Você está na página 1de 10

Panorama da Acessibilidade,

Diversidade e Inclusão
AULA 2
Prof. Dr. Fernando de Brito Alves
A inclusão de negros, mulheres e homossexuais.
CONVERSA INICIAL
Um dos principais desafios da inclusão, para além Nesse contexto é preciso compreender a constitui-
da compreensão dos seus pressupostos, é a delimi- ção dos grupos vulneráveis e como a demanda por
tação dos grupos vulneráveis e a “distribuição” dos tratamento diferenciado é justificada para o direito.
seus direitos específicos com vistas a promoção
de sua inclusão e a implementação do princípio da TEMA 1 – NEGROS
igualdade. A história da colonização é bastante conhecida. A
O escopo da segunda aula é pensar concretamente a historiografia do século XIX e da primeira metade
inclusão de negros, mulheres e homossexuais. do século passado, de um modo geral, cria que uma
análise consistente da sociedade brasileira passaria
CONTEXTUALIZAÇÃO necessariamente por uma avaliação do processo
JA necessidade de inclusão dos diferentes foi ampla- português de colonização, ou melhor, que o pro-
mente discutida na primeira aula, e pode ser grafica- cesso de colonização português era o principal res-
mente representada da seguinte forma: ponsável pelos contornos sociais do Brasil. Todavia,
apenas alguns poucos pontos são relevantes para a
compreensão da construção da cidadania brasileira,
muito embora esse processo seja complexo. O pri-
meiro ponto é com relação a natureza da coloniza-
ção, nas palavras de José Murilo de Carvalho “o futu-
ro país nasceu da conquista de povos seminômades”
(2002, p. 18), o segundo, refere-se a conotação co-
mercial atribuída a conquista. Os efeitos imediatos
do primeiro ponto são a dominação e o extermínio, e
do segundo foi a confusão do público com o privado,
já que a colonização foi uma empresa do governo co-
(Fonte: https://falauniversidades.com.br/igualdade-x-equidade-os-reflexos-na-sociedade-brasileira/)
lonial associado a particulares.
Nessa dinâmica perversa do sistema colonial, a es- ço no sentido de educar os ex-escravos. Em 1870,
cravidão foi, sem dúvida, o fator mais negativo, junto havia 4324 escolas para libertos e 1 universida-
com a grande propriedade privada, para o desenvol- de, foram-lhes distribuídas terras e incentivado
vimento da cidadania. Uma análise pormenorizada o seu alistamento eleitoral. Muitas dessas con-
da escravidão é de suma importância para a com- quistas foram perdidas depois da intervenção
preensão da precariedade da cidadania hodierna, militar no sul, e a luta pelos direitos de cidada-
já que a mentalidade escravista foi um modus ope- nia dos negros teve de ser retomada na segunda
randi bastante difundido, os libertos, uma vez livres, metade do século passado. No Brasil não houve
possuíam escravos, e mesmo os quilombolas os pos- qualquer tipo de compensação.
suíam, cerca de 78% dos libertos da Bahia possuíam Diante de tal quadro, resta caracterizada de
escravos. forma evidente e urgente a necessidade de reco-
A escravidão tinha contornos econômicos e foi, por nhecimento de direitos de diferença, indispensá-
muitos anos, um regime lucrativo, o qual, tinha uma vel para a correção dos erros históricos relacio-
outra dimensão, a da intolerância e da incompreen- nados com a escravidão.
são da diferença. É inegável a existência de uma espécie de respon-
Esses fatores fizeram com que a escravidão não fosse sabilidade, no sentido jurídico, coletiva e universal,
questionada de forma ampla até o fim da Guerra do consistente no dever de reparar as injustiças hedion-
Paraguai, a abolição final só começou a ser discutida das cometidas em nome do processo civilizatório e
no Parlamento em 1884. Apesar de leis internacio- do discurso econômico, embora esse não seja o úni-
nais de proibição do tráfico já existirem desde 1831, co, muito menos o melhor argumento em favor das
o Brasil foi o último país ocidental de tradição cristã ações afirmativas voltadas aos negros.
a erradicar a escravidão e o fez somente quando não Atualmente, a composição étnico-racial da popula-
era tão significativo o número de escravos, na época ção brasileira é a seguinte:
da independência eram 30% da população, quando
da abolição da escravatura não chegavam a 15%.
