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Copyright© 2020 Rodrigo Oliveira de Camargo Rodrigo Oliveira de Camargo

Yuri Felix
Editora-Chefe Fernanda Pacheco Amorim
Yuri Felix
Organizadores
Capa e Diagramação Carla Botto de Barros
Revisão Marcelo Haggeman dos Santos
Produção editorial Deborah Cristina Amorim

CONSELHO EDITORIAL
Aldacy Rachid Coutinho - UFPR Diogo Rudge Malan – UERJ, UFRJ e FGV DIREITO RIO
Alexandre Morais da Rosa – UFSC e UNIVALI Gisela França da Costa – Estácio de Sá-UNESA, UERJ e EMERJ
Alfredo Copetti Neto – Unioeste e Unijuí Jéssica Gonçalves – UFSC

Ana Claudia Bastos de Pinho – UFPA Jorge Bheron Roche – Unifor

PACOTE ANTICRIME:
Claudio Ladeira de Oliveira - UFSC Juan Carlos Vezzulla – IMAP-PT
Claudio Melim - Univali Júlio César Marcellino Jr – UNISUL
Daniela Villani Bonaccorsi - Imed Márcio Ricardo Staffen – UNIVALI

REFORMAS PENAIS
Deborah Cristina Amorim – Unochapecó Maria Claudia da Silva Antunes de Souza – UNIVALI
Denise Schmitt Siqueira Garcia – UNIVALI Orlando Celso da Silva Neto – UFSC
Eduardo de Avelar Lamy – UFSC Pedro Miranda de Oliveira – UFSC
Flávio Pansieri – PUC/PR Roberto Miccù – Universidade de Coimbra-PT
Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto – UFSC e UNIVALI Gabriel Real Ferrer – UNIVALI e Universidad de Alicante-ES

REFLEXÕES CRÍTICAS À LUZ DA LEI 13.964/2019

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
P13

Pacote anticrime : reformas penais / organização Rodrigo Oliveira de Camargo, Yuri


Felix. - 1. ed. - Florianópolis [SC] : Emais, 2020.
336 p. ; 21 cm.

Inclui bibliografia e índice


ISBN 978-65-86439-11-3

1. Brasil. [Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019]. 2. Direito penal - Brasil. I.


Camargo, Rodrigo Oliveira de. II. Felix, Yuri.

20-65647
CDU: 343(81)

Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439

28/07/2020 28/07/2020
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Todos os direitos desta edição reservados à EMais.


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Florianópolis/SC

Impresso no Brasil / Printed in Brazil 2020


PACOTE ANTICRIME: REFORMAS PENAIS

GASQUES DE ALMEIDA SILVARES, Ricardo José. Legislação Criminal Especial. –


2.ed. ver., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. – (Coleção
ciências criminais; 6/ coordenação Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha), pg. 430.
MARCÃO, Renato. Estatuto do Desarmamento: (anotações e interpretação juris-
prudencial da parte criminal da Lei n. 10.826, de 22-12-2003). 4. ed. São Paulo: Sa-
raiva, 2011. posição 3406. E-book.
MARCÃO, Renato. Estatuto do Desarmamento: (anotações e interpretação juris-
prudencial da parte criminal da Lei n. 10.826, de 22-12-2003). 4. ed. São Paulo: Sa-
LEI “ANTICRIME” E O SISTEMA
raiva, 2011. posição 3406. E-book. PENITENCIÁRIO FEDERAL:
RIOS GONÇALVES, Victor Eduardo; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Legislação
Penal Especial. Editora Saraiva. 2016. Pag. 232
VELHOS RUMOS DE UMA POLÍTICA
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal nº 70082264201.
PENITENCIÁRIA DE EXCEÇÃO
Apelação crime. Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. Excludente de cul-
pabilidade. legítima defesa. Não-reconhecimento. Ausente perigo atual. Não pode o
cidadão se armar, contrariando as previsões da lei, mesmo visando sua autodefesa. re- Patrick Cacicedo1
dução da sanção. inviabilidade, nos termos da súmula 231 do Superior Tribunal de
Justiça. Comércio ilegal de arma de fogo. Absolvição, por maioria, vencido o relator.
Recurso defensivo em parte provido. Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Resumo: O trabalho analisa as alterações promovidas pela Lei “Anticri-
RS. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/782071434/apelacao- me” no Sistema Penitenciário Federal. Para tanto, aborda o histórico de
-criminal-apr-70081663544-rs/inteiro-teor 782071444?ref=serp. formação e consolidação do Sistema Penitenciário Federal como uma
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal nº 70083360073. política penitenciária de exceção. Ao discorrer sobre as alterações pro-
Apelação crime. Comércio ilegal de arma de fogo. art. 17, caput e parágrafo único, movidas pela Lei “Anticrime”, conclui-se que houve um endurecimento
da lei nº 10.826/03. Suficiência probatória. condenação mantida. pena privativa de li- do regime que já era caracterizado por existir à margem do Estado de
berdade fixada no mínimo legal. Materialidade e autoria comprovadas, não havendo
dúvidas de que o acusado ocultou que tinha em depósito, vendia e expunha à venda, Direito, de modo a configurar forma mais cruel e desumana de aprisio-
no exercício de atividade comercial, sem autorização e em desacordo com a determina- namento no Brasil.
ção legal ou regulamentar, armas de fogo e munições com potencialidade lesiva, sendo
Palavras-chave: lei anticrime; sistema penitenciário federal; política pe-
impositiva a manutenção da condenação. Apelo defensivo desprovido. Quarta Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS. Disponível: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurispru- nitenciária; execução penal.
dencia/807841117/apelacao-criminal-apr-70083360073-rs?ref=serp.
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. Processo: 5004041-86.2018.4.04.7002. Relator 1. INTRODUÇÃO
Ministro Leandro Paulsen. DJ: 04/03/2020. Acesso em: 10/03/2020. Disponível em: ht-
tps://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/resultado_pesquisa.php. A execução penal é inegavelmente um dos campos de menor de-
senvolvimento teórico no direito brasileiro. A produção científica sobre
determinados temas desse campo do direito é ainda mais escassa, como o
caso do Sistema Penitenciário Federal. Essa especial forma de isolamento
teve início em 2006 com a inauguração da primeira Penitenciária Federal,
em Catanduvas, no Paraná, e a partir de então passou a ser cada vez mais
utilizada como política penitenciária no Brasil.
O Sistema Penitenciário Federal foi inspirado em uma política es-
tadunidense de isolamento extremo em unidades prisionais de segurança
supermáxima, conhecidas como “supermax”. O histórico de sua implemen-
tação no Brasil revelou seu caráter de política penitenciária de exceção,

