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A performance como arte e Festa: democratizagio, eventos colectivos eespaco piblico Isabel Nogueira Esta reflexao centra-se no momento que se seguiv a Revolugio de Abril de 1974, concreta- ‘mente, num pane de fundo que fezlevantar algumas problemsticas artisticas eculeurais no Portugal de entao. Em slmulkanco,« abertura politica conectava-se como movimento de abertuza ao espaco piibico ¢ colectivo, mas tambim 3 Festa, no sentido de da experimentaqio an ISTIC AUG, Os eventos colectivos, particalarmente no imbito das anes pIESICS, TOTaTT UMA Cofstante por estes anos (R. Gongalves 1992), Na verdade,€ como se, alémn da abertura do regime ~ com todas as suas implicagdes politicas, sociais, ccuitturais e artisticas -, se pudesse fazer um movimento anélogo nas artes plésticas ~ fe particularmente na performatividade por estas incorporada -, concretizado em alguns eventos colectives relevantes e implicativos, ndo apenas do periodo em causa mas di propria histéra da arte portuguese, na sus ligagdo com o momentoespecifico da Revolw: a0, mas também com 0 movimento mais vasto da neovanguarda internacional (Os derradeiros anos do regime corporative demonstravam uma crise crescente, ‘Actise politica econdmica, agudizada pela crise petrolifera mundial de 1973, juntava: “se a crise social, num pais cada vez mais fechado e enttistecido, Mas o que sucedia por ‘estes ancs com as artes plisticas? Na perspective de historiadores covio Joao Pinharanda ou antonio Rodrigues, os anos Go portugueses terdo sido decisivos no que respeite aos desenvolvimentos da arte, metcando uma tentativa de dislogo e de acompanhamento ‘das tendéncias internacionais do momento, num pais claramente periférico. Como escreve Jodo Piuharanda; «Os anos 60 sio os mais decisivos da arte portuguesa depois dos anos 10 ~ como se se pudesse falar de uma “segunda década" instauradora» (Pinha~ randa 1995, 602. Segundo Antonio Rodrigues, a década de 1960 foi prvilegiada devido 40s pressupostos inovadores em torno da imagem e do signo, assim como dos funda~ tnentos conceptuais e perceptives do objecto. Esta inovacia tera que ver ndo com 2s condigGes sociomateriais da vids aristica portuguesa da épaca, mas com 0 posiciona mento cultural de artistas ¢ de abrae (Anos 60, Anos de Rupturas 1994), ou seja, com uma efectivaautonomizagéo de individuos e de trabalhos, numa procura de novos horizontes e expetimentagic 63 VEOTORES DE INFLUENCIA Contudo, na opinigo de Bernardo Pinte de Almelda,e nio obstante os anos 60 terem. constituido um periodo de modificagdes fundamentals, nfo (ero sido propriamente anos de ruptura, j4 que a arte portuguesa vinha sendo wansformada por ume longa mudanga de cotatuto, de sentido, de fungaoe de intengao, que se afestava da pureza ideo- logica do modernismo histérico, acompaninada por um processo internacfonal que ques tionava o prépric conceito de vanguarda (Almeida 1999) De facto, a década marcou um, tempo relevante, concretamente no que respeita aos desenvolvimentos da pop crt e da arte conceptual, nomeadamente, a nova figuragdo ~ muitas vezes antecedida pelo infor- malismo -, a optical ar, 2 land art, aarte processual, a performance, o assemblage, etc. Esta fragmentasio associada a um individuelismo cristivo terse-4 devido de forma determinante ao contacto com 0 exterior, que se processou através dos artistas emigrados ~ sobretudo a partir de 1957, com 0 auxilio financeiro da Fundagdo Calouste Gulbenkian -, das curtss viagens aos centros artisticos mais eminentes, das revistas: estrangeiras especializadas, dos contactos directos ou indirectos de jornalistas e de crt ticas com eventos importantes além-frontsiras, e das escassas