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Ciência e senso comum1

Ernest Nagel

1. Será a ciência apenas “senso comum organizado”?

Ninguém duvida seriamente de que muitas das


ciências particulares existentes se desenvolveram a partir das
necessidades práticas da vida quotidiana: a geometria a partir
de problemas de medição dos campos, a mecânica a partir de
problemas suscitados pelas artes arquitetônicas e militares, a
biologia a partir de problemas da saúde humana e da criação
de animais, a química a partir de problemas suscitados pelas
indústrias de tintas e de metais, a economia a partir de
problemas de gestão doméstica e de organização política, e
assim por diante. É certo que existiram outros estímulos para
o desenvolvimento das ciências para além daqueles que
surgiram dos problemas das artes práticas. No entanto, estes
últimos tiveram, e ainda continuam a ter, um papel
importante na história da investigação científica. Nestas
circunstâncias, os comentadores da natureza da ciência que
ficaram impressionados pela continuidade histórica entre as
convicções do senso comum e as conclusões científicas, têm
proposto por vezes que se diferencie ambas através da
fórmula que nos diz que as ciências são simplesmente senso
comum “organizado” ou “classificado”.
Não há dúvida de que as ciências são corpos
organizados de conhecimento, e de que em todas elas uma
classificação dos seus materiais em tipos ou gêneros
importantes (como a classificação dos seres vivos em espécies
na biologia) é uma tarefa indispensável. Mesmo assim é claro
1
Tradução: Pedro Galvão. Fonte: A arte de pensar. Original: The
Structure of Science. Nova Iorque, Harcourt, Brace & World, 1961.
www.criticanarede.com.br.
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que a fórmula proposta não exprime adequadamente as


diferenças características entre a ciência e o senso comum. Os
apontamentos de um conferencista sobre as suas viagens na
África podem estar muito bem organizados para o objetivo de
comunicar informação de uma maneira interessante e
eficiente, sem que isso converta essa informação naquilo a que
historicamente se tem chamado ciência. Um catálogo de um
bibliotecário apresenta uma boa classificação de livros, mas
ninguém que respeite um pouco o sentido histórico da palavra
dirá que o catálogo é uma ciência. A dificuldade óbvia é a de
que a fórmula proposta não especifica que tipo de
classificação é característica das ciências.

2. Explicações científicas

Vamos então virar-nos para esta questão. Uma


característica notável de muita da informação que adquirimos
ao longo da experiência comum é a de que, embora essa
informação possa ser suficientemente precisa dentro de certos
limites, ela raramente é acompanhada por qualquer
explicação que nos diga por que se deram os fatos alegados.
Deste modo, as sociedades que descobriram os usos da roda
habitualmente não sabiam nada sobre forças de fricção, nem
sobre as razões que fazem com que os bens colocados em
veículos com rodas sejam transportados com mais facilidade
do que os bens arrastados pelo chão. Muitas pessoas
aprenderam que era aconselhável adubar os seus campos
agrícolas, mas poucas se preocuparam com as razões para agir
assim. As propriedades medicinais de plantas como a
dedaleira foram reconhecidas há séculos, embora
habitualmente não se tenha oferecido qualquer explicação das
suas virtudes benéficas. Para além disso, quando o “senso
comum” tenta dar explicações para os seus fatos — como
quando se explica o valor da dedaleira como estimulante
cardíaco através da semelhança entre a forma da flor e a do
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coração humano — as explicações carecem frequentemente de


