ocupa um lugar na adolescente indisciplinado em uma escola;
sociedade, e esse lugar é construído por uma mulher cozinhando para sua família
historinhas (criadas coletivamente por etc.; e as experiências têm formas,
grupos/sociedade de pessoas) e intensidades, texturas, que emanam do
compartilhadas por todos que participam modo como as instituições estruturam a vida
desse grupo/sociedade, passando de emocional” (Eva Illouz).
geração para geração.
Para os sociólogos, isso se dá assim porque
Essas histórias: as regras permitem aos atores se
relacionarem uns com os outros, criarem
(a) definem a sua subjetividade, que é uma expectativas uns sobre os outros e trilharem
construção cultural da interioridade, tipo um caminhos conhecidos uns com os outros.
faz de conta que o animal primata homo Em outras palavras, os “rituais” organizados
sapiens é especial, e cada um deles possui pelas instituições são uma poderosa
uma alma, um euzinho interior, e essa ferramenta simbólica para afastar as
essência de eu" continua a viver depois da ansiedades criadas pela incerteza.
morte do saco de pele, da casca protetora
dessa essência que é o corpo;

(b) definem a sua identidade, por exemplo, A ordem imaginada define nossa
as historinhas que nos contamos do que
significa ser negra, branca, vermelha ou
hierarquia
amarela; ser mulher, homem, ou trans; ser
Nós entendemos que à medida que a
população da nossa espécie animal cresceu,
observamos uma organização em redes de cooperação - das cidades da
hierarquia, primeiro através da instituição de antiga Mesopotâmia aos impérios Qin e
clãs pertencentes a uma tribo, depois na Romano - foram "ordens imaginadas".
forma de Estados (estados-impérios e
estados-nações). O Estado (ou país) é uma
ficção, isto é, uma ordem imaginada. Somos
animais primatas linguageiros e isso significa
que nós usamos de ficções ("historinhas")
para nos orientarmos pelo mundo e nos
organizarmos enquanto coletivo. Como nos
explica o historiador Yuval N. Harari:

As normas sociais que as sustentavam não


se baseavam em instintos arraigados, nem
em relações pessoais, e sim na crença em
ficções partilhadas [...] As ficções habituaram
os primatas, praticamente desde o momento
“Os humanos evoluíram por milhões de anos do nascimento, a pensar de determinadas
em pequenos bandos de algumas dezenas maneiras, a se comportar de acordo com
de indivíduos. O punhado de milênios certos padrões, a desejar certas coisas e a
separando a Revolução Agrícola do seguir certas regras. Dessa forma, criaram
surgimento de cidades, reinos e impérios instintos artificiais que permitiram que
não foi tempo suficiente para possibilitar o milhões de estranhos cooperassem de
desenvolvimento de um instinto de maneira efetiva" (Yuval Noah Harari).
cooperação em massa. Apesar da ausência
de tais instintos biológicos, durante a era Nós entendemos que os primeiros Estados
dos caçadores-coletores centenas de surgiram na forma de impérios por volta de 4
estranhos foram capazes de cooperar mil da época Holoceno, na Ásia e na África,
graças às suas ficções (mitos/ideologias/ como a forma que os primatas Homo
narrativas/ historinhas/ religiões) partilhadas Sapiens encontraram para muitos de nós
[...] Cooperação soa muito altruísta, mas nem coabitarmos um espaço. O Estado (seja um
sempre é voluntária e raramente é império, seja uma nação) requer uma
igualitária. A maior parte das redes de hierarquia para essa organização funcionar.
cooperação humana foi concebida para a “As hierarquias têm uma função importante.
opressão e a exploração [...] (E) todas as Elas permitem que estranhos saibam como
tratar uns aos outros sem desperdiçar o
tempo e a energia necessários para se
tornarem pessoalmente familiarizados. Em
Pigmaleão, de Bernard Shaw, Henry Higgins
não precisa se tornar íntimo de Eliza
Doolittle para entender como deve se
relacionar com ela. Só de ouvi-la falar, ele
deduz que se trata de um membro de classe
baixa com quem pode fazer o que quiser –
por exemplo, usá-la como títere em sua
aposta de fazer uma vendedora de flores
ambulante se passar por duquesa. Uma Eliza Ter ou não essa oportunidade costuma
dos tempos modernos trabalhando em uma depender de sua posição na hierarquia
floricultura precisa saber quanto esforço imaginada pela sociedade em que estão
dedicar à venda de rosas e gladíolos para as inseridas. Harry Potter é um bom exemplo.
pessoas que entram na loja todos os dias. Tirado de sua família notável de bruxos e
Não pode fazer uma indagação detalhada criado por trouxas ignorantes, ele chega a
dos gostos e bolsos de cada indivíduo. Em Hogwarts sem nenhuma experiência em
vez disso, usa algumas pistas – o modo magia. São necessários sete livros até que
como a pessoa está vestida, sua idade e, se ele aprenda a dominar plenamente seus
não for politicamente correta, a cor da pele. poderes e conheça suas habilidades
É assim que ela imediatamente faz a excepcionais. A segunda é que, mesmo que
distinção entre o sócio da firma de pessoas pertencentes a classes diferentes
contabilidade que tem grande probabilidade desenvolvam exatamente as mesmas
de comprar um buquê de rosas caro e o habilidades, é improvável que tenham o
mensageiro que só tem um dólar para gastar mesmo sucesso, porque terão que jogar
num punhado de margaridas. Obviamente, segundo regras diferentes. Se, na Índia
as diferenças nas habilidades naturais governada pela Inglaterra, um intocável, um
também desempenham seu papel na brâmane, um irlandês católico e um inglês
formação de distinções sociais, mas tais protestante tivessem, de alguma forma,
diversidades de aptidão e caráter costumam desenvolvido exatamente o mesmo tino
ser mediadas por hierarquias imaginadas. para os negócios, ainda assim não teriam as
Isso acontece de duas formas importantes. mesmas chances de enriquecer. O jogo
A primeira e principal delas é que a maioria econômico era manipulado por restrições
das habilidades precisa ser cultivada e jurídicas e barreiras invisíveis não oficiais”
desenvolvida. Mesmo que alguém nasça (Yuval Noah Harari).
com um talento em particular, esse talento
normalmente permanecerá latente se não O que significa ser latino-americano?
for estimulado, lapidado e exercitado. Nem
todas as pessoas têm a mesma chance de Significa estar lá embaixo na hierarquia
nutrir e aperfeiçoar suas habilidades. global. Mas por que isso?
diferente, o que faz com que a nossa
situação atual seja "subdesenvolvida" e a
deles "desenvolvida", e assim permaneça.

Logo, Milton Santos propõe uma análise do


nosso país baseada na história da
organização do espaço, que é influenciada
por diversos fatores. Uma aproximação
particularmente frutífera para analisar o
processo histórico de formação do nosso
país, diz Milton Santos, é pensar em termos
de modernização. A modernização implica
Vamos explicar porque ocupamos essa participar no mundo política, econômica e
posição, e para fazer isso tivemos que socialmente. Podemos considerar então as
pesquisar, estudar e entender a nossa várias modernizações que ocorreram no
história. mundo até hoje. No caso, a modernização
do nosso país implicou mudanças
A história do nosso Brasil econômica, política e social, que não se
deram concomitantemente e de forma
homogênea. Portanto, crescimento e
Nós estudamos a história do Brasil com o
desenvolvimento são coisas diferentes. A
videogame Minecraft. Foi bem divertido!
modernização se dá pela difusão da
Então nós copiamos e colamos a seguir
inovação de um polo civilizacional (por ex.:
algumas partes deste trabalho dos nossos
Ásia outrora) para regiões periféricas
pais: “A formação do Brasil com Minecraft”.
"subdesenvolvidas" (por ex.: Europa outrora).
Mas, até o século XV, nenhum outro polo
A nossa exploração do Minecraft foi guiada
civilizacional (como China antiga, ou Egito
pela leitura do geógrafo Milton Santos, "The
antigo, ou Pérsia antiga, ou qualquer outra
Shared Space: the Two Circuits of the Urban
civilização) se impôs no mundo inteiro e de
Economy in Underdeveloped Countries",
forma tão cruel como a Europa fez a partir
baseada na teoria da dependência, em que
do século XV, quando se configurou como
ele explica como não é possível entender os
um polo civilizacional e global. Então, de
acontecimentos ocorridos ao longo do
acordo com Milton Santos, a modernização
tempo no país em que vivemos através de
ocorreu no Brasil em três ondas.
uma comparação entre países
desenvolvidos e países subdesenvolvidos.
Os estudiosos que assim fazem estão
partindo do postulado que os países
subdesenvolvidos estão em
desenvolvimento, em transição, para a
situação contemporânea dos países
desenvolvidos. Mas não é o caso, pois a
realidade é que tiveram uma formação bem
A primeira onda de modernização verdadeiro genocídio dos povos indígenas
pelos europeus; eles exploraram e se
apropriaram das riquezas das terras daqui,
e, trouxeram, com a colonização, plantas e
animais domesticados, divisão do trabalho
com especializações, novas técnicas para a
produção de utensílios diversos, uma
população enorme de africanos cruelmente
escravizados para trabalhar aqui, na
exploração das riquezas (madeira, ouro etc.)
e para o cultivo de café e cana de açúcar,
que também era todo levado para a Europa.

Nessa época, as áreas rurais eram muito


empobrecidas, e coexistiam com áreas
urbanas caracterizadas por mercados bem
limitados. As crianças transportaram então
esse cenário para o Minecraft, aproveitando
pacotes do Minecraft que adaptamos para
uso na contação de histórias, para
explorarem como os europeus chegaram
com suas caravelas, os encontros com os
povos indígenas, como ocorreu a
escravidão, como negros e indígenas foram
violentamente forçados a trabalhar no
cultivo de café, da cana, e na extração das
riquezas daqui.

Paralelo a transferência de cenários para a


A primeira onda foi a colonização brutal dos contação de histórias usando o Minecraft,
europeus exploradores; em que os nós exploramos: lendas folclóricas
colonizadores do império europeu indígenas; lemos para as crianças um
trouxeram muitas doenças; houve um resumo de alguns trechos do livro “Negras
Raízes” por Alex Haley, assistimos aos filmes acima, a partir de pacotes já existentes.
do Kiriku; e apresentamos trechos de alguns
relatos|, crônicas e desenhos mostrando
alguns olhares de europeus.

A segunda onda de modernização

A segunda onda de modernização foi com a


revolução industrial. Após essa primeira
colonização brutal dos europeus, com a
revolução industrial na Europa, se iniciou a
industrialização do Brasil também. A família A Biblioteca Nacional
real portuguesa veio fugida, das guerras
napoleônicas, para o Brasil, e, com isso
houve grandes investimentos aqui, tais
como: se abriu a Imprensa Régia (e veio a
existir a Gazeta do Rio de Janeiro); foram
criadas a Academia da Marinha, a Academia
Militar, o Jardim Botânico, a Real Fábrica de
Pólvora, o Laboratório Químico-Prático, a
Biblioteca Nacional (a Real Biblioteca de
Portugal foi transferida integralmente de
Lisboa para o Rio de Janeiro), foi fundado o
Real Teatro São João (hoje o Teatro João O Jardim Botânico
Caetano); houve a abertura da Escola Real
de Artes Ciências e Ofícios; entre outros Paralelo a transferência de cenários para a
empreendimentos. contação de histórias usando o Minecraft,
nós exploramos com as crianças trechos dos
Nessa época, somente as áreas urbanas livros do Laurentino Gomes, adaptados para
foram capitalizadas, enquanto as áreas o público infanto-juvenil.
rurais continuaram empobrecidas. As
crianças transportaram então esse cenário A terceira onda de modernização
para o Minecraft através da exploração de
alguns desses marcos históricos citados A terceira onda de modernização começa
com a segunda guerra mundial até os dias
de hoje. Foi a época em que invenções
tecnológicas importantes, como o telégrafo,
o telefone, o cinema, a fotografia, as
locomotivas e navios a vapor, entre muitas
outras, chegaram ao Brasil. Essa
modernização foi trazida pela indústria em
larga escala, que consiste de firmas
multinacionais e seu sistema de
comunicação em massa.