exposighes de artistas de Tenome internacional nonosso pats, A primeiza questio que nos importa evidenciar é ade uma certa autonomizayaoda historia das artes plasticas face a cronclogia dos acontecimentos politicos, que se vinhia ja fazendo a partic de um processo de activagio das individualidades criativas Viveuse um compreensivel optimism histérico, particalarmente corporalizado em dois momen tos relevantes:o inicio do marcelismo e, principalmente, a Revolugéo de Abril. Contudo, muitos artistas procuravam ser modemos ¢ perseguir essa modernidade, independen- temente do espaco geogtifico que nenpavam out dao resis limitagSee do meio artico portugués. Em 1974, acontecia o golpe militar que punhs cobro a quarenta e vito anos de dita- ‘dura e, consequentemente, 4 Constituicie de 1933. Derrubsva sc o regime antidemo critica, colonialista, solado e autorititio, Porém, as fundamentais mudangas politicas € sociais operadas num pais fechado, conservador e pleno de urgéncias, por si sé, nie se assuumiram determinantes, como seria eventualmente expectivel, para 0 increment das artes plésticas. Vejamos. Com a Revolugie de Abril, apenas terdo regressado cfecti> vamente a Portugal os artistas que emigraram por motivos especificamente politicos, © do quem o tirha feito ~ a esmagadora maio:is ~ principalmente por motivos artisticos, intelectusais, vivenciais, ou didécticos, evidenciando os problemas continuados da vide cultural e artistica portuguesa. Na verdade, edo ponto de vista artistico, a mudanga ind vidual, pulverizada, j4 se vinha fazendo desde os anos 60 ou até 50, por parte de artistas que, independentemente do espaco politico-geogrifico que habitavam, pretendiam see cfectivamente modernos, como jé se afirmou, contrariando, portanto, a crenea, que m= época revolucionétia naturalmente se vivia, de um pioneizismo da politica face § arte. r 64 VECTORES DE INFLUENGIA Do ponto de vista da publicacio e circulagao da arte eda cultura, e salvo algumas sexcep,Ses, 08 peviédicos portugueses nao conferiam uma atengéo profunda aests tema: ticas, precisamente numa altura de iberdade de expressio. De facto, apolticadominava “a ordem do dia, Nesta senda, a revista ColdquiolArtes teve um caracter tinico no nosso pais também oportuno, no entanto, referir outras publicagdes dexelevo no quedizres- feito ao acolhimento das questies artisticas, ais como a revista Are/Opinio (ancadaem to7 qelos alunos da Escola Superior de Bela-Artes de Lisboa) as revistas Op (Lisboa 41576-3978) e Frotiria (Lishoa, 1925-1990), ow ainda, entre 1973 1977 a Revista de Artes Pst «as editada pela Galeria Alvarez, Port). ‘No que diz reipeito as instiuigSes atistcas e museol6gicas, além da Sociedade Nacional de Belas-Artes, merecem igualmente referéncia 2 Secgao Portuguesa da Asso iagdo Internacional deCriticos de Arce (AICA), fundada em 1955 erestruturada em 1969. Em 1972, dava-se inicio as importantes exposicSes AICA/SNBA e, era 1981 instituir-seia 0 sclovante Prémio AICAISEC (Secretaria de Estado da Cultura), depois AICA/MC (Ministé ‘Ho da Cultura), Mas devernos igualmente advertir paraa importanciz de outras institu: ies, como 2 Cooperativa Arvore (Porto), fundada em 1963; do Circulo de Artes Plasticas ide Coimbra |CAPC) instituidoemi9s3; ou de Galeria Ogiva, fundada em Obicos,em 1970. ‘Contado, era factual a inexist®ncia, & época, de museus de arte moderna e contemporé= snea em Portugal. O Museu Nacional de Arte Contemporanea/Muuset do Chiado,fundado fem Maio de 191, depois de diversas vicissitudes, sb reabriia ao putlico ja em Julho ée 4994.