1 Doutor e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo. Defensor Público do
Estado de São Paulo.

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PACOTE ANTICRIME: REFORMAS PENAIS Patrick Cacicedo

consolidado em um conjunto normativo autoritário e incompatível com a foi a construção de presídios, com o objetivo declarado de acompanhar o
ordem constitucional. crescimento da população carcerária e conter a superlotação dos presídios.
Com o destaque recebido nos últimos anos, o Sistema Penitenciá- A política, no entanto, não impediu o aumento da superlotação dos
rio Federal não ficaria de fora da reforma levada a cabo pela chamada Lei presídios e a consequente piora nas condições materiais de aprisionamen-
“Anticrime”, que alterou boa parte da legislação criminal brasileira. Para to. O quadro do sistema penitenciário brasileiro na virada do século era
compreender as alterações ensejadas pela referida lei, é preciso compreen- de inflação da rede prisional e de sua crise. O sistema prisional brasileiro
der seu histórico de conformação ao sistema penitenciário brasileiro e as ganhava uma dimensão colossal e crescente, tanto em número de presos e
especificidades do seu quadro normativo, cuja reforma alterou sem quebrar presídios, quanto nos problemas internos de toda a ordem que impunham
o ideário de exceção que a configurou desde o princípio. um regime de verdadeira barbárie humanitária5.
Somadas a esse quadro, – e em alguma medida como consequência
2. SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL: ORIGENS E
dele – sobrevieram rebeliões que ganharam grande destaque no país. Em
FORMAÇÃO DA POLÍTICA PENITENCIÁRIA DE EX-
2001, no Estado de São Paulo, irrompeu a maior rebelião do país até então,
CEÇÃO
que envolveu 28.000 presos e 29 unidades prisionais. No ano seguinte, no
A crise acompanha as instituições penitenciárias desde seu surgimen- Estado do Rio de Janeiro, uma rebelião no Complexo Penitenciário Bangu 1
to e se agrava na medida em que fica cada vez mais evidente o descompasso espalhou pânico com ordens de fechamento do comércio e grande cobertura
entre o discurso que as legitima e sua manifestação na realidade concreta. A midiática. Nos dois casos, as principais facções de cada Estado, Primeiro
insuperável crise prisional impõe rotineiramente reformas na própria insti- Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), respectivamente,
tuição e, em especial, no seu regime de funcionamento em todo o mundo. foram apontadas como as responsáveis pelas sublevações prisionais. Não
bastassem tais rebeliões, em 2003 ainda ocorreram os homicídios de dois
Na virada do século, uma conjunção de fatores deu novos ares à
juízes de execução penal, em São Paulo e no Espírito Santo, que consolidaram
crise penitenciária brasileira. Se em 1990 o Brasil contava com cerca de
um quadro de crise amplamente destacado pelos meios de comunicação.
90.000 presos, em 2001 esse número superava 233.000, e já em 2006 chegou
a suplantar os 400.0002. Os anos 2000 presenciaram um contingente po- A cobertura dos meios de comunicação se converteu em verdadeira
pulacional nas prisões inédito na história do país, que seguiu em contínua campanha midiática que apontava fundamentalmente dois fatores como
progressão em um processo de encarceramento em massa. O último dado responsáveis pela chamada crise do sistema prisional da virada do século:
oficial, de junho de 2019, constatou o número de 812.564 presos3. o excesso de direitos e garantias dos presos e a identificação do direito de
defesa com conivência com a criminalidade6. No primeiro caso, bradava-se
À expansão numérica de presos seguiu-se a das unidades prisionais:
que o excesso de direitos e garantias dos presos possibilitava o fortaleci-
entre 1990 e 2011 o Brasil aumentou em 396% a cifra de vagas no sistema
mento das facções criminosas e suas atividades dentro e fora do ambiente
prisional, crescimento sem paralelo no mundo no mesmo espaço tempo-
prisional. No segundo, difundiu-se que o direito de todo preso à entrevista
ral4. Com efeito, a principal medida de política penitenciária do período
reservada com advogado era o meio pelo qual as ordens para a prática de
crimes fora dos presídios chegavam aos seus destinatários.
2 DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL – Levantamento nacional de infor-
mações penitenciárias – Infopen. Ministério da Justiça e Segurança Pública, Departamento
Penitenciário Federal, 2017, disponível em <http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/in-
fopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf>, 5 Cf. a título exemplificativo o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema
acesso em 10 mar. 2020. Carcerário realizada em 2009 pela Câmara dos Deputados, disponível em <http://bd.camara.gov.
3 Disponível em <https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/17/cnj-registra-pelo-menos- br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2701/cpi_sistema_carcerario.pdf?sequence=1>, acesso em 10
-812-mil-presos-no-pais-415percent-nao-tem-condenacao.ghtml>, acesso em 10 mar. 2020. mar. 2020.
4 Disponível em <https://oglobo.globo.com/politica/brasil-campeao-mundial-em-criacao- 6 Cf. REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. O Regime Disciplinar
-de-vagas-no-sistema-penitenciario-com-aumento-de-396-em-20-anos-2718626>, acesso em Diferenciado e o Sistema Penitenciário Federal: a “reinvenção da prisão” através de políticas pe-
10 mar. 2020. nitenciárias de exceção. In. Revista Polis e Psique, 2013; (3) 2, p. 164-165.

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PACOTE ANTICRIME: REFORMAS PENAIS Patrick Cacicedo