Pela primeira vez, na história dos países


subdesenvolvidos, nos explica Milton
Santos, duas modernizações, emanando do
sistema econômico do centro do mundo,
foram difundidas pela periferia e áreas
rurais, respectivamente: a informação e o
consumo. A primeira servindo a última; e,
Os meios de transporte.
juntas transformaram e transformam a
economia, a sociedade e a organização
espacial; geraram e geram as forças de As consequências da modernização
concentração e dispersão, que determinam
a organização espacial do nosso Brasil. Com as ondas de modernização também se
cristaliza a disparidade na distribuição das
A informação permeia todas as camadas da riquezas. Essa disparidade se instala aqui
sociedade, criando demandas que espelham desde a nossa colonização brutal pelos
as dos países desenvolvidos; e, esse europeus, num plano internacional e
processo é deveras facilitado pelos recentes nacional. Buscamos imagens na internet,
avanços nas tecnologias de comunicação. como essas abaixo, para as crianças
Isso impossibilita o desenvolvimento de uma visualizarem essa disparidade.
produção local; e, ainda gera uma violência
enorme com os mais pobres, pois, é Ajudou também às crianças verem alguns
esfregado na cara deles um padrão de tutoriais no youtube onde encontraram
consumo (referido como "felicidade", vídeos mostrando novatos e profissionais
“aceitação pelo grupo”, “estética desejável” montando vilarejos e cidades, o que deu
etc) ao qual são negados, e jamais terão uma ideia para eles de como transferir para
acesso porque precisaríamos ter muitos o Minecraft e desigualdade na distribuição
planetas para todos poderem consumir das riquezas num plano nacional (áreas
como nossos exploradores europeus, e por rurais e urbanas) e internacional (a pobreza
extensão norte-americanos. nos países "subdesenvolvidos" e a riqueza
nos países "desenvolvidos").
As crianças transportaram esse cenário
então para o Minecraft, explorando
novamente pacotes diversos do Minecraft,
para aprender sobre as tecnologias trazidas
para cá, e como elas transformaram e
transformam a organização do nosso
espaço.
A construção das cidades apontou para a Ao mesmo tempo, a crescente demanda do
disparidade entre as infra-estruturas de cada império explorador, por alimentos e matéria
um. Num plano internacional, bastou prima, impôs também uma disparidade na
olharmos trechos de alguns documentários orientação da divisão do trabalho. Vemos
e reportagens mostrando filmagens do então, do imperialismo à globalização (com
entorno e da vida de um pobre nos países as grandes corporações dos países
"desenvolvidos" e do entorno e da vida de “desenvolvidos”), essa "divisão do trabalho"
um pobre nos países “subdesenvolvidos”. em que somos colocados como
Num plano nacional, foi instalada essa exportadores de matéria prima barata,
disparidade aqui desde o princípio da outrora para o império, e agora, para as
colonização, e a vemos até os dias de hoje. grandes corporações. As grandes
corporações ficam com os lucros e os
prejuízos são coletivizados ficando para o
povo . Utilizamos novamente imagens na
internet que permitissem às crianças
visualizar essa exploração:

Fonte: Chensiyuan, CC BY-SA 4.0


<https://creativecommons.org/licenses/by-sa
/4.0>, via Wikimedia Commons.

As crianças também buscaram no youtube


tutoriais demonstrando novatos e
profissionais construindo uma casa no
Minecraft, o que ajudou a transferir o cenário
de desigualdade de habitações num plano
nacional e internacional. Novamente, as
imagens na Internet ajudaram as crianças a
criar os cenários no Minecraft da senzala e
casa grande, depois dos mucambos e Fonte: Mourir de faim en 2017, c'est possible
sobrados, e por fim das mansões e das - Le Lumière | 400 x 304 · 22 kB · jpeg
favelas.
conceito, portanto, não é meramente
econômico em sentido estrito, mas também
ecológico, social, político e
sócio-psicológico. É de caráter relacional.

Marx argumentou ainda – contra aqueles


que queriam universalizar a Sociedade, ou o
Mercado, ou o Processo Político – a
existência de diferentes modos de produção
na história humana. Cada modo
representava uma combinação diferente de
elementos. O que era verdade para um
modo não era verdade para outro: portanto,
Fonte: Impérialisme américain par Latuff não havia história universal. Mas Marx foi
2007 | Caricature | 736 x 756 · 90 kB · jpeg profundamente histórico. Tanto os
elementos que constituem um modo de
produção quanto sua combinação
característica tinham para ele uma história
definível de origem, desdobramento e
desintegração. Ele não era um historiador
universal nem um historiador de eventos,
mas um historiador de configurações ou
síndromes de relações materiais. A maior
parte de sua energia foi, é claro, gasta em
esforços para entender a história e o
funcionamento de um modo particular, o
capitalismo, e isso não para defendê-lo, mas
para efetuar sua transformação
revolucionária.

[...] Entre aqueles que contribuíram para uma


Fonte: Monroe Doctrine. Newspaper história teoricamente informada do mundo
cartoon, Public domain, via Wikimedia ao qual o capitalismo deu origem, dois
Commons. nomes se destacam, tanto pela trincheira de
suas formulações quanto pelo alcance de
Como resumiu Erich Wolf: “a produção seu esforço de pesquisa. Um deles é Andre
abrange ao mesmo tempo as relações Gunder Frank, um economista, que
mutáveis ​da humanidade com a natureza, as começou a questionar a abordagem da
relações sociais nas quais os humanos modernização ao desenvolvimento
entram no curso da transformação da econômico no início dos anos 1960. Frank
natureza e as conseqüentes transformações articulou claramente a proposição herética
da capacidade simbólica humana. O de que desenvolvimento e
subdesenvolvimento não eram fenômenos
separados, mas estavam intimamente sustentada com vigor e autoridade. As
ligados um ao outro (1966, 1967). Ao longo operações institucionais, políticas e
dos séculos passados, o capitalismo se econômicas do imperialismo não são nada
espalhou de seu centro original para todas sem o poder da cultura que as mantém. O
as partes do globo. Em todos os lugares em que, por exemplo, permitiu aos britânicos na
que penetrou, transformou outras áreas em Índia governar uma sociedade de centenas
satélites dependentes do centro de milhões com não mais de 100.000
metropolitano. Extraindo os excedentes pessoas? O que há nessa presença que
produzidos nos satélites para atender às induziu identificação e às vezes admiração
necessidades da metrópole, o capitalismo nas elites indianas, apesar da história de
distorceu e frustrou o desenvolvimento dos expropriação e exploração que caracterizou
satélites em benefício próprio. Esse o Raj? O argumento de Edward Said é que é
fenômeno Frank chamou de "o a cultura que fornece esse tipo de poder
desenvolvimento do subdesenvolvimento". moral, que alcança uma espécie de
A relação exploradora entre metrópole e “pacificação ideológica”. A luta pela
satélite se repetia, aliás, dentro de cada dominação, como mostra Foucault, pode ser
satélite. com as classes e regiões em tanto sistemática quanto oculta. Há uma
contato mais próximo com a metrópole interação incessante entre classes, nações,
externa extraindo excedentes do sertão e centros de poder e regiões que buscam
distorcendo e frustrando seu dominar e deslocar uns aos outros, mas o
desenvolvimento. O subdesenvolvimento que torna a luta mais do que uma batalha
nos satélites não era, portanto, um aleatória de dentes e garras é que está
fenômeno sui generis, mas o resultado das envolvida uma luta de valores.
relações entre satélite e metrópole, sempre
renovadas no processo de transferência de O que distingue os impérios europeus
excedentes e sempre reforçadas pela modernos do romano, do espanhol ou do
contínua dependência do satélite em árabe, segundo Said, é que são
relação à metrópole” (Erich Wolf). empreendimentos sistemáticos,
constantemente reinvestidos. Eles não se
Porque aceitamos essa falsa mudam para um país, saqueiam e vão
inferioridade e essa exploração? embora. O que os mantém ali não é a
simples ganância, mas noções
Porque nascemos, somos criados numa, e massivamente reforçadas da missão
participamos de uma ordem imaginada, e civilizadora. Esta é a noção de que as
perpetuamos as ficções dessa ordem sem nações imperiais têm não apenas o direito,
nem nos darmos conta. mas a obrigação de governar aquelas
nações “perdidas na barbárie”. Como o
“[...] O papel da cultura em manter o filósofo inglês John Stuart Mill (1806-1873),
imperialismo intacto não pode ser que afirmou que os britânicos estavam na
superestimado, porque é através da cultura Índia "porque a Índia nos exige, que estes
que a suposição do “direito divino” das são territórios e povos que suplicam nosso
potências imperiais de governar é domínio e que... sem os ingleses a Índia
cairia em ruína" ( Dito 1994a:66), os
imperialistas operavam com um senso de arte e arquitetura John Ruskin
convincente de seu direito e obrigação de (1819-1900), ou mesmo os romancistas
governar [acreditamos que o mesmo se Charles Dickens (1812) –70) e William
pode dizer de Portugal em relação ao Brasil, Thackeray (1811-63) são relegados “a um
e depois dos Estados Unidos em relação ao departamento muito diferente daquele da
Brasil]. Muito desse sentido estava presente cultura, sendo a cultura a área elevada de
e sustentado pela cultura europeia, que veio atividade na qual eles “verdadeiramente”
a ser concebida, na frase de Matthew pertencem e na qual eles fizeram seu
Arnold, como sinônimo de “o melhor que foi trabalho realmente importante” (1993). :xiv).
pensado e dito”. Toda produção cultural tem um profundo
investimento no caráter político de sua
Particularmente interessante é o fato de que sociedade, pois é isso que a impulsiona e
dentro das próprias metrópoles, a ideologia dinamiza. Mas essa relação é muitas vezes
e a retórica imperial permaneceram invisível, e é isso que torna a ideologia tão
incontestadas por movimentos socialmente eficaz. Em uma das primeiras entrevistas,
reformistas, como o movimento liberal, os Said observou que “a cultura não é feita
movimentos da classe trabalhadora ou o exclusivamente ou mesmo principalmente
movimento feminista. “Eles eram todos por heróis ou radicais o tempo todo, mas por
imperialistas em geral” (Said 1994a:67) O grandes movimentos anônimos cuja função
ponto de Said é que a cultura imperial foi é manter as coisas funcionando, manter as
construída sobre pressupostos tão coisas existindo” (1976: 34). A natureza
profundos que eles nunca entraram em conservadora e anônima das formações
discussões sobre reforma social e justiça. culturais explica algo da inter-relação
Parte disso pode ter vindo, como acontece incontestável e muito complicada entre
hoje, da ignorância ou desinteresse, mas, cultura e ideologia política. Com o tempo, “a
em geral, no final do século XIX, a Europa cultura passa a ser associada, muitas vezes
havia erguido um edifício de cultura tão de forma agressiva, à nação ou ao estado;
altamente confiante, autoritário e isso diferencia “nós” de “eles”, quase
autocongratulatório que suas suposições sempre com algum grau de xenofobia” (Said
imperiais, a centralização da vida européia e 1993:xiii). Infelizmente, embora talvez não
sua cumplicidade na missão civilizadora inesperadamente, torna-se uma função dos
simplesmente não podiam ser questionadas. intelectuais tradicionais involuntariamente
legitimar ideologias culturais e políticas
Uma coisa que sempre fascinou e dominantes focadas na nação ou no império
incomodou Said é a facilidade com que as (Bill Ashcroft, Pal Ahluwalia)”.
produções estéticas da “alta cultura” podem
prosseguir com muito pouca atenção à “[...] O trabalho de Said é muito relevante
violência e às injustiças das instituições para quem analisa a concepção e
políticas da sociedade em que são representação da mídia internacional na
concebidas. As ideias sobre raças inferiores América Latina. As imagens e narrativas que
('niggers') ou expansão colonial sustentadas são constantemente divulgadas pela grande
por escritores como o historiador, ensaísta e imprensa, por novelas e dramas, nos
crítico Thomas Carlyle (1795-1881), o crítico encontram engessados em papéis
estereotipados, em consonância com os
preconceitos do Ocidente – países dos
quais nossas economias ainda dependem.

Veja um canal de notícias como a CNN


Espanol / Português – projeta uma visão do
que "o latino-americano perfeito" deve ser:
um empresário que é competitivo, charmoso
e aberto à modernidade ocidental – servil às
regras e regulamentos do nosso mundo
globalizado, apologético sobre o
subdesenvolvimento de seu país e que se
sente parte de uma elite regional que está
finalmente alinhado com os interesses dos
EUA – ou pelo menos com a hegemonia
globalista dos acordos de livre comércio.

[Com esta representação da América do Sul,


Este "latino-americano perfeito" contrasta
Torres García propõe a criação de um
com outro estereótipo que poderíamos
movimento artístico latino-americano
definir como "o autêntico latino-americano"
autônomo. Isso está intimamente
– reflete outro ângulo da visão do norte de
relacionado ao seu manifesto "A Escola do
nós. As indústrias culturais projetam uma
Sul", no qual ele afirma: "Eu chamei isso de
imagem de nações emocionais casadas com
‘A Escola do Sul’ porque, na realidade, nosso
os caprichos de líderes autoritários e
norte é o sul. Não deve haver norte para
populistas, e desta forma, nos condenam a
nós, exceto em oposição ao nosso sul.
um status permanente de crianças que nos
Portanto, agora nós viramos o mapa de
impede de tomar decisões sobre nosso
cabeça para baixo, e então temos uma ideia
futuro. Esses "latino-americanos"
verdadeira de nossa posição, e não como o
pré-concebidos são vistos como crianças ou
resto do mundo deseja. O ponto da América
nobres selvagens em países destinados por
Latina, de agora em diante, para sempre,
sua natureza a viver da agricultura e da
aponta insistentemente para o sul, nosso
extração de recursos naturais. Nosso mundo
norte.” Trata-se de uma obra artística
é reduzido a uma essência imutável, uma
sociopolítica destinada a combater o
essência superficialmente maravilhosa que
imperialismo cultural norte-americano e
também é atrasada e até às vezes temível,
outras normas cartográficas e culturais
mas que pode prosperar se seguir o
enraizadas na colonização européia da
conselho de seus mentores civilizados e
América Latina].
poderosos.

