Você está na página 1de 23
Prof. Gabriel Castanho- Histovie Medieval IT Texto oe 2 > ly atte vai nee a © Editions Le Sycomore, 1980 ‘Tradugio de Anténio José Pinto Ribeiro Capa de Alceu Saldanha Coutinho Todos os direitos reservados para a Lingua’ Portuguesa edic6es 70 ‘Avenida Duque de Avila, 69 r/c. Esq. — 1000 LISBOA Telefs. 55 68 89 / 57 2001 Delegacéo no Norte: Rua da Fabrica, 38-2° sala 25 4000 PORTO — Telef. 38 22.67 Distribuidor no Brasil: LIVRARIA MARTINS FONTES ‘Rua Conselheiro Ramalho, 330-349 — Sao Paulo capitulo VE PARA UMA TEORIA DO FEUDALISMO. Das Verhittnis der retainer zu ihrem Grundhern, oder der persiniichen Dienstleistung ist wesentlich verschieden. Denn sie bildet nur au fond Exister aweise das Grundeigentiimers selbst, der nicht mehr arbeitet, sondern dessen Eigentum einschliesst unter den Produktions-bedingunden die Arbeiterselbst als Leibeigene etc. Hier Hers isverhdltnis als weser: fliches Verhiditnis der Ancigmosg.... Die Anegmung fredem Willens ist Voraussetzung des Herrschafts- veriuitenisses Soviet sehn wir aber hier, ‘wie Herrschajis und Knechtschaftsverhiiltnis ebenfalls in diese Forme! der Aneignung der. Produktionsins- trumente gehoren; wid sie bilden notwendiges Ferment der Entwichlung und des Untergangs aller urspriin- glichen Eigentumsverhdltnisse und Produktionverhdl- tnisse, wet sie auch ihre Borniertheit ausdriicken, K. Marx, Grundrisse der Kritik der politischen Ockonomie. Edigio dos manuscritos 1857-58), prepa rada por D. Riazanoy, publicada em Moscovo em 1939- 1941; reproduedo fotomecniea, ed. Dietz, p._400— A relagao dos retainer com os seus senhores ou a do servigo pessoal é fundamentalmente diferente. Porgueo servo pessoa do const, no fundo, send 0 modo de exist icia do proprio proprietdrio fundid. Tia, que jd ndo trabalha, mas cua propriedade ino ‘ntrd'as‘condigdes de Produgdo os proprio teabaiha dores enguanto servos, et. Agu, a relagdo de donna 6io é a relacao essenci da apropriagéo... A pressupo- Sigdo da relacdo de dominagdo é a apropriagdo de uma vontade estranha 0 que nds vemos aqui, é que fas relagdes de dominagao e de serviddo entram igualmente na férmula da apropriagdo dos instr mentos de producao; ¢ elas constituem um fermento necessdrio do desenvolvimento e do declinio de todas fas relagdes de propriedade e de produpdo originais, do mesmo modo que exprimemt a sua estreitcza Segundo a traducSo, na versio francesa, de Claude Prévost, in Sur les socidiés précapitalistes; Textos escolhides de Marx, Engels, Lenine, 1970, p. 211. Dass adie Produktionsweise des materielien Lebens den sozialen, politischen und geistigen Lebensprozess iiberhaupt bedinges — alles dies sei zwar richtig. fiir die heutige Welt. wo die materiellen Interessen. aber weder fur das Muttstalter, wo der Katholizismus, noch fiir Athen und Rom, wo die Politik kerrschete Soviel ist Kiar, dass das Mittelatter niclst vor Katho- Hizismus und die antike Welt nicht von der Politik Teben_konnte. Die Art wid Weise, wie sie ihr Leben gewannen, erklirt umgekehrt, warn dort die Politik, hier der Katholizismus die’ Hauptrolie spieite. K, Marx, Das Kapital 1, 1.1.4 (1867) (ed. Dietz, p. 96) Que so modo de producéo da vida material domina em geral 0 desenvolvimento da vida social, politico € intelectual» — segundo ele, esta opinito é correcta para o mundo moderno dominado pelos interesses materiais, mas nao para a Idade Média onde reinava 0 catalicismo, nem para Atenas e Roma onde reinava a politica... 0 que é claro é€ que nem @ primeira podia viver do eatolicismto, nem as seguir das da politica. As condigdes econdmicas de entao explicam, pelo contrdrio, porque & que Id 0 catolicisino @ agui a politica desempenhavam o papel principal. Segundo a traducio de Joseph Roy, revista por Marx, Ed. Sociales, t. I, p. 98 Depois de ter tentado mostrar segundo que légica, relativamente complexa, se tinham desenvolvido, desde 0 alvorecer do século XIX, a reflexéo sobre o feudalismo € 0 trabalho de construcio intelectual das suas diversas articulagbes; depois de ter procurado do lado das cién- cias sociais ensinamentos um pouco mais abstractos que permitissem determinar melhor o valor (ou a