A mera expansão da malha penitenciária brasileira não era política um modelo prisional altamente restritivo da liberdade, fundado no intenso
suficiente para os novos desafios lançados pela pressão política e midiática. confinamento celular com utilização de alta tecnologia e máxima seguran-
Se os problemas centravam-se no excesso de direitos e no contato com ça. Sharon Shalev menciona as principais características das “supermaxes”:
pessoas extramuros, os novos rumos da política penitenciária deveriam • As celas medem de 21,3 a 24,3 metros quadrados8.
apontar para medidas de redução de direitos e isolamento de presos. Gesta-
• Os presos são mantidos sozinhos em suas celas por 22:30 a 24
va-se, assim, uma nova frente da política penitenciária no Brasil, que, diante
horas por dia.
de tais necessidades, não haveria de ser senão uma política de exceção.
• Prisioneiros se exercitam sozinhos em uma gaiola ou pátio de concre-
Não se tratou, contudo, de substituição de uma política por outra. to, sem equipamento de recreação durante uma hora por dia.
Seguia a todo vapor – sem interrupção até os dias atuais – a construção de
presídios no Brasil, a partir de então, no entanto, com maior interiorização. • Não há áreas de congregação nem atividades em grupo.
Inaugurava-se, na verdade, uma segunda frente na política penitenciária • Não há oportunidades de trabalho e poucos, se houver, programas
nacional, já que a inflação penitenciária não era capaz, por si só, de enfren- educacionais na cela.
tar os problemas apontados na campanha midiática. • As visitas familiares são limitadas e realizadas através de uma barreira
Para além da inobservância de que a mera expansão de vagas no de vidro grosso; nenhum contato físico é permitido com os visitantes
a qualquer momento.
sistema penitenciário não só era incapaz de resolver a crise prisional, como
era também um fator de incremento dessa crise, os motivos alardeados do • Medidas de alta tecnologia de controle, vigilância e inspeção.9
novo caminho político penitenciário eram fruto de uma equivocada análise A autora destaca ainda que os destinatários dessa medida extrema
das dinâmicas e da realidade prisional. De fato, em momento algum de de isolamento são pessoas que já cumprem pena – salvo os raros casos
nossa história é possível verificar excesso de direitos e garantias à população de condenação inicial ao confinamento solitário10 – e são selecionadas
prisional. Trata-se, em verdade, do ambiente de maior e mais constante dentro de um perfil específico baseado na ideia de periculosidade: o “pior
violação de direitos de toda ordem não só no Brasil, mas em grande parte do pior” do sistema prisional em um regime de “exclusão dentro dos
do mundo. Esse não é o único erro analítico a inverter a percepção da excluídos” da sociedade11.
realidade, pois a literatura especializada aponta que é a ausência – e não
o excesso – de direitos que efetivamente fortalece as facções criminosas, É com base em um neopositivismo criminológico perigosista que
como se pode observar da motivação em suas origens7. se transportou para o Brasil o modelo estadunidense de isolamento de
determinados presos e restrição ao máximo de seu contato com o mundo
As premissas do novo vetor da política penitenciária eram, portan- exterior. Um modelo de restrição de direitos em um ambiente no qual
to, invertidas e indevidas, tal qual o intento de criminalizar a advocacia. regras mínimas não são respeitadas, mas que segue como política peni-
A nova empreitada de redução de direitos – em que o mínimo sequer é tenciária de exceção em ascensão pelo globo12.
garantido – buscou inspiração na experiência dos Estados Unidos, mais
especificamente na chamada “supermax”. No Brasil, a adoção da “supermax” foi concretizada por meio de dois
regimes de isolamento extremo: o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)
A política de uso extensivo de confinamento solitário nos Estados
Unidos teve início nos anos 1980 com a construção dos primeiros presí- 8 No texto original a medida utilizada é de pés quadrados, que foi convertida pelo autor para
dios de segurança supermáxima (super-maximun security). Desde então, metros quadrados.
9 SHALEV, Sharon. Supermax: controlling risk through solitary confinement. Portland:
a adoção da “supermax” seguiu em crescimento e está presente na maioria Willan Publushing, 2009, p. 3. Tradução nossa.
dos Estados norte-americanos e na esfera federal daquele país. Trata-se de 10 Ibid, p. 2.
11 Ibid, p. 4.
7 Cf. Cf. SHIMIZU, Bruno. Solidariedade e gregarismo nas facções criminosas: um estudo 12 Cf. ROSS, Jeffrey Ian (ed.). The globalization of supermax prisons. New Brunswick: Rut-
criminológico à luz da psicologia das massas. São Paulo: IBCCRIM, 2011, p. 83 et seq. gers University Press, 2013.

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PACOTE ANTICRIME: REFORMAS PENAIS Patrick Cacicedo

e o Sistema Penitenciário Federal (SPF). O RDD foi implementado primeiro Federal, ainda sem estabelecimento prisional construído. Em dezembro do
e recebeu maior análise teórica e crítica, tendo sido demonstrado igualmente mesmo ano foi aprovada a Lei nº 10.792, que instituiu o Regime Discipli-
de maneira antecedente suas inconsistências como política penitenciária13. Na nar Diferenciado e alterou diversos dispositivos da Lei de Execução Penal,
entrada da segunda década do século XXI, no entanto, é o Sistema Peniten- inclusive o acima mencionado art. 86, § 1º, retirando a menção a “decisão
ciário Federal que se encontra em expansão, seja na abertura de vagas, seja judicial” e a exigência de condenação superior a quinze anos. Enquanto o
no destaque político que recebe para isolamento extremo de presos. primeiro movimento de exceção implementava-se por meio do Regime
Disciplinar Diferenciado, a segunda frente estava ainda em gestação.
3. A CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁ-
Em junho de 2006 foi inaugurada a primeira penitenciária federal,
RIO FEDERAL COMO REGIME DE EXCEÇÃO
em Catanduvas, no Paraná, seguida de outra em Campo Grande, no Mato
Embora a redação original da Lei de Execução Penal, de 1984, Grosso do Sul, seis meses depois. Contudo, não havia até então lei que regu-
tenha previsto a construção de presídios na esfera federal, uma política lamentasse o regime de funcionamento do Sistema Penitenciário Federal,
de efetiva implementação só veio a ocorrer mais de duas décadas depois. tampouco os critérios de seleção daqueles que passariam a cumprir pena
Com efeito, ao dispor sobre as atribuições do Departamento Penitenciário em ambiente muito mais duro do que sói ocorrer ordinariamente.
Nacional, a LEP previa no parágrafo único do art. 72 que a ele incumbe
Como regime de exceção, o Sistema Penitenciário Federal iniciou
a coordenação e supervisão dos estabelecimentos penais e de internação
seu funcionamento violando o princípio da legalidade. Na ausência de
federais. Por sua vez, o art. 86 trazia a possibilidade de as penas privativas
lei, foi editada uma resolução pelo Conselho da Justiça Federal até que o
de liberdade aplicadas em uma unidade da federação serem cumpridas
instrumento normativo requerido pela Constituição da República para
em outra, em estabelecimento local ou da União, em redação ainda não
restrição da liberdade fosse aprovado. A Resolução nº 502 foi publicada
modificada. A ideia original para esse tipo de unidade prisional era dada,
em maio de 2006 e previu expressamente seu caráter de norma emergen-
contudo, pelo parágrafo primeiro do citado art. 86, que dispunha que “a
cial no art. 7º, que também estabeleceu sua vigência de um ano, como
União Federal poderá construir estabelecimento penal em local distante
que a reconhecer sua própria inconstitucionalidade. Em fevereiro do ano
da condenação para recolher, mediante decisão judicial, os condenados
seguinte, sem lei aprovada, o Presidente da República editou outro ins-
à pena superior a 15 (quinze) anos, quando a medida se justifique no
trumento normativo igualmente inconstitucional, o Decreto nº 6.049,
interesse da segurança pública ou do próprio condenado.”
elaborado não só sem lei que autorizasse a regulamentação que trazia em
A proposta original, porém, não chegou a ser implementada. Em seu corpo, mas em substituição à própria lei. Até a publicação da Lei nº
1990, a Lei de Crimes Hediondos, típica legislação de emergência, previu 11.671, em maio de 2008, a imposição da forma de cumprimento de pena
em seu art. 3º a manutenção de estabelecimentos penais de segurança mais restritiva da liberdade do sujeito foi realizada sem lei que o ampa-
máxima pela União para condenados de “alta periculosidade”, já adotando rasse frente ao poder punitivo do Estado. Por quase dois anos, portanto,
a máxima do neopositivismo criminológico que viria a fundamentar o o funcionamento do Sistema Penitenciário Federal ocorreu sem lei que
Sistema Penitenciário Federal em sua real implementação. definisse a forma de seleção – rectius sanção – da pessoa presa e o regime
Apenas com a crise do sistema penitenciário da virada do século material de cumprimento de pena a que estaria submetido.
passou-se a aventar como uma das propostas ao reclamo midiático a ins- Com o advento da Lei nº 11.671/08 resolvia-se tardiamente a questão
tituição de um sistema penitenciário na esfera federal. Em junho de 2003 formal da legalidade. No entanto, o regime de exceção restou evidenciado em
foi editada a Lei nº 10.693, que criou a carreira de Agente Penitenciário seu conteúdo, pleno de inconstitucionalidades. A despeito da existência de
lei formal, o Sistema Penitenciário Federal se consolidou como um modelo
13 Cf. TEIXEIRA, Alessandra. Prisões da exceção: política penal e penitenciária no Brasil con-
temporâneo. Curitiba: Juruá, 2009; DIAS, Camila Caldeira Nunes. Efeitos simbólicos e práticos à margem da Constituição da República e das noções mais elementares de
do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) na dinâmica prisional. In. Revista Brasileira de Se- humanidade, como era de se esperar pelo histórico acima referido.
gurança Pública; 3 (5), ago./set/, 2009.