testes sobre a sua relevância para os fatos.
É o desejo de explicações que sejam ao mesmo tempo
sistemáticas e controláveis através de dados factuais que gera
a ciência, e é a organização e classificação do conhecimento
segundo princípios explicativos que é o objetivo próprio das
ciências. Mais especificamente, as ciências procuram
descobrir e formular em termos gerais as condições sob as
quais ocorrem acontecimentos de vários géneros, sendo as
proposições sobre essas condições determinantes as
explicações desses acontecimentos. Podem descobrir-se
relações regulares que abrangem vastos domínios de fatos, de
tal forma que com a ajuda de um pequeno número de
princípios explicativos pode mostrar-se que um número
indefinidamente grande de proposições sobre esses fatos
constituem um corpo de conhecimento logicamente unificado.
Esta unificação assume por vezes a forma de um sistema
dedutivo, como acontece na geometria demonstrativa e na
ciência da mecânica. Deste modo, através de poucos
princípios, como os que foram formulados por Newton,
consegue-se mostrar que proposições sobre o movimento da
Lua, o comportamento das marés, os percursos de projéteis e
a subida de líquidos em tubos estreitos estão intimamente
relacionadas, e que todas essas proposições podem ser
rigorosamente deduzidas a partir desses princípios em
conjunção com várias informações sobre fatos.
Explicar, estabelecer alguma relação de dependência
entre proposições que superficialmente não estão
relacionadas, apresentar sistematicamente conexões entre
fragmentos de informação aparentemente heterogêneos, são
características próprias da investigação científica.

3. A indeterminação do senso comum


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Muitas crenças quotidianas sobreviveram a séculos de


experiência, o que contrasta com o período de vida
relativamente curto a que estão frequentemente destinadas as
conclusões avançadas em vários ramos da ciência moderna.
Uma das razões deste fato merece atenção. Consideremos um
exemplo de uma crença do senso comum, como a de que a
água solidifica quando é suficientemente resfriada.
Se pudermos considerar este exemplo como típico,
podemos dizer que a linguagem em que o senso comum está
formulado e é transmitido pode exibir dois tipos importantes
de indeterminação. Em primeiro lugar, os termos da
linguagem comum podem ser bastante vagos, no sentido em
que a classe das coisas designadas por um termo não está
clara e rigorosamente demarcada da classe das coisas que ele
não designa. Em segundo lugar, os termos da linguagem
comum podem carecer de um grau de especificidade
relevante. Por esse motivo, as relações de dependência entre
acontecimentos não estão formuladas de uma maneira
determinada com precisão nas proposições que contêm esses
termos.
Devido a estas características da linguagem comum, o
controle experimental das crenças do senso comum é
frequentemente difícil, já que não pode traçar-se facilmente a
distinção entre os dados da observação que as confirmam e os
que as refutam. Deste modo, a crença de que “em geral” a
água solidifica quando é suficientemente resfriada pode
corresponder às necessidades das pessoas cujo interesse pelo
fenômeno do resfriamento está circunscrito ao seu interesse
em atingir os objetivos habituais da sua vida quotidiana,
apesar de a linguagem utilizada na codificação desta crença
ser vaga e carecer de especificidade. Essas pessoas podem por
isso não ver qualquer razão para modificar a sua crença,
mesmo que reconheçam que a água do oceano não congela,
embora a sua temperatura seja sensivelmente a mesma do que
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a água de um poço quando começa a solidificar, ou que alguns


líquidos têm de ser resfriados a um grau maior do que outros
para mudarem para o estado sólido. Se forem pressionadas
para justificar a sua crença perante estes fatos, essas pessoas
podem talvez excluir arbitrariamente os oceanos da classe de
coisas a que dão o nome de água, ou, como alternativa, podem
exprimir uma confiança renovada na sua crença, defendendo
que seja qual for o grau de resfriamento que possa ser
necessário, os líquidos classificados como água acabam por
solidificar quando são resfriados.