Através do olhar orientalista, o "outro" é


retratado como o oposto binário da
civilização, da razão, da ciência e da
modernidade. A grande mídia na América
Latina apoia essa narrativa e a perpetua. representada por sua interpretação
Para o "Ocidente", a América Latina é uma ocidental”.
entidade bárbara e retrógrada, resumindo as
deficiências culturais derivadas do A ficção de quem é o brasileiro
cruzamento entre as populações indígenas,
os africanos e a tradição católica espanhola. Primeiro, foi muito importante aprender que
Os latinos, nas imagens do norte, são não existe algo como “o brasileiro”. Isso é
preguiçosos, promíscuos, desfocados, uma ficção. Todo estado-nação é uma
amantes de festas, violentos, ladrões, ordem imaginada. Quando surgiu essa nova
supersticiosos, etc. Governos ocidentais e forma da nossa espécie animal se organizar
mídia, por mais bem intencionados que como estado-nação, na época, foi visto
sejam, aplicam essa sabedoria convencional como necessário a invenção de toda uma
do primeiro mundo. ficção em torno de cada estado-nação, com:
criação de bandeiras, hinos, uma mitologia
Essa narrativa torna-se mais importante do que caracteriza o povo de cada
quando é internalizada pelos grandes estado-nação. Mas, aprendemos que isso
grupos de mídia latino-americanos e por tudo não passa de uma grande ficção, pois o
parte da sociedade. A oposição entre o primata Homo Sapiens já circulou por todo o
"nós", auto-definido como superior e planeta Terra, desenvolveu culturas
dominador, e o "outro", que está por trás do diferentes sim, só que estas culturas sempre
impulso imperialista moderno que estiveram em constante troca, uma
conquistou o mundo no final do século XIX, influenciando a outra. Portanto, é absurdo e
acaba informando a visão das elites fruto de total ignorância acreditar que existe
regionais, que são propensas a interiorizar um povo ou uma raça pura.
os estereótipos criados pelo norte. Eles
assumem o papel imposto de Segundo, foi muito importante abrir os olhos
"latino-americanos perfeitos" que para o fato de que as nossas instituições de
mencionamos no início, atuando como ensino e mídias só ensinam a história do
executores dessa narrativa, bem como a continente europeu, e ignoram o resto do
base interna para a construção da América mundo. Como bem colocou o antropólogo
Latina como uma região bárbara. Erich Wolf, a narrativa eurocêntrica periodiza
de uma forma específica em termos de que:
É urgente questionarmos a própria essência "[...] a Grécia antiga gerou Roma, Roma
do selo latino-americano, e do selo gerou a Europa cristã, a Europa cristã gerou
brasileiro. Sem questionar, essencialmente, a Renascença, a Renascença o Iluminismo, a
as estruturas de poder que veriam o mundo democracia política iluminista e a revolução
dividido entre o bem e o mal, o industrial. A indústria cruzada com a
desenvolvimento e o subdesenvolvimento, democracia, por sua vez, rendeu aos
entre a civilização e a barbárie. Said nos Estados Unidos, incorporando os direitos à
ensinou que nossa cultura não pode ser vida, à liberdade e à busca da felicidade.
[...]”. A história é assim convertida em uma
ficção sobre como os "virtuosos" ocidentais
vencem "o resto": asiáticos, africanos e E ainda hoje, mesmo com todos os
sulamericanos. esclarecimentos da ciência, temos
"intelectuais" contemporâneos proferindo
E isso ocorre em tantos planos, sendo um barbaridades do tipo, como apontado por
deles, por incrível que pareça, o próprio Hobson: "Nós, ocidentais, somos a luz, a
meio acadêmico, que segundo Jessé Souza salvação do mundo. O ocidental é inventivo,
é justamente inclusive o responsável por engenhoso, pró-ativo. Já o resto só sabe nos
muitas das ficções institucionalizadas que imitar, é ignorante, e passivo. O ocidental é
internalizamos: racional e científico, o resto é irracional e
supersticioso. O ocidental é disciplinado,
“Além disso, como sabiam muito bem todos ordenado, autocontrolado, são, sensato. O
os pais fundadores das ciências sociais, a resto é preguiçoso, caótico / errático,
ciência só nasce e se torna possível ser espontâneo, louco, emocional. O ocidental é
construída “contra” as ilusões e cegueiras paterno, independente, funcional. O resto é
da sociologia espontânea do senso comum. infantil, dependente, disfuncional. O
Uma das cegueiras principais de nossa ocidental é livre, democrático, tolerante,
percepção espontânea do mundo social é a honesto. O resto é escravizado, despótico,
não percepção da dimensão “institucional”. intolerante, corrupto, bárbaro".
Afinal, excetuando-se situações
extraordinárias, como revoluções “[...] A ideia de uma classificação natural dos
conduzidas por líderes carismáticos, as tipos humanos moldou tudo: currículos
quais são tão intensas quanto, escolares e universitários, decisões judiciais
necessariamente, passageiras, toda a nossa e estratégias de policiamento, política de
ação cotidiana é comandada por saúde e cultura popular, o trabalho do
imperativos institucionais que Bureau of Indian Affairs e dos
internalizamos, de maneira a torná-los administradores coloniais dos EUA nas
“naturais”. A vida cotidiana, ainda que não Filipinas, bem como seus equivalentes na
percebamos por já estarmos “desde Grã-Bretanha, França, Alemanha e muitos
sempre” dentro de certo horizonte outros impérios, países e territórios. Os
institucional que naturalizamos – como o da pobres eram pobres por causa de suas
disciplina escolar, da autoridade familiar, dos próprias inadequações. A natureza
limites da ação individual pela Lei, e pela favoreceu o colonizador robusto sobre o
polícia, das regras de trânsito etc – é nativo ignorante. Diferenças na aparência
comandada por instituições. São as física, costumes e linguagem eram reflexos
expectativas e os estímulos e castigos de uma alteridade mais profunda e inata. Os
institucionais que moldam nosso progressistas também aceitaram essas
comportamento e nossas escolhas ainda idéias, acrescentando apenas que era
que, como as “naturalizamos”, como o possível, com missionários, professores e
nascer do Sol ou o fato de termos dois médicos suficientes à mão, erradicar
braços e duas pernas, não tenhamos práticas primitivas e não naturais e
consciência disso”. substituí-las por formas esclarecidas. Foi por
isso que o principal periódico da América
sobre política mundial e relações
internacionais, publicado desde 1922 e
agora influente Foreign Affairs, foi
originalmente chamado de Journal of Race
Development. As raças primitivas eram
simplesmente aquelas que ainda não tinham
desfrutado dos benefícios do cristianismo
musculoso, dos banheiros com descarga e
da Ford Motor Company [...]” Por Charles
King em “Gods of the upper air”.

