Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
versidade e Inclusão
AULA 3
Prof. Dr. Fernando de Brito Alves
A inclusão das pessoas com deficiência
CONVERSA INICIAL para estes impasses, no tocante à pessoa com defi-
A defesa da pessoa com deficiência tem se tornado ciência, para que possa trilhar caminhos rumo a um
cada vez mais frequente em nosso judiciário; este processo mais célere e eficaz, que proteja, de manei-
fenômeno vem ocorrendo pela conscientização da ra adequada, este grupo vulnerável.
população para com seu dever de inclusão. Isso nos
remete certamente à análise de alguns aspectos que CONTEXTUALIZAÇÃO
irão tornar-se necessários para esta defesa. Todos os cidadãos merecem ter acesso a um Poder
Não podemos jamais imaginar a defesa dos Judiciário atuante e efetivo. E por certo que a ativida-
interesses deste grupo sem o esboço inicial dos ca- de jurisdicional seja efetivada, mais precisamente, as
minhos que iremos percorrer e, ainda, se teremos a decisões por ele exaradas, na figura do magistrado, e
nosso dispor mecanismos adequados a esta defe- por isso devam ser efetivas e capazes de cumprir seu
sa. Essa tão sonhada efetividade do processo é um condão de justiça. Nesta seara nos parece que care-
desejo não só deste grupo minoritário, mas, sim, de ce ainda mais de tal tutela a pessoa com deficiência,
todos os cidadãos que diariamente recorrem ao ju- a qual, em virtude de suas limitações, muitas vezes
diciário em busca de uma tutela justa e adequada e, não pode aguardar toda a burocracia existente para
ainda, capaz de produzir seus reais efeitos, não apre- a prestação jurisdicional, sob pena de, ao efetivar-se,
sentando apenas um caráter declaratório e ineficaz. não mais apresentar o impacto desejado e necessá-
Conceder a este grupo (pessoas com defici- rio. Como se não bastasse, muitas vezes nos depara-
ência) uma prestação jurisdicional justa e adequada, mos com situações onde a atividade legiferante ca-
com meios para sua concretização, e não atuando minha rumo a um simbolismo legislativo, o que por
como o legislativo que, em alguns momentos, exerce certo conduz a dificuldades por parte do magistrado
sua atividade legiferante de modo a simplesmente para efetivar a tutela jurisdicional e conceder ao caso
acalmar os anseios da sociedade, legislando acerca concreto a decisão correta e justa. Assim, a pessoa
de objetos impossíveis, criando-se, assim, maiores com deficiência merece ter acesso a um processo
transtornos para o cumprimento desta legislação. justo, livre e desembaraçado.
É este o objetivo da aula, apresentar soluções
TEMA 1 – PESSOA COM DEFICIÊNCIA tibilis (causa deficiente). Um efeito deficiente, como
O problema da acessibilidade e da inclusão o mal, só pode proceder de semelhante causa. O de-
da pessoa com deficiência é bastante complexo, ficiente é o mal, e a causa do mal é o próprio mal [...].
dessa forma vamos apresentar de forma sucinta os
vários aspectos a ele relacionados, apontando ao fi- No dicionário jurídico de Jônatas Milhomens e Ge-
nal as principais questões relacionadas à acessibili- raldo Magela Alves, é encontrado o termo deficiente
dade a inclusão da pessoa com deficiência. físico, para o qual não consta definição, somente é
Alguns aprofundamentos podem ser encon- elencado em generalidades, a competência dos en-
trados no texto: SIQUEIRA, Dirceu ; ALVES, F. B. . O tes federativos para a salvaguarda dos vários direitos
substancialismo e direitos da pessoa com deficiên- destas pessoas, como a reserva de vagas para cargos
cia: a função social do processo. Revista Jurídica CE- e empregos públicos; assistência social para habili-
SUMAR. Mestrado, v. 12, p. 147-173, 2012. tação, reabilitação e integração à vida comunitária,
bem como garantia de um salário mínimo de bene-
1.1 – Léxicos fício mensal; promoção de criação de programas de
A história mostra-nos que diversas discussões já prevenção e atendimento especializado.
foram travadas entre os doutrinadores e os legisla-
dores, para estabelecer-se a definição de pessoa 1.2 – Conceito de pessoa com deficiência
portadora de deficiência, algumas enfocam a falha, O tratamento legislativo dado ao conceito é, de fato,
a imperfeição das pessoas, outras se restringem a diferente. Pois bem, no Decreto nº 3.298, de 20 de de-
comentar a deficiência física, mental e sensorial que zembro de 1999, que regulamenta a Lei nº 7.853, de
portam estas pessoas. 24 de outubro de 1989, a qual dispõe sobre a Políti-
Ao se recorrer aos dicionários de língua portuguesa, ca Nacional para a Integração da Pessoa Portadora
verifica-se que o termo “pessoa portadora de defici- de Deficiência, consolida as normas de proteção e
ência” não é encontrado e, com o objetivo de centrar dá outras providências, em seu art. 3º é conceituada
a pesquisa, ao buscar pelo vocábulo deficiente, face deficiência como sendo toda perda ou anormalidade
à proximidade com aquele, vê-se que tem como de- de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica
finição aquilo que carece de algo, que é falho, incom- ou anatômica que gera incapacidade para o desem-
pleto. penho de atividade, dentro do padrão considerado
Veja a definição de Francisco Fernandes: “Deficien- normal para o ser humano.