£m 1976, contudo, na cidade do Porto, surgia uma instituicae importante neste con- texto, Trata-se do Centro de Arte Contempordnea (CAC), que esteve em funcionamento entre 1976 e190 no Museu Nacional Soares dos Reis, ob direcgao de Femando Peres. na opinilo de José-Augusto Franca, foi «a melhor criagio do regime do 25 de Abril» (1993, i405) Quanto 20 Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundacio Calouste Gulbenkian, depcis de anosde espera, seria finalmente inauguredo em Julho de1983, Estes compass0s tempo- tais sio demonstrativos de uma certa estagnacdo de fundo, néo imediatamente e por si sé resolvida com aRevolucae de1974. No entan‘o, é indubitével que a fundamental democratizacao do pais se assumit como um notétio espaco de possibilidades artisticas, como seria expectavel. 0.25 de Abril aearreton uma militancia séria por parte de um niimezo consideravel deartistas. Terse-a vivito um empenhamento militante intenso, numa vivencia da cultura «ao servico do Povo» (Chicd 1984, 20-21). Foia época dos slogans e contra slogans. «A arte fascista faz mal 4 vista» (Marcelino Vespeira) - expresso proclamada no evento realizado pelo Movi- mento Democratico de Artistas Plsticos, a 28 de Maio de 1974, no Palacio Foz (MDAP so7a) ~ «Contra a agressividade, criatividaden ou «A qualidade estética & progressista; amedincridade é reacionariam (Saleste Tavares)-Foi também a épocadas pinturas murais, ruitas delas anonimas e esponsneas, que invadiram inusitadamente o espago de todos. 65 me VECTORES DE INFLUENCIA ‘Apesar da dificuldade, ox mesmo incapacidade, de o Estado elaborar uma politica cultural estruturante e coerente, apostavase nas campanhas de dinamizacao cultural, capazes de envol © Estado, 0 Movimento das Forgas Armadas (MFAI, a Junta de Sal- ‘yaggo Nacional, a populacao e os artistas Alias, as acj6es colectivas em espaco piblico foram uma caracteristica deste momento, como ja se referiu. E, por conseguinte, date- ‘mos especificamente atencao as que melhor se afirmam enquanto processos artisticos € performativos de criatividade, e mesmo de Festa e de partilha, num momento histé- rico que junta questdes politicas e sociais com questdes artisticas e estéticas, sobretudo ligadas ao movimento genérico da neovanguarda intemacional. E, portanto, nesta encra- allhada que situamos algama ds meis particular ¢ importante producio artistica deste petiodo.e dos préprios anos 70. Neste momento de mutacio e de vivéncia intensa do espaco piiblico, de modo até entao inédito, destacamos as acybes colectivas, numa busca de total liberdade de inter= vencdo e de riacao, de dois importantes agrupamentos de artistas: o Grapo Acre («Uma arte para toda 2 gente», entre 1974 € 197, constituido por Alfredo Queiroz Ribeiro, Clara Menéres e Joaquim Lima Carvalho, ent:e diversos colaboradores) e 0 Grupo Puzzle («Contracorrente», entre 1975-1981, contou com Albuquerque Mendes, Armando Aze- vedo, Carlos Carreiro, Dario Alves, Grac2 Morais, Jaime Silva, Jodo Dixo, Pedro Rocha, & mais tarde, com Fernando Pinto Coelho e Gerardo Burmester). ‘Ase modo, ambes se assumiram como portadores de uma linguagem plastico-pe= formativa inovadora no contexto portugués, de vertente conceptualista, sociale attisti= camente interventiva. Etnesto de Sousa escreveris, em 1975, respeito do Grupo Acre edas suas acgoes. «© Giuyo Acre constraase depois do 25 de Abril: como uma serenae consciente atinide.(..J As duas “acces” realizadas pelo grupo até agora (pintura do pavie mento da Rua do Carmo, em Lisboa e desdobramento de uma ita plistica do alto d= ‘Torte dos Clérigos,no Porto ("Grupo Acre fez exigiram colaboraczo, , no segundo case participacao ctimplice. (..| © Grupo Acre é um projecto, e s6 os projectos tém consis. téncla, Hoje. Cemo a revolucio, Tudo o resto é cozinhe passadista ..] Quando o Grape Acre desenrolou a tira de plastico do alto da Torre dos Clérigos era o belo corpo de Class Semide que se prolongava... 