Segundo José Murilo de Carvalho (2002, p. 46) cer-
ca de 4 milhões de escravos entraram em território
nacional até 1850, distribuídos por toda parte, con-
centrando-se nos séculos XVI e XVII no Nordeste, no
XVIII, na região das Minas Gerais e, no XIX, nas regiões
produtoras de café, o que fez com que a escravidão Atualmente, a composição étnico-racial da popula-
fosse mais difundida no Brasil do que nos Estados ção brasileira é a seguinte:
Unidos. Fonte: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18319-cor-ou-raca.html

Estima-se que o Rio de Janeiro foi a cidade que mais


possuiu escravos depois de Roma. A escravidão era
uma instituição social sólida e, por isso, não existiam
tentativas de aboli-la, quando um escravo ou um
grupo de escravos se amotinavam, lutavam pela sua
própria manumissão e não pela extinção da escravi-
dão enquanto instituição.
A liberdade conquistada pelos negros era uma farsa,
mesmo os tradicionais direitos públicos subjetivos, já
presentes nas legislações francesas pós-revolucioná- Quando verificados os dados do mesmo instituto
rias, não chegaram a ser efetivamente implementa- (https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/li-
dos com relação aos libertos. vros/liv101681_informativo.pdf) em termos eco-
Nos Estados Unidos da América, depois da Guer- nômicos, educacionais e políticos podemos ter um
ra de Secessão, (CARVALHO, 2002, p. 52) congre- retrato bem mais detalhado do problema da inclu-
gações religiosas e o governo fizeram um esfor- são dos negros.
Em termos econômicos a média salarial dos negros ensurdecessem aos clamores do movimento negro,
é 30% inferior a dos brancos. A pesquisa PNAD/IBGE por direitos e por justiça.
releva de acordo com matéria do Jornal Valor Econô- Deveras a realidade desconstruiu o mito, não se ad-
mico, de 17/01/2020 (https://valor.globo.com/opi- mite mais a existência da democracia racial no Bra-
niao/coluna/salarios-faculdade-genero-e-raca. sil, que é absolutamente excludente com o diferente.
ghtml), o seguinte: O negro é diferente da maioria branca. Do mesmo
modo que ocorreu nos Estados Unidos, talvez seja
necessário a construção de um Estatuto de Direitos
Civis para os negros, que fosse instrumento de efe-
tivação de políticas públicas inclusivas, que afirmas-
sem positivamente a diferença.
Nas palavras de um famoso discurso proferido pelo
presidente Lindon Johnson na Universidade Howard:

“Você não pode pegar uma pessoa que foi mantida


Fonte:https://www.sopesp.com.br/2020/01/17/salarios-faculdade-genero-e-raca/ anos na prisão e libertá-la, trazendo-a para a linha
de partida de uma competição e dizer: ‘você está
A maior parte da discussão sobre ações afirmativas livre para competir com todos os outros’, e ainda
gira em torno das cotas nas universidades, o que acreditar que foi plenamente justo. Isto não é o bas-
parece equivocado, já que o analfabetismo funcio- tante para superar as barreiras da inclusão social.
nal é decorrente das péssimas condições do ensino Todos os cidadãos deveriam ter a habilidade para
fundamental, universalizado na década de 1990, no atravessar essas barreiras. Esse é o próximo e mais
contexto neoliberal de escolarização, e não de efeti- profundo estágio na batalha em favor dos direitos
va alfabetização. civis. Nós não procuramos apenas por liberdade,
A despeito disso, insiste-se nas cotas em universida- mas também por oportunidades reais de inclusão.
des por seu suposto potencial de repetição. Criando- Nós não procuramos apenas por equidade mas pela
se condições de acesso ao ensino superior, aumen- capacitação do homem, não apenas por igualdade
taram-se as condições de acesso a bons postos no como direito e uma teoria, mas igualdade como um
mercado de trabalho, e em médio ou longo prazo, fato e igualdade como um resultado”.
reduzir-se-ia o fosso social que, por suposto, existe
entre negros e brancos.