te – sin. imperfeito, falho, incompleto, insuficiente Já o Decreto nº 5.296/04, que regulamenta a Lei nº
[...]”, cujos sinônimos compõem ainda a obra elabo- 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade
rada em conjunto com os autores Celso Pedro Luft de atendimento às pessoas que especifica e a Lei nº
e F. Marques Guimarães; de maneira idêntica Aurélio 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece
Buarque de Holanda Ferreira conceitua, acrescen- normas gerais e critérios básicos para a promoção da
do-lhes os termos: falto e carente, sendo da mesma acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência
forma definido aquele termo por Maria Tereza Bider- ou com mobilidade reduzida, nas alíneas do art. 5º, §
man, Francisco da Silveira Bueno e Caldas Aulete, ora 1º, inc. I, considera como pessoas portadoras de de-
excetuando-se um ou outro sinônimo. ficiência as que possuem limitação ou incapacidade
E mais: segundo conceito filosófico, José Ferrater para o desempenho de atividade e se enquadram
Mora explicita o aludido termo: nas categorias de deficiência física, auditiva, visual,
mental e múltipla, especificando cada uma delas.
Deficiente. Uma entidade é deficiente quando se Saliente-se, ainda, que a Lei nº 10.690, de 16 de junho de
acha privada de algo que lhe pertence; nesse sen- 2003, a qual promoveu alterações no texto da Lei nº 8.989,
tido, a deficiência é equiparável à privação [...]. Os de 24 de fevereiro de 1995, define que pessoa portadora
escolásticos usaram os termos defectivus, deficiens de deficiência, para obter o benefício de isenção do
e defectibilis referindo-se a certas causas ou a certos pagamento do imposto sobre produtos industrializa-
efeitos. Santo Tomás (S. Theol. I, XLIX, 01 ob. 03 ad. dos, precisa se enquadrar nas regras entabuladas no
03) fala da causa defectiva sive deficiens sive defec- art. 1º, §§ 1º e 2º da lei referenciada, quais sejam:
Art. 1º: [...]. § 1º – [...] considerada também pessoa por- Em suma, enfatiza-se a dificuldade do convício social
tadora de deficiência física aquela que apresenta alte- destas pessoas, o sofrimento enfrentado para a prática
ração completa ou parcial de um ou mais segmentos do de atos corriqueiros, como ir à escola, ter acesso a um
corpo humano, acarretando o comprometimento da fun- emprego, ter tratamento de saúde, etc.
ção física, apresentando-se sob a forma de paraplegia,
paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, 1.3 – A exclusão da pessoa com deficiência
tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemi- A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), elaborada
paresia, amputação ou ausência de membro, paralisia pelo Instituto Brasileiro de Geograifa e Estatística (IBGE),
cerebral, membros com deformidade congênita ou ad- publicada em agosto de 2021, revelou o tamanho do dé-
quirida, exceto as deformidades estéticas e as que não ficit educacional desse grupo. Segundo o estudo divulga-
produzam dificuldades para o desempenho de funções. do, 67% da população com alguma deficiência não tinha
§ 2º – [...] é considerada pessoa portadora de deficiên- instrução alguma ou tinham apenas o ensino fundamen-
cia visual aquela que apresenta acuidade visual igual tal incompleto. Entre as pessoas sem deficiências, esse
ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, porcentual é de 30%.
após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20º, A pesquisa revela que o déficit educacional desse
ou ocorrência simultânea de ambas as situações. contingente da população se reflete diretamente no mer-
cado de trabalho. Apenas 28% das pessoas com deficiên-
A Organização das Nações Unidas, através da Resolução cia e em idade de trabalhar estavam na força de trabalho
nº 3.447, de 9 de dezembro de 1975, definiu pessoa porta- (que inclui os ocupados e os que estão buscando empre-
dora de deficiência, da seguinte maneira: go), contra 66% daquelas sem deficiência.
Qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, Os dados do último grande senso (2010) revelam:
total ou parcialmente, as necessidades de uma vida in-
dividual ou social normal, em decorrência de uma defici-
ência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou
mentais.
Portanto, não há um consenso a respeito da conceitua-
ção, já que se condiciona a finalidades específicas, para
que então se acresçam palavras à atribuição do signifi-
cado do termo. Em linhas gerais poder-se-ia sedimentar
a afirmação de que as pessoas que têm falha ou imper-
feição em determinado sentido ou função estariam en-
quadradas como sendo pessoa portadora de deficiência.