É como se o ocidental fosse um ser vivo de


outro planeta que aparatou aqui na Terra. Só
que a elaboração dessa autopercepção
“The west is the best” deixa de levar em A omissão desse longo processo, em que
conta o fato de que todo primata Homo todo e qualquer Homo Sapiens esteve e
Sapiens adquire seu conhecimento de está assiduamente engajado, é uma das
outrem, e isso num longo processo de razões do beco sem saída em que
aprendizagem de milhares de anos, e constantemente esbarra essa "religião
depende totalmente do conhecimento do eurocêntrica". E, demonstra,
coletivo. E, assim, deixa de levar em conta lamentavelmente, como alguns primatas
todo o passado e todo o presente, Sapiens ainda são viciados em conflito tribal:
esquecendo dos frequentes encontros dos um falso "nós" (o ocidente) versus um
grupos de Homo Sapiens espalhados pelo ilusório outro (o resto), que poderia ser
mundo durante esses milhares de anos, inofensivo e divertido se sublimado em
esquecendo do entrelaçamento de suas esportes de equipe, mas machuca, por fazer
vidas, que gerou, por exemplo: a invenção o outro inferior, inseguro, menos, feio e
de uma técnica para instruirmos a errado para esse falso "nós" se sentir
imaginação uns dos outros com a nossa superior, dominador, seguro e bem, e, ainda
linguagem, levou a criação de conceitos pode ser até mortal quando expresso de
sintetizadores; levou ao domínio do fogo e o forma ideológica no mundo real. Além disso,
uso intencional de outras forças naturais essa ficção da imagem-do-nós eurocêntrica
para fins humanos; levou a domesticação de cria uma cisão que barra o caminho de uma
si mesmo e das plantas e outros animais; a integração maior, que teria provavelmente
invenção dos utensílios, da arte, da música, mais êxito como unidade de sobrevivência
da dança, da agricultura, da roda, da do atual coletivo de animais Sapiens. O atual
vestimenta, da escrita, da matemática, do coletivo de animais Sapiens é parte de uma
calendário solar, da cartografia, da longa história de troca de influências entre
metalurgia, da pólvora, entre tantas outras civilizações, um recíproco processo de
descobertas maravilhosas, e, todas essas aprendizagem que ainda está acontecendo
conquistas se deram no "resto", isto é, nos e que não é e nunca foi unidirecional.
demais continentes e não na europa.
solar com 365 dias, 12 meses, e semanas.
Júlio César se encantou com o calendário e
adotou nomeando como seu calendário
juliano, trocou os nomes dos meses por
deuses romanos e colocou o seu nome no
meio: julho. Depois, Constantino, também
encantado com o calendário africano,
adotou como calendário cristão no império
bizantino, e somente em 1582 o papa
Gregório ajustou o ano bissexto) ; "É
ocidental mas usa calça (a calça foi criada na
antiga Pérsia, atual Irã, e essa peça de
Outro aspecto importante que sublinhamos
vestuário genial é usada até os dias de
dessa ficção “The west is best than the rest”
hoje); e assim poderíamos continuar aqui ad
é o seu essencialismo: haveria nas coisas
infinitum. Esta seria a reprodução dessa
certas propriedades que lhes incutiram uma,
forma tosca de pensar. Mas, por que
por assim dizer, identidade ocidental. A
considerar como “ocidental" aquilo que é,
gente pode exercitar um desdobramento
material e concretamente, de fato, fruto do
lógico dessa linha de raciocínio, então, se há
trabalho de um imenso coletivo de animais
coisas essencialmente “ocidentais”, deve
primatas Sapiens, a humanidade?
haver também aquelas que são
essencialmente "do resto" / "the rest" (da
África, Ásia, América Latina) e que nos Erich Wolf, nesse sentido, convida para uma
permitiriam devolver a contradição com uma interessante reflexão: “[...] e se tomarmos
lista gigantesca: "É ocidental mas usa a conhecimento de processos que
linguagem" (a linguagem é uma técnica transcendem casos separáveis, movendo-se
provavelmente inventada pelo Homo através deles e além deles e
Erectus, para instruir a imaginação uns dos transformando-os à medida que avançam?
outros, e o Homo Erectus nasceu na África); Tais processos foram, por exemplo, o
"É ocidental mas veste algodão/seda (o comércio de peles norte-americano e o
algodão e a seda foram descobertos e comércio de escravos nativos americanos e
explorados primeiramente na Ásia); "É africanos. O que dizer das patrilinhagens
ocidental mas acredita em Cristo (o localizadas de língua algonquina, por
cristianismo é uma das religiões abraâmicas exemplo, que no curso do comércio de
nascida na Ásia Oriental); "É ocidental mas peles mudaram para grandes aldeias não
usa sistema numérico hindu-arábico"; "É aparentadas e ficaram conhecidas como os
ocidental mas cultiva e consome milho, "; "É ojibwa etnográficos? E os Chipeweyans,
ocidental mas usa o calendário solar" (o cujos bandos desistiram de caçar para se
calendário solar, usado atualmente no tornarem comerciantes de peles? O que
mundo inteiro, foi inventado pelos africanos, dizer dos grupos multilíngües, multiétnicos e
no Egito antigo, depois de milhares de anos, de casamentos mistos de Cree e Assiniboin
observando o maior rio do mundo, o rio Nilo, que cresceram nas planícies do extremo
e os astros, os egípcios criaram o calendário norte da América do Norte em resposta ao
estímulo do comércio de peles? E os
Mundurucu na Amazônia que mudaram de formas culturais, elas próprias baseadas na
patrilocalidade e patrilinearidade para capacidade humana de simbolizar.
adotar a inusitada combinação de
matrilocalidade e contagem patrilinear em O antropólogo Alexander Lesser, em outro
resposta ao seu novo papel de caçadores contexto, pediu anos atrás que "adotemos
de escravos e fornecedores de farinha de como hipótese de trabalho a universalidade
mandioca para expedições de caça a do contato e da influência humana"; que
escravos? O que, além disso, da África, onde pensemos "nas sociedades humanas -
o comércio de escravos criou uma demanda pré-históricas, primitivas ou modernas não
ilimitada por escravos, e onde populações como sistemas fechados, mas como
sem parentesco atenderam a essa demanda sistemas abertos"; que os vejamos "como
separando pessoas de seus grupos de inextricavelmente envolvidos com outros
parentesco por meio de guerra, sequestro, agregados, próximos e distantes, em
penhora ou procedimentos judiciais, a fim de conexões semelhantes a redes” (1961: 42).
ter escravos para vender aos europeus? Em Os trabalhos dos etno-historiadores
todos esses casos, tentar especificar demonstraram a validade deste conselho
conjuntos culturais separados e fronteiras caso após caso [...] Nessa perspectiva,
distintas criaria uma amostra falsa. Esses torna-se difícil ver qualquer cultura como um
casos exemplificam relacionamentos que sistema limitado ou como um "projeto de
mudam espacial e temporalmente, vida" que se autoperpetua. Os antropólogos
motivados em todos os casos pelos efeitos nos mostraram que as formas culturais -
da expansão européia. Se considerarmos, como "ordenações determinadas" de coisas,
além disso, que essa expansão tem afetado comportamentos e idéias - desempenham
por quase 500 anos caso a caso, então a um papel demonstrável no gerenciamento
busca por uma amostra mundial de casos da interação humana. O que será exigido de
distintos é ilusória. nós no futuro não é negar esse papel, mas
entender mais precisamente como as
[...] Será que já houve um tempo em que as formas culturais funcionam para mediar as
populações humanas existiram relações sociais entre populações
independentemente de relações particulares” (Erich Wolf).
abrangentes mais amplas, não afetadas por
campos de força maiores? Como essa hierarquia global se refletiu
em nosso plano nacional?
Não é preciso brigar com o uso denotativo
do termo sociedade para designar um Em um outro momento, aprendemos que o
aglomerado empiricamente verificável de Brasil se caracteriza por ter uma ordem
interconexões entre as pessoas, desde que elitista, por meio de diversas alianças feitas
não sejam acrescentados pré-julgamentos entre os grupos dominantes ao longo de sua
avaliativos sobre seu estado de coesão formação, após a independência. Desta
interna ou delimitação em relação ao mundo forma houve uma continuidade da
externo. Da mesma forma, seria um erro capacidade da elite de modelar a sociedade.
descartar a percepção antropológica de que Vide o fato de que a nossa elite rouba
a existência humana implica a criação de
metade do nosso orçamento: poupança, riqueza). Sem dúvida, foi sob a
https://auditoriacidada.org.br/ proteção de coordenadas ideológicas desse
tipo que uma verdadeira guerra moral foi
lançada em muitos países contra a ajuda aos
pobres, e uma redução dos programas
sociais universais foi proposta em favor de
políticas focais reservadas apenas para os
pobres que realmente mereciam. Formas de
solidariedade coletiva baseadas em direitos
sociais universais deram lugar a uma gestão
de risco mais individualizada, onde cada
ator, altamente responsável por seu destino
(Martuccelli, 2001 e 2007), tem que garantir
seu futuro para si (o que estimula o
Entendemos que houve um momento desenvolvimento de sistemas de saúde
disruptivo que ameaçou essa dominância da privada, fundos de pensões, mas também a
elite, no governo Jango, quando foi criada a expansão dos serviços privados na
Superintendência de Política Agrária (Supra), educação ou segurança). No cerne da
que tinha por incumbência implementar ideologia neoliberal está, portanto, o
medidas de reforma agrária no país. Mas, redesenho das fronteiras entre
em 31 de março, apenas 18 dias após o responsabilidade individual e solidariedade
discurso da reforma agrária na praça, Jango coletiva. Assim, a ideia de novos indivíduos
foi destituído por um golpe militar, dando que deveriam se comportar em primeiro
início a uma ditadura que foi responsável lugar como proprietários de várias formas de
por milhares de mortos, e a imposição do capital que teriam de manter e enriquecer
neoliberalismo. (estudos, poupança, compra de bens, várias
capitalizações, redes) para ter sucesso na
“O neoliberalismo, além de definir um sua vida social e em sua competência
conjunto de políticas econômicas (Hall e generalizada” (Danilo Martuccelli).
Lamont, 2013) ou uma época histórica (Ruíz
Encina, 2019), em sua mais ambiciosa Nesse sentido, complementando a visão de
projeção ideológica está associado a um Danilo Martuccelli, Norbert Elias coloca o
novo tipo de sujeito. Freqüentemente, seguinte: “ o indivíduo deriva especial
argumenta-se que esse é o cerne da satisfação da ideia de que deve tudo, o que
ideologia neoliberal: uma generalização do considera único e essencial em sua pessoa,
princípio da competição em todos os níveis apenas a si mesmo, a sua ‘natureza’, e a
da vida social. A ideologia neoliberal insta os mais ninguém. A ideia de que pessoas
indivíduos a se responsabilizarem por seu “estranhas” possam ser parte integrante da
destino, a se conceberem principalmente formação de sua individualidade parece,
como empresários que devem administrar, hoje em dia, quase uma transgressão dos
divertir e acumular diferentes formas de direitos do sujeito sobre si mesmo. Apenas
capital (estudos, relacionamentos, aquela parte de si que a pessoa consegue
explicar por sua ‘natureza’ parece-lhe
inteiramente própria. Ao explicá-la através jeitinho de ser do brasileiro”. A conquista
de sua natureza, ela involuntariamente dos europeus é um momento chave da
credita seu mérito a si mesma como uma modernidade. Como nos explica o sociólogo
conquista positiva; e, inversamente, tende a Danilo Martuccelli: a diferença racial que é
atribuir à sua natureza inata tudo o que vê imposta pelos conquistadores aos
em si própria como conquista positiva. conquistados estabelece um novo esquema
Imaginar que sua individualidade especial, de poder que se expande por todo o
sua “essência”, não seja uma criação única mundo. A raça (que é um construto social)
da natureza, súbita e inexplicavelmente passa a ter uma primazia histórica sobre a
saída de seu ventre, tal como Atena brotou classe, já que é a racialização de grupos
da cabeça de Zeus, atribuir seus próprios feitos subalternos (povos indígenas, negros)
dons psíquicos ou até seus problemas a que estabelece a linha de demarcação entre
algo tão fortuito quanto às relações com trabalho não remunerado e trabalho
outras pessoas, algo tão transitório quanto a assalariado. É a fronteira da raça que
sociedade humana, parece ao indivíduo uma estabelece o perímetro de um novo
desvalorização que priva de sentido sua espaço-tempo histórico que define um
existência. A ideia de que sua espectro de novas relações materiais e
individualidade tenha emergido da natureza intersubjetivas que o pensamento ocidental
imperecível, assim como a ideia de ter sido dominante irá identificar - durante séculos e
criada por Deus, parece proporcionar uma em meio a um eurocentrismo tenaz - como
justificativa muito mais segura a tudo aquilo ‘a’ modernidade.
que a pessoa acredita ser-lhe singular e
essencial. Isso ancora as qualidades Mas, por meio da metanarrativa da
individuais em algo eterno e regular; ajuda o diferença, a miscigenação deixa de ser o
indivíduo a compreender a necessidade de sinal de uma decadência racial” ,e, se torna,
ser o que é. Explica-lhe, através de uma em Gilberto Freyre (1943), o pilar de uma
palavra — a palavra ‘natureza’ —, aquilo que, civilização diferente. A miscigenação seria
de outro modo, seria inexplicável nele justamente a raiz de uma outra civilização
mesmo” (Norbert Elias). moderna, e torna-se um verdadeiro valor.
Uma virada muito sagaz. O que nos remeteu
O neoliberalismo - imposto pela ditadura ao trabalho do ilustrador e cartunista
militar financiada pelo governo Thomas Nast, “Uncle Sam's Thanksgiving
norte-americano - além de instaurar o Dinner”:
egoísmo, também: 1. destruiu a nossa
floresta Amazônica, 2. massacrou mais ainda
os nossos povos indígenas, 3. aumentou a
desigualdade social, aumentou o racismo,
cometeu e abafou vários crimes de
corrupção, criaram uma “cultura de
brutalidade” alimentando a violência urbana.

Ao mesmo tempo, também se viu a


imposição de uma nova ficção sobre “o
supostamente não dão carteirada e seguem
os ritos oficiais da lei.