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PACOTE ANTICRIME: REFORMAS PENAIS Patrick Cacicedo

O art. 2º da Lei nº 11.671/08 estabelece que “a atividade jurisdicional princípio proíbe de igual maneira o chamado juiz de encomenda14, pois
de execução penal nos estabelecimentos penais federais será desenvolvida exige que a competência de cada juiz deva estar pré-determinada em lei,
pelo juízo federal da seção ou subseção judiciária em que estiver localizado impossibilitando a escolha do juiz para determinado caso. Contudo, o dis-
o estabelecimento penal federal de segurança máxima ao qual for recolhido posto no art. 2º da Lei nº 11.671/08, corroborado pela ratio da súmula 192
o preso.” A norma prevê a competência para o processo de execução penal do Superior Tribunal de Justiça, permite um juiz ex post facto e ad hoc ao
com base no tipo de estabelecimento prisional e sua localização. Assim, mesmo tempo, violando todos os consectários do princípio do juiz natural.
pouco importa o juízo originário da condenação, se da Justiça Federal ou
Observe-se, por outro lado, que os parágrafos do art. 4º expres-
Estadual, já que será competente para o processo de execução penal o juiz
samente diferenciam as hipóteses de competência nos casos de presos
mais próximo da unidade prisional em que a pessoa estiver presa, restando
provisórios e de condenados. Para os primeiros a lei deixa claro o respeito
saber se o presídio é administrado pela esfera Estadual ou Federal.
ao princípio do juiz natural, delegando ao juiz federal, “mediante carta pre-
A inconstitucionalidade aqui é dupla. A competência da Justiça catória”, a fiscalização da prisão provisória, mas mantém o juízo de origem
Federal está disposta no art. 109 da Constituição da República, e seu texto todos os atos do processo de conhecimento (§ 2º). Para tanto, conforme
não abriga a hipótese da execução penal de presos julgados e condena- estabelece o art. 7º, “será suficiente a carta precatória remetida pelo juízo
dos por crime de competência da Justiça Estadual. Mais do que isso, as de origem”, para que se exerça a referida fiscalização.
hipóteses do art. 109 não autorizam sequer competência para execução
Já com relação aos condenados, a execução da pena passa ao juiz
penal na esfera federal.
federal durante o período da transferência (§ 1º), deixando claro que nesse
De outro lado, a modificação da competência pela transferência campo processual o princípio do juiz natural não teria validade. Nesse caso,
de unidade prisional – que também ocorre no âmbito estadual, no caso de acordo com o art. 6º, os autos da execução penal serão encaminhados ao
de transferência para presídio de outra comarca – fere frontalmente o juiz federal, cessando, durante a transferência, a jurisdição do juízo de origem.
princípio do juiz natural, possibilitando a escolha de um juiz de exceção
Já o critério de inclusão do preso no Sistema Penitenciário Federal
com a mera transferência do sujeito pela administração prisional. Assim,
veio disposto, na redação original, da seguinte maneira pelo art. 3º: “serão
segundo o disposto em lei, cabe aos órgãos da gestão prisional a decisão
incluídos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima aqueles
sobre a competência para o processo de execução penal, pois são eles
para quem a medida se justifique no interesse da segurança pública ou do pró-
que determinam o local de aprisionamento da pessoa. Isso permite, por
prio preso, condenado ou provisório.” A violação do princípio da legalidade,
exemplo, que a administração prisional transfira um preso para um pre-
por ausência de taxatividade, é manifesta, pois se trata de norma de caráter
sídio sob jurisdição de um juiz notadamente mais rigoroso, dando azo a
penal que impõe uma forma de cumprimento de pena extremamente mais
uma situação de total sujeição da liberdade aos órgãos administrativos.
rigorosa por meio de conceitos jurídicos indeterminados e redação aberta.
O mesmo pode ocorrer com base no artigo em comento, pois caberá à
Administração Penitenciária Federal a escolha da penitenciária, e, por A transferência para o Sistema Penitenciário Federal tem, por su-
conseguinte, do juízo a que ficará submetido o preso transferido para o posto, caráter punitivo diante das condições de aprisionamento a que serão
Sistema Penitenciário Federal. Assim, sabendo de antemão que determi- submetidos seus destinatários. Ao lado do RDD, configura a mais grave
nado juiz federal é mais rigoroso, pode determinar sua competência para sanção, concretamente considerada, na execução penal no Brasil, verdadei-
o processo de execução penal de uma pessoa tida como “especialmente ra “pena dentro da pena”15. Assim, a norma penal que o impõe deve seguir
perigosa” pela administração penitenciária. rigorosamente os preceitos de taxatividade, contendo condutas que sejam
Parece evidente a violação ao princípio do juiz natural, que estabe-
lece que o órgão julgador não pode ter sido constituído após o fato que foi 14 Cf. CASARA, Rubens R. R.; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasilei-
atribuído ao acusado, proibindo, dessa forma, um juízo de exceção. Esse ro. Dogmática e crítica vol. 1: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p 138.
15 REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho, cit., p, 167.