0 dos outros companheitos. E 0 nosso afinal, quando come Preendemos isto, Prolongades (pela apropriacio inventada) 4 arquitectura de Nason ao Porto, a Cidade, av Fafs,a0 Sonho, 4 Utopia. F isto vale tanto, ou mais, do que pintar tectoda Capela Sistina» (Sousa 1975, 41) Quanto ao Grupo Puzzle, nasceu no Porto, em Dezembro de 1975, tendo sido a ‘ado no infclo de 1976 num jantarfintervengzo na Galeria Alvatez (Porto) e divulgade TI Encontros Internacionals de Arte (Agosto de 1976), na Povoa de Varzim. Egidio cescrevia em gy relativamente ao grupo: «Parece-me que, subjacente atode a activi Grupo, se encontra uma atitude polémica[.J.Polémica, porque ap escolherem ad oo \VECTORES DE INFLUENCIA Accdo dos culos ~ veri ubana ru do Carmo, Lisboa, Agots de 1878) Intervene da Geuno Acre / FOTOGRAFIA Clare Menéres se inscrevem em contracorrente em relagioa todas as faclidedies mais ox menos oficializa- das, mais ou menos escolares, mais ou menos oportunistas que forame sio oferecidas aque Jes que mais eit 0 t8m para caleorsear as antecdmaras do poder. [J (EInquante ‘nos titimos dots anos 0 acento tonico ou 0 acento tinico foi colocado sabre a intervencao politica, 0 PUZZLE se areve falar desi proprio, don problemas familiares e quotidanos, da gre, dos mites correntes dos tabus (ea bandeira nacional é um entre muito) e até tam bpém, da politica, vita aqui por um prismairénica ertien perigoso [1.0 primado da ideia sobrea técnica [. J, 0 desejo veemente de inataurar um dialogo aberto com cs componentes dda nossa cultura e comas massas artedadas da arte (J: Por tudo isto parece-me acupar 9 Grupo ruzzte umaposicaode vanguarda no campo da arte (Alvar01977, 18:20 Neste periodo, destacaranse também, e precisamente, os Encontros nternacionais Ge Arte, prineipalmente promovids pelo critica, curador e galevstaRgitio Alvaro epela @ Galeria Alvarez (e amplamente divulgados na Revista de Arts Plésticns), que tiveram ini- cio em 1974, em Valadates (Casa da Carmuagem), tendo continuidade no ano seguinte em Viana do Castelo, em 1076 na Pévoa de Varzim e em 1977nas Caldas da Rainha (Goncal- ‘ves 1977a; 19775; 1992). A intencao primeira destes eventos foiareuniao de artistas nacio: nais e estrangeiros ~ Alfredo Queiroz Ribeiro, Alberto Cameito, Angelo de Sousa, Carlos Barteira, Espiga Pinto, Fernando Lanhas, JoRo Dixo, Christian Parisct, Pineau e Serge [IT Oldenbourg, entre outros ~ em torno de coléquios, debates, intervencées e exposicdes, inclusivamente em torno da questao dz «arte e revolucon, e das «novas tendéncias e vanguarda> (Alvaro 1975) ‘© CAPC, fundado em 1958, como se referiu, teve igualmente uma zc¢ao notivel neste periodo. Com o cbjectivo de promover as artes visuais contemporaneas e de sen- sibilizar o piblico para a sua fruicao, vai incrementar programas e actividades de indole experimental, performativa e pedagbgica. Esta activicade experimental iriz entrosar-se, em larga medida, com a de Emesto de Sous, figura central e catalisadora de muitas das mais importantes actividades e exposicSes dos anos 70. 0 primeiro contacto, ox um dos primeiros, entre ambos tera ocorrido na Galeria Ogiva, em Obidos,em 1972, no ambito das comemoracies dos dois anos de existéncia deste espaco, Emesto de Sousa mostravz e conversava, uma vez mais, sobre as imagens que trouxe da Documenta 5 (onde conheceu ¢ entrevistou Joseph Beuys) e de Darmstadt e esta conferéncia tera sido fortemente replicada pelos elementos do CAPC (Diniz 2005, 3). Quanto a Emesto de Sousa, 0 epi s6dio servia de mote ao primeiro texto que escreveu sobre o colective conimbricense: «Uma intervengio-como-o-nome-de Joseph-Beuys [Agressiiocom o Nome de]. Beuys] que ia quase virando para o torto, Porque assim é que é quando se descobrem interlocutores vilidos no um publico passive e masoquista que até aplaude e faz-de-conta que é insultado. 