“É o que, de forma esquemática e justa,


Foucault resumiu no perfil do homem,
branco, adulto, heterossexual, são de
espírito, trabalhador. Quem não é, que
corresponde a algo como 98% da
humanidade, é portanto definido por um
déficit inicial diante dessa imagem heróica
do sujeito [...] (E é interessante notar que
Só que a gestação dessa ficção sobre estes 2% são os mais carentes de suportes
“quem é o brasileiro” não para por aí. Em existenciais). Cada indivíduo, em todas as
“Raízes do Brasil”, Sérgio Buarque de sociedades históricas, existiu graças aos
Holanda, como explicou Jessé Souza, suportes. Mas em sociedades que se
lançou um conceito que se tornaria central: modernizaram e experimentaram um
o ‘Homem Cordial’. Em linhas gerais: aumento nos fenômenos de isolamento,
patriarcal (o pai como detentor de direito de solidão e desinserção da tradição, o
vida e morte sobre todos), de herança rural; problema de como suportar individualmente
um homem dominado pelo coração, ou seja, a existência torna-se um desafio maior e até
muito afável por um lado, mas, por outro, central, para muitos de nós [...] Pense que
também muito impulsivo e violento. Em até algumas décadas atrás (e isso ainda é
contraposição ao mito do europeu: verdade em muitas camadas sociais), os
supostamente racional e com total controle indivíduos tinham menos momentos de
de suas emoções. solidão do que hoje. Poucos tinham um
quarto só para si; geralmente viviam em um
espaço comum; e a solidão era uma
experiência rara ou inexistente. Hoje, ao
contrário, em cidades como Nova York ou
Paris, mais da metade das pessoas mora
sozinha. O desafio de como suportar a
existência torna-se mais agudo (e o abuso
do telefone é fundamental nesses
contextos) [...] Esses suportes dão origem a
cifras díspares. Vou apenas dar a você
Depois, Roberto DaMatta em “Carnavais, algumas delas. Começo com a experiência
malandros e heróis”, no ensaio “Você sabe de maior ‘sucesso’. Existem pessoas nas
com quem está falando?”, coloca que esse nossas sociedades que por razões de
costume é “tipicamente brasileiro”, privilégio (sociais, culturais ...) possuem
revelando um traço da nossa cultura que ele "apoios|suportes invisíveis". Ou seja, elas
chama de “esqueleto hierarquizante de gozam de suportes socialmente tão
nossa sociedade”. Em contraposição ao legítimos que acabam sendo invisíveis,
norte-americano e o europeu que graças aos quais acabam tendo a sensação
de serem efetivamente autossustentáveis
​por dentro. Um sentimento constantemente
validado socialmente reforça uma autoilusão
(e isso ainda mais porque é individual e
coletivo). Quase se poderia dizer que essa
ilusão é uma necessidade funcional nas
sociedades que construíram a imagem
idealizada do Indivíduo soberano que se
sustenta de dentro: para acreditar nela é
preciso postular a existência do grande
homem capaz de encarnar essa ficção (e [...] Ao contrário, existem indivíduos que
digo homem, porque são homens, o grande possuem suportes "ruins", ou seja, ilegítimos.
homem que tem e transmite sobretudo esta É o caso de todos os que dependem de
representação de si). Este é o (suposto) ajudas públicas e, por isso, manifestam a sua
mundo dos grandes políticos, dos grandes incapacidade de se sustentar. Ou seja, não
dirigentes de empresas, entre os quais o são pessoas físicas autônomas
vício do trabalho nunca se apresenta como economicamente, capazes de auferir seus
uma forma de dependência, mas como um rendimentos de uma atividade comercial ou
mecanismo de grandeza pessoal [...] O olhar salarial. Diante dessa representação, todo
social quer vê-los como grandes homens, aquele que recebe “presentes” públicos (na
constantemente sobrecarregados de verdade, poderíamos dizer melhor que
atividade, cansados, muito cansados, recebe um direito) é visto como um
sujeitos ao estresse e à urgência em meio a indivíduo assistido e dependente.
uma falta crônica de tempo Finalmente, alguém incapaz de se sustentar
...Representação tanto mais necessária por dentro. Agora, paradoxalmente, se
porque a grandeza pessoal consiste estabelecermos uma sociologia
justamente em mostrar que você pode sair desideologizada dos suportes,
graciosamente do ritmo frenético de vida e perceberemos imediatamente que os
trabalho que [...] você leva se ler a literatura pobres são indivíduos que se sustentam
autobiográfica dos "grandes" líderes internamente em doses muito maiores do
políticos ou dos "grandes" chefes da que o indivíduo "bem-sucedido" de que
empresas, a insistência - contrafactual - em acabei de falar. Com efeito, contando com
se sustentar por dentro é o fio condutor da os escassos recursos que obtém graças ao
maioria desses depoimentos [...] eu conto seguro-desemprego ou ainda mais através
tudo isso porque acho que ajuda a entender do rendimento mínimo, tem que construir
o que e quais são os suportes. Em nossas uma vida pessoal sem atividade assalariada.
sociedades, são os indivíduos que, Para eles, como tantos estudos mostram, o
praticamente, menos se sustentam por peso da existência é particularmente forte,
dentro, que encarnam, curiosamente, por são os sujeitos que mais se aproximam do
razões ideológicas, a figura máxima do modelo de indivíduo que se sustenta por
Indivíduo soberano que heroicamente se dentro e, curiosamente, são os mais
sustenta em si mesmo.
estigmatizados no sentido contrário” (Danilo tecnologia, saúde, entre outras. Uma
Martuccelli). empresa como a Apple obtém lucro com
tecnologia desenvolvida e financiada por
E para fechar essa esculachada na ficção governos, mas, como tantas outras grandes
sobre “quem é o brasileiro” temos empresas, mal paga impostos, e assim a
Raymundo Faoro, que: “diz que a corrupção grande maioria das grandes corporações.
começa no século 14. Isso é uma loucura.
Não existia corrupção no século 14. É óbvio. A consequência é que a “violência
A terra era do Rei. E o Rei não ia roubar o simbólica”, de mentir para o povo que seu
que era dele. Isso acontecia em todos os Estado-Nação não presta - ajuda a manter o
lugares. Isso acontecia na França, na status quo das grandes corporações e da
Inglaterra… você só vai ter corrupção no elite, e, é importante apontar que no resto
sentido moderno do termo a partir do século do mundo se passa o mesmo também. O
18, quando surge a noção de soberania Estado-Nação é demonizado para
popular e a noção de bem público, que justamente se efetuar seu desmantelamento
nasce com a soberania popular. Claro! e impedi-lo de proteger seus cidadãos, e,
Porque se a parte de todo poder é assim, as riquezas e os frutos do suor do
percebida como sendo do povo é que você trabalho do povo poderem ser facilmente
vai poder desenvolver a noção de bem apropriados pelas grandes corporações
público no sentido moderno. Antes não exploradoras, que são uma pequena minoria
existia bem público. O bem era do Rei detentora da maioria do capital. Quando se
mesmo. Ele ia roubar o quê se o negócio era demoniza o Estado-Nação, se coloca as
dele ? Não só o Rei, mas ninguém achava grandes corporações e a privatização como
que aquelas terras não fossem do Rei. Então salvadoras da pátria; quando na realidade
é um absurdo, uma história de carochinha, essas corporações só abusam do povo,
idiota, imbecil. É como você botar fórmulas destroem o território e a nação.
de aproximação entre homens e mulheres
exibindo um filme sobre a Roma antiga. "(...) O privilégio – mesmo o flagrantemente
Você põe uma aproximação de homens e injusto, como o que se transmite por
mulheres que foram desenvolvidos no herança – necessita ser "legitimado”
século 18, ou seja, é ahistórico” (Jesse (através de sistemas de crenças, ou melhor,
Souza). ficções compartilhadas), aceito mesmo por
aqueles que foram excluídos de todos os
Esse discurso de que no Brasil o mercado é privilégios (...) essa reprodução depende de
eficiente e virtuoso enquanto o Estado é uma “violência simbólica”, perpetrada com o
ineficiente e corrupto é pervertido e uma consentimento mudo dos excluídos do
mentira, tanto aqui quanto como em privilégio. É por conta disso que os
qualquer outro país.Um exemplo: a privilegiados são os donos dos jornais, das
economista Mariana Mazzucato investigou a editoras, das universidades, das TVs e do
origem das novas tecnologias e descobriu que se decide nos tribunais e nos partidos
que os governos são os autores e políticos (...) o “imbecil perfeito” é criado
financiadores, não só das grandes quando ele, o cidadão espoliado, passa a
inovações, mas também nas áreas de apoiar a venda subfaturada desses recursos
a agentes privados imaginando que assim nossas ações; sentimos e expressamos
evita a corrupção estatal. Como se a maior emoções que cumprem, resistem ou
corrupção – no sentido de enganar os transformam normas emocionais (Hochschild
outros para auferir vantagens ilícitas – não 1979; Thoits 1985) que, na vida cotidiana,
fosse precisamente permitir que uma meia são tão importantes para a manutenção da
dúzia de super-ricos ponha no bolso a desigualdade social quanto outros padrões
riqueza de todos, deixando o resto na normativos de interação. Como Hochschild
miséria. Essa foi a história da Vale, que paga (1990:117) escreveu, "o que sentimos é tão
royalties ridículos para se apropriar da importante para o resultado dos assuntos
riqueza que deveria ser de todos, e essa sociais quanto o que pensamos ou
será muito provavelmente a história da fazemos". Nossos sentimentos sobre nós
Petrobras. Esse é o poder real, que rapina mesmos, outros, relacionamentos e
trilhões e ninguém percebe a tramoia, comunidades são centrais para os
porque foi criado o espantalho perfeito com significados que construímos e para as
a ideia de Estado como único corrupto”. consequências de nossas interações ao
longo do tempo. Assim, a construção e
Aprendemos que essa mitologia do “jeitinho manutenção do sentido e, em última
brasileiro", propagada pelas escolas, instância, da desigualdade social, podem ser
universidades, sistemas de comunicação em entendidas como um processo emocional, e
massa, e pelo judiciário, serve para legitimar não apenas cognitivo [...]” (Jessica Fields et
os interesses das grandes corporações. Por al.).
fim, apontamos para as crianças que esse
discurso autodestrutivo, que inclusive vêem O que significa ser classe média no Brasil?
sendo reproduzido por seus avós, tios e
coleguinhas da escola, de que: "O Brasil é A gente tá lá embaixo dessa pirâmide:
uma merda e tudo aqui é uma merda", é
fruto dessa ignorantização como projeto de
poder, imposta pelos exploradores, que
deseducam para controlar.

“[...] O interacionismo simbólico pode ser


diferenciado de outras perspectivas
sociológicas pela atenção que os estudiosos
dão à construção do significado e do self. O
significado não é inerente ao individual ou
em objetos, mas é, em vez disso, social;
saber o que os objetos (eu, outros,
relacionamentos e comunidades) significam
para as pessoas esclarece como os atores
sociais vivem os padrões e arranjos muitas
vezes desiguais que chamamos de
"sociedade". As emoções estão
integralmente conectadas e informam
Ou bem no meio dessa pirâmide a seguir: planejada, e esta organização é criada por
trusts e outras associações monopolísticas.

Pashukanis apontou que sem uma alteração


substancial no campo das relações
econômicas e de organização do trabalho,
não há possibilidade de se alcançar uma
organização social democrática. Como
explica Pashukanis: “Na medida em que a
riqueza da sociedade capitalista aparece
como 'uma imensa coleção de
commodities’, esta mesma sociedade
aparece como uma cadeia interminável de
relações jurídicas”. Assim, a relação
Entendemos que essa hierarquia se dá
econômica de troca deve existir
dessa forma porque, atualmente,
primeiramente para a relação jurídica dos
infelizmente, Estados-Nações, comandados
contratos de compra e venda surgir. O poder
pela ideologia do neoliberalismo e geridos
político pode, com a ajuda de leis, regular,
pelas grandes corporações, funcionam
alterar, condicionar e concretizar a forma e o
como cleptocracias (assim como os
conteúdo desta transação da maneira mais
impérios), em que a riqueza do povo é
diversa. Mas é a lei que determina em
transferida para as classes superiores; e
grande detalhe o que pode ser comprado e
apenas uma pequena parcela do tributo é
vendido, como, sob quais condições, e por
direcionada para ações populares.
quem. O único fim do sistema jurídico é a
Pashukanis explica o seguinte: a estrutura
circulação de commodities, e quase sempre
de poder é algo secundário e derivado,
privilegia as grandes corporações.
imposto externamente aos donos das
mercadorias existentes. A 'igualdade' no
mercado de fato cria uma forma específica Mas por que o povo tolera essa
de poder: o Estado. E o Estado de paz de transferência do fruto do seu trabalho árduo
fato tornou-se uma necessidade quando a para os cleptocratas? Por que nós somos
troca se tornou um fenômeno regular. Ou primatas linguageiros, e através da nossa
seja, entendemos que sem a igualdade e a cultura simbólica justificamos essa
paz (com o monopólio da violência) o cleptocracia. Nós entendemos com Eva
mercado e o Estado morrem. Então, por que Jablonka que:
essa desigualdade toda se isso ameaça ruir
tudo? Porque o capitalismo monopolista cria “A cultura é um sistema/rede dinâmica mais
as pré-condições para um sistema ou menos persistente de padrões
econômico no qual o ímpeto da produção e socialmente adquiridos e reconstruídos de
reprodução social é efetuado, não por meio comportamentos, ideias, preferências,
de transações individuais entre unidades produtos, de atividades que caracterizam
econômicas autônomas, mas com a ajuda uma comunidade. A evolução é uma
de uma organização centralizada e mudança na frequência e natureza de tipos
hereditários ao longo do tempo. A evolução baseadas quase que inteiramente em
cultural humana é o processo histórico de símbolos.
mudança em padrões culturais humanos ao
longo do tempo. Do ponto de vista da [...] O que queremos reiterar é que a
evo-devo, um sistema cultural é uma seleção, geração, transmissão e aquisição
entidade dinâmica na qual os indivíduos são de variantes culturais não podem ser
introduzidos, na qual eles se desenvolvem, e isoladas umas das outras, nem podem ser
para a qual contribuem. Este sistema / rede isoladas dos sistemas econômicos, legais e
é reconstruído (com modificações) usando políticos em que estão embutidas e são
entradas (inputs) mediadas por atividades e construídas, nem das práticas das pessoas
produtos, do passado e do presente, que as constroem [...] Acreditamos que para
individuais e coletivos. [...] (E) é inevitável entender a razão da existência de uma
que a evolução cultural humana, em grande determinada entidade cultural ou de sua
parte baseada em informação transmitida alteração é preciso pensar na sua origem,
por meio da comunicação simbólica, na sua reconstrução, e na sua preservação
apresente também características que a funcional, cada uma delas intimamente
tornam muito diferente de outros tipos de ligada à outra e a outros aspectos do
evolução biológica. desenvolvimento cultural. É preciso
perguntar não apenas quem se beneficia e o
[...] Os animais não humanos transmitem que é selecionado, mas também como e por
informação comportamental de diversas que um novo comportamento ou uma nova
formas: isso pode ser feito por meio de ideia são gerados, como se desenvolvem e
signos vocais, visuais, táteis e olfativos. como são passados adiante" (Eva jablonka).
Quando transmitidos através das gerações,
esses signos animais podem formar uma O que significa participar da corrida de
cultura. Como acontece com a cultura ratos?
humana, o processo de aquisição de
informação é ativo e envolve reconstruir e Aprendemos com Pierre Bourdieu que as
transformar a informação. No entanto, os classes dominantes, através da
outros animais não têm uma cultura comunicação simbólica, ou pode se chamar
simbólica, pois seus signos de comunicação também de reprodução do saber, mantém
não formam um sistema autoreferencial. A suas relações de poder. “A estrutura social é
cultura humana é única no sentido de que apresentada pelo sociólogo Pierre Bourdieu
os símbolos permeiam todos os seus como um sistema hierarquizado de poder e
aspectos, e até mesmo comportamentos privilégio. Por poderes Bourdieu entende
adquiridos, como preferências alimentares mais especificamente:
e canções, que, se nos outros animais são
transmitidos por meios não simbólicos, nos > o capital econômico (renda, salários,
seres humanos são em geral associados imóveis, terras)
com a comunicação simbólica. E coisas
como ideias, artefatos e instituições são
> o capital cultural (saberes e
conhecimentos reconhecidos por diplomas
e títulos)
> o capital simbólico (o prestígio que vem
por carregar consigo símbolos de status na
forma de bens materiais).

