Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Diversidade e Inclusão
AULA 2
Prof. Dr. Fernando de Brito Alves
A inclusão de negros, mulheres e homossexuais.
CONVERSA INICIAL
Um dos principais desafios da inclusão, para além Nesse contexto é preciso compreender a constitui-
da compreensão dos seus pressupostos, é a delimi- ção dos grupos vulneráveis e como a demanda por
tação dos grupos vulneráveis e a “distribuição” dos tratamento diferenciado é justificada para o direito.
seus direitos específicos com vistas a promoção
de sua inclusão e a implementação do princípio da TEMA 1 – NEGROS
igualdade. A história da colonização é bastante conhecida. A
O escopo da segunda aula é pensar concretamente a historiografia do século XIX e da primeira metade
inclusão de negros, mulheres e homossexuais. do século passado, de um modo geral, cria que uma
análise consistente da sociedade brasileira passaria
CONTEXTUALIZAÇÃO necessariamente por uma avaliação do processo
JA necessidade de inclusão dos diferentes foi ampla- português de colonização, ou melhor, que o pro-
mente discutida na primeira aula, e pode ser grafica- cesso de colonização português era o principal res-
mente representada da seguinte forma: ponsável pelos contornos sociais do Brasil. Todavia,
apenas alguns poucos pontos são relevantes para a
compreensão da construção da cidadania brasileira,
muito embora esse processo seja complexo. O pri-
meiro ponto é com relação a natureza da coloniza-
ção, nas palavras de José Murilo de Carvalho “o futu-
ro país nasceu da conquista de povos seminômades”
(2002, p. 18), o segundo, refere-se a conotação co-
mercial atribuída a conquista. Os efeitos imediatos
do primeiro ponto são a dominação e o extermínio, e
do segundo foi a confusão do público com o privado,
já que a colonização foi uma empresa do governo co-
(Fonte: https://falauniversidades.com.br/igualdade-x-equidade-os-reflexos-na-sociedade-brasileira/)
lonial associado a particulares.
Nessa dinâmica perversa do sistema colonial, a es- ço no sentido de educar os ex-escravos. Em 1870,
cravidão foi, sem dúvida, o fator mais negativo, junto havia 4324 escolas para libertos e 1 universida-
com a grande propriedade privada, para o desenvol- de, foram-lhes distribuídas terras e incentivado
vimento da cidadania. Uma análise pormenorizada o seu alistamento eleitoral. Muitas dessas con-
da escravidão é de suma importância para a com- quistas foram perdidas depois da intervenção
preensão da precariedade da cidadania hodierna, militar no sul, e a luta pelos direitos de cidada-
já que a mentalidade escravista foi um modus ope- nia dos negros teve de ser retomada na segunda
randi bastante difundido, os libertos, uma vez livres, metade do século passado. No Brasil não houve
possuíam escravos, e mesmo os quilombolas os pos- qualquer tipo de compensação.
suíam, cerca de 78% dos libertos da Bahia possuíam Diante de tal quadro, resta caracterizada de
escravos. forma evidente e urgente a necessidade de reco-
A escravidão tinha contornos econômicos e foi, por nhecimento de direitos de diferença, indispensá-
muitos anos, um regime lucrativo, o qual, tinha uma vel para a correção dos erros históricos relacio-
outra dimensão, a da intolerância e da incompreen- nados com a escravidão.
são da diferença. É inegável a existência de uma espécie de respon-
Esses fatores fizeram com que a escravidão não fosse sabilidade, no sentido jurídico, coletiva e universal,
questionada de forma ampla até o fim da Guerra do consistente no dever de reparar as injustiças hedion-
Paraguai, a abolição final só começou a ser discutida das cometidas em nome do processo civilizatório e
no Parlamento em 1884. Apesar de leis internacio- do discurso econômico, embora esse não seja o úni-
nais de proibição do tráfico já existirem desde 1831, co, muito menos o melhor argumento em favor das
o Brasil foi o último país ocidental de tradição cristã ações afirmativas voltadas aos negros.
a erradicar a escravidão e o fez somente quando não Atualmente, a composição étnico-racial da popula-
era tão significativo o número de escravos, na época ção brasileira é a seguinte:
da independência eram 30% da população, quando
da abolição da escravatura não chegavam a 15%.
Segundo José Murilo de Carvalho (2002, p. 46) cer-
ca de 4 milhões de escravos entraram em território
nacional até 1850, distribuídos por toda parte, con-
centrando-se nos séculos XVI e XVII no Nordeste, no
XVIII, na região das Minas Gerais e, no XIX, nas regiões
produtoras de café, o que fez com que a escravidão Atualmente, a composição étnico-racial da popula-
fosse mais difundida no Brasil do que nos Estados ção brasileira é a seguinte:
Unidos. Fonte: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18319-cor-ou-raca.html
Fonte:https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2021/graficosMulheresBrasilRegioes2021.html
No Brasil, atualmente, não existe na Câmara dos De- O principio constitucional da igualdade (art. 5o.,
putados projeto específico referente à igualdade de caput) assegura tanto a igualdade formal quanto a
gêneros, tramitando na Comissão Permanente de Di- igualdade material de homossexuais e outras pessoas
reitos Humanos, os que lá se encontram e tratam de em condição análoga com os heterossexuais, enquan-
forma incidente do tema são o projeto de lei n.o 5.451 to sujeitos de direitos.