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PACOTE ANTICRIME: REFORMAS PENAIS Patrick Cacicedo

dotadas de referenciais empíricos16, ou seja, condutas verificáveis, e não judicial. (...) Semanalmente, são permitidas visitas comuns, cuja duração
apenas mandados sobre juízos de periculosidade social. No mesmo sentido é de até três horas. Visitas íntimas ocorrem quinzenalmente, por até uma
é a lição de Luigi Ferrajoli, própria para o caso em análise, que aponta a hora. (...) Segundo dados do próprio DEPEN, pelo menos 50% dos presos
das Penitenciárias Federais não recebiam visitas sociais.18
proscrição de incriminações que não consistam necessariamente em fatos
e que, por isso, carecem do elemento materialidade, “como são em geral O uso de grande aparato tecnológico não lhe retira a crueldade,
todas as figuras de periculosidade social.”17 senão a configura como grande “masmorra high-tech”: assemelha-se ao
Regime Disciplinar Diferenciado em termos tecnológicos e regulamen-
A ausência de critérios legais estritos e objetivos para a seleção da- tares (regramento e perfil dos presos), mas tem maior utilidade como
queles que seriam transferidos para o Sistema Penitenciário Federal fez com fator de propaganda “de um amplo projeto de marketing político visando
que o Poder Executivo Federal editasse o Decreto nº 6.877, em junho de disseminar a ideia de que está sendo combatido o crime e que foi possível
2019, para tal desiderato. A falta de taxatividade foi respondida com falta de retomar o controle disciplinar dentro da prisão, bem como evitar ataques
legalidade formal, pois uma norma administrativa passou a especificar os e articulações do lado de fora”19.
critérios para a restrição da liberdade no presídio federal. Como se observa,
o percurso histórico da regulamentação do Sistema Penitenciário Federal é Tais condições de aprisionamento, contudo, não estavam dispostas
uma verdadeira sucessão de medidas autoritárias e inconstitucionais. em lei, que disciplinava somente os aspetos da transferência e inclusão no
Sistema Penitenciário Federal. Apenas a duração no regime de confinamen-
Competência, juiz natural e legalidade não foram os únicos as- to federal e a impossibilidade de superlotação foram previstos na redação
pectos inconstitucionais da lei em tela. É dizer, não é apenas a forma de original da Lei nº 11.671/08, que estabelecia período de permanência não
imposição do confinamento em presídio federal que caracteriza o regime superior a 360 dias, renovável, excepcionalmente, quando solicitado moti-
de exceção, mas sobretudo a materialidade do isolamento, o conjunto de vadamente pelo juízo de origem, observados os requisitos da transferência
disposições e características que impõem um especial sofrimento aos (art. 10, § 1º). A cabeça do referido artigo, por sua vez, prevê o caráter
seus destinatários. Tal qual o Regime Disciplinar Diferenciado, o Sistema excepcional e por prazo determinado da transferência, enquanto o art. 11
Penitenciário Federal constitui pena de caráter cruel e degradante, além impede a superação do limite de lotação do estabelecimento.
de revelar uma manifestação concreta de violação da dignidade da pessoa
humana. Alguns aspectos do aprisionamento no Sistema Penitenciário No mais, como é próprio de um regime de exceção, a regulamentação
Federal são descritos por Gabriel Cesar dos Santos: do funcionamento do Sistema Penitenciário Federal foi editada por norma
administrativa. O Decreto nº 6.049, de fevereiro de 2007, constitui uma espé-
Cada uma das penitenciárias federais conta com 208 (duzentos oito)
cie de “Lei de Execução Penal” de um regime de aprisionamento que vigora à
vagas, sendo 13 (treze) delas destinadas ao cumprimento de pena em
Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). As celas são individuais, com margem da lei. Direitos, deveres, faltas disciplinares – inclusive as de natureza
área total de 7 m2 (sete metros quadrados), distribuídas em quatro pavi- grave – , sanções, além de diversos outros temas, importem ou não em res-
lhões, chamados de vivências. As celas para cumprimento de pena em trição direta da liberdade pessoal, são regidas por Decreto. Outras espécies
RDD possuem solário individualizado contíguo para gozo das duas horas de atos administrativos igualmente regulam questões atinentes a direitos dos
diárias de banho de sol, uma vez que no RDD, os presos não têm qual- presos, relacionada, portanto, à liberdade individual, como a Portaria nº 718,
quer contato com outros presos. (...) É vedado aos presidiários federais o
acesso a qualquer espécie de sistema de telefonia, televisão, internet, rádio 18 SANTOS, Gabriel Cesar dos. Sistema Penitenciário Federal e a violação dos direitos individu-
ou congêneres. (...) As cartas enviadas e recebidas pelos presos podem ais do preso: uma reflexão crítica sobre os critérios de seleção dos inimigos do Estado brasileiro. In.
Revista da Defensoria Pública da União, n. 9, jan./dez., 2016, p. 313/314. Alguns dados são sin-
ser lidas pela direção do presídio, sem necessidade de prévia autorização tomáticos do sistema de confinamento extremo do Sistema Penitenciário Federal: conforme dados
do DEPEN de 2016, 54,64% dos presos informaram que utilizam medicação de uso contínuo; deste
16 SEMER, Marcelo. Princípios penais no Estado Democrático. São Paulo: Estúdio Editores. total, 64,35% informaram que o uso ocorreu após a inclusão no Sistema Federal. Além disso, 17,09%
com, 2014, p. 37. dos presos sofrem de depressão. Cf. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Anuário
17 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. Tradução Perfecto An- do Sistema Penitenciário Federal 2016. Brasília: Ministério da Justiça, 2017, p. 42. Disponível em
drés Ibañez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco, Racío < http://depen.gov.br/DEPEN/dispf/spf_anuario>, acesso em 12 mar. 2020.
Cantarero Bandres. Madrid: Editorial Trotta, 1995, p. 505, tradução nossa. 19 REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho, cit., p. 169.

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PACOTE ANTICRIME: REFORMAS PENAIS Patrick Cacicedo