> o capital social (relações sociais que


podem ser revertidas em capital, relações
que podem ser capitalizadas)

Assim, a posição de privilégio ou


não-privilégio ocupada por um grupo ou
indivíduo é definida de acordo com o
volume e a composição de um ou mais
capitais adquiridos e ou incorporados ao
longo de suas trajetórias sociais, não por
mérito, mas por privilégios. É uma Por isso, é preciso estar atento a ilusão de
verdadeira corrida de ratos por símbolos de uma meritocracia:
status. O conjunto desses capitais seria
compreendido a partir de um sistema de
disposições da cultura (nas suas dimensões
material, simbólica, entre outras),
denominado por ele habitus (a maneira de
falar, de se vestir, de se comportar etc) [...] o
gosto cultural e os estilos de vida, ou as
maneiras de se relacionar com as práticas
da cultura estão profundamente marcadas
pelas trajetórias sociais vividas por cada
sujeito [...] gosto cultural é produto e fruto de
um processo educativo, ambientado na
família e na escola e não fruto de uma
sensibilidade inata dos agentes sociais [...]
Bourdieu põe em discussão, dessa forma, o
consenso relativo à crença de que o gosto e
os estilos de vida seriam uma questão de
foro íntimo. Para o autor, o gosto seria, ao
contrário, o resultado de imbricadas
relações de força poderosamente
alicerçadas nas instituições transmissoras de
cultura da sociedade capitalista. Para E saber diferenciar entre:
fundamentar essa afirmação, Bourdieu
argumenta que essas instituições seriam a
família e a escola; seriam elas responsáveis
pelas nossas competências culturais ou
gostos culturais. A distinção entre esses dois
tipos de aprendizado, o familiar e o escolar,
refere-se a duas maneiras de adquirir bens
da cultura e com eles se habituar. Ou seja,
os aprendizados efetuados nos ambientes
familiares seriam caracterizados pelo seu
desprendimento e invisibilidade, garantindo
a seu portador um certo desembaraço na
apreensão e apreciação cultural; por sua
vez, o aprendizado escolar sistemático seria
caracterizado por ser voluntário e
consciente, garantindo a seu portador uma
familiaridade tardia com a produção
cultural”.
Meu domingo tá perdido

Vou pra casa entristecido

Dá vontade de beber

E pra aumentar o meu tédio

Várias manifestações artísticas nos Eu nem posso olhar pro prédio


apontaram para o que expomos
anteriormente, mas focamos apenas sobre a Que eu ajudei a fazer
música e o poema a seguir:

Cidadão - Zé Ramalho
Tá vendo aquele colégio, moço?
Tá vendo aquele edifício, moço?
Eu também trabalhei lá
Ajudei a levantar
Lá eu quase me arrebento
Foi um tempo de aflição
Fiz a massa, pus cimento
Era quatro condução
Ajudei a rebocar
Duas pra ir, duas pra voltar

Minha filha inocente


Hoje depois dele pronto
Vem pra mim toda contente
Olho pra cima e fico tonto
Pai, vou me matricular
Mas me vem um cidadão
Mas me diz um cidadão
E me diz, desconfiado
Criança de pé no chão
Tu tá aí admirado
Aqui não pode estudar
Ou tá querendo roubar?
Não se deixe amedrontar

Essa dor doeu mais forte Fui eu quem criou a terra

Por que é que eu deixei o norte? Enchi o rio, fiz a serra

Eu me pus a me dizer Não deixei nada faltar

Lá a seca castigava

Mas o pouco que eu plantava Hoje o homem criou asa

Tinha direito a comer E na maioria das casas

Eu também não posso entrar

Tá vendo aquela igreja, moço? Fui eu quem criou a terra

Onde o padre diz amém Enchi o rio, fiz a serra

Pus o sino e o badalo Não deixei nada faltar

Enchi minha mão de calo Hoje o homem criou asas

Lá eu trabalhei também E na maioria das casas

Eu também não posso entrar

Lá foi que valeu a pena

Tem quermesse, tem novena O operário em construção - Vinícius de


Moraes
E o padre me deixa entrar
E o Diabo, levando-o a um alto monte,
Foi lá que Cristo me disse mostrou-lhe num momento de tempo todos
os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:

- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória,


Rapaz deixe de tolice porque a mim me foi entregue e dou-o a
quem quero; portanto, se tu me adorares,
tudo será teu.
De fato, como podia
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
Um operário em construção
- Vai-te, Satanás; porque está escrito:
adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele Compreender por que um tijolo
servirás.
Valia mais do que um pão?
Lucas, cap. IV, vs. 5-8.
Tijolos ele empilhava

Com pá, cimento e esquadria


Era ele que erguia casas
Quanto ao pão, ele o comia...
Onde antes só havia chão.
Mas fosse comer tijolo!
Como um pássaro sem asas
E assim o operário ia
Ele subia com as casas
Com suor e com cimento
Que lhe brotavam da mão.
Erguendo uma casa aqui
Mas tudo desconhecia
Adiante um apartamento
De sua grande missão:
Além uma igreja, à frente
Não sabia, por exemplo
Um quartel e uma prisão:
Que a casa de um homem é um templo
Prisão de que sofreria
Um templo sem religião
Não fosse, eventualmente
Como tampouco sabia
Um operário em construção.
Que a casa que ele fazia

Sendo a sua liberdade


Mas ele desconhecia
Era a sua escravidão.
Esse fato extraordinário: Um operário que sabia

Que o operário faz a coisa Exercer a profissão.

E a coisa faz o operário.

De forma que, certo dia Ah, homens de pensamento

À mesa, ao cortar o pão Não sabereis nunca o quanto

O operário foi tomado Aquele humilde operário

De uma súbita emoção Soube naquele momento!

Ao constatar assombrado Naquela casa vazia

Que tudo naquela mesa Que ele mesmo levantara

- Garrafa, prato, facão - Um mundo novo nascia

Era ele quem os fazia De que sequer suspeitava.

Ele, um humilde operário, O operário emocionado

Um operário em construção. Olhou sua própria mão

Olhou em torno: gamela Sua rude mão de operário

Banco, enxerga, caldeirão De operário em construção

Vidro, parede, janela E olhando bem para ela

Casa, cidade, nação! Teve um segundo a impressão

Tudo, tudo o que existia De que não havia no mundo

Era ele quem o fazia Coisa que fosse mais bela.

Ele, um humilde operário


Foi dentro da compreensão Do edifício em construção

Desse instante solitário Que sempre dizia sim

Que, tal sua construção Começou a dizer não.

Cresceu também o operário. E aprendeu a notar coisas

Cresceu em alto e profundo A que não dava atenção:

Em largo e no coração

E como tudo que cresce Notou que sua marmita

Ele não cresceu em vão Era o prato do patrão

Pois além do que sabia Que sua cerveja preta

- Exercer a profissão - Era o uísque do patrão

O operário adquiriu Que seu macacão de zuarte

Uma nova dimensão: Era o terno do patrão

A dimensão da poesia. Que o casebre onde morava

Era a mansão do patrão

E um fato novo se viu Que seus dois pés andarilhos

Que a todos admirava: Eram as rodas do patrão

O que o operário dizia Que a dureza do seu dia

Outro operário escutava. Era a noite do patrão

Que sua imensa fadiga

E foi assim que o operário Era amiga do patrão.


Sua primeira agressão.

E o operário disse: Não! Teve seu rosto cuspido

E o operário fez-se forte Teve seu braço quebrado

Na sua resolução. Mas quando foi perguntado

O operário disse: Não!

Como era de se esperar

As bocas da delação Em vão sofrera o operário

Começaram a dizer coisas Sua primeira agressão

Aos ouvidos do patrão. Muitas outras se seguiram

Mas o patrão não queria Muitas outras seguirão.

Nenhuma preocupação Porém, por imprescindível

- "Convençam-no" do contrário - Ao edifício em construção

Disse ele sobre o operário Seu trabalho prosseguia

E ao dizer isso sorria. E todo o seu sofrimento

Misturava-se ao cimento

Dia seguinte, o operário Da construção que crescia.

Ao sair da construção

Viu-se súbito cercado Sentindo que a violência

Dos homens da delação Não dobraria o operário

E sofreu, por destinado Um dia tentou o patrão


Dobrá-lo de modo vário. Mas o que via o operário

De sorte que o foi levando O patrão nunca veria.

Ao alto da construção O operário via as casas

E num momento de tempo E dentro das estruturas

Mostrou-lhe toda a região Via coisas, objetos

E apontando-a ao operário Produtos, manufaturas.

Fez-lhe esta declaração: Via tudo o que fazia

- Dar-te-ei todo esse poder O lucro do seu patrão

E a sua satisfação E em cada coisa que via

Porque a mim me foi entregue Misteriosamente havia

E dou-o a quem bem quiser. A marca de sua mão.

Dou-te tempo de lazer E o operário disse: Não!

Dou-te tempo de mulher.

Portanto, tudo o que vês - Loucura! - gritou o patrão

Será teu se me adorares Não vês o que te dou eu?

E, ainda mais, se abandonares - Mentira! - disse o operário

O que te faz dizer não. Não podes dar-me o que é meu.

Disse, e fitou o operário E um grande silêncio fez-se

Que olhava e que refletia Dentro do seu coração


Um silêncio de martírios Razão porém que fizera

Um silêncio de prisão. Em operário construído

Um silêncio povoado O operário em construção

De pedidos de perdão

Um silêncio apavorado AS NORMAS ETÁRIAS

Com o medo em solidão. Além desse contexto complexo em que


nascemos e que moldam o nosso curso de
vida, as normas etárias igualmente afetam as
nossas possibilidades de curso de vida, e
Um silêncio de torturas são diferentes para cada classe social em
nossa hierarquia. Por isso, dedicamos essa
E gritos de maldição seção do trabalho para falar sobre o que são
as normas etárias.
Um silêncio de fraturas

A se arrastarem no chão.