fraqueza) de diversos conceitos e precisar um pouco certos tragos do pensamento sistémico, cabe-me_propor um esquema racional do funcionamento-evolugéo da Europa feudal. Um esquema nio € evidentemente uma iatracdo: ha que retirar a sua ilusdo (talvez doce?) aqueles que ainda créem que a histéria é narrac&o. As imposicées da exposi¢ao escrita sio pesadas: todos os meios que per- uiitam desembarayar-se delas podem ser considerados como bons. Recorreremos em forca aos mais elabo- rados esquemas entre aqueles que foram encontrados (o de Perry Anderson ou o de Kuchenbuch e Michael) tentaremos integrar todos os elementos positivos refe- renciados aqui ¢ além. Quatro eixos principais de reflexdo me parecem importantes, O primaire reside na const deragao-de~relaedo-que numerosos-autores consideram” fundamental, a relacio senhores/camponeses. Contraria- mente a muitos, que-pénsam esta relacie ‘como simples ¢ facil dg conceptualizar, parece-me que se trata de uma relagio muito complexa e, sobretudo, muito mal conhecida, sobre a qual uma breve pesquisa lexical pode trazer surpresas. Um segundo.eixo reside na anélise de uma relago que, a miéu ver, desempenhava no sistema feudal um papel de certa maneira simétrico e comple- mentar do anterior: o de parentesco artificial (ou pseudo- parentesco), E mais do~que provavel—que ele tenha estado materialmente subordinado ao anterior, mas nada permite afirméo a priori, e muito menos a’ recusar 0 seu exame. O terceiro ecixo é o estudo das coacgdes w 25 “ instituigao que foi do ta materiais do_sistema, que, em fung&o das forcas pro- duitivas, determinavam 0 ‘seu tamanho e uma’ grande parte dos modos espaciais de articulaco interna, O exame das propriedades locais, regionais e globais deste ecossis- tema deve permitir especificar, em fungéo de diversos Parametros, 0 principal dos quais parece ser o ‘modo de ocupacao do solo, as Soageées exercidas pela esteutura material sobre as formas de organizaco local_egeral Gas telactes socials, © encarar, assim, a possibilidade de separat dois periodas fortemente distintos na evolugio da Europa feudal_O quarto elxo €-a analise da-tinica imho _do sistema, a Igreja: onde se mostra que sé tata da -sintese operative dos trés eixos anteriores, da sintese e da pedra angular de todo o sistema feudal, no qual nada se poder compréen- dér se sé considerar a Igreja como um simples apéndice da aristocracia. Permitam-me que insista neste ponto: os desenvol- vimentos matematicos no podem servir de modelo 20s outros desenvolvimentos cientificos; as matematicas sao uma pura linguagem, isto é, sao axiomatizaveis; nao sucede 0 mesmo com nenhuma ciéncia que se dedique @ um qualquer aspecto da realidade, porque nesse caso a vealidade € necessariamente anterior a todo o desen- volvimento (cf. as observagdes anteriormente citadas de Georg Lukacs), ¢ a ordenacao dos desenvolvimentos nio é mais que uma questo de comodidade: a causalidade nunca_¢ linear-e-ha-sempre_uma_certa ingonuidade-em procurar uma «ordem ldgica» de apresentacao, Guy Bois @ (tunciowo firmemente; Os Gregos conheciam jf o sofisma 8 do ovo e da galinha, Os historiadores julgaram durante muito tempo esca- par a esta dificuldade refugiando-se atras da ordem cro. nolégica: ja h4, no entanto, muito tempo que se mostrou perfeitamente a aparéncia enganosa de todo o «raciocinio» fundada na relagéo «post hoc, ergo propter hoc». A neces. sidade de pensar em termos de sistema obriga a procurar formas que se adapteni rielhOF a0-emaranhado organi zado que toda a sociedade constitui. Os quatro «planos» que eu distingo n&o sao nem justapostos nem propria. mente hierarquizados; ha que consideré-los como estrei tamente imbricados uns nos outros ¢ que ter presentes no espirito, a propésito de cada um, os outros trés Embora isso possa parecer inteiramente incongruente, ndo vejo aqui outra solugdo senao pedir ao leitor que 216 +! ria: culto, administragao, leia duas ou trés vezes este tiltimo capitulo: uma primeira ver, considerando isoladamente estes quatro «aspectos», e uma segunda vez para captar o conjunto das articula- g6es a que eu ligo a maior importancia 1—A relacio de «dominiums Afirmar que, do