Do ponto de vista sociológico, no Brasil, se construiu Para entender o contexto do racismo no Brasil é im-
o mito da democracia racial principalmente depois portante a problematização, para finalizar o Tema 1
da publicação de Casa grande e senzala de Gilberto de dois conceitos: Racismo institucional e Racismo
Freyre (2019). O ideal de miscigenação fora difundido Estrutural. Racismo institucional é qualquer sistema
como mecanismo de absorção do mestiço não para de desigualdade que se baseia em raça que pode
a ascensão social do negro, mas para a hegemonia ocorrer em instituições como órgãos públicos go-
da classe dominante. vernamentais, corporações empresariais privadas
O mito da democracia racial assentou-se sobre dois e universidades (públicas ou particular). Racismo
fundamentos: 1) o mito do bom senhor; 2) o mito do estrutural é a formalização de um conjunto de prá-
escravo submisso. A crença no bom senhor exalta ticas institucionais, históricas, culturais e interpes-
a vulgaridade das elites modernas, como diria Con- soais dentro de uma sociedade que frequentemente
tardo Calligaris, e juntamente com uma espécie de coloca um grupo social ou étnico em uma posição
pseudo-cordialidade seriam responsáveis pela ma- melhor para ter sucesso e ao mesmo tempo prejudi-
nutenção e o aprofundamento das diferenças so- ca outros grupos de modo consistente e constante
ciais. O mito do escravo submisso fez com que a so- causando disparidades que se desenvolvem entre os
ciedade de um modo geral não encarasse de frente grupos ao longo de um período de tempo.
a violência da escravidão, fez com que os ouvidos se
TEMA 2 - AS MULHERES les que têm desenvolvimento mental incompleto,
A perspectiva feminista do direito “por meio de um quer sejam crianças, quer sejam deficientes mentais.
corte transversal sistemático, através das normas Mesmo as leis mais democráticas mantiveram as
legais existentes, visando aperceber-se de conexões mulheres nesse patamar. Nesse contexto a situação
significativas para todos os indivíduos, mas em espe- da mulher casada é pior que da mulher solteira que
cial e diretamente para as mulheres” (Dahl, 1993, p. poderia administrar seus bens e é considerada capaz
25). Além do que a perspectiva pluralista do direito do ponto de vista jurídico.
enfatiza o pluralismo das fontes, em oposição ao po- A sociedade como um todo preparou mecanismos
sitivismo legalista. O Direito das Mulheres teria nes- de garantia da exclusão das mulheres, e o principal
sa perspectiva “poucos indicadores formais na lei” foi a educação. Houve de fato um considerável au-
(idem, p. 29). mento da importância da educação formal para as
Ainda de acordo com Tove Stang Dahl, “a igualdade mulheres ao longo do século XIX, todavia, apesar das
técnica pode ter a discriminação de fato como re- mulheres conseguirem a duras penas concluírem o
sultado, tal como a discriminação pode promover ensino secundário, dificilmente conseguiam ingres-
a igualdade de fato” (1993, p. 58) isso significa que é sar no ensino superior. Nesse quesito, os Estados
preciso para a finalidade precípua da inclusão obser- Unidos, principalmente nos estados mais a oeste,
var não o direito formal mas como acontece o direito desde a metade do século XIX já admitia a presença
concretamente. de mulheres no ensino superior, enquanto a Europa
Na cultura ocidental de um modo geral a mulher só franqueou o acesso a Universidade, às mulheres,
sempre foi marginalizada, quer por conta da tradição a partir de 1860.