4. A refutabilidade e instabilidade da ciência

Na sua procura de explicações sistemáticas, as


ciências devem reduzir a indeterminação indicada da
linguagem comum ao remodelá-la. A química física, por
exemplo, não se satisfaz com a generalização, formulada de
uma maneira vaga, segundo a qual a água solidifica quando é
suficientemente resfriada, já que o objetivo desta disciplina é
o de explicar, entre outras coisas, por que a água e o leite que
bebemos congelam a certas temperaturas, embora a essas
temperaturas não aconteça o mesmo com a água do oceano.
Para atingir este objetivo, a química física deve então
introduzir distinções claras entre vários tipos de água e entre
várias quantidades de resfriamento. Várias técnicas reduzem a
vagueza e aumentam a especificidade das expressões
linguísticas. Para muitos propósitos, contar e medir são as
técnicas mais eficientes, e talvez sejam também as mais
conhecidas. Os poetas podem cantar a infinidade de estrelas
que permanecem no céu visível, mas o astrônomo quer
especificar o seu número exato. O artesão que trabalha com
metais pode ficar satisfeito por saber que o ferro é mais duro
do que o chumbo, mas o físico que quer explicar este fato tem
de ter uma medida precisa da diferença em dureza. Uma
consequência óbvia, mas importante, da precisão assim
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introduzida é a de que as proposições se tornam suscetíveis de


ser testadas pela experiência de uma maneira mais crítica e
cuidada. As crenças pré-científicas são frequentemente
insuscetíveis de ser sujeitas a testes experimentais definidos,
simplesmente porque essas crenças são compatíveis de uma
maneira vaga com uma classe indeterminada de fatos que não
são analisados. As proposições científicas, como têm de estar
de acordo com dados da observação bem especificados,
enfrentam riscos maiores de ser refutadas por esses dados.
A maior determinação da linguagem científica ajuda a
esclarecer o fato de muitas crenças do senso comum terem
uma estabilidade, que se prolonga frequentemente por muitos
séculos, que poucas teorias científicas possuem. É mais difícil
construir uma teoria que, depois de confrontos repetidos com
os resultados de observações experimentais rigorosas,
permanece inabalada, quando os critérios para o acordo que
se deve obter entre esses dados experimentais e as previsões
derivadas da teoria são exigentes do que quando esses
critérios são vagos e não se exige que os dados experimentais
admissíveis sejam estabelecidos por procedimentos
cuidadosamente controlados. Na verdade, as ciências mais
avançadas especificam quase sempre o grau com que as
previsões derivadas de uma teoria se podem desviar dos
resultados das experiências sem invalidar a teoria. Os limites
desses desvios permissíveis geralmente são bastante
reduzidos, de tal modo que certas discrepâncias entre a teoria
e a experiência que seriam vistas pelo senso comum como
insignificantes são frequentemente consideradas fatais para a
adequação da teoria.
Por outro lado, embora a maior determinação das
proposições científicas as exponha a riscos de se descobrir que
estão erradas maiores do que aqueles que enfrentam as
crenças do senso comum (enunciadas com menos precisão),
as primeiras têm uma vantagem importante sobre as
segundas. Elas têm uma capacidade maior para ser
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incorporadas em sistemas de explicação amplos e claramente


articulados. Quando esses sistemas são adequadamente
confirmados por dados experimentais, revelam muitas vezes
relações de dependência surpreendentes entre muitos tipos de
fatos experimentalmente identificáveis, mas diferentes.

5. Conclusões

Nas diferenças entre a ciência moderna e o senso


comum já mencionadas, está implícita a diferença importante
que deriva de uma estratégia deliberada da ciência que a leva
a expor as suas propostas cognitivas ao confronto repetido
com dados observacionais criticamente comprovativos,
procurados sob condições cuidadosamente controladas. Isto
não significa, no entanto, que as crenças do senso comum
sejam invariavelmente erradas, ou que não tenham quaisquer
fundamentos em fatos empiricamente verificáveis. Significa
que, por uma questão de princípio estabelecido, as crenças do
senso comum não são sujeitas a testes sistemáticos realizados
à luz de dados obtidos para determinar se essas crenças são
fidedignas e qual é o alcance da sua validade. Significa
também que os dados admitidos como relevantes na ciência
devem ser obtidos através de procedimentos instituídos com o
objetivo de eliminar fontes de erro conhecidas. Deste modo, a
procura de explicações na ciência não consiste simplesmente
em tentar obter “primeiros princípios” que sejam plausíveis à
primeira vista e que possam vagamente dar conta dos “fatos”
da experiência habitual. Pelo contrário, essa procura consiste
em tentar obter hipóteses explicativas que sejam
genuinamente testáveis, porque se exige que elas tenham
consequências lógicas suficientemente precisas para não
serem compatíveis com quase todos os estados de coisas
concebíveis. As hipóteses procuradas devem assim estar
sujeitas à possibilidade de rejeição, que dependerá dos
resultados dos procedimentos críticos, inerentes à pesquisa
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científica, destinados a determinar quais são os verdadeiros


fatos do mundo.