de 2001 tendente a abolir discriminação de ordem Ao referido autor assiste razão desde que se considere
sexual – entre outras – no provimento de cargos por que o fundamento dos direitos de não-discriminação
seleção. de homossexuais tem origem diferente do de negros,
À guisa de conclusão é preciso ressaltar que o objetivo por exemplo. Os homossexuais não necessitam de
deste tópico não foi inventariar todas as formas de ex- ações afirmativas em sentido próprio, mas de trata-
clusão da mulher no direito, mas de denunciar alguns mento igualitário. Esse é um caso de “direito à diferen-
aspectos perversos dessa dinâmica, que se camufla ça”.
de várias formas. O direito posto é machista e se ocu- A partir do universalismo do princípio da igualdade
pa prioritariamente dos problemas dos homens. formal também se pode analisar a defesa do “direito à
Hora pelo reconhecimento das diferenças – discrimi- diferença”. Nesta concepção, a igualdade decorre do
nação positiva e lícita -, hora pela promoção da igual- respeito à diferença, que protege a identidade do indi-
dade é que se construirá uma sociedade, cultural, so- víduo homossexual.
cial e juridicamente menos sexista e excludente. Ao formular o juízo de equiparação entre heterossexu-
ais e homossexuais, a proposição do direito à diferen-
TEMA 3 - OS HOMOSSEXUAIS ça considera o primeiro termo da relação (a identida-
A homossexualidade nem sempre foi considerada de heterossexual) como parâmetro de normalidade,
tabu. Até grandes construções teóricas sobre a sexua- admitindo aos dissonantes da heterossexualidade
lidade surgirem a partir da segunda metade do sécu- a extensão de igual tratamento; vale dizer, confere a
lo XIX não existem distinções e toda manifestação da homossexuais (“os diferentes”) a disciplina jurídica
sexualidade que não tivesse finalidade procriativa era destinada a heterossexuais (“os iguais”). Uma aborda-
considerada desvio, inclusive a relação sexual herete- gem coerente do princípio da igualdade formal con-
rosexual; é por volta de 1870 que os psiquiatras come- duziria, aqui à garantia do direito às diferenças, não
çaram a constituir a homossexualidade como objeto simplesmente do direito à diferença. De fato, quando
de análise (FOUCAULT, 1984-1985). se postula a diferença, problematiza-se a posição de
Os homossexuais como os negros, as mulheres, os um “outro”, concebido como aquele que se diferencia
portadores de deficiência, e as minorias são signos e é diferenciado do grupo ou do resto da sociedade
da diferença. Diferença deliberadamente utilizada em por determinada característica, tida como desviante.
prol da exclusão. De fato, poucas ações afirmativas poderiam ser imple-
Não existe vedação constitucional explícita da discri- mentadas para proteção de homossexuais, e a prin-
minação por orientação sexual no nosso ordenamen- cipal seria o agravamento da condição daqueles que
to, ela debruça seus fundamentos em outros princípios cometem crimes de ódio, exclusivamente motivados
da sistemática constitucional, poucas constituições pela orientação sexual não-convencional.
contemplam tal situação de modo explícito (África do Apesar de o costume judiciário reconhecer que os ho-
Sul, Equador, por exemplo). A discriminação por orien- mossexuais são iguais aos heterossexuais em direitos;
tação sexual é, na verdade, uma modalidade de dis- é preciso afirmar que o direito à diferença dessas pes-
criminação fundada no sexo, essa sim expressamente soas, se transveste muito mais de direito um a trata-
vedada (inc. IV, art. 3o. da Constituição Federal). Ainda mento igualitário, e ainda se está longe de se construir
que não fosse possível tal exegese, tal discriminação uma sociedade acolhedora, enquanto persistir a dis-
seria incompatível com a principiologia constitucional criminação em decorrência da sexualidade.
de um modo geral, principalmente com o princípio da
dignidade humana, que é fundamento da República
(inc. III, art. 1o. da Constituição Federal), e do princípio
da igualdade.
NA
PRÁTICA
Para exemplificar, apenas mencionando questões de
gênero, no âmbito do Poder Judiciário, a jurisprudên-
TROCANDO
cia tem reconhecido em algumas hipóteses o direito IDEIAS
das mulheres, mas em outras o conservadorismo é
saliente; no Supremo Tribunal Federal, está consoli-
Individualmente colabore com a fórum sobre
dado o entendimento nas duas turmas, que não existe
práticas discriminatórias em decorrência da
inconstitucionalidade na adoção de critérios diferen-
raça, gênero ou sexualidade nas diversas áre-
ciados para homens e mulheres para a promoção de
as. Relate aos colegas ou problematize situa-
cabos na aeronáutica. No entanto, tal exegese, data ve-
ções relacionadas ao tema dessa aula na sua
nia a Corte Constitucional entender que não ofende ao
área de trabalho/atuação.
princípio da igualdade, tem sido utilizada para permitir
a promoção de oficiais do sexo masculino em postos
do quadro feminino, sem admitir a possibilidade inver-
sa, sendo que tal distinção é legitimada pela natureza
das atribuições de cada um dos quadros de oficiais da
corporação (Cf. RE 375896/RJ - Rio de Janeiro, publica-
do no DJ 17/02/2005, p. 46).