judaico-cristã que é machista, quer pela divisão se- A partir do final do século XIX começou a delinear-
xual do trabalho e a construção de um ideal de mu- se um cenário aterrador. As atividades laborais des-
lher restrita à esfera doméstica, limitada ao cuidado tinadas às mulheres estavam vinculadas ao serviço
do lar etc. doméstico – como dona-de-casa, governanta, ou
Apesar do caráter machista do iluminismo e da revo- dama-de-companhia –; ao magistério – que normal-
lução francesa, é lá que muitas mulheres encontram mente rendiam melhores salários –; ao serviço fabril
fundamentação teórica para o feminismo, principal- ou à prostituição.
mente com base nas convicções de que existem di- As mulheres eram submetidas a piores condições de
reitos inalienáveis, que fazem parte da natureza hu- emprego porque eram menos mobilizadas que os
mana e no princípio da igualdade formal. homens, e isso não era voluntário. Até os sindicatos
As transformações econômicas do século XIX criaram masculinos colocavam-se contrários a sindicalização
duas situações absolutamente antagônicas. Nas- das mulheres e ao trabalho delas nas fábricas, que
ce a possibilidade pelas mulheres de classe média, não era ambiente moralmente adequado para mu-
esposas de burgueses ou de altos funcionários das lheres, além delas serem menos qualificadas que os
indústrias, de se livrarem do serviço doméstico, que homens.
passou a ser desempenhado por uma empregada Com o advento da legislação trabalhista, a despeito
doméstica. O seu par antagônico foi a situação das do princípio da não interferência do Estado nas re-
mulheres proletárias que eram submetidas a jorna- lações econômicas, os Estados começaram a ceder
das duplas de trabalho em situações absolutamen- as pressões que vinham de todos os lados, desde a
te desfavoráveis, ficando vulneráveis nas fábricas a opinião pública aos sindicatos, e criar leis que melho-
todo tipo de sevícias, sendo muitas vezes desrespei- rassem a condição de mulheres e crianças, que não
tadas em sua liberdade sexual, e remuneradas muito eram consideradas cidadão plenos, e porquanto, vul-
inferiormente aos homens. neráveis. O trabalho no campo e o trabalho domés-
As sociedades sexistas organizaram o ordenamento tico permaneceram sem qualquer regulamentação
jurídico de modo a garantir o establishment. As mu- e, por isso, as mulheres ficaram submetidas a maior
lheres sofreram uma espécie de capitis diminutio, exploração do trabalho.
sendo que passaram a ser consideradas à margem O movimento feminista nasce inspirado nas idéias do
do direito, da mesma forma que os presos, e aque- humanismo renascentista, principalmente relaciona-
das com a melhoria educacional, pois pretendiam que lheres em 1910, que além disso defendia a isonomia
tal programa fosse aplicado às mulheres. No início do salarial, o seguro maternidade, e proclamou o dia 8 de
século XIX a luta já havia sido ampliada para a cidada- março como Dia Internacional da Mulher.
nia, os direitos políticos e os direitos sociais. A conquista dos direitos para as mulheres se deu de
Já foi dito que os direitos de diferença dos negros se forma lenta ao longo de todo o século XX. Dos direi-
fundamentam justamente na diferença, diferença his- tos políticos, aos sociais, e finalmente os reprodutivos.