0 Circulo de Belas-Artes (& este onome”) de Coimbra estava presente e animou com essa efectiva presenca um D1ALOGO, mais importante do que muitas pedagogias ex-cétedta, ‘Umdialogo talvez promissor de futuro» (Sousa1973, 4). Na verdad, instituiu-se um espaco de trabalho conjunto proficuo entre Emesto de Sousa, Alberto Cameiro, Anténio Barros, Armando Azevedo, ofo Dixo, Rui Oriao, Tilia Saldanha, entre outros (Nogueira 2005a;2005b).As actividades do CAPC estenderam-sea exposighes, intervencies/operacies estéticas e performances, de que se podem destacar -AFleresta (Porto, Galeria Alvarez, 1973; Lisboa, Galeria Nacional de Arte Moderna/Alterna: tiva Zero, 977), Homenagem a osefa de bios (Obidos, Galeria Ogiva, 1973),Mirha (Tua, Dee, Nossa, Vossa)Cointbra Deles (Coimbra, CAPC, 1973), 1000 o11° Aniversirio da Arte ~partindo éa ideia original de Robert Filiow, em 1973, Emesto de Sousa cesenvolveu este trabalho com 0 CAPC ~ Arte ra Rua (Coimbra, CAPC, 1974), Semana da Aree (da) na Rua (Coimbra, CAPC, 1976), Cores (pelo Grupo de Intervencao do CAPC, Coimbra, Caldas da Reinha, lisboa, 19771978) (ousa 1980; Azevedo 2005). Na opinigo ¢ deste pais que m: também espelhad intitulado «A van as letres a fixar gente das “artes” sigo proprio. Eo ce alienacdo, bee todas as Academi tal descoberta, 2 das mios ¢ d2 ea A propésito deout veria:«O exagera be INrLUENcIA ‘Sommna da Art (de Ru, Coimbe, Citculode Artes Plsticas de Coir ‘CORTESIA Ctculo de Artes Psticasde Coimbra Na opinido de Ernesto de Sousa, o zgrupamento seria a «iinica ‘sociedade artistic” deste pais que mantém um espirto de “work-shop'» (Sousa 1976, 70) Esta ideia apare também espelheda num escrito do mesmo autor, propésito da actividade Guerra das Tints, intitalado «A vanguarda esta em Coimbra, a vanguarda esta em ti>: «CAP ou C.AP. eis as letras a fixar, se 0 leitor for um dia a Coimbra, e quiser falar “a pretexto da arte das “artes”, Artes de acco, belas-artes, malasaries de liberdade: de encontro con- proprio. E com os outros. [..]O que interessa néo é toda essa pasmaceira de téenic ealienacdo, beleza labivinticamente pré-constituidae pré-estabelecida; esse caminho para todas as Academias (e para a economia do mercado, tal descoberta. a qual s6 pode ser conseguida num exerccio total do corpo e do esprito, ‘e da cabeca. Esse exercicio é a pratica quotidiana do CAP» (Sousa 1974, 4, 6). A propositode outra iniciativa do CAPC, Artena Rua (Coimbra, 1974), Ernesto de Sousa escre- xemplo, viver em ibra, ser de Coimbra, a “cidade nossa deles” 69 VECTORES DE INFLUENCIA ‘© ousar ume actividade (visual) que excede todas as medidas (da Cidade, da rua) devol vendo as pessoas 8 dimensio perdida (ao Paraiso Perdido)... Festa ~ eis oexemplo de um total exagero, de uma claramodernidade. [..]"A ante pode sera vipa" (Sousa1976, 70). Experimenta se, 20 mesmo tempo que se traca um novo caminho, polvilhado por novas abordagens ¢ incorporacées, num contexto de celebragio viva, de Festa, num sen. tido totalizante, aglutinador e performative. F esta vivéncia e sentido claro de experi- mentagéo, sobretudo no espaco pibico colectivo, © adubada com a democratizaczo do pais, é apanigio dos anos 70 portuguescs. Alias, e paralelaente ao momento oliticoe social portugués, es suportes artisticos expandem se, recriam.se, ganham nova opera- cionalidade consisténcia, como o video ou o filme super-8, por exemplo, mas também ‘trabalho performativo do corpo, as «acsSes> dos «operadores extéticos». Os modos de expresoio