de agosto de 2017, que impede visita íntima a presos com determinadas reformas. O isolamento de lideranças não foi apenas incapaz de desarticular
características e a garante a “delatores premiados”, por exemplo. as facções, como fortaleceu ainda mais os presos que passam pelas cárceres
duro federais junto à massa carcerária23. Como o fracasso da prisão e das
O regime de exceção aqui retratado não só goza de apoio dos tri-
políticas prisionais são o próprio combustível de sua reforma, Reishoffer
bunais brasileiros nos aspectos acima analisados, como recebe por parte
e Bicalho já advertiam sobre o futuro endurecimento do regime em 2013:
deles uma inovadora jurisprudência em relação a aspectos ausentes na lei.
Nesse sentido, cumpre registrar o entendimento do Superior Tribunal de Há que se destacar inclusive o inegável paradoxo que se estabelece em
considerar um preso como “liderança de facção”, adotar uma política de
Justiça que exclui dos presos do Sistema Penitenciário Federal o sistema
isolamento para contê-lo durante cinco ou seis anos e o mesmo nunca
progressivo de pena, já que, sem qualquer previsão legal, impede a pro- perder tal status: Ou esta “manutenção de liderança” contraria a ideia
gressão de regime enquanto persistirem os “motivos que justificaram a de eficácia do isolamento e desarticulação das facções riminosas ou há
transferência originária para esse sistema”, ou seja, durante todo o período algum solo discursivo que é sustentado por esta manutenção de status. E,
de cumprimento de pena em presídio federal20. mais uma vez, tal manutenção de certa periculosidade será argumento de
investida das intenções políticas mais conservadoras que, não satisfeitas
Assim, é possível dizer que o Sistema Penitenciário Federal constitui com o rigor do RDD, afirmarão que a falha encontra-se na permissão
o exemplo mais bem-acabado do direito penal do inimigo no Brasil, estabe- do preso em ter visitas e contatos com seu advogado de forma reservada
lecendo, como na concepção elaborada por Günther Jakobs21, uma relação (novamente o argumento de excesso de direitos e garantias).24
de guerra contra o sujeito perigoso. Essa guerra que se instala contra o
O contexto histórico e o ideário que gestaram o Sistema Peniten-
inimigo constitui, para o autor, um legítimo direito dos cidadãos22. O di-
ciário Federal são próprios para reformas penais de emergência. O maior
reito à segurança do cidadão confere a ele o direito de excluir todo aquele
destaque recebido nos últimos anos se deu em grande parte pela prática de
que não ofereça garantia de um comportamento pessoal conforme a pauta
muitos governos estaduais utilizarem a transferência para penitenciárias
normativa vigente na sociedade.
federais como forma de responder aos anseios locais por maior seguran-
Na doutrina do direito penal do inimigo, ao indivíduo perigoso não ça, em uma crença alimentada pelos meios de comunicação de que só o
interessa qualquer comunicação, pois ele está fora do direito. A pena repre- isolamento distante de determinados inimigos públicos traria a segurança
senta somente coação na luta contra o perigo representado pelo inimigo. pública efetiva, que, no entanto, nunca se efetiva.
Sua função é unicamente a inocuização, devendo ser fisicamente efetiva
A inauguração da Penitenciária Federal de Brasília, em 2018, e o
para assegurar a sociedade dos riscos que são ínsitos ao indivíduo perigoso.
anúncio da construção da sexta unidade do tipo em Charqueadas, no Rio
Não é outro o caso do Sistema Penitenciário Federal senão o do próprio di-
Grande do Sul, demonstram que a política penitenciária do confinamento
reito penal do inimigo: no âmbito normativo a exceção, um espaço fora do
longínquo está em ascensão. Assim, o Sistema Penitenciário Federal não
direito e das garantias do cidadão; no cumprimento da pena, o isolamento
escaparia de uma eventual reforma legislativa de emergência.
extremo fundado na ideia de periculosidade individual.
Em 2019, a proposta de um “Pacote Anticrime” pelo Ministro da
4. A LEI “ANTICRIME” E O ENDURECIMENTO DO Justiça pretendeu modificar os principais instrumentos legais em matéria
REGIME DE EXCEÇÃO criminal em sentido amplo. Com grande apelo midiático, o Pacote sofreu
uma série de críticas, diante de seu inteiro descompasso com a realidade do
O descompasso entre a função declarada e a concretude da política
sistema de justiça criminal do país. Em um ambiente de avanço autoritário
penitenciária de confinamento extremo alimenta a constante necessidade de
na seara penal, encarceramento em massa e barbárie prisional, a reforma
20 CC n°. 125.871/RJ, Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção, DJe 7/6/2013.
21 JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho penal del enemigo. Tradução. Ma- 23 SALLA, Fernando. As rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência bra-
nuel Cancio Meliá. Madrid: Civitas, 2003. sileira. In. Sociologias, ano 8, n. 16, 2006, p. 298.
22 Ibidem, p. 56. 24 REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho, cit., p. 170.

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PACOTE ANTICRIME: REFORMAS PENAIS Patrick Cacicedo

proposta apontava para o agravamento dessas circunstâncias em razão de incluídos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima aque-
seu conteúdo conservador. les para quem a medida se justifique no interesse da segurança pública ou
Após a tramitação no Congresso Nacional, o projeto original foi do próprio preso, condenado ou provisório”). Registre-se que o caput do
aprovado com consideráveis modificações, mas não na matéria referente art, 3º segue aberto e impreciso ao estipular os destinatários do isolamento
ao Sistema Penitenciário Federal, que seguiu incólume às alterações parla- federal, não tendo havido qualquer preocupação do legislador em suprir
mentares e permaneceu com a redação do “Pacote” original. a ausência de taxatividade da norma. Já os parágrafos que foram incluídos
possuem grande relevância.
A Lei nº 13.964/2019 fez alterações pontuais na Lei do Sistema Pe-
nitenciário Federal, em boa medida seguindo o histórico de exceção que O primeiro parágrafo trouxe as chamadas “características” do confi-
acompanha essa política penitenciária. Se, conforme exposto acima, inú- namento, que em verdade constituem as especiais restrições de liberdade pelo
meras questões carecem de apoio na legalidade, a reforma em tela levou regime de isolamento do Sistema Penitenciário Federal. Assim dispõe o art.
agora à lei o que não possui amparo na Constituição da República. 3º, §, 1º: “a inclusão em estabelecimento penal federal de segurança máxima,
no atendimento do interesse da segurança pública, será em regime fechado
A primeira alteração na Lei 11.671/08 foi a inclusão de um pará-
de segurança máxima, com as seguintes características: I – recolhimento
grafo ao art. 2º com o seguinte teor: “o juízo federal de execução penal será
em cela individual; II – visita do cônjuge, do companheiro, de parentes e de
competente para as ações de natureza penal que tenham por objeto fatos ou
amigos somente em dias determinados, por meio virtual ou no parlatório,
incidentes relacionados à execução da pena ou infrações penais ocorridas
com o máximo de 2 (duas) pessoas por vez, além de eventuais crianças,
no estabelecimento penal federal.” A modificação em tela é desnecessária e
separados por vidro e comunicação por meio de interfone, com filmagem e
inoportuna, pois pretende alargar a competência da Justiça Federal para além
gravações; III – banho de sol de até 2 (duas) horas diárias; IV – monitoramen-
do disposto no texto constitucional. Desnecessária, pois a competência da
to de todos os meios de comunicação, inclusive de correspondência escrita.”
Justiça Federal decorre diretamente do art. 109 da Constituição da República
e é definida considerando a natureza das pessoas envolvidas no processo As restrições que ocorriam nas penitenciárias federais sem previ-
(ratione personae). Inoportuna, pois não cabe ao legislador ampliar as hipó- são legal, conforme descrito acima, agora demonstram o caráter punitivo
teses constitucionalmente estabelecidas de competência da Justiça Federal, que representa efetivamente o Sistema Penitenciário Federal. Algumas das
conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADI 2797. privações que tornam o isolamento federal especialmente árduo foram po-
O objetivo da inovação, portanto, é ampliar as hipóteses de competên- sitivadas, como o recolhimento em cela individual e o banho de sol de até
cia da Justiça Federal em casos não abarcados pelo art. 109 da Constituição, duas horas diárias. Isso significa que o preso fica isolado em uma pequena
como, por exemplo, uma lesão corporal praticada por um preso em face cela por 22 horas, sem acesso a televisão, internet ou rádio, além de não
de outro. Por evidente, tal hipótese não está abarcada constitucionalmente, ter com quem se comunicar por todo esse período, nos moldes do confi-
mas com a expressão “fatos ou incidentes relacionados à execução da pena namento na “supermax” estadunidense.
ou infrações penais ocorridas no estabelecimento penal federal”, o legislador É certo que todas as formas de aprisionamento envolvem alguma
tentou superar o critério ratione personae e ampliar a competência da Justiça restrição ao movimento dos presos, às suas interações sociais e estímulos
Federal à margem do texto constitucional. É possível que alguma infração sensoriais, o que acaba por causar invariavelmente efeitos deletérios sobre
penal cometida em presídio federal enseje a competência da Justiça Federal, o sujeito em alguma medida. As privações da liberdade, da autonomia, da
desde que abarcado pelo referido art. 109 e fundado no critério ratione per- segurança, de bens e serviços, de relações afetivas são próprias da prisão. O
sonae, o que independe da inovação legislativa em tela. cárcere configura uma imposição de sofrimento causado intencionalmente
De outro lado, o art. 3º foi o que sofreu as maiores modificações. O com fins de degradação25, mas há formas de aprisionamento que potenciali-
caput recebeu nova redação, alterando o termo “recolhidos” por “incluídos”
25 PAVARINI, Massimo. Castigar al enemigo: criminalidad, exclusión e inseguridad. Quito:
e outro de ordem gramatical, ambos sem maiores efeitos práticos (“serão FLASCO, 2009, p. 128.

