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RESUMO RESUMÉ
A análise de contos de Monteiro Lobato L´analyse de contes de Monteiro Lobato
(1882-1948) publicados nos volumes (1882-1948) publiés dans les livres
Urupês, Cidades mortas e Negrinha Urupês, Cidades mortas e Negrinha met
revela, dentre outros aspectos, seu en évidence, parmi d´autres aspects,
pendor metacrítico. Em meio às une tendance métacritique. Au cours
narrativas, pululam discussões sobre des récits, il y a plusieurs discussions
conceitos como literatura, romance e sur des concepts tels que littérature,
conto, além de reflexões sobre a roman et conte et des réflexions sur la
necessidade de modernização da modernisation du langage littéraire,
linguagem literária, num diálogo dans un dialogue constant avec de
constante com diferentes estéticas. O différentes esthétiques. L´étude de la
estudo da metatextualidade em contos métatextualité chez les contes de
do escritor paulista permite-nos esboçar Lobato permet de tracer une poétique
uma poética lobatiana, isto é, lobatienne, c´est-à-dire, compreendre,
compreender, por meio da própria au moyen de la fiction elle même, les
ficção, os ideais estéticos do escritor. propos esthétiques de l´écrivain.
PALAVRAS-CHAVE MOTS-CLÉS
Metatextualidade, poética lobatiana, Métatextualité, poétique lobatienne,
contos. contes.
∗
Este artigo é parte da dissertação de mestrado intitulada Nos andaimes do texto: a
metatextualidade como traço da poética lobatiana, concluída em 1999, na Universidade
Estadual Paulista, Campus de Araraquara-SP, sob orientação da Profa. Dra. Sylvia Helena
Telarolli de Almeida Leite.
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Introdução
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início do século XX, para uma simplificação sempre maior e uma aproximação
como o universo dos leitores.
Urupês, publicado em 1918, é o primeiro volume de contos, mas
contém textos escritos anteriormente e já conhecidos do público porque
estampados em jornais e revistas da época, como é caso dos artigos “Urupês” e
“Velha Praga” ou mesmo os contos “Bocatorta” e “A vingança da peroba”. O
livro compõe-se de histórias em que predomina um tom trágico, possivelmente
influenciado pela leitura de escritores românticos filiados à literatura fantástica,
tais como o alemão Hoffmann, o francês Maupassant ou o inglês Kiplling. São
relatos de dramas humanos construídos a partir de uma mesma tônica: amor e
morte se cruzam constantemente, condicionando os destinos das personagens.
Outro elo entre os contos é a caracterização do espaço das narrativas,
predominantemente rural. As personagens vivem seus dramas num cenário de
isolamento do espaço urbano, o que instaura um rico diálogo com certa
tradição da literatura regionalista que idealiza o espaço rural como palco de
uma vida agradável e pacata, isenta dos conflitos existenciais característicos do
agitado cotidiano citadino. Essa opção espacial de constituição da narrativa vai
se acentuar nos contos de Cidades mortas, criando uma espécie de
contigüidade entre os dois volumes de contos.
Em Cidades mortas, publicado em 1919, temos na constituição do
espaço o fator preponderante de organização das narrativas. Os cenários são
desoladores, representando ficcionalmente a realidade das cidades do Vale do
Paraíba, antes enriquecidas pelo café e depois herdeiras da falência deixada na
região, após a derrocada das grandes fazendas de café. Logo no primeiro
conto, que traz o mesmo título do volume, se esboça a idéia básica que
perpassa os demais textos: o progresso nacional é itinerante e sem solidez,
criando cidades, mas deixando um rastro de destruição e abandono por onde
passa. O tema comum aos contos de Cidades mortas é a vida nas pequenas
cidades e seus desdobramentos: o lazer, a organização familiar, os “causos”
tradicionais, a vida pacata agitada apenas por fatos corriqueiros.
Diferentemente de Urupês, não há tragicidade nas histórias de Cidades mortas,
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Em torno da metatextualidade
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comentário presente no texto, o que implica ainda uma relação crítica entre os
textos.
Roland Barthes considera que, enquanto linguagem, a literatura é capaz
de voltar-se para si mesma, descobrindo-se “ao mesmo tempo objeto e olhar
sobre esse objeto, fala e fala dessa fala, literatura-objeto e metaliteratura”
(BARTHES, 1970, p. 28). Para o crítico francês, essa atitude da literatura de
dobrar-se sobre si mesma aponta para um sério questionamento a respeito de
sua natureza, de seu ser, afinal, ressoa continuamente um questionamento:
que é a literatura? Esse posicionamento crítico acaba estabelecendo uma
relação dialética entre a literatura e ela mesma, o seu ser, sua identidade; essa
tendência moderna opera a aproximação entre crítica e produção literária, entre
reflexão e fazer literário, tornando-os um único e mesmo objeto.
O prefixo -meta (do grego metá) remete a termos como
“transcendência” e “reflexão crítica”, muito sugestivos no que diz respeito à
construção metalingüística/ metatextual do texto literário, já que a
metatextualidade leva à transcendência do significado aparente do texto a
múltiplos significados de outros textos que estão presentes no primeiro, assim
como a metatextualidade caracteriza-se pela onipresença da reflexão crítica na
composição da criação artística. Tadeusz Kowzan define “-meta” ao tratar de
um procedimento que ele nomeia autothématisme, isto é,
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Entre parênteses.
Uma coisa me espanta: que haja inda hoje, nestes nossos
atropelados dias modernos, quem escreva romances! E quem
os leia!...
Conduzir por trezentas páginas a fio um enredo, que estafa!
Nada disso. Sejamos da época. A época é apressada,
automobilística, aviatória, cinematográfica [...] (LOBATO,
1968b, p. 222-3).
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QUADRO
Surpreendidos pelos índios, os amantes fogem rio abaixo numa
piroga. (É difícil explicar o aparecimento dessa providencial
piroga, mas não impossível. Derivou rio abaixo, por exemplo, e
ali ficou enredada numa tranqueira. Não esquecer de introduzir
num dos quadros anteriores um close up da piroga.)
Os índios metem-se em outras pirogas. (Mais pirogas! É que
não derivou uma só, sim várias...) (LOBATO, 1968b, p. 231).
Ao romper da madrugada:
É a cotovia que canta!... diz ela.
Não; é o rouxinol, retruca Romeu.
É a cotovia...
É o rouxinol...
Vence a cotovia. O moço beija-a pela última vez e parte. Não
esquece, porém, de enfiar no dedo de Julieta um anel jóia
indispensável ao desfecho da nossa tragédia (LOBATO, 1968b,
p. 221).
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Referências bibliográficas
KOWZAN, Tadeusz. L’art en abyme. In: Diogène. Paris, nº. 96, oct.-déc./1976,
pp. 74-100.
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