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Teoria da argumentação jurídica

1-Função da argumentação

A argumentação jurídica, como qualquer outro tipo de argumentação visa criar


convicção num destinatário. A argumentação vem de um interessado e tem, pelo
menos, um destinatário, normalmente, o juiz que tem competência para a decisão do
caso concreto. Nesta hipótese, os interessados visam influenciar a construção da
decisão, recorrendo a argumentos que possam levar a formar no julgador a convicção
de que o caso deve ser resolvido pela regra jurídica que pretendem que seja aplicada e
da forma que pretendem que seja aplicada.

A argumentação jurídica pode ser:

-Aberta- Quando o interessado pode argumentar sobre qualquer tema;

-Fechada- Quando a lei limita os temas sobre a qual pode ser a argumentação.

Em importantes áreas da metodologia do direito os temas de argumentação estão


fixados pela lei: por exemplo, o que se encontra estabelecido sobre os elementos da
interpretação da lei (artigo 9\1), ou aos parâmetros de integração de lacunas (artigo
10).

2-Teoria processual

2.1-Generalidades

A teoria processual da argumentação, segundo Alexy, com base na premissa das


questões práticas (de âmbito valorativo ou normativo) podem ser resolvidas através da
argumentação, porque qualquer juízo de valor ou de dever ser tem a pretensão de
correção e também porque, nas discussões nos quais esta pretensão seja questionada
e deva ser fundamentada, é possível distinguir entre bons e maus fundamentos e entre
argumentos válidos e inválidos. Este fundamento assenta no pressuposto de que é
possível argumentar racionalmente, no âmbito do raciocínio prático.
2.2-Premissas da teoria

2.2.1-Premissas gerais

Alexy vai desenvolver uma teoria analítica e normativa do discurso jurídico,


começando por procurar estabelecer, no âmbito do “projeto de uma teoria do discurso
prático geral”, as condições que devem estar presentes para que se possa verificar um
discurso prático racional. Estas condições consistem de um conjunto de regras que
devem ser observadas no discurso, pelo que Alexy constrói uma teoria processual da
argumentação jurídica. Alexy diz: “a teoria do discurso é uma teoria processual de
correção prática”. Segundo ela, uma norma é correta e, por isso, válida quando puder
ser o resultado de um determinado processo, nomeadamente, de um discurso prático
racional. O processo do discurso é um processo argumentativo.

A racionalidade da argumentação é assegurada através da utilização de um sistema de


regras e de formas de argumento de argumentação prática. A observância deste
sistema garante que a argumentação é racional e que, por esta razão, os resultados
são, os resultados são corretos ou justificados. Esta relação entre correção e processo
é caraterística das teorias processuais.

Se a é representante de uma teoria processual que está baseada no processo P, então


a dá a seguinte resposta à questão sob que condições uma proposição normativa N é
correta:

Uma proposição normativa N é correta se e só se N pode ser o resultado do processo


P.

O discurso jurídico ocorre sob condições limitadoras. Estas condições são,


especialmente, a sujeição à lei, a consideração obrigatória dos precedentes, o
enquadramento da dogmática elaborada pela ciência jurídica organizada
institucionalmente, assim como as limitações impostas através das leis de regulação
processual.

Apesar de entre o discurso prático e o discurso jurídico não haver nenhuma diferença
quanto ao objeto (ambas procuram determinar o que é correto e ambos permitem
aferir o que deve ser realizado ou omitido), o discurso jurídico ocorre num ambiente
que limita os argumentos que podem ser utilizados pelos participantes. O discurso
jurídico, é por isto, um discurso prático com uma racionalidade própria,
nomeadamente ao nível da sua justificação argumentativa.
2.2.2-Relatividade da condição

A correção de uma decisão pode ser obtida por um discurso prático, mas isso não
significa que esse discurso conduza necessariamente à obtenção de um consenso
entre os participantes, nem da única decisão que possa ser a correta. Para Alexy isso
não ocorre nem nas condições perfeitas. Daí qualquer correção que seja obtida de um
discurso seja necessariamente relativa em função quer das suas regras, quer dos
participantes, quer ainda da ocasião em que ele ocorre.

3-Condições do discurso

3.1-Genralidades

O ponto de partida do discurso prático é constituído pelas convicções dos participantes


sobre o modo como há que resolver uma questão prática, mas todas essas convicções
podem ser alteradas através de uma argumentação racional desenvolvida, durante a
discussão. A teoria processual pressupõe um discurso prático-racional, ou seja, um
discurso no qual estejam preenchidas as condições da argumentação prático-racionais.

3.2-Regras do discurso

Alexy distingue 5 tipos de regras do discurso: as regras básicas, as regras de


racionalidade, as regras sobre o ónus da argumentação, as regras de justificação e as
regras de transição.