2. Que é filosofia da ciência? 2

Os vários ramos da pesquisa científica podem ser


agrupados em duas seções principais: a das ciências empíricas
e a das ciências não-empíricas, ou seja, a das ciências fatuais e
das ciências formais.
As ciências fatuais exploram, descrevem, explicam e
predizem as ocorrências do mundo em que vivemos. As
asserções que aí encontramos são confrontadas, por isso, com
os fatos da nossa experiência e só se tornam aceitáveis quando
recebem algum tipo de apoio da evidência empírica. Essa
evidência é obtida de várias maneiras, experimentando,
observando de maneira sistemática, fazendo levantamentos,
entrevistando pessoas, levando a efeito testes clínicos,
examinando inscrições, documentos ou relíquias
arqueológicas, e assim por diante. Essa dependência em
relação à evidência empírica distingue as ciências fatuais das
ciências formais, como a lógica e a matemática, por exemplo,
cujas asserções se tornam aceitáveis por outros motivos, sem
haver especial referência aos achados empíricos.
É comum dividir as ciências fatuais em ciências
naturais e sociais. O critério para tal divisão é muito menos
claro do que o critério que nos permite distinguir ciências
fatuais e formais. Não obstante, há considerável acordo
quanto ao fato de que a física, a química, a biologia e suas
áreas limítrofes devem estar entre as ciências naturais,
enquanto a sociologia, a política, a economia, a antropologia e
a história devem permanecer entre as ciências sociais. A
psicologia ora figura na classe das ciências sociais, ora na

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HEGENBERG, W. Explicações científicas. São Paulo: EPU, 1973.
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classe das ciências naturais e não é raro vê-la considerada


como disciplina que imbrica nas duas classes.
A divisão a que aludimos não tem especial interesse e
serve apenas a alguns propósitos administrativos e didáticos.
O que nos interessa é o fato de que os cultores dessas
disciplinas asseveram possuir certo número de
conhecimentos, isto é, admitem como verdadeiras inúmeras
sentenças declarativas que falam de objetos de seus campos
de investigação. A preocupação geral com o conhecimento é
da alçada da epistemologia. A filosofia da ciência, ocupando-
se do conhecimento científico, pode ser encarada como
disciplina da epistemologia. Isto não impede, porém, que a
filosofia da ciência possua, por seu turno, subdisciplinas,
como a filosofia da matemática, filosofia da física, ou filosofia
da história. De novo, essas divisões não têm especial interesse,
sendo aqui citadas apenas com o fito de realçar que as
discussões seguintes concentram-se em um grupo reduzido de
questões da imensa área de problemas colocados pela filosofia
da ciência. Em particular, a nossa atenção ficará restrita às
ciências fatuais e, nesse âmbito, a alguns problemas
específicos.
Comecemos notando que não há definição precisa
para a expressão ‘filosofia da ciência’. As considerações
seguintes destinam-se, apenas, a descrever, de modo um
pouco menos vago, os principais temas que costumam ser
associados à filosofia da ciência.
Há, em primeiro lugar, um estudo do método ou dos
métodos das ciências, da natureza dos símbolos científicos e
da estrutura lógica dos sistemas científicos. Esse estudo
engloba as ciências formais e as fatuais. Se deve ou não incluir
questões de ética e estética e questões de história, cabe ao
estudioso decidir, em função da sua particular maneira de
entender ‘ciência’. Como estudo do método, a filosofia da
ciência encerra boa parte da lógica tradicional e da teoria do
conhecimento. A tendência, nesse tipo de estudo, é a de
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caracterizar termos como ‘indução’, ‘hipótese’, ‘dados’,