E o operário ouviu a voz

De todos os seus irmãos

Os seus irmãos que morreram


“A idade é importante do ponto de vista das
Por outros que viverão. sociedades, grupos e indivíduos. Para as
sociedades, os significados e usos da idade
são muitas vezes formais. Por exemplo, a
Uma esperança sincera
idade está subjacente à organização das
instituições e organizações familiares,
Cresceu no seu coração
educacionais, de trabalho e de lazer. Muitas
leis e políticas estruturam direitos,
E dentro da tarde mansa responsabilidades e deveres com base na
idade, seja por meio de regras explícitas
Agigantou-se a razão relacionadas à idade ou julgamentos
implícitos sobre a natureza de determinados
De um homem pobre e esquecido períodos da vida. Ao mesmo tempo,
membros de uma sociedade, ou grandes
subgrupos da população, podem
compartilhar ideias informais sobre as envelhecemos, o impacto sobre nós dessas
mudanças que ocorrem entre o nascimento diferentes experiências se acumula.
e a morte e como essas mudanças são
significativas. Por exemplo, a idade pode Nós aprendemos que em nossa sociedade
estar ligada a noções comuns sobre organizamos a nossa vida e expectativas de
comportamento apropriado ou o momento acordo com a nossa faixa etária, e podemos
adequado e progressão de experiências e ver isso em nossas tradições (por exemplo:
papéis. Para indivíduos e pequenos grupos, casamento, paternidade/maternidade),
os significados e usos da idade são muitas nossos comportamentos costumeiros (por
vezes informais. Os indivíduos usam ideias exemplo: a natureza de série etária das
relacionadas à idade para organizar suas escolas e o ingresso na faculdade; ou o que
vidas, a vida dos outros e suas expectativas manda a etiqueta, normas e regras sociais
gerais sobre o curso da vida. A idade entra e sobre a forma de se vestir adequada para
molda as interações sociais cotidianas, cada faixa etária; entre outras expectativas
muitas vezes de maneira sutil, afetando as em relação ao comportamento adequado à
expectativas e avaliações dos indivíduos idade), e em nossas leis (por exemplo: o
envolvidos nessas trocas. A idade também direito ao voto, à aposentadoria, à obtenção
está frequentemente ligada a atributos de de carteira de motorista, à carteira de
personalidade e disposições trabalho assinada).
comportamentais, concepções do eu e
processos de autorregulação, A invenção do tempo
enfrentamento e estabelecimento de metas”
(Richard A. Settersten). Isso se dá desta forma porque a nossa
espécie animal, através de seus símbolos,
É igualmente verdade que a vida social construiu uma divisão do tempo a fim de se
permeia a emoção. Isso fica imediatamente organizar melhor. O sociólogo Norbert Elias
aparente no fato de que muitas emoções explica que o tempo é um símbolo humano
humanas são evocadas por "resultados poderoso, pois é uma abstração que nos
reais, antecipados, imaginados ou permite medir as mudanças ao nosso redor,
lembrados das relações sociais" (Kemper). e também é uma ferramenta para organizar,
Portanto, é natural um indivíduo ter coordenar e integrar a sociedade.
sentimentos de vergonha e culpa, por
exemplo, quando não alcança determinadas O tempo, como construção social simbólica,
expectativas para sua faixa etária. começou originalmente com os impérios na
África e Ásia, e hoje é delegado aos
A partir do momento em que nascemos, instrumentos de medição. Assim, a
todos começamos a envelhecer. Este é o imutabilidade do tempo deixa de ser
início de um complexo e variado curso de representada por uma divindade e está
vida. Cada um de nós vive diferentes ligada às leis que representam a ordem
eventos, fazemos escolhas, enfrentamos as imutável da natureza. Nossas sociedades,
consequências de políticas e sistemas, e no desenvolvimento de sua relação com o
cruzamos formas de discriminação que tempo, apresentam um alto grau de
influenciam nossas vidas. À medida que
simbolização, institucionalização e síntese. O tempo e o curso de vida
Simbolização na medida em que as
propriedades físicas dos instrumentos de Aprendemos que em nossa sociedade
medição do tempo não podem ser complexa, nós aprimoramos o conceito de
dissociadas de sua dimensão simbólica. Os tempo, e atrelamos a esse conceito muitos
relógios, como instrumentos de medida, outros, dentre eles, um novo: o conceito do
encarnam o tempo da mesma forma que as curso de vida, que se refere aos processos
máscaras encarnam os espíritos nas sociais que moldam a jornada dos indivíduos
sociedades primitivas. Institucionalização na pela vida, em especial sua interação com as
medida em que a sincronização coletiva principais instituições associadas à família,
simbolizada nos calendários corre paralela à ao trabalho, à educação e ao lazer, pois, o
formação de um Estado capaz de impor eu se tornou também uma instituição (Eva
essa padronização. E síntese na medida em Illouz).
que permite mostrar a relação de duas ou
mais sequências de transformação Em um estudo seminal de meados da
diferentes, de tal forma que uma serve de década de 1960, Bernice Neugarten e seus
medida de tempo para a outra ou outras. colegas da Universidade de Chicago
Quando se afirma que os relógios medem e sugeriram que uma rede de expectativas de
indicam com precisão o tempo, fica evidente idade está inserida no tecido cultural da vida
como um símbolo pode ser objetivado, adulta. Existe o que pode ser chamado de
adquirindo vida própria na linguagem e no tempo prescritivo. As normas e expectativas
pensamento dos seres humanos por meio da idade operam como estímulos e freios no
de expressões como “medir o tempo” ou comportamento. Homens e mulheres estão
“determinar o tempo”. Assim, o mito do cientes não apenas dos relógios sociais que
tempo é retroalimentado como algo operam em suas vidas, mas também de seu
existente, determinável e computável pelos próprio tempo (Richard Settersten).
seres humanos (Norbert Elias).
O eu institucionalizado
Diferente de outros seres, o macaco Homo
Sapiens foi o único da família dos grandes A institucionalização do eu, ou a perspectiva
primatas a desenvolver uma linguagem do curso de vida, é uma forma sociológica
complexa de símbolos coletivamente de definir o processo de vida através do
elaborados compartilhados, ou seja, contexto de uma sequência culturalmente
elementos de representação do mundo por definida de categorias etárias que as
meio da fala, da escrita e da imagem, uma pessoas normalmente devem passar à
quarta dimensão simbólica em sua evolução. medida que avançam do nascimento à
A linguagem abriga uma dimensão morte.
representativa e tem a capacidade de
produzir palavras, textos ou imagens como
Nós entendemos que, de acordo com a
expressões críveis do mundo ideal.
sociologia, a instituição é como o definidor
de um regime de vida. Existem instituições
que, além de serem de uma ordem
imaginada, possuem também uma
fisicalidade, como: o orfanato, o serviço
militar, o asilo, a prisão, a escola, o hospital
etc, as quais o indivíduo se tornou
dependente. E existem instituições da
ordem imaginada como: a família, o eu,
entre outras, que são estruturas mentais.
Existe um lado constritivo (limitador) das
instituições que tem uma dimensão
repressiva (conceito de instituição
disciplinar) segundo a análise de sua função
histórica feita por Michel Foucault (Monitorar EXPLORANDO IDENTIDADES E
e Punir). E existe um lado construtivo
PAPÉIS
(formador) das instituições que vão orientar
o indivíduo, tanto na formação de seus
papéis (mãe-filha, professor-aluno, “[...] Na maioria das sociedades ocidentais, o
médico-paciente etc), suas identidades curso de vida é pelo menos parcialmente
(nacionalidade, orientação sexual etc.), diferenciado por idade, com papéis e
subjetividade; quanto em relação aos atividades sociais alocados com base na
suportes existenciais disponíveis (como a idade ou período de vida. De fato, o curso
religião, o trabalho, a cidadania, entre da vida moderna é muitas vezes visto como
outros). Como explica Eva Illouz: rigidamente estruturado em três períodos
separados relacionados ao trabalho: um
segmento inicial dedicado à educação e
“Para guiarem a ação, as ideias precisam de
treinamento para o trabalho; um segmento
uma base institucional. Minha hipótese de
médio dedicado à atividade laboral contínua;
trabalho é que o eu é uma forma
e um segmento final dedicado ao lazer e à
profundamente institucionalizada. Para que
aposentadoria. Essa estrutura é conveniente
se transforme num esquema básico que
porque cria “ordenação” na entrada e saída
organize o eu, uma narrativa deve ter uma
de papéis e atividades; ao mesmo tempo, é
enorme ressonância institucional cultural, ou
“ageist” porque restringe as oportunidades
seja, tem que se tornar parte das operações
para vários papéis e atividades a períodos
rotineiras de instituições que comandam
específicos da vida. Essa estrutura também
enormes recursos culturais e sociais, como o
é reforçada por meio de muitas políticas
Estado ou o mercado. Inversamente, as
sociais” (Richard Settersten).
tipificações cognitivas, tais como a narrativa
do eu, devem ser vistas como instituições
“depositadas” em estruturas mentais”. Sorte a nossa, na atual configuração, a
noção de um único curso de vida universal
não é mais viável, como na época dos
nossos avós e tataravós. Atualmente, já se
constatou que uma grande parte do que era
relacionado à velhice, à adolescência etc
eram sistemas de significado e não um
conjunto de fatos naturais, e isso agora é temos ao navegarmos por nossa
cada vez mais aceito nas ciências sociais e sociedade, pois estas subculturas é que
psicológicas, bem como na cultura popular. vão nos apontar para a relação entre
A nossa sociedade ainda mantém emoções, identidades, papéis, diferenças
firmemente as noções de infância, socialmente reconhecidas e, muitas vezes,
adolescência, idade adulta e velhice, mas condições sociais opressivas. Nosso senso
também passaram a aceitar que existem de identidade se desenvolve justamente à
várias versões do curso de vida, e cada um medida que reconhecemos que outros em
vai buscando a que funciona melhor para si, nossa sociedade, cultura e subcultura têm
no vasto repertório de narrativas disponíveis expectativas e valores particulares ligados
hoje em dia. E o que funciona para alguns às nossas ações, desejos e identidades. Por
pode não funcionar para outros, e isso toda a nossa trajetória textual anterior
vice-versa. Além disso, os indivíduos estão para chegarmos até aqui.
encontrando uma série de novos ritos para
expressar os significados de suas vidas, Nós aprendemos sobre o lugar que nos foi
como veremos em diversas manifestações alocado e ocupamos em nossa sociedade,
artísticas ao longo deste livreto. primeiramente, com a família, e depois
através das instituições de ensino, e mais
A educação tarde no ambiente de trabalho, onde a
identificação com a perspectiva da
Como vimos anteriormente, as regras de comunidade - o que Mead chamou de "outro
sentimento definem como devemos nos generalizado" - informa o desenvolvimento,
sentir em resposta a situações e outras a institucionalização e a manutenção de
pessoas. Por exemplo: devemos ficar felizes laços e grupos sociais. Esses laços e grupos
em ver nossas famílias em reuniões de férias constituem a sociedade e suas iniquidades;
(mas podemos sentir alívio quando elas este é o contexto no qual as pessoas
voltam para casa); devemos lamentar a desenvolvem e mantêm seu senso de
partida de um amante (mas não por "muito identidade. Assim como o self emerge no
tempo"); temos o direito de ficar com raiva contexto da interação social, a sociedade
quando outro motorista nos corta (mas emerge através do que Blumer (1969)
outros vão franzir a testa se expressarmos chamou de "ação conjunta". A sociedade se
essa raiva de forma agressiva). As emoções refere a padrões de interação compostos de
e sentimentos fornecem às pessoas uma indivíduos sinalizando e interpretando as
noção de quem e onde estão no mundo. ações uns dos outros – e suas próprias.
Crenças sobre gênero, raça, classe, Essas interações contribuem para o
sexualidade, idade, ocupação e capacidade desenvolvimento simultâneo do eu e da
física e mental moldam nosso senso de sociedade.
lugar, agência e eu e, portanto, também
podem informar nossas experiências A educação é uma etapa importante do
emocionais. A atenção a essas subculturas nosso curso de vida, contribuindo de
e desigualdades sociais é crucial para a maneira fundamental para o
compreensão das nossas possibilidades de desenvolvimento do eu e a internalização da
trajetória e margens de manobra que sociedade em que vivemos. Graças a
condição dos nossos pais, nós fomos o equipamento necessário está em outro
poupados de muitas das disfuncionalidades lugar, ou o professor é convocado durante
do que seria uma trajetória por uma escola uma discussão.
presencial tradicional.
Como Jackson (1971) concluiu, 'para a
Entendemos com Roland Meighan, em "A maioria dos estudantes, em parte do tempo,
Sociology of Educating", que "o currículo e para alguns alunos, na maior parte do
oculto é um termo usado para se referir aos tempo, a sala de aula chega perto de se
aspectos da aprendizagem nas escolas parecer com uma gaiola da qual não há
presenciais que são não oficiais, não escapatória'. Regulado por regras, rotinas e
intencionais ou com consequências não regulamentos e o consequente atraso,
declaradas. Jackson (1971) usa o termo para negação e interrupção, os alunos têm que
descrever as três regras não oficiais, rotinas, elaborar estratégias para a sobrevivência.
regras e regulamentos que os alunos devem Algumas dessas estratégias, Jackson
aprender para sobreviver nas escolas. argumenta, são evitar ou reduzir o confronto
Outros aspectos incluem as mensagens com os professores, mas um preço é pago,
aprendidas nas construções escolares, a em que a aprendizagem eficaz do currículo
influência das expectativas dos professores, oficial é reduzida. Essas estratégias incluem
o tipo de conhecimento implícito nas 'resignação' ou deixar de ter esperança que
técnicas didáticas, os efeitos de diferentes a escola faça sentido, e se "disfarça" em
usos da linguagem, e os papéis sexuais uma dissimulação de envolvimento [...]
projetados pela instituição.
O currículo oculto da maioria das escolas
[Pelo currículo oculto] Os alunos também presenciais tradicionais é tal que os alunos
lidam com o atraso, a negação e as também podem aprender que:
interrupções que acompanham as
experiências de aprendizagem nas escolas. * A aceitação passiva é uma resposta mais
O atraso ocorre quando os alunos esperam desejável às ideias do que a crítica ativa.
na montagem, esperam nos corredores,
aguardam a sua vez, esperam a lição * A criação de conhecimento está além do
começar, aguardam o professor estar poder dos alunos e, em todo caso, não é da
disponível, ou esperam um convite para conta deles;
responder uma pergunta, É bastante
surpreendente o montante de atraso; * A memorização é a mais alta forma de
algumas crianças passam a maioria de seu realização intelectual, e a coleção de fatos
tempo lidando com o atraso. A negação não relacionados é o objetivo da educação;
ocorre quando os alunos são proibidos de
falar entre si, não podem fazer perguntas,
* A voz da autoridade deve ser mais
não podem exercer uma atividade escolhida
confiável e valorizada do que o pensamento
ou não tem vez em um experimento porque
próprio;
o tempo se esgotou. Interrupção ocorre
quando o sino toca no meio de uma
atividade, um funcionário interrompe a aula,
* As ideias próprias e as dos colegas de * As pessoas brancas são mais importantes
classe são irrelevantes; que os negros e índios;

* As emoções/sentimentos são irrelevantes * A cultura ocidental é mais 'avançada' e é


na educação; superior às do resto do mundo.

* Existe sempre uma resposta certa, única e Ainda assim, mesmo tendo a oportunidade
incontestável para uma pergunta; de não se expor a esse currículo oculto,
muitas dessas crenças estão de tal forma
* Inglês (português) não é matemática, enraizadas nas estruturas da nossa
matemática não é ciência, ciência não é arte, sociedade que seria impossível não
e arte não é música. E arte e música são reconhecê-las. Nós reconhecemos essas
matérias desimportantes, enquanto inglês crenças em filmes e seriados, em revistas,
(português), história e ciências são matérias em videogames, e estampadas em inúmeras
importantes; outras mídias, assim como as vivenciamos
em nossas interações sociais. Então,
* E uma matéria é algo que você "pega", e organizamos, a seguir, uma lista de filmes,
depois que você a pega, você a tem, e se seriados etc, que nos apontaram para essa
você já a 'teve', isto significa que você está realidade:
imune a ela, e não precisa mais "pegá-la"
novamente (adaptado de Postman e > Collin em preto e branco (Netflix)
Weingartner, 1971).
> De volta aos 15
Ainda poder-se-ia acrescentar outras
possíveis "aprendizagens", incluindo: > On my block (Netflix)

* A competição é mais importante que a > Diários (Netflix)


cooperação;
> A love so beautiful (Netflix)
* Ajudar os outros é menos importante do
que o êxito individual; > Nosso eterno verão (Netflix)

* Leitura, escrita e aritmética são mais > Eu nunca … (Netflix)


importantes do que conversar, pensar e
criar; > A fita cassete (Netflix)

* Os adultos são mais importantes que as > Com amor, anônima (Netflix)
crianças;

* Homens são mais importantes que


mulheres;
A família seguir alguns filmes que nós vimos,
debatemos e apontam para essas
Nós aprendemos com a linha de mudanças:
pensamento do Interacionismo Simbólico a
ver o mundo em termos de símbolos e Laços de afeto
significados atribuídos a eles. De acordo
com Ralph LaRossa e Erving Goffman, a
família em si é um símbolo. Para alguns, é
um pai, mãe e filhos; para os outros, é
qualquer união que envolve respeito e
compaixão. Os interacionistas ressaltam que
a família não é uma realidade objetiva e
concreta. Como outros fenômenos sociais, é
uma construção social que está sujeita à
fuga e ao fluxo de normas sociais e
significados em constante mudança.