toricamente construída, que precisa ser da mesma Em 1913, por exemplo, as americanas (EUA) podiam
forma, historicamente desconstruída. Também foi ser eleitas e votar em nove estados, condição esten-
dito que os direitos de diferença dos homossexuais, dida a todas as mulheres, maiories de 21 anos, em
são propriamente direito de respeito à diferença, e se 1919 pela 19a. Emenda à Constituição Americana. No
fundamentam na igualdade. As mulheres devem ter norte da Europa isso ocorreu de forma prematura,
tratamento diverso dos negros e homossexuais quan- antes mesmo dos Estados Unidos, esse movimento
do se trata de direitos à diferença, porque existem se intensificou, com mais ou menos restrições, pelo
circunstâncias em que injustiça é tratá-las de forma resto da Europa, principalmente depois da década de
diferente da dos homens, e existem circunstâncias em 1930. A Espanha republicana teve intensa moderniza-
que injustiça é, justamente, tratá-las de forma igual. ção legislativa e cultural, vindo inclusive a reconhecer
O discurso da igualdade seduziu de um modo geral os as uniões livres, o divórcio e o aborto, sendo que sua
movimentos pelos direitos iguais, que se desenvolve- legislação sofre revés conservador com o advento ao
ram e se tornaram populares, principalmente na Ingla- governo do general Franco. Na Itália o antifeminismo
terra a partir da década de 1830, o que trouxe alguns é bastante explorado pelo fascismo o que vai retardar
ganhos, como por exemplo o direito de frequentar cur- as conquistas de direitos para a mulher, até o final da
sos universitários e o de casadas poderem controlar Segunda Guerra. Na França os direitos políticos das
seus ganhos (1878) e administrar suas propriedades mulheres datam de 1944, na Suíça de 1971 e Portugal
(1882). Na França e na Alemanha o feminismo crescia de 1976.
bastante durante as revoluções e logo depois recuava No Brasil o direito de voto às mulheres já havia sido
para dar lugar a uma onda de conservadorismo. defendido por alguns deputados constituintes da Pri-
Nos Estados Unidos, o movimento pelos direitos meira Constituição da República; no ano de 1905, três
iguais conseguiu organizar a Primeira Convenção pe- mulheres mineiras se alistaram e votaram, no entan-
los Direitos das Mulheres em Seneca Falls (Nova York) to foi caso isolado. Apenas com a Revolução/Golpe
em 1848, as mulheres começaram a se organizar em de 1930, que algumas mulheres, entre elas Nathércia
associações e a promover encontros, sendo que apar- da Cunha Silveira e Elvira Komel, formaram uma co-
tir desse ano (muito antes do que ocorrera na Europa) missão, que contou com o apoio do então ministro
conseguiram o direito de administrar seus bens e em do Trabalho Lindolfo Collor, do Cardeal D. Sebastião
1869, o estado de Wyoming concedeu a elas o direito Leme, e do governador de Minas Gerais, Antônio Car-
de voto. los Ribeiro de Andrada. Getúlio Vargas, através do
Outra frente de batalha do Direito das Mulheres foi o Decreto nº. 21.076, de 1932, institui o Código Eleitoral
socialismo feminista que acreditava na revolução so- Brasileiro, no qual o artigo 2o. disciplinava que era
cialista como meio de libertação da mulher. eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de
A opinião pública acabou por associar ao socialismo a sexo, alistado na forma do código. É de ressaltar que
falsa crença de que eles defendiam a promiscuidade as disposições transitórias, no artigo 121, dispunham
sexual e o “amor livre”, o que teria ficado implícito nas que os homens com mais de 60 anos e as mulheres
críticas que Marx dirige aos burgueses no Manifesto em qualquer idade podiam isentar-se de qualquer
do Partido Comunista e que Engels já havia feito na obrigação ou serviço de natureza eleitoral. O voto fe-
obra Familia, Propriedade Privada e Estado (1984). O minino não era obrigatório, mas foi grande o número
que importa é qe o capitalismo passou a ser identifi- de mulheres alistadas, em 1933 uma mulher é eleita
cado como a principal causa de opressão. As socialis- para a Assembléia Nacional Constituinte e em 1936 é
tas alemãs defendiam o direito de voto desde 1895, e eleita a primeira deputada federal, respectivamente
foram apoiadas pela Internacional Socialista das Mu- Carlota Pereira de Quiróz e Bertha Lutz.