‘descoberta’, ‘verificação’ e outros termos análogos. Sendo a
ciência um sistema simbólico, a “teoria dos sinais”
desempenha papel de relevo na filosofia da ciência, pelo
menos quando encarada sob esta perspectiva. Há, em seguida,
o estudo de conceitos, pressupostos e axiomas básicos da
ciência, bem como o dos fundamentos racionais, empíricos e
pragmáticos em que se assentam. Aqui surgem, como é
natural, questões metafísicas: há a análise crítica de noções
fundamentais (tempo, qualidade, quantidade, espaço, causa,
lei), bem como a análise das crenças mais arraigadas do
homem, como a crença na existência de um mundo exterior
ou a crença em certa uniformidade da natureza.
Enfim, abrangendo assuntos dispersas e frouxamente
relacionados uns com os outros, há a tentativa de caracterizar
as limitações das várias ciências, de estabelecer as suas
mútuas conexões e de indicar a sua relevância para a
elaboração de teorias acerca do homem e do mundo. Os
problemas, nesse domínio, são os da classificação das
ciências, os das implicações da ciência para as teorias gerais
do universo e os das relações sociais da ciência – o papel dos
cientistas na sociedade e a influência que sofrem de parte das
instituições vigentes.
Um estudioso de filosofia da ciência pode dedicar-se a
um ramo da ciência, visando esclarecer seus fundamentos. Ele
pode encarar a sua tarefa como sendo a de oferecer as
especificações formais desse ramo da ciência, de modo a
ressaltar seu esqueleto lógico, a articulação de suas ideias,
definições, asserções e inferências. Esse estudioso procura
“dentro da disciplina” formular, de modo explícito, o
conteúdo de sua pesquisa.
O estudioso pode, porém, abordar a ciência que o
interessa com critérios de inteligibilidade “extra-sistema”, de
caráter filosófico. Seu objetivo, nesse caso, será o de
reformular o conteúdo da matéria de modo inteligível, à luz de
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tais critérios. Efetua, assim, uma “tradução” de parte da


ciência, que passa a ser descrita em termos filosoficamente
aceitáveis ao estudioso. A mais comum dessas tentativas
(embora não seja a única) é a de “reduzir” a ciência a um
vocabulário básico, de tipo observacional – isto é, a um
vocabulário constituído de palavras que são utilizadas para
descrição de nossas experiências imediatas quando entramos
em contato com os objetos físicos.
O estudioso pode, enfim, procurar descrever, com um
discurso que também é “extra-sistema”, os aspectos
epistemológicos da ciência que investiga. Sua tarefa, nessa
hipótese, é a de catalogar leis e teorias, mostrando de que
modo explicam os resultados fixados em relatos
observacionais (admitidos como legítimos) e mostrando,
paralelamente, de que maneira esses relatos “apoiam” aquelas
teorias e leis. Os termos em que o estudioso vai fixar, então, as
suas ideias são termos como ‘lei’, ‘teoria’, ‘explicação’,
‘observacional’, ‘evidência’ – termos que não figuram
normalmente no discurso da ciência, mas que são utilizados
com o objetivo de ressaltar (num discurso que é, em boa
medida, alheio à própria ciência) os traços epistemológicos do
ramo da ciência em questão. O que se tem em vista, aqui, é
oferecer uma descrição clara e esclarecedora das razões que
levam os investigadores a admitirem certos enunciados e a
rejeitarem outros.
Combinando esses objetivos, o estudioso pode
também tentar erigir uma teoria sistemática e filosoficamente
inteligível da estrutura da ciência – uma teoria da ciência.
Guiado pelo emprego passado dos termos estruturais (‘lei’,
‘teoria’, ‘explicação’ etc.) e guiado pelo sentido que tais termos
adquirem em seu vocabulário, o estudioso redefine os termos,
buscando clarificá-las e dar-lhes o devido realce, na esperança
de que possam oferecer imagem mais fiel da epistemologia da
ciência.
Em todas as situações descritas, o estudioso está
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fazendo filosofia da ciência. Resumindo, o título “filosofia da