Da estrutura familiar …

A família é como um grupo de "atores" que


se reúnem para atuar em seus papéis em
Lorax
um esforço para construir uma família. Nas
famílias do século XIX, por exemplo, o
espectro dos papéis familiares era bastante
restrito em termos de gênero, classe, racial,
nacionalidade, faixa etária e parâmetros
culturais. No entanto, é fácil notar na
experiência cotidiana atual que o papel do
indivíduo na família é hoje menos
dependente desses fatores. Por exemplo:
não há restrições objetivas da comunidade
para o casamento ou coabitação de pessoas
com diferentes origens raciais, culturais,
educacionais ou nacionais. Do ponto de
vista do interacionismo simbólico, significa,
mais uma vez, que a estrutura moderna da
família é mais flexível, não atende a tantas
restrições sociais como antes. Além da
Da maternidade e paternidade …
tradicional cerimônia de casamento, há
agora uma variedade de ritos adequados
Os papéis dos pais, tanto da mãe quanto do
para coabitar homens e mulheres, bem
pai, mudaram bastante também. Por
como para parceiros gays e lésbicas. A
exemplo, no passado, o "pai" era um símbolo
de uma conexão biológica com uma criança.
Hoje em dia, cada vez mais vemos relações
entre pais e filhos se desenvolvendo através
da adoção, recasamento ou mudança na
tutela, a palavra "pai" hoje é menos provável
de estar associada a uma conexão biológica,
é mais provável um reconhecimento social
como tendo a responsabilidade pela
educação da criança. Da mesma forma, os
termos "mãe" e "pai" não estão mais
rigidamente associados aos significados de
cuidador e ganha-pão. Esses significados
são mais livres através da mudança de
papéis familiares. Ainda outro exemplo de
mudança, no final do século XIX e início do
século XX, um "bom pai" foi aquele que O irmão do Jorel
trabalhou duro para fornecer segurança
financeira para seus filhos. Hoje, para
alguns, um "bom pai" é aquele que tira o
tempo fora do trabalho para promover o
bem-estar emocional de seus filhos,
habilidades sociais e crescimento intelectual
— de certa forma, uma tarefa muito mais
assustadora. A tal ponto isso é considerado
importante hoje em dia, que se uma das
partes (pai ou mãe) sofre alienação parental,
o alienador é punido por lei com prisão. A
alienação parental ocorre quando um dos
genitores é excluído da tomada de decisões
em relação ao filho. Logo,o genitor alienado
é impedido de participar de decisões
importantes, como a escolha da escola do
O incrível mundo de Gumball
filho, de suas atividades complementares,
sua alimentação, seus médicos etc.

A seguir, nós selecionamos alguns filmes


que retratam o novo papel dos pais.

Atypical
Caillou Pingu

Peppa pig Kirikou


de Atração fatal), cai de um iate e fica com
amnésia. Um carpinteiro do interior, que ela
já tinha tratado muito mal, salva-a -
reduzindo-a a submissa criada: "Fique de
boca calada", ordena o carpinteiro
(curiosamente desempenhado pelo marido
de Hawn na vida real, Kurt Russell), e ela
aprende a acatar e gostar disso [...]” Além
disso, retrata a família com um casal
heterossexual, e dvidão de trabalho da
mulher dona de casa e do marido como
único provedor.

O trabalho

Divertida Mente
Os cursos de vida hoje em dia não são
apenas de um tipo; eles seguem padrões
diferentes entre:

participação na força de trabalho em


tempo integral;

trabalho em meio período;

trabalho familiar;

E esses padrões são distribuídos de forma


diferenciada. O aumento das taxas de
divórcio e a diminuição das provisões do
estado de bem-estar mudaram a lógica
econômica tornando mais arriscado para as
Os nossos pais foram expostos a filmes com mulheres se especializarem no papel
uma visão mais sexista sobre os papéis de doméstico.
cada um numa família, como aponta Susan
Faludi em Backlash, a seguir alguns
Trabalho e Gênero
exemplos.

Como assinala Jeanne Boydston, foi


“[...] Em “Um salto para a felicidade”, um
somente após o período colonial que a
produto da época sem nada de excepcional,
noção conceitual de trabalho foi dissociada
uma rica e insuportável Goldie Hawn no
do lar e identificada com as atividades
papel de uma mimada menina da cidade
remuneradas dos homens; o trabalho
(também chamada Alex, como a anti-heroína
doméstico foi então despojado de seus
aspectos econômicos, específicos de classe, Americana interrompeu temporariamente
e passou a ser visto como a atividade esse processo, aumentando a visibilidade e
universal de esposas sem classe, "não o valor socialmente reconhecido da
trabalhadoras". Onde nos tempos coloniais produção doméstica das mulheres. Em
havia trabalho de homens e trabalho de última análise, porém, o crescimento do
mulheres, agora havia trabalho, feito por republicanismo acelerou o eclipse do papel
homens, e lar, que era equiparado à produtivo das mulheres, primeiro
feminilidade e definido como uma esfera de identificando cidadania com independência
vida sem trabalho. O trabalho das mulheres - econômica em vez de utilidade econômica e
e a vida doméstica dos homens - tornou-se segundo enfatizando os deveres de criação
praticamente uma contradição em termos. A dos filhos de uma dona de casa sobre seu
Revolução Americana interrompeu outro trabalho doméstico (muitas vezes mais
temporariamente esse processo, demorado). A questão permanece, porém,
aumentando a visibilidade e o valor que mesmo quando as mulheres se
socialmente reconhecido da produção retiraram do mundo do trabalho remunerado
doméstica das mulheres. Em última análise, para se tornarem esposas, seu trabalho
porém, o crescimento do republicanismo produziu benefícios materiais essenciais,
acelerou o eclipse do papel produtivo das não apenas serviços ou confortos pessoais.
mulheres, primeiro identificando a cidadania No entanto, o aspecto econômico da dona
com independência econômica em vez de de casa foi sistematicamente negado - tão
utilidade econômica e, segundo, enfatizando completamente que todas as mulheres
os deveres de criação dos filhos de uma foram rotuladas como não trabalhadoras
dona de casa sobre seu outro trabalho com base em seu suposto destino final, o lar.
doméstico (muitas vezes mais demorado). Como essas funções econômicas essenciais
No entanto, apesar das contribuições podem se tornar invisíveis? Boydston faz a
econômicas das donas de casa, e apesar do mesma observação sobre o trabalho
fato de que tanto os ritmos quanto as doméstico que Marx fez sobre o trabalho
ferramentas de seu trabalho foram alterados remunerado em suas Teorias da mais-valia:
pela disseminação do trabalho assalariado e o status social e o valor de troca de um bem
da industrialização, o lar era cada vez mais ou tarefa não dependem de quão útil ou
visto como intocado pelo capitalismo ou socialmente necessário é, mas de toda uma
pela mecanização. As tarefas domésticas matriz de poder. , propriedade e relações de
das mulheres eram vistas "menos como mercado. Além disso, o valor de uso de
atividades intencionais exigidas e ordenadas bens ou serviços que não são vendidos no
pelo bem-estar de suas famílias individuais mercado frequentemente não pode ser
do que como emanações de uma realizado, na prática ou na ideologia, sob o
feminilidade abstrata, mas compartilhada" (p. capitalismo. Casa e Trabalho é um excelente
145). Em um capítulo intitulado "A demonstração de como a reorganização das
Pastoralização do Trabalho Doméstico", relações capitalistas produtivas e de poder
Boydston mostra como mesmo as redefiniram a dona de casa como
necessidades mais mundanas da existência improdutiva, apesar de seu valor de uso
diária foram redefinidas como atos de amor crítico tanto para o capital quanto para a
ao invés de trabalho. A Revolução família individual da classe trabalhadora.
Quando seu trabalho é traduzido em termos Fato: as pessoas constantemente misturam
de mercado, como Boydston consegue fazer intimidade com atividade econômica sem se
persuasivamente, as donas de casa contaminarem, sem ocorrer corrupção.
normalmente produzem valores de uso que Nesse sentido, foi imprescindível o trabalho
"valem" consideravelmente mais do que sua da socióloga Viviana Zelizer, que trouxe
própria manutenção individual (e também tantos esclarecimentos, tanta clareza para
valem mais do que poderiam ganhar fora de questões diversas, como: o trabalho em
casa). Mas as esposas continuaram casa é exclusivamente um trabalho de amor
dependentes de seus maridos da mesma ou conta como trabalho "real"? E as
forma que o valor das mercadorias depende crianças? Que tipo de trabalho em casa está
do mercado; eles não podiam perceber o ok as crianças se engajarem? E elas
valor de seu trabalho fora do casamento. Ao deveriam receber algo em retorno? Como
mesmo tempo, o sistema salarial distribuir o orçamento levando todos em
permaneceu dependente do trabalho consideração? Aprendemos com essas
doméstico das mulheres, embora negasse leituras que o lar é uma economia
às mulheres o status de trabalhadora ... colaborativa entre marido, esposa e filhos, e,
Então foi interessante o mergulho na história é um trabalho duro para encontrar arranjos
de como viemos parar nessa situação. É econômicos em que todos os envolvidos
preciso examinar a desvalorização do confirmam seu sentido do que é a relação e
trabalho doméstico. Por que os afazeres a sustentam. A atividade econômica e a
imprescindíveis à manutenção da vida se intimidade se cruzam o tempo todo, não se
tornaram tão desvalorizados na cultura comportam como minimercados, mas só
capitalista? Nesse sentido, nos sentimos funcionam bem quando as pessoas fazem
privilegiados por viver uma condição, e um bom acordo/combinado (good matches).
numa época em que vemos crescente a Um bom acordo não quer dizer que a
vontade política e organização suficientes combinação é igual e justa, em vez disso,
para a elaboração de práticas públicas que quer dizer que a correspondência é viável e
informam nossa tomada coletiva de sustenta os relacionamentos da família. Mas,
responsabilidade e de como podemos somente livrando-nos dos preconceitos
intervir para melhorar essas estruturas. podemos começar a identificar bons
acordos entre objetos de troca, termos de
O trabalho, as relações e a cultura troca, e bem-estar das partes.

Foi igualmente importante aprender e refletir A democracia no ambiente de trabalho


sobre o mito capitalista de que atividades
econômicas corrompem relações íntimas, e No século XX, vimos a ascensão da
relações íntimas tornam atividades democracia política até que ela se tornou
econômicas ineficientes. As atividades pelo menos uma parte aceita da vida
econômicas são culturalmente determinadas política, mesmo quando não estava
pelas relações. funcionando tão bem quanto poderia ou
deveria ser. O documentário “Can we doit
ourselves?” trata de estender o mesmo
conjunto de princípios para o local de pintar um quadro excessivamente rosado do
trabalho na tentativa de produzir uma que poderia surgir. Entre os entrevistados
maneira mais democrática, equitativa e justa estão Noam Chomsky, Bo Rothstein e David
de viver em sociedade. Schweickart. Outros documentários que nós
vimos trechos juntos também retratam essas
Atualmente, o capital é dono de empresas e questões relacionadas anteriormente, entre
contrata mão-de-obra, que está sempre sob outras igualmente importantes, como:
ameaça de demissão, seja por falta de
demanda do consumidor, seja porque a
modernização torna o trabalho
desnecessário. A única alternativa que
estava em oferta no século passado era que
o Estado possuísse empresas e
empregasse, e prometesse prover a força
de trabalho. Como no comunismo, vimos
que isso não funciona. O capitalismo
neoliberal idem.

O documentário examina uma forma


diferente de organizar o trabalho: através de
cooperativas, onde a força de trabalho
imediata é dona do negócio e contrata
capital para investimento nos produtos que
estão sendo produzidos. É um modelo
simples, que derruba as coisas que precisam
ser mudadas, e ainda pode trabalhar com a
maioria das estruturas já em vigor, como a
economia de mercado, meios de
distribuição, etc.

Essa mudança de propriedade de um


modelo autoritário e contraditório para um
modelo cooperativo já foi tentada, e
consistentemente os trabalhadores relatam
estarem mais satisfeitos, trabalham melhor e
estão mais preocupados com o ambiente
em que estão vivendo.

O filme tem entrevistas com muitos


economistas importantes, tanto a favor
quanto contra a ideia, e apresenta um caso
claro para a democracia econômica, sem
Formada em não sei o que, com mestrado e
doutorado em não sei o que lá. Professora
poderosa e maravilhosa.

Davi de Castro Leão

FIM Formado em não sei o que, com mestrado e


doutorado em não sei o que lá. Professor
poderoso e maravilhoso.
Sobre @s pesquisador@s
Ana de Castro Leão

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