As profissões mais ocupadas por mulheres eram aque- Outra grande conquista das mulheres foi a dos direi-
las tradicionalmente consideradas extensões das ati- tos sexuais e reprodutivos, resultado de uma série de
vidades domésticas, como a de professora, pedago- fatores. A intensificação dos processos de urbaniza-
ga, enfermeira, etc. Algumas mulheres, já no início do ção, o desenvolvimento de métodos contraceptivos,
século XX conseguiram se empregar na pesquisa e na e o aumento das lutas feministas e a legalização do
medicina. Durante a recessão dos anos 30 o mercado aborto em alguns países. A possibilidade de controle
de trabalho recuou, e as mulheres foram acusadas de do próprio corpo representou um avanço significativo
ocuparem os postos de trabalho dos homens, o que de autonomia para a mulher.
em alguma medida acabou por se reverter na segun- Apresentado esse quadro, não é possível concluir com
da metade do século passado. otimismo que a situação da mulher é a ideal. A maioria
Com relação aos direitos sociais, as principais reivin- dos pobres do planeta é do sexo feminino.
dicações se centravam na isonomia salarial, e na pos- No Brasil é fácil de perceber as novas estratégias de
sibilidade de escolha da profissão. Com relação à es- exclusão e a reinvenção das fronteiras sexuais, bem
colha profissional, não há dúvidas que atualmente as como a manutenção de antigas posições, mediante
mulheres têm condições, com raras exceções, de se análise dos dados dos Indicadores de Desenvolvimen-
autodeterminarem, não obstante, a questão salarial to Sustentável.
ainda continuar problemática. Mulheres tendem a ga- A renda média de homens continua ainda bastante
nhar, ainda hoje, salários menores que os dos homens superior a das mulheres, como verificado no gráfico
nas mesmas funções. da página 5. Se fossemos apresentar um quadro geral
(com dados de 2019), teríamos o seguinte:

Fonte:https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2021/graficosMulheresBrasilRegioes2021.html
No Brasil, atualmente, não existe na Câmara dos De- O principio constitucional da igualdade (art. 5o.,
putados projeto específico referente à igualdade de caput) assegura tanto a igualdade formal quanto a
gêneros, tramitando na Comissão Permanente de Di- igualdade material de homossexuais e outras pessoas
reitos Humanos, os que lá se encontram e tratam de em condição análoga com os heterossexuais, enquan-
forma incidente do tema são o projeto de lei n.o 5.451 to sujeitos de direitos.
de 2001 tendente a abolir discriminação de ordem Ao referido autor assiste razão desde que se considere
sexual – entre outras – no provimento de cargos por que o fundamento dos direitos de não-discriminação
seleção. de homossexuais tem origem diferente do de negros,
À guisa de conclusão é preciso ressaltar que o objetivo por exemplo. Os homossexuais não necessitam de
deste tópico não foi inventariar todas as formas de ex- ações afirmativas em sentido próprio, mas de trata-
clusão da mulher no direito, mas de denunciar alguns mento igualitário. Esse é um caso de “direito à diferen-
aspectos perversos dessa dinâmica, que se camufla ça”.
de várias formas. O direito posto é machista e se ocu- A partir do universalismo do princípio da igualdade
pa prioritariamente dos problemas dos homens. formal também se pode analisar a defesa do “direito à
Hora pelo reconhecimento das diferenças – discrimi- diferença”. Nesta concepção, a igualdade decorre do
nação positiva e lícita -, hora pela promoção da igual- respeito à diferença, que protege a identidade do indi-
dade é que se construirá uma sociedade, cultural, so- víduo homossexual.
cial e juridicamente menos sexista e excludente. Ao formular o juízo de equiparação entre heterossexu-
ais e homossexuais, a proposição do direito à diferen-
TEMA 3 - OS HOMOSSEXUAIS ça considera o primeiro termo da relação (a identida-
A homossexualidade nem sempre foi considerada de heterossexual) como parâmetro de normalidade,
tabu. Até grandes construções teóricas sobre a sexua- admitindo aos dissonantes da heterossexualidade
lidade surgirem a partir da segunda metade do sécu- a extensão de igual tratamento; vale dizer, confere a
lo XIX não existem distinções e toda manifestação da homossexuais (“os diferentes”) a disciplina jurídica
sexualidade que não tivesse finalidade procriativa era destinada a heterossexuais (“os iguais”). Uma aborda-
considerada desvio, inclusive a relação sexual herete- gem coerente do princípio da igualdade formal con-
rosexual; é por volta de 1870 que os psiquiatras come- duziria, aqui à garantia do direito às diferenças, não
çaram a constituir a homossexualidade como objeto simplesmente do direito à diferença. De fato, quando
de análise (FOUCAULT, 1984-1985). se postula a diferença, problematiza-se a posição de
Os homossexuais como os negros, as mulheres, os um “outro”, concebido como aquele que se diferencia
portadores de deficiência, e as minorias são signos e é diferenciado do grupo ou do resto da sociedade
da diferença. Diferença deliberadamente utilizada em por determinada característica, tida como desviante.