contamina selivrements ¢ de modo assertive. Os anos 70 portugueses, par- ticularmente a partir da liberdade criativa que a Revolucio propicicu, foram, portanto, determinantes e definidores de um tempo rico, intenso e, consequentemente, sinico znum contexto mais varto da arte portuguesa ¢ mesmo acidental (Nogueira 2035) Importa, porém, reflectirainda sobre um evento aglutinador e implicativo. A expo- sigdo Alernativa Zero: Tendéncias Polémicas na Arte Portuguesa Contémpordnea, organizaéa por Emesto de Sousa, em 1977, em Lisboa, foi a mais relevante exposigio colectiva dos anos 70, a qual, com um vasio mimero de participantes', se propés equacionar 0 con- ceito de vanguarda e as suas probleméticas (Nogueira 2007; 2008), Na verdade, a Alterma- ‘va Zero foi acompanhads por tr8s pequenas mostras, iguelmente da responsabilidade ‘de Emesto de Sousa, 2 acontecerem em simultineo com a que podemos designar como eeposicin prinvipal. Tratou-na da A Varguarda e os Melos de Com:micacdo: 0 Cartaz (evo cativa de diversas mostras «de vanguarda» que tiveram lgar no estrangeiro, nomea damente do movimento Fluxus), Os Pionziros de Modemismo em Portugal (exp fotogritica edecumental quese debrugon sobre primeito moderismo portugués,con- cretamente, sobre 25 figuras de Almada Negreicos, Fdvardo Viana e Santa Rita Pintor) ¢ ‘APloresta(penetrivel de tiras de papel, da autoria do CAPC, que funcionava em conjunto com peas de Albuquerque Mendes, Armando Azevedo e Tilia Saldanha). Fas referén cas primeiras da exposicio estavam dadas: a (nec)vanguarda internacional, 0 primeira modernismo portuguds e algumas das acces colectivas ace vanguardam em Portugal neste periodo, O percirso artistico # conceptual do curador da mostra, na sta ligacdo 1 Alberto Camera Albuqueque Meres Avato Lapa, Ja Fathe’y na Viera André Gomes, Anglo de Sous, Anni agar, oni Pado, Aan Sena, Amando Aaeveda, Arar Varela. Clara Mees, Cons tanya apdeville Da Roh, Eraeato de Melo e Cato, esto de Sous, erand Cab, Craga Pere CCautino, elem Almeida Joana Ros, Jodo Brehm, Joi Veir, rg Pixnho, Jone Piao, Jot Cu= sao oséCondat, as drigus ul Sameto jlo Braga, Leonel Moura, Lisa Santos Sivalisa (Chaves Fensira, Manel aves Manuel Casinir, Mslo Vitel, a Crates, Nora da Costa, Peo Anas De Wiis Robin Fe, Sab Tava, Sena da ila Ti Sldanh, Wet Belém eitor Por 0 Cheulode com a vangu 1077: Perspect Na bntice dos artistas € que viviam e assumida.que (ternative ex «apenas de si ja weferenciad (AICASNBA, ‘rt (da) na Rs rnomes dos bém do Grup seu lado, os p ~Augusto Fra tirdo Zero é dequesesup verdade € au YECTORES OE INFLUENCIA culode drtes Plisticas de Coirbra na Atoretlva Zee: Tend ‘Contemporinas, 1977 / ESPDLIO Eres com a vanguarda, seria, pois, determinante para o propésito do evente (Alerativa Zero 1977; Perspectiva:Alternariua Zero 997). ‘Na opticade Emestode Sousa, 2 exposigdotinha por ebjectivo combateroisolamento dos artistas e dos criticos portugueses - tanto dos que residiam no estrangeiro como dos fue vvia em Portugal -,fomentando urna prspectiva eticae ima responsabiidade aassamida, quese afasrasse dos inteesses comexciais eda atitude dogmdtica de iri slonard (Alterctiva er 1977).0 crtéco de selecsio foi a constituigao de um grupo representativo apenas desi proprio». Os artistas vieram de experiéncias anteriores, propositadamente jAreferendiadas neste texto como Do Vizio PréVecago (AICAISNBA, 1972) Projects (AICA/SNBA, 1974), Agressdo com o Nome de j.Beuys (1972) Aniver rio da.Arte(1974) Semana da ‘rie (4) na Rua (1976) assim como de algumnas actividades individusis, Se atentarrmos nos rnomes dos participantes, vemos que extio representados elementos do CAPC, mas tam ‘bém do Grupo Acre, lo Grupo Fuze ou de io esta tes, por seu lado, 0 participantes regulares dos Encontros Internacionais de Art, Quanto a Tos “August Franca ese concluitiaassim o seu «folhetinm no Divide shor: «Comecer apa tirdo Zero é dfillimo e perigosissimo.