Baixo Império até & revolugo indus. trial, a Europa tenha vivido do trabalho de cultivadores, relativamente estéveis que néo eram nem escravos nem assalariados, constitui um proposi¢ao que, na sua gene. ralidade muito aproximativa, nfo me parece constituir dificuldade para ninguém. Toda a dificuldade vem do facto de esses cultivadores no estarem sozinhos, e de uma parte do seu trabalho ser consumida por pessoas que, sem esses cultivadores, teriam sido incapazes de se alimentar do fruto da sua actividade prdpria. E. claro que existiam também homens cuja actividade era essen- Cialmente de produgio, embora no agricola: os artifices mas estes nunca tiveram, durante o perfodo considerado, uma importdncia determinante escala do sistema no seu conjunto, ainda que, localmente agrupados, eles tenham podido por vezes desempenhar um papel nao despiciendo. A questi essencial reside na existéncia de uma fraceio da populagdo cuja actividade correspondia Aguilo que em termos modernos (inadaptados) se chama- justica, comércio, defesa. Como se vé desde logo, estas actividades tem um trago comum: so actividades de relagao ¢ de organizagio; € ridiculo ¢ absurdo imaginar as relagdes feudais como a simples relaco entre honestos camponeses vergando-se sob o jugo e senhores cipidos e ociosos que extrafam «a renda» 2 golpes de «coacgao extraecondmica». Que tal mito tenha um forte valor ideolégico, nao se discordaré; mas ha que desembaracarse dele claramente, se se pretende fazer trabalho cientifico, E alids muito’ instrutivo veri ficar que esse mito esmaga com uma forca cquivalente maioria dos historiadores, ao longo de toda a gama que vai dos reacciondrios inveterados aos progressistas mais revoluciondrios: uns contornam-no com uma habili- dade maquiavélica que deixa um enorme espaco em branco no seu trabalho; outros sé falam disso e andam as voltas até ganharem vertigens. Pode fazer-se um inqué- rito muito fécil; se dermos uma volta pelas teses de 2 hist6ria rural produzidas em Franca desde bé uns quarenta anos, observaremos sem dificuldade que, grosso modo, os desenvolvimentos sobre os «senhores» ocupam dois tergos do volume total, os que versam sobre os «camponeses» 0 tergo restante, e que as relagdes entre os dois grupos sao arrumadas em aleumas paginas, ou mesmo em algumas linhas, sob o falacioso pretexto de que «falta a documentagio». Isto nfo € mais que o resultado inevitavel dos fundamentos do método «socio. analitico» tais como os evidencidmos, em particular do seu substancialismo generalizado, A minha primeira tese consiste, portanto, nisto: no ambito da Europa feudal, ha que raciocinar fundamen. talmente em termos de poder e nao de direito; a fortior, © a distingdo entre direitos | direitos_pessoais deve ser rejeitada comio tuma _invengio tardia, lateral. e como um dos aspectos da diss hiso-do_ sist 1a; a origina Popo litade tandemontal dae eee, ee ser, pelo contrario, procurada na assimilagao total do poder sobre 7” «terra e'do poder sobre os homens. \ O direito supde uma estrutura estatal: a concep¢io yr juristas que estudam o «direito antigo», ou mesmo o «direito muito antigo», é uma tolice rematada; o direito romano resulta de uma actividade de lenta codificacdo de uma longa pratica judicial exercida por um poder de Estado; essa codificacao foi alias muito tardia, dado que © momento essencial —Justiniano—é posterior a queda do Império Romano do O nte, e inscreve-se no ambito de um esforco de restauracao mais que de um prética regular. A nogo comum de direito Fesulta de uma prat islativa, isto é, le cons- Z lente a act a aes DQ ritticas Sociais (@Tamosa-sinteneao do. legislator Nada_d@_tal_se—manifestou_verdadeiramente_antds_do século XVIIT, ¢ 0 termo «direito» aplicado a um perfodo anterior veicila com ele, quer se queira quer nao, mais do que conotagées, um verdadeiro conjunto con. ceptual fautor de permanentes contra-sensos, tanto mais faceis quanto o emprego, ao longo da Idade Média, dos mesmos termos latinos permite aparentemente todas as confusdes. O termo—cinstituicto» tomado na sua acepeao juridica (direito publico), complementar do de dircito, deve_ser-rejeitada_por razdes andlogas, por- que 