Entretanto, como bem assevera Luiz Alberto David Arau-
jo a questão não é tão singela, pois há circunstâncias em
que, muito embora enquadrada como sendo pessoa por-
tadora de deficiência, ela não tem falha alguma, como é
o caso das pessoas com “altas habilidades”, que na rea-
lidade portam um plus, algo que se acresce às pessoas
intituladas normais.
Com respeito às suas conceituações, a mais completa
das definições é a de Luiz Alberto David Araujo, vejamos:
Fonte:https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/pessoa_com_deficiencia/ca-
dastro_inclusao/dados_censoibge/index.php?p=43402
[...] o que define a pessoa portadora de deficiência não é
No quadro da população geral do Brasil, se considerarmos
a falta de um membro nem a visão ou audição reduzida.
a distribuição por tipo de severidade de deficiência, temos
O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a
dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade.
O grau de dificuldade para a integração social é que de-
finirá quem é ou não portador de deficiência.
Fonte: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cpd/arquivos/cinthia-ministerio-da-saude
De acordo com o INEP, a situação da pessoa com defi- A distribuição de renda reflete essa mesma dinâmica
ciência no ensino superior reflete que apesar de apro-
ximadamente 24% da população brasileira ter alguma
deficiência
https://youtu.be/BvJa8bz3X7k
Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da
pessoa, inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável; https://youtu.be/A7Rqnre7GcI
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e https://youtu.be/RMq4vbjhYE
de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução
e planejamento familiar;
IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização
compulsória;
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e co-
munitária; e
VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à ado-
ção, como adotante ou adotando, em igualdade de opor-
tunidades com as demais pessoas.
Art. 7º É dever de todos comunicar à autoridade compe-
tente qualquer forma de ameaça ou de violação aos direi-
tos da pessoa com deficiência. TROCANDO
Parágrafo único. Se, no exercício de suas funções, os juízes
e os tribunais tiverem conhecimento de fatos que carac-
IDEIAS
terizem as violações previstas nesta Lei, devem remeter
peças ao Ministério Público para as providências cabíveis. Individualmente colabore com a fórum sobre
Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família asse-
práticas discriminatórias em decorrência da
gurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetiva-
ção dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à raça, gênero ou sexualidade nas diversas áre-
paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, as. Relate aos colegas ou problematize situa-
à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdên- ções relacionadas ao tema dessa aula na sua
cia social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à área de trabalho/atuação.
acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer,
à informação, à comunicação, aos avanços científicos e
tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à con-
vivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes
da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e
das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar
pessoal, social e econômico.
REFERÊNCIAS
ALVES, F.B.; BREGA FILHO, V. (Org.) . Teorias da Justiça: Justiça e Exclusão. 1. ed. Jacarezinho: UENP, 2016. v. 1. 241p
ALVES, F. B.; SIQUEIRA, Dirceu (Org.) . Políticas Públicas: da previsibilidade a obrigatoriedade, uma análise sob o prisma do Estado Social de Di-
reitos. 1. ed. Boreal: Birigui - SP, 2011
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O DIREITO À DIFERENÇA. 2009. Tese de Doutorado. PUC Minas.
GIACOIA, G. (Org.) ; BREGA FILHO, V. (Org.) ; ALVES, F. B. (Org.) . Teorias da Justiça: justiça e exclusão. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2021. v. 1. 494p
NASCIMENTO, A. R. ; ALVES, F. B. Vulnerabilidade de grupos minoritários entre cenários de crise e proteção de direitos. Revista da Faculdade de
Direito do Sul de Minas, v. 36, p. 363-388, 2020.
MACHADO, E. D. ; ALVES, F.B. . A decisão judicial sobre direitos sociais: considerações sobre igualdade, democracia e judicialização da política.
In: Zulmar Fachin, Jairo Neia Lima, Everton Pona. (Org.). Magna Carta: 800 anos de influência no constitucionalismo e nos direitos fundamentais.
1ed.Curitiba: Juruá, 2015, v. , p. 77-96.
MIRANDA, L. C. M. ; ALVES, F.B. ; TIROLI, L. G. . A ética da alteridade e a busca pela igualdade de reconhecimento em Emmanuel Lévinas. REVISTA
DIREITO E PAZ, v. 44, p. 38-52, 2021.
SIQUEIRA, Dirceu ; ALVES, F. B. . O substancialismo e direitos da pessoa com deficiência: a função social do processo. Revista Jurídica CESUMAR.
Mestrado, v. 12, p. 147-173, 2012.
TEBAR, Wellington Boigues Corbalan; ALVES, Fernando de Brito . Justiciabilidade direta dos direitos sociais na Corte Interamericana de Direitos
Humanos: mais uma peça no quebra-cabeça do Ius Constitutionale Commune latino-americano?. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 11,
p. 519-542, 2021.