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Excerto 2

Mãe Lianor Vaz, que foi isso? Lianor Si, agora, eramá,
Lianor Venho eu, mana(termo carinhoso), Também eu me ria cá
amarela. Das cousas que me dizia:
Mãe Mais ruiva que uma panela!- Chamava-me “luz do dia”;
comparação para dizer que está corada “nunca teu olho verá!”
Lianor Não sei como tenho siso Se estivera de maneira
Jesu! Jesu! Que farei? Sem ser rouca, bradara eu,(volta a
Não sei se me vá a el-rei, arranjar justf. Para não ter pedido socorro)
se me vá ao Cardeal.(veio muito aflita e mas logo m’o demo deu
insinua que teve um susto muito grave)
cadarrão e peitogueira,
Mãe Como? E tamanho é o mal?
cócegas e cor de rir,
Lianor Tamanho? Eu to direi.
e coxa pera fugir,
Vinha agora pereli
e fraca pera vencer.(mais desculpas)
ao redor da minha vinha,
Porém, pude-me valer
e um clérigo, mana minha,(deve ter
sido atacada por um padre- desrespeito pelos preceitos sem me ninguém acudir.
religiosos) O demo (e não pode al ser)
Perdeus, lançou mão de mi! Se chantou no corpo dele.
Não me podia valer, Mãe Mana, conhecia-t’ele?(continua a não
diz que havia de saber acreditar, irónica)
se era eu fêmea, se macho.(suposto Lianor Mas queria-me conhecer!
assédio sexual) Mãe Vistes vós tamanho mal?
Mãe Hui! Seria algum muchacho Lianor Eu me irei ao Cardeal,
que brincava por prazer?(a mãe não e far-lh’ei assi mesura,
acredita)
e contar-lhe-ei a aventura
Lianor si, muchacho sobejava!
que achei no meu olival.
Era um zote temanhouço!
Mãe Não estás tu arranhada,
Eu andava no retouço,
De te carpir, nas queixadas.
Tao rouca que não falava.(começa a
defender-se: 1- estava rouca não podia gritar)
Lianor Eu tenho
Quando o vi pegar comigo,
Que m’achei naquele perigo, Lianor Eu tenho as unhas cortadas,
“Assolverei!” – “Não assolverás!” E mais estou tosquiada:
“Jesu! Homem, que hás contigo?” E mais pera que era isso?
“Irmã, eu t’assolverei E mais pera que é o siso?
Co breviário de Braga.” E mais no meio da requesta
“Que breviário, ou que praga! Veio hum homem de hüa besta,
Que não quero, áque d’el-rei!” Que em vê-lo vi o paraíso,
Quando viu revolta a voda, E soltou-me, porque vinha
Foi e esfarrapou-me toda Bem contra sua vontade.
O cabeção da camisa.(não a conseguiu Porém, a falar a verdade,
convencer. O padre partiu para a violência física)
Já eu andava cansadinha.
Mae Assi me fez dessa guisa
Não me valia rogar
Outro, no tempo da poda.( parte para
a brincadeira) Nem me valia chamar
«Aque de Vasco de Fois,
Acudi-me, como sois!»
Eu cuidei que era jogo E ele... senão pegar:
e ele… dai-o vós ao fogo!
Tomou-me tamanho riso, – Mais mansa, Lianor Vaz,
riso em todo meu siso, Assi Deus te faça santa.
e ele leixou-me logo. “ Trama te dê na garganta!
Como! isto assi se faz?” E tudo quanto ela quer!(traça um
“ Isto não revela nada.” relato elogioso da filha para a Alcoviteira se manter
interessada em arranjar-lhe um pretendente)
“Tu não vês que são casada?”
Inês (lê a carta)
Mãe Deras-lhe, má hora, boa, «Senhora amiga Inês Pereira,
Pêro Marquez,-1ºpret vosso amigo,
E mordera-lo na coroa. Que ora estou na nossa aldea,
Mesmo na vossa mercea
M'encomendo, e mais digo,