prol da exclusão. De fato, poucas ações afirmativas poderiam ser imple-
Não existe vedação constitucional explícita da discri- mentadas para proteção de homossexuais, e a prin-
minação por orientação sexual no nosso ordenamen- cipal seria o agravamento da condição daqueles que
to, ela debruça seus fundamentos em outros princípios cometem crimes de ódio, exclusivamente motivados
da sistemática constitucional, poucas constituições pela orientação sexual não-convencional.
contemplam tal situação de modo explícito (África do Apesar de o costume judiciário reconhecer que os ho-
Sul, Equador, por exemplo). A discriminação por orien- mossexuais são iguais aos heterossexuais em direitos;
tação sexual é, na verdade, uma modalidade de dis- é preciso afirmar que o direito à diferença dessas pes-
criminação fundada no sexo, essa sim expressamente soas, se transveste muito mais de direito um a trata-
vedada (inc. IV, art. 3o. da Constituição Federal). Ainda mento igualitário, e ainda se está longe de se construir
que não fosse possível tal exegese, tal discriminação uma sociedade acolhedora, enquanto persistir a dis-
seria incompatível com a principiologia constitucional criminação em decorrência da sexualidade.
de um modo geral, principalmente com o princípio da
dignidade humana, que é fundamento da República
(inc. III, art. 1o. da Constituição Federal), e do princípio
da igualdade.
NA
PRÁTICA
Para exemplificar, apenas mencionando questões de
gênero, no âmbito do Poder Judiciário, a jurisprudên-
TROCANDO
cia tem reconhecido em algumas hipóteses o direito IDEIAS
das mulheres, mas em outras o conservadorismo é
saliente; no Supremo Tribunal Federal, está consoli-
Individualmente colabore com a fórum sobre
dado o entendimento nas duas turmas, que não existe
práticas discriminatórias em decorrência da
inconstitucionalidade na adoção de critérios diferen-
raça, gênero ou sexualidade nas diversas áre-
ciados para homens e mulheres para a promoção de
as. Relate aos colegas ou problematize situa-
cabos na aeronáutica. No entanto, tal exegese, data ve-
ções relacionadas ao tema dessa aula na sua
nia a Corte Constitucional entender que não ofende ao
área de trabalho/atuação.
princípio da igualdade, tem sido utilizada para permitir
a promoção de oficiais do sexo masculino em postos
do quadro feminino, sem admitir a possibilidade inver-
sa, sendo que tal distinção é legitimada pela natureza
das atribuições de cada um dos quadros de oficiais da
corporação (Cf. RE 375896/RJ - Rio de Janeiro, publica-
do no DJ 17/02/2005, p. 46).
Em outro caso, no entanto, o Supremo entendeu que
a previsão no edital de concurso para Polícia Federal,
da prova de subida em corda, com marca mínima dife-
rente para homens e mulheres (sendo cerca de 1 me-
tro menor para as mulheres), não afronta o princípio
da isonomia (art. 7º, XXX, C.F.), uma vez que respeita a
desigualdade física entre homens e mulheres, sendo
ainda certo que o referido exame de aptidão física foi
utilizado, indistintamente, para todos os candidatos
(Cf. RE 354148/ DF - Distrito Federal, publicado no DJ
29/09/2004, p. 74).