As regras básicas são relativas às condições prévias que possibilitam qualquer


comunicação. As regras básicas são as seguintes:

-Nenhum orador se pode contradizer;

-Qualquer orador pode apenas afirmar aquilo em que crê;

-Qualquer orador que aplique um predicado F a um objeto “a” tem de estar preparado
para aplicar F a qualquer ou outro objeto que se assemelhe a “a” em todos ou nos
aspetos relevantes;

-Diferentes oradores não podem usar a mesma expressão com diferentes significados.

As regras de racionalidade baseiam-se numa regra geral de fu8ndamentação. Essa


regra é a seguinte:
4-Justificação do discurso

4.1-Modalidades da justificação

Alexy distingue a justificação interna e a justificação externa da decisão.

Justificação interna- Respeita à questão de saber se a decisão decorre logicamente das


premissas constantes da fundamentação.

Justificação externa- Tem por objeto a correção de premissas que constituem a


fundamentação.

4.1.1-Justificação interna

A estrutura da justificação interna é a seguinte:

“x” é uma variável individual no âmbito das pessoas individuais e coletivas, “a” é uma
constante individual, por exemplo, um nome próprio, “T” é um qualquer predicado
complexo que concentra o pressuposto de previsão da norma como uma caraterística
de pessoas, e “R” é igualmente qualquer predicado que exprime o que o destinatário
deve fazer.

Existem questões à qual a justificação da forma é suficiente. Exemplo:

(1) O soldado deve, em questões de serviço dizer a verdade;

(2) O senhor M é soldado;

(3) O senhor M, em questões de serviço, deve dizer a verdade.


4.1.2-Justificação externa

As regras que orientam a justificação externa das premissas que são utilizadas no
processo de justificação foram reconduzidas às seguintes:

-Argumentação dogmática- Argumentação com base em proposições dogmáticas, ou


seja, em proposições que devem ser justificadas através de proposições práticas gerais
e que podem ser sistematicamente escrutinadas;

-Argumentação empírica- Aquela utilizada quanto às afirmações empíricas, ou seja, as


que se referem a factos, ações, a motivações dos agentes, a acontecimentos ou
estados das coisas

-Formas especial da argumentação jurídica- Aquelas que comportam a analogia, o


argumento a contrário, o argumento ad fortiori e ad absurdum.

-Os cânones da interpretação- Estes reconduzem-se a quatro tradicionais (argumento


semântico, teleológico, sistemático e genético) e que comportam ainda o argumento
histórico que se utiliza quando podem ser alegados factos da história do problema
jurídico em discussão como fundamentos a favor ou contra a interpretação e o
argumento comparativo, no qual, “em vez de se referir uma situação jurídica passada,
se refere uma outra sociedade.

-A utilização de precedentes, o que importa que aquele que queira divergir tem o ónus
da argumentação.

5-Dissenso racional e irracional

5.1-Necessidade de regras

É indiscutível que os participantes numa discussão racional têm que obedecer a certas
regras, pelo que há que reconhecer que a teoria processual da argumentação fornece
um dos modelos possíveis dessa discussão. Talvez nem difícil de conseguir certo
consenso nas regras a que se deve obedecer num discurso racional.

5.2-Apreciação da teoria processual penal

5.2.1-Insuficiência do discurso

Na teoria processual da argumentação, o resultado de um discurso é considerado


correto quando tenham sido observadas as regras da argumentação racional. No
entanto, o reconhecimento de que qualquer discurso racional está submetido a certas
regras não pode conduzir à aceitação irrestrita dos resultados deste discurso.
“A verdade resulta do discurso, mas não se chega para obter a verdade o discurso. O
discurso é apenas um meio para atingir a verdade.

Assim, ainda que o processo seja considerado necessário para atingir a verdade ou
correção de um resultado, ele nunca é suficiente para constituir essa verdade ou
correção. O resultado de um discurso apenas pode ser correto quando fundado em
teses verdadeiras (racionalmente fundamentadas).

Mesmo que o processo e discurso seja correto em face dos factos discutidos e dos
factos apurados em juízo, também é necessário saber se as partes discutiram o que
deviam e se discutiram como deviam, se os factos apurados correspondem aos
verdadeiros e se não ficaram por apurar factos relevantes.

Assim, a teoria processual da argumentação mostra como a verdade ou correção


podem ser obtidas, mas não permite constituir essa verdade ou correção, porque o
processo de atingir a verdade não chega para atingir essa verdade.

Por exemplo, “A regra “R” é justa, porque todos concordam com ela”. É claro que esta
concordância pode ser obtida através de um diálogo entre os interessados, mas esta
concordância não é constitutiva da justiça da regra R. Não é porque todos concordam
com a regra R que ela é justa. É por estas razão que o essencial não é obter consenso,
mas uma convergência sobre a verdade: enquanto o consenso é meramente
intersubjetivo e, portanto, pode ocorrer quanto a não verdades, a convergência
pressupõe uma concordância, baseada em elementos objetivos, sobre um ser ou dever
ser.