€ logo porque é perigoso.e dificil de atingir 0 Zero deque se supe parti equemuitas vezes se no sempre nie é to zero como isso. Masa vetdade & que o iieu amigo Ernesto de Sousa nio tem outraaltemativa» (Franca 1077 3) n VECTORES DE INFLUENGIA Oclevado nimero de participantes eas particularidades de cada obra aumentavam as possibilidades artisticas e estéticas da exposieao. Entre trabalhos diversos, que pen- dderam para uma neovanguarda internacional, eventualmente com um distanclamento temporal face as manifesta;des nes centos atisticos mals eminentes, e 2 antevisde de problematicas pés-modernas, a que JearrFrancois Lyotard comecarla a dar compo em 1979, alternative Zero marcou um momento, Também tiveram lugar eventos musicals = ‘com Constanga Capdeville Jorge Feixinho, Lidis Cabral, Pedro Cabral, com o Grupo de Misica Contemporanea de Lisboa, com elementos do Grupo Cole: Viva, om Grupo ADAC € como grupo portuense AnarBande 2 Jorge Lima Barreto (Frange 19774) ~, oficinas de crlangas, performances, imtervengbes do publico, conferénclas ~ possivelmente a que mais se evidenciou tera sido a proferida por André Gomes: 0 culto da vanguarda...or the importance of belxg Emest-, a presenca do Living Theatre emi Belém € as suas acyBes no ‘Masex Nacional de Arte Antiga ou no largo de So Miguel em Alfama, jantares-convyé vio, etc (Ede Sousaig77). Esta vatiedzde poderd Ser justificada pela defesa, por parte de Ernesto de Sousa, da «obra de arte aberta» ~ na esteirade Umberto Eco ~, antiacadémica, antielitista, nao acabada, participada ‘Quanto A recepsao critica da exposiczo, o que se aferiu, er 1977, da Alternativa Zero? ‘Em primelro lugar, a inegavel importancia do evento (Coelbo 1977; Posfirio1977a:19776) ‘Apesar de algum descontentamento reletivamente & falta de reflexio critica - como observou Ernesto de Sousa, em jeito de balango ~, a exposigao levantou apoios ¢ opost 8c. De um modo geral, codos oo comentirioe conlluiram no sentide de admitira sua invulgaridade, uma vez que foi atipica em Portugal. Uns consideraram que se tratou de uum marco e de um desafio no contesto artistica portugues (H. Silva 1977}; outros criti caram-na pela real falta de alternativa que propés, jé que 0 piblico alegadamente no interveloe o evento restringiu-se 2 uma classe intelectual e elitista(. Silva 1977; Listopad 1977) R. Sousa 1977).A titulo de exemplo, Heitor Pato (1977 5) afirmou que a exposigio se pautou pelo acessirio, elo faci, pelo superficial «Ja avaliar pelo pablico da inaugu: rasio,s6 a fricalhada possidénia Idi. Em condusio, 0s eventos escalhidos, e sobretude @ Altemetive Zero ~ pelo seu eardc= ter intensificador e aglutinador das experiéncias da década -, aprecentaram-se come espagos ~ eventualmente polémicos ~ privilegiados para a mescla, interaccfo e supers: fo de fronteiras de linguagens ~ teatro, performance, pintura, escultura, video, fotogray fi, mitsica, intermedia -, de certo modo inéditas em Portugal. Sobretudo quando vividas cm liberdade, na Festa acolhida pelo espaco piiblico. woltemos & necessiiade de enten- der a arte dos anos 70 como portadora de uma linguagem propria, mesmo qus, come toda 4 arc, naturalmente influenciada pelo pasado e, em alguns casos, fazendo ant visdes ~ pésmodernas, citadoras,irdnicas — do futuro, Contudo, afrmado claramente © presente, na sua complexidade politica, socal, cultural atistica Referénci aiME1oA En Alernative é ‘Awano, Aawano, ‘os 6.40 a cused, Sh corto. 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