O Superior Tribunal de Justiça entende que não existe
ofensa ao princípio da igualdade a fixação de número
de vagas inferior, ou da abertura de concurso público
de ingresso nos Corpos de Bombeiros, e Polícia Militar
exclusivamente para homem.
Em outro acórdão, os Ministros do STJ decidiram que
atenta contra princípio da isonomia às distinções das
condições de trabalho entre homens e mulheres, ape-
sar disso, ainda refletindo certo sexismo, afirmaram
que as distinções que se justificam são as decorrentes
da natureza. De fato, não se pode negar a existência de
diferenças biológicas entre homens e mulheres, mas
essas diferenças não são suficientes para afirmar a
maior ou menor aptidão de homens ou mulheres para
determinados tipos de atuação profissional.
FINALIZANDO
A problemática da exclusão social envolve diversos segmentos da sociedade, mas sobremaneira preju-
dica de forma mais concreta os grupos socialmente vulneráveis.
A relação entre a discriminação e o não acesso a direitos e posições, bem como a fragilidade econômi-
ca, denota como é necessário o desenvolvimento de perspectivas teóricas e de pragmáticas mais consistentes
com a realidade social, e mais efetivas na promoção da inclusão, da empatia com os diferentes e da solidarie-
dad

REFERÊNCIAS
ALVES, F. B.; SIQUEIRA, Dirceu (Org.) . Políticas Públicas: da previsibilidade a obrigatoriedade, uma análise sob o prisma do Estado Social de Di-
reitos. 1. ed. Boreal: Birigui - SP, 2011
ALVES, F.B.; BREGA FILHO, V. (Org.) . Teorias da Justiça: Justiça e Exclusão. 1. ed. Jacarezinho: UENP, 2016. v. 1. 241p 
CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O DIREITO À DIFERENÇA. 2009. Tese de Doutorado. PUC Minas.
DAHL, Tove Stang. O direito das mulheres: uma introdução à teoria do direito feminista. Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
Foucault, M. História da sexualidade (Vol. I: A vontade de saber). Rio de Janeiro: Graal. 1985a.
Foucault, M. História da sexualidade (Vol. III: O cuidado de si). Rio de Janeiro: Graal. 1985b. 
Foucault, M.. História da sexualidade (Vol. II: O uso dos prazeres). Rio de Janeiro: Graal.(1984
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Global Editora e Distribuidora Ltda, 2019.
GIACOIA, G. (Org.) ; BREGA FILHO, V. (Org.) ; ALVES, F. B. (Org.) . Teorias da Justiça: justiça e exclusão. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2021. v. 1. 494p 
MACHADO, E. D. ; ALVES, F.B. . A decisão judicial sobre direitos sociais: considerações sobre igualdade, democracia e judicialização da política.
In: Zulmar Fachin, Jairo Neia Lima, Everton Pona. (Org.). Magna Carta: 800 anos de influência no constitucionalismo e nos direitos fundamentais.
1ed.Curitiba: Juruá, 2015, v. , p. 77-96.
MARSHALL T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
MIRANDA, L. C. M. ; ALVES, F.B. ; TIROLI, L. G. . A ética da alteridade e a busca pela igualdade de reconhecimento em Emmanuel Lévinas. REVISTA
DIREITO E PAZ, v. 44, p. 38-52, 2021.
NASCIMENTO, A. R. ; ALVES, F. B. Vulnerabilidade de grupos minoritários entre cenários de crise e proteção de direitos. Revista da Faculdade de
Direito do Sul de Minas, v. 36, p. 363-388, 2020.
PINSKY, J. PINSKY, C. B. (orgs). História da cidadania. São Paulo: Contexto, 2003.
TEBAR, Wellington Boigues Corbalan; ALVES, Fernando de Brito . Justiciabilidade direta dos direitos sociais na Corte Interamericana de Direitos
Humanos: mais uma peça no quebra-cabeça do Ius Constitutionale Commune latino-americano?. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 11,
p. 519-542, 2021.

Você também pode gostar