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PACOTE ANTICRIME: REFORMAS PENAIS Patrick Cacicedo

zam tais efeitos e são irreversíveis para o sujeito. Com efeito, a privação de tinha por motivação o afastamento dos familiares e visitantes em geral,
liberdade em isolamento extremo exclui o contato humano e as interações tidos pela propaganda midiática como meios de comunicação para a prá-
sociais mais elementares, deteriorando o sujeito, sobretudo no plano da tica de crimes. Restrições que já eram praticadas em grande parte foram
saúde mental, em níveis extremos. Nesse sentido, Sharon Shalev aponta que igualmente trazidas para o corpo da lei, como a imposição de visitas em
Ao longo da longa história de seu uso [isolamento] nas prisões – desde parlatório, separados por vidro e comunicação por meio de interfone, mais
Penitenciárias ‘silenciosas’ e ‘separadas’ do século XIX até as modernas uma importação da “supermax”. A medida alia imposição de sofrimento ao
unidades de segregação e prisões supermax – profissionais de saúde e preso ao tratamento criminalizante de seus familiares, pois impede o conta-
pesquisadores observaram os efeitos adversos do confinamento solitário to físico entre eles. Ademais, todo o contato é filmado e gravado, violando
na saúde dos presos. Estes são tão graves que, no contexto de interrogató-
o direito à intimidade, que o preso preserva durante o momento da visita.
rio coercitivo, especialistas internacionais identificaram o confinamento
solitário como tortura psicológica.26
O dispositivo legal sequer prevê autorização judicial para tanto, incorrendo
na inaceitável rejeição completa da intimidade do preso e seu visitante.
O caráter cruel e degradante dessa forma de cumprimento de pena
foi ratificado pelas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento Para garantia do disposto no inciso II, o § 2º do mesmo art. 3º prevê
de Presos, as Regras de Mandela, que, atentas aos irreversíveis efeitos do a instalação de “monitoramento de áudio e vídeo no parlatório e nas áreas
isolamento com o tempo, estabeleceu o a proibição do confinamento soli- comuns, para fins de preservação da ordem interna e da segurança públi-
tário – “confinamento do preso por 22 horas ou mais, por dia, sem contato ca, vedado seu uso nas celas e no atendimento advocatício, salvo expressa
humano significativo” – indefinido ou prolongado, entendido este como o autorização judicial em contrário.” Embora sem qualquer necessidade, o §
que ultrapasse 15 (quinze) dias consecutivos (Regras 43 a 45). 5º do mesmo artigo alerta que a violação ao disposto no § 2º configura o
crime de violação de sigilo funcional, previsto no art. 325 do Código Penal.
Na contramão das indicações humanitárias, no entanto, a Lei “An-
ticrime” modificou a redação do § 1º, do art. 10, que previa o período de A violação da intimidade no momento da visita tem seu viés crimi-
permanência não superior a 360 (trezentos e sessenta) dias, renovável, nalizante revelado na inovação trazida pelo § 3º do art. 3º, que, a contrario
excepcionalmente, e passou a estabelecer que “o período de permanência sensu, permite o uso das gravações das visitas como meio de provas de
será de até 3 (três) anos, renovável por iguais períodos, quando solicitado infrações penais ocorridas após o ingresso do preso no sistema federal.
motivadamente pelo juízo de origem, observados os requisitos da trans- Estabelece a norma em comento que “as gravações das visitas não poderão
ferência, e se persistirem os motivos que a determinaram.” O propósito ser utilizadas como meio de prova de infrações penais pretéritas ao ingresso
da reforma não foi apenas o de triplicar o período de permanência, mas do preso no estabelecimento”, admitindo implicitamente que seu uso para
também o de retirar a excepcionalidade da renovação, que agora pode infrações pretéritas constituiria prova ilícita. Contudo, não há razão para a
ser restaurada por “iguais períodos” – no plural, observe-se – em uma distinção temporal, já que a questão de fundo é a produção de prova com
tentativa de imposição não só de um regime integralmente fechado, mas violação de um direito fundamental e sem autorização judicial, constituin-
de cumprimento integral de pena em regime de confinamento extremo. do prova ilícita, que não pode ser validada por disposição legal contrária a
A inconstitucionalidade da inovação é patente, não só pela violação da um direito fundamental constitucionalmente garantido.
individualização da pena por via transversa, como pelo caráter cruel que Já o inciso IV do § 1º em tela determina o monitoramento de todos
representa esse confinamento indefinidamente prolongado. os meios de comunicação, inclusive de correspondência escrita, a todo mo-
Outras restrições trazidas pela reforma “Anticrime” possuem re- mento e sem autorização judicial, à revelia do art. 5º, XII, da Constituição
lação direta com os motivos que dominaram a política penitenciária em da República, garantia fundamental que não exclui a população prisional.
questão desde seu princípio. O isolamento em penitenciárias distantes O § 4º do art. 3º é igualmente uma inovação legal, cuja interpretação
requer cuidados. O dispositivo legal em referência permite aos diretores
26 SHALEV, Sharon, cit. p. 187. dos estabelecimentos penais federais de segurança máxima ou o Diretor