Lianor Assi! fora excomungada. Digo que benza-vos Deos,
Não lhe dera um empuxão, Que vos fez de tão bom jeito.
Porque sou tão maviosa,(não lhe deu Bom prazer e bom proveito
um empurrão pq é meiga)
Veja vossa mãe de vós.
Que é cousa maravilhosa.
E esta é a concrusão.
Ainda que eu vos vi
Leixemos isto.(quer pôr fim à história que
Est'outro dia folgar
quis mostrar o perigo de ser solteira a Inês) Eu
E não quisestes bailar,
venho,
Nem cantar presente mi...»
Com grande amor que vos tenho,
Inês Na voda de seu avô,
Porque diz o exemplo antigo
Ou onde me viu ora ele?
Que a amiga e bom amigo
Lianor Vaz, este é ele?(P.R.
Mais aquenta que o bom lenho. carregada de ironia, chama-lhe parvo e
Inês pereira é concertada mentiroso)
Pera casar com alguém? Lianor Lede a carta sem dó,
Mãe Até `gora com ninguém Que inda eu são contente dele.
Não é ela embaraçada. Prossegue Inês Pereira a carta:
Lianor Eu vos trago um casamento Inês «Nem cantar presente mi.
Em nome do anjo bento. pois Deos sabe a rebentinha
Filha, não sei se vos praz. Que me fizestes então.
Inês E quando, Lianor Vaz?(urgência em Ora, Inês, que hajais bênção
casar) De vosso pai e minha,
Lianor Eu vos trago aviamento. Que venha isto a concrussão.”(apesar
Inês Porém, não hei-de casar de tudo isso está disposto a casar com ele)
Senão com homem avisado Viste tao parvo vilão?
Ainda que pobre e pelado, Eu nunca tal cousa vi,
Seja discreto em falar( descrição do ideal Nem tanto fora de mão.
de marido: sabido, que sabibo falar e que não se Lianor Quereis casar a prazer
importa que seja pobre)
No tempo d’agora, Inês?
Lianor Eu vos trago um bom marido,
Antes casa, em que te pês,
Rico, honrado, conhecido;adjetivação
múltipla Que não é tempo d’escolher.
Diz que em camisa vos quer. Sempre eu ouvi dizer:
Inês Primeiro eu hei-de saber “ou seja sapo ou sapinho,
Se é parvo, se sabido.(antítese) ou marido ou maridinho,
Lianor Nesta carta que aqui vem tenha o que houver mister.”(o
importante era ele ter dinheiro para assegurar a situação
Pera vós, filha, d'amores, económica e a vida de ines)
Veredes vós, minhas flores,- Este é o certo caminho.
apóstrofe
A discrição que ele tem.
Inês Mostrai-ma cá, quero ver.
Lianor Tomai. E sabedes vós ler?
Mãe Hui! e ela sabe latim
E gramática e alfaqui Mãe Pardeus, amiga, essa é ela!
“Mata o cavalo de sela,
e bom é o asno que me
leva.”(probervio dado a gil vicente para
escrever a farsa)
Lianor Filha, “no Chão de Couce.”
Quem não puder andar choute.”
“Mais quero eu quem m’adore,
Que quem faça com que
chore.”(ditados populares- sê sensata, inteligente)
Chamá-lo-ei, Inês?
Inês si,
Venha e veja-me a mi,
Quero ver, quando me vir,
se perderá o presumir
logo em chegando aqui,
pera me fartar de rir.(concorda em fazer
entrar o pretendente para gozar com ele)

Mãe Touca-te, se cá vier,


Pois que pera casar anda.
Inês essa é boa demanda!
Cerimónias há mister
Homem que tal carta manda?
(postura irónica)carregada de sarcasmo revela desprezo
pelo pretendente)
Eu o estou cá pintando,
Sabeis, mãe, que eu adivinho?
Deve ser um vilãozinho(menos que
vilão)…
Ei-lo, se vem penteando:
Será com alguém ancinho?- goza
com ele

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