5.2.2-Eventualidade do discurso

Uma outra crítica às orientações processuais da argumentação é a de que o discurso


nem sempre pode corresponder em condições ideais ou só pode verificar-se com um
número restrito de interessados. As orientações processuais pressupõem uma
realidade que, atendendo às condições do caso concreto, é quase sempre
contrafactual.

5.3- Consenso vs. Dissenso


5.3.1-Importância do dissenso

A teoria processual da argumentação visa definir as condições de um discurso racional


com vista a obter consenso sobre uma solução. Esta teoria está correta quanto ao
método (definir condições de racionalidade da discussão), mas equivoca-se quanto à
finalidade (obter um consenso). Apesar do que esta teoria supõe, raramente, se chega
a consenso, mas apenas a uma dissensão entre as partes. Por exemplo, na discussão
sobre a eutanásia acaba-se normalmente com discordância quanto à solução aceitável,
ou por exemplo, no plano judicial, o resultado é sempre desfavorável a uma parte e
favorável à outra.

Esta razão leva não à construção de uma teoria consensual da verdade, mas à
necessidade de construir uma teoria do dissenso racional.

O relevante não é criar consenso sobre tudo, mas demonstrar que uma discordância
pode ser irracional. Isto marca a construção de uma argumentação que não se
fundamenta na procura de um consenso, mas de uma organização que procura provar
a irracionalidade do dissenso. Enquanto a primeira aceita que tudo é passível de
consenso, esta última só procura demonstrar que o dissenso é racional ou irracional.

5.3.2-Racionalidade do dissenso

Nas sociedades contemporâneas existem muitas matérias à qual se pode dizer que
existe uma forma de dissenso racional: por exemplo, em questões de crenças, de
ideologias, gostos, desejos. Existe um consenso sobre a racionalidade do dissenso das
matérias referidas, pois ninguém achará irracional que nem todos partilhem das
mesmas crenças, gostos, ideologias, desejos ou aspirações. São matérias em que,
mesmo que seja possível discutir com base em argumentos racionais, é possível aceitar
que o dissenso sobre elas é racional.

5.3.3- Irracionalidade do dissenso

Nem sempre o dissenso é racional. Existem matérias na qual o dissenso se torna


irracional. Por exemplo, duas pessoas em desacordo sobre um facto do passado
(afirmado por uma e negado por outra) ou sobre uma valoração (considerada correta
por uma e incorreta por outra), nenhuma das partes está disposta a prescindir de
argumentos racionais para determinar o facto ou proceder à valoração, de modo a
demonstrar a irracionalidade do dissenso da outra parte.

Nestes casos, a possibilidade de convencer a outra parte por apresentação de


argumentos racionais é uma possibilidade, no entanto, mais provável que o consenso é
a persistência do dissenso. Então importa determinar as condições em que um
dissenso após argumentação racional se torna irracional.

Para que um dissenso se possa considerar irracional, têm de ser observadas certas
regras na discussão. Elas são:

-A regra da universalidade- Tudo o que for passível de discussão pode ser discutido;

-A regras da exaustão- Todos os argumentos admissíveis para a discussão devem poder


ser invocados e discutidos;

-A regra da igualdade- Todos os argumentos que um interessado pode invocar podem


ser invocados por qualquer individuo que discorda;

-A regra do contraditório- Tudo o que for argumentado por um interessado pode ser
contrariado por alguém que discorde;

-A regra do ónus da prova- Tudo o que for afirmado por um dos interessados e
contrariado por alguém que discorde deve ser provado;

-A regra da indiscutibilidade- Tudo o que for provado ou não é indiscutível.

Observadas estas regras, todo o dissenso sobre uma afirmação ou valoração é


irracional, o que demonstra que a argumentação racional não se destina a obter a
racionalidade do consenso, mas a irracionalidade do dissenso. Se for garantida a
racionalidade da discussão, está igualmente assegurada a irracionalidade do dissenso.
Até se chegar à irracionalidade do dissenso, há que argumentar racionalmente. Depois
de se chegar a essa irracionalidade é impossível qualquer argumentação racional. A
irracionalidade do dissenso é a fundamentação última de qualquer argumentação
racional, porque é o ponto que não se pode ultrapassar sem entrar em contradição
com a racionalidade da argumentação.

Os processos jurisdicionais mostram a importância da argumentação racional de forma


a assegurar a irracionalidade do dissenso. Esses processos são orientados, não para a
obtenção de um consenso entre as partes (para isso existe por exemplo a mediação),
mas para a obtenção de um dissenso irracional entre as partes. É por isto que é
importante a igualdade entre as partes (artigo 3 –A, CPC) e a observância do princípio
do contraditório (artigo 3\1 CPC). É que sem essa igualdade e sem aquele
contraditório, o dissenso entra as partes nunca poderia ser qualificado como irracional.

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