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PACOTE ANTICRIME: REFORMAS PENAIS Patrick Cacicedo

do Sistema Penitenciário Federal suspender e restringir o direito de visitas Por fim, a inclusão do art. 11-B autoriza os Estados e o Distrito Fede-
por meio de ato fundamentado. A despeito da literalidade do texto, não ral a construírem estabelecimentos penais de segurança máxima, ou adaptar
basta a existência de um ato fundamentado para a suspensão ou restrição os já existentes, aplicando-se, no que couber, a Lei nº 11.671/08. Como a
de visitas, pois constituem materialmente uma forma de punição, tanto transferência para presídio federal constitui verdadeira punição durante o
para a pessoa presa quanto para o visitante. Diante dessa natureza, deve cumprimento da pena, a simples construção ou adaptação de presídio já
ser observada a proibição de sanção coletiva, prevista no art. 45, § 3º, da existente não autoriza o endurecimento da pena. A norma, em verdade, serve
Lei de Execução Penal, para que a suspensão de visitas não seja imposta como uma espécie de incentivo aos Estados para que apostem em presídios
generalizadamente como forma dissimulada de sanção. Por outro lado, a desse modelo, embora já tenham permissão legal para abrigar unidades de
suspensão de visita por algum ato atribuído ao visitante deve ser precedida cumprimento de pena em Regime Disciplinar Diferenciado.
do devido processo administrativo, garantindo especialmente o direito de
defesa. Assim, o ato motivado é apenas um dos elementos a serem obser- 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
vados, o que torna a inovação legislativa verdadeiramente inútil. As alterações efetuadas pela Lei “Anticrime” no Sistema Pe-
O Pacote Anticrime trouxe ainda a possibilidade de julgamento co- nitenciário Federal seguem a toada de sua formação como política
legiado de algumas questões relacionadas ao Sistema Penitenciário Federal. penitenciária de exceção. As medidas incluídas em lei variam do autori-
Para tanto, foi adicionado à Lei nº 11.671/08 o art. 11-A, com o seguinte tarismo à inutilidade, formando um conjunto tomado em grande medida
teor: “As decisões relativas à transferência ou à prorrogação da permanên- pela inconstitucionalidade.
cia do preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima, à A imposição do isolamento extremo como política penitenciária não
concessão ou à denegação de benefícios prisionais ou à imposição de san- revela na concretude a satisfação do desiderato a que declaradamente se destina.
ções ao preso federal poderão ser tomadas por órgão colegiado de juízes, na Por isso mesmo, a reforma do seu sistema de funcionamento é uma cons-
forma das normas de organização interna dos tribunais.” Trata-se da figura tante necessidade, pois é da própria falência que se extrai o combustível
semelhante àquela inaugurada no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei da nova reforma.
nº 12.694/12, que trata do processo e o julgamento colegiado em primeiro
grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas. Desde sua gestação, o Sistema Penitenciário Federal se configurou
como um regime de exceção, tanto no seu regramento quanto na materiali-
Ao contrário da primeira figura, que veio regulamentada em di- dade de seu exercício. Quanto maior o rigor do seu plano normativo, tanto
versos artigos, a inovação trazida pelo Pacote “Anticrime” delegou toda a maior é a imposição de sofrimento aos inimigos do sistema penal brasileiro.
regulamentação para as normas de organização interna dos tribunais, o A Lei “Anticrime” cumpriu também aqui o seu inegável papel autoritário, en-
que viola uma vez mais o princípio do juiz natural, que demanda a prévia durecendo aquela que é, ao lado do RDD, a forma mais cruel e desumana de
definição do juiz competente por lei. Além disso, a imparcialidade judicial aprisionamento no Brasil. A peculiaridade das medidas analisadas no presen-
fica comprometida, conforme apontou André Nicolitt em crítica à figurada te texto é a sua incompatibilidade com o Estado de Direito e seu arcabouço
Lei nº 12.694/12, aqui igualmente aplicável: jurídico, muito embora não constitua propriamente uma surpresa, senão a
A reunião de três juízes se dá em razão de um ambiente de “perigo” ou continuidade da mesma e velha rota que trilhou desde seu nascedouro.
“sensação de insegurança” destacadamente para julgar determinado delito
anterior à formação do órgão e seguramente o imaginário de seus com-
REFERÊNCIAS
ponentes está impregnado com este cenário, o que traz para o colegiado
CASARA, Rubens R. R.; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal bra-
um ânimo de prevenção íntima relativamente aos fatos, comprometendo sileiro. Dogmática e crítica vol. 1: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
a análise imparcial dos mesmos.27 2012.
DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL – Levantamento nacional de
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PACOTE ANTICRIME: REFORMAS PENAIS

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rio Federal 2016. Brasília: Ministério da Justiça, 2017, p. 42. Disponível em < http://
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DIAS, Camila Caldeira Nunes. Efeitos simbólicos e práticos do Regime Disciplinar Di-
ferenciado (RDD) na dinâmica prisional. In. Revista Brasileira de Segurança Pública;
NÃO SE SABE O QUE É, MAS SABE-SE
3 (5), ago./set/, 2009. QUE DEVE SER PUNIDA: A RUPTURA DE
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. Tradução Perfecto
Andrés Ibañez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Ba-
GARANTIAS NA LEI N. 13.964/2019 PARA
soco, Racío Cantarero Bandres. Madrid: Editorial Trotta, 1995. PUNIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
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NICOLITT, André. Julgamento colegiado em primeiro grau (Lei 12.694/2012) e as di- Carla Silene Cardoso Lisboa Bernardo Gomes1
mensões do princípio do juiz natural. In. Boletim do IBCCRIM, ano 20, n. 240, nov.
2012. Eduardo Bruno Avellar Milhomens2
PAVARINI, Massimo. Castigar al enemigo: criminalidad, exclusión e inseguridad.
Quito: FLASCO, 2009.
Resumo: O legislador brasileiro, ao elaborar o tipo penal de organiza-
REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. O Regime Discipli-
ção criminosa, não conseguir revelar claramente o conteúdo do ser que
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políticas penitenciárias de exceção. In. Revista Polis e Psique, (3) 2; 2013. pretende punir. Apesar disso, o discurso político criminal tem focado
intensamente um maior rigor na punição aos membros de organizações
ROSS, Jeffrey Ian (ed.). The globalization of supermax prisons. New Brunswick: Ru-
tgers University Press, 2013.
criminosas. A pretexto de propiciar maior segurança aos cidadãos, o de-
nominado “Pacote Anticrime” foi aprovado em uma composição de forças
SALLA, Fernando. As rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência políticas antagônicas e, dentre as alterações, no tocante à organização
brasileira. In. Sociologias, ano 8, n. 16, 2006.
criminosa, culminou na supressão de garantias processuais penais e de
SANTOS, Gabriel Cesar dos. Sistema Penitenciário Federal e a violação dos direitos benefícios de execução penal, além do reforço ao discurso do direito penal
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Estado brasileiro. In. Revista da Defensoria Pública da União, n. 9, jan./dez., 2016.
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TEIXEIRA, Alessandra. Prisões da exceção: política penal e penitenciária no Brasil o que caracterizaria referido fenômeno. O uso rotineiro da expressão sempre
contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2009.
que se verifica a prática de um delito por uma pluralidade de pessoas parece

1 Doutora em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Profes-
sora. Advogada Criminalista. Diretora Nacional das Coordenadorias Estaduais do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (2019/2020). 2ª Vice Presidente do Instituto de Ciências Penais
(2018/2020).
2 Doutor em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor.
Advogado Criminalista. Coordenador Estadual do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais em
Minas Gerais (2019/2020). Membro da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/MG.

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