0s seus estragos nao so menores; é, aléin disso, um dos avatares mais perversos do substancialismo, uma ww = GD —— vez. que este termo-induz ‘a nogio de estruturas_sociais abstractamenté fixadas ¢ isola las, Vcmoda sake que se confundem, por assim dizer, com a sua propria definicéo. E evidente que a Europa feudal conheceu lestruturas estéveis, uma actividade judicial e numerosas Iprdticas normativas: o problema ¢ encontrar e empregar itermos adequados aos conceitos especifico: do sistema fetidal tornia necessarios. & tami \quee-é-infelizmente e muifo~lamentavelmente um aspecto descurado por completo nas antigas faculdades de letras—o estudo técnico das praticas consuetudinarias (e, se for caso disso das «leis» barbaras) traz & analise das estruturas sociais feudais precisdes indispensaveis que é insensato tomar por insignificantes, mesmo que @ maneira como os juristas as estudam nao seja satisfatoria. Contentarme-ei com algumas observacdes lexicais, com a ajuda de alguns diciondrios correntes (Ernout: “Meillet, Gaffiot, Blaise, Niermeyer). Dominium, ‘em Cicero, significa apenas banquete dominius & aqui_o dono de casa (domus) «recebendo amigos como anfitriaéo». O sentido técnico de «direito de propriedade» aparece no século primeira e afirma-se nos jurisconsulios. Mas tal sentido néo me parce epresentado nos aufores cristdos. Em Gregorio Magno, ~ ’ Blaise distingue dois sentidos: 0 de dominio e o de comando, poder; esta distingao sera legitima? Niermeyer, sempre perito em distingdes, encontra dez_sentidos 1 —comando, poder; 2 — direito de piopriedade 3 — dominio; ‘4 — reserva senhorial; 5 — os bens qu se encontram’ na mo do senhor e que nao sao conce- didos em feudo; 6 — senhorio; 7 — suserania feudal; 8 — a autoridade que 0 senhor exerce sobre os vassalos} 9 — a autoridade espiritual de um bispo; 10 — a auto- ridade exercida por um abade num mosteiro. Niermeyer tira, evidentemente, estes sentidos dos contextos dos diver- sos exemplos que cita; mas o exame de todos esses exemplos leva, sem sombra de dtwvida, & conclusao de flue existia na Idade Média apenas um s6 sentido que englobava simultaneamente poder sobre a terra e poder . ‘sobre os homens; Niermeyer, jurista, muito dificilmente ¢ podia aperceber disso, mas vése o circulo vicioso lexicolégico que tal situagdo arrasta consigo: 0 artigo {de diciondrio que apresenta esta distinglo como um facto estabelecido, 0 historiador que-a ele recorre é 29 2 eS mais ou menos coagido a escolher um dos dois sentidos principais-¢; assim, encontrar Finalmente nos seus textos istingdes que nao estdo 14; uma ver-a-obra-publicada confirmando a distingao, ‘ninguém pord em duvida a Nalidade da distingao, que adquire em cada ocasizo uma forga suplementar; donde a necessidade de criticar os sentidos aceites, pela construggo racional de campos seménticos a partir de um corpus. O antigo francés demaine pode ser um adjectivo (>| sido necessério diminuir a populacéo ea producao, o que supunha uma~dimimigao“dos-seus-préprios rendi. mentos ¢ do seu poderio em potencial humano; a pedo oposta sé podia levar ao fortalecimento do sistema senhorial que, fossem quais fossem as suas modalidades, supunha um grupo de intermediérios bastante poderoso e parcialmente integrado na prdpri reduzia consideravelmenté as. pos locais e impedia o reaparecimento da servidao, na medida em que as cidades nao podiam ser aniquiladas. O contra. -exemplo polaco, orla na qual o ecossistema estava longe de ser «pleno», mostra bem a légica destruidora do estabelecimento da servidéo neste perfodo; 0 exemplo inglés, no lado oposto, onde o imperative comercial desempenhou igualmente um grande papel, mas num sentido positivo, traduziu-se pela constituicao de. verda- deiras empresas agricolas, pelo desenvolvimento do sala. tiado e das cidades. Na Franca, as reservas tinham-se pulverizado muito mais que na Inglaterra e os feudais 86 tinham, portanto, possibilidades mais limitadas de desenvolver verdadeiras empresas agricolas, tanto mais que a propriedade eclesidstica se mantivera; donde o interesse que cles manifestaram pela reactivacdo dos direitos senhoriais e a

Você também pode gostar