Em outro caso, no entanto, o Supremo entendeu que
a previsão no edital de concurso para Polícia Federal,
da prova de subida em corda, com marca mínima dife-
rente para homens e mulheres (sendo cerca de 1 me-
tro menor para as mulheres), não afronta o princípio
da isonomia (art. 7º, XXX, C.F.), uma vez que respeita a
desigualdade física entre homens e mulheres, sendo
ainda certo que o referido exame de aptidão física foi
utilizado, indistintamente, para todos os candidatos
(Cf. RE 354148/ DF - Distrito Federal, publicado no DJ
29/09/2004, p. 74).
O Superior Tribunal de Justiça entende que não existe
ofensa ao princípio da igualdade a fixação de número
de vagas inferior, ou da abertura de concurso público
de ingresso nos Corpos de Bombeiros, e Polícia Militar
exclusivamente para homem.
Em outro acórdão, os Ministros do STJ decidiram que
atenta contra princípio da isonomia às distinções das
condições de trabalho entre homens e mulheres, ape-
sar disso, ainda refletindo certo sexismo, afirmaram
que as distinções que se justificam são as decorrentes
da natureza. De fato, não se pode negar a existência de
diferenças biológicas entre homens e mulheres, mas
essas diferenças não são suficientes para afirmar a
maior ou menor aptidão de homens ou mulheres para
determinados tipos de atuação profissional.
FINALIZANDO
A problemática da exclusão social envolve diversos segmentos da sociedade, mas sobremaneira preju-
dica de forma mais concreta os grupos socialmente vulneráveis.
A relação entre a discriminação e o não acesso a direitos e posições, bem como a fragilidade econômi-
ca, denota como é necessário o desenvolvimento de perspectivas teóricas e de pragmáticas mais consistentes
com a realidade social, e mais efetivas na promoção da inclusão, da empatia com os diferentes e da solidarie-
dad
REFERÊNCIAS
ALVES, F. B.; SIQUEIRA, Dirceu (Org.) . Políticas Públicas: da previsibilidade a obrigatoriedade, uma análise sob o prisma do Estado Social de Di-
reitos. 1. ed. Boreal: Birigui - SP, 2011
ALVES, F.B.; BREGA FILHO, V. (Org.) . Teorias da Justiça: Justiça e Exclusão. 1. ed. Jacarezinho: UENP, 2016. v. 1. 241p
CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O DIREITO À DIFERENÇA. 2009. Tese de Doutorado. PUC Minas.
DAHL, Tove Stang. O direito das mulheres: uma introdução à teoria do direito feminista. Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
Foucault, M. História da sexualidade (Vol. I: A vontade de saber). Rio de Janeiro: Graal. 1985a.
Foucault, M. História da sexualidade (Vol. III: O cuidado de si). Rio de Janeiro: Graal. 1985b.
Foucault, M.. História da sexualidade (Vol. II: O uso dos prazeres). Rio de Janeiro: Graal.(1984
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Global Editora e Distribuidora Ltda, 2019.
GIACOIA, G. (Org.) ; BREGA FILHO, V. (Org.) ; ALVES, F. B. (Org.) . Teorias da Justiça: justiça e exclusão. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2021. v. 1. 494p
MACHADO, E. D. ; ALVES, F.B. . A decisão judicial sobre direitos sociais: considerações sobre igualdade, democracia e judicialização da política.
In: Zulmar Fachin, Jairo Neia Lima, Everton Pona. (Org.). Magna Carta: 800 anos de influência no constitucionalismo e nos direitos fundamentais.
1ed.Curitiba: Juruá, 2015, v. , p. 77-96.
MARSHALL T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
MIRANDA, L. C. M. ; ALVES, F.B. ; TIROLI, L. G. . A ética da alteridade e a busca pela igualdade de reconhecimento em Emmanuel Lévinas. REVISTA
DIREITO E PAZ, v. 44, p. 38-52, 2021.
NASCIMENTO, A. R. ; ALVES, F. B. Vulnerabilidade de grupos minoritários entre cenários de crise e proteção de direitos. Revista da Faculdade de
Direito do Sul de Minas, v. 36, p. 363-388, 2020.
PINSKY, J. PINSKY, C. B. (orgs). História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2003.
TEBAR, Wellington Boigues Corbalan; ALVES, Fernando de Brito . Justiciabilidade direta dos direitos sociais na Corte Interamericana de Direitos
Humanos: mais uma peça no quebra-cabeça do Ius Constitutionale Commune latino-americano?. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 11,
p. 519-542, 2021.