ciência” aplica-se, com maior ou menor propriedade, a vários
tipos de pesquisas, todas elas, em última análise, filosóficas –
porque visam o conhecimento geral e todas elas, em parte,
pelo menos, igualmente legítimas. Essas pesquisas,
convenientemente agrupadas, caracterizam três principais
áreas de interesse: “O papel da ciência na sociedade”, “O
mundo retratado pela ciência” e “Os fundamentos da ciência”.
Este último tema, concentrando-se nas questões de método,
de forma lógica, de modos de inferência, de conceitos básicos
e de explicações, é o que nos absorverá e que merecerá, aqui,
destaque especial.

3. O método indutivo3

Tudo o que pode ser considerado ciência utiliza,


necessariamente, um método científico, ou seja, utiliza um
conjunto de atividades sistemáticas e racionais que culminam
na aquisição de conhecimento válido e verdadeiro. Esse
método deve auxiliar as decisões do cientista, definindo os
caminhos a seguir e detectando os possíveis erros.
A utilização de um método científico não se restringe
à produção de conhecimento científico apenas. Podemos (e
devemos) utilizar tais métodos em vários momentos de nossas
vidas. Por exemplo: você aprende a fazer bolo de chocolate.
Na primeira vez que você faz, ele não fica macio. Lendo a
respeito, você descobre que uma das causas pode ser a falta de
fermento. Na segunda tentativa, você aumenta a quantidade
de fermento (experimentação) e o bolo fica bom.
Em outras palavras, qualquer problema que precise
ser resolvido em qualquer momento de nossa vida pode ser
resolvido utilizando o método científico (...).
3
http://livrepensamento.com/2013/09/23/metodos-cientificos-metodo-indutivo/
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Indução é um processo mental por intermédio do


qual, partindo de dados particulares, suficientemente
constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não
contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos
argumentos indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo é
muito mais amplo do que o das premissas nas quais se
basearam.
Uma característica que não pode deixar de ser
assinalada é que o argumento indutivo, da mesma forma que
o dedutivo, fundamenta-se em premissas. Mas, se nos
dedutivos, premissas verdadeiras levam inevitavelmente à
conclusão verdadeira, os indutivos conduzem apenas a
conclusões prováveis ou, no dizer de Cervo e Bervian
(1978:25), “pode-se afirmar que as premissas de um
argumento indutivo correto sustentam ou atribuem certa
verossimilhança à sua conclusão. Assim, quando as premissas
são verdadeiras, o melhor que se pode dizer é que a sua
conclusão é, provavelmente, verdadeira”.

Exemplos:

O corvo 1 é negro.
O corvo 2 é negro.
O corvo 3 é negro.
O corvo n é negro.
(todo) corvo é negro.

Cobre conduz energia.


Zinco conduz energia.
Cobalto conduz energia.
Ora, cobre, zinco e cobalto são metais.
Logo, (todo) metal conduz energia.

Analisando os dois exemplos, podemos tirar uma


série de conclusões em relação ao método indutivo:
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a) De premissas que encerram informações acerca de


casos ou acontecimentos observados, passa-se para
uma conclusão que contém informações sobre casos ou
acontecimentos não observados;
b) Passa-se, pelo raciocínio, dos indícios percebidos a
uma realidade desconhecida por eles revelada;
c) O caminho de passagem vai do especial ao mais geral,
dos indivíduos às espécies, das espécies ao gênero, dos
fatos às leis ou das leis especiais às leis mais gerais;
d) A extensão dos antecedentes é menor do que a da
conclusão, que é generalizada pelo universalizante
“todo”, ao passo que os antecedentes enumeram
apenas “alguns” casos verificados;
e) Quando descoberta uma relação constante entre duas
propriedades ou dois fenômenos, passa-se dessa
descoberta à afirmação de uma relação essencial e, em
consequência, universal e necessária, entre essas
propriedades ou fenômenos.

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