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Seminário Arquebotânica – Lucas Cunha santos

Florestas e solos antropogênicos: Uma breve exposição de alguns trabalhos


realizados

Quando escolhi o tema desse seminário tinha em mente uma noção um pouco
diferente do que seria uma floresta antropogênicas e admito que quando fui estudar e
acabei percebendo que era muito mais complexo do que eu imaginava, devido as
múltiplas ciências que os pesquisadores utilizam para fazer estudos cada vez mais
acurados sobre a relação homem e natureza. Então eu fiz um recorte sobre o tema,
vou falar um pouco sobre a corrente de pensamento que guia os estudos nessa área e
vou dar alguns exemplos práticos, porém não irei focar nas metodologias e sim nas
potencialidades que esses estudos nos proporcionam para o entendimento da relação
indissociável entre os grupos indígenas que viviam no brasil no período pré-colonial e
os atuais.

Então, pra gente falar de floresta antropogênica no Brasil é necessário


compreendamos o contexto que fez esse tipo de abordagem surgi, dentro da
arqueologia. Foram duas as mudanças fundamentais que fizeram com que surgisse esse
tipo de abordagem que aconteceram na década de 80. (Afastamento das ideias do
Pronapa e críticas a biogeografia). 1 foi um afastamento das ideias Pronapianas, que
na segunda metade da década de 80 começa a entrar em crise teórica e metodológica, e
aqui não vou entrar a fundo, mas os dois motivos principais que levaram pesquisadores
do museu Emilio Goeldi a romperem esses pressupostos foi o fato deles serem trabalhos
determinas ecológicos, de modo que o meio ambiente condicionaria o desenvolvimento
das culturas amazônicas. E pelo fato do programa nacional de desenvolvimento
entender os registros arqueológicos como fenômenos separados das populações
tradicionais viventes na época, ou seja, não existiria ligação entre aquilo que
encontramos nos sítios e as pulações atuais.
A outra mudança fundamental foram as críticas a ecologia histórica feita na
época, muito ligada a estudos da biogeografia, que durante a década de 80, tentava
formular hipóteses e explicações sobre a origem e distribuição geografias das espécies
de plantas que compõe a região amazônica, no entanto, como ressalta o Eduardo goês
neves no texto “o velho e o novo: na arqueologia amazônica, havia nessas tentativas de
explicações uma falha muito grande que comprometia totalmente a construção desse
conhecimento: a falta do ser humano enquanto agente ativo. E ora, como seria possível
falar da dispersão de espécies ignorando a presença ativa na seleção de plantas e
animais na região pelos grupos indígenas que viviam na região há pelo menos 8 mil
anos?

Então essas duas críticas, tanto ao pronapa, quanto a ecologia histórica ligada a
biogeografia fez com que os pesquisadores associados do museu Emílio Goeldi, como é
o caso do Ballé, Chico Noelli e outros, se espelhassem em ideias que vinha surgindo
junto com a arqueologia pôs processual, de pensar como a agencia humana atua na
construção de significados dos ambientes e consequentemente os altera e a adoção da
perspectiva de longa duração, como proposta por Braudel em 1958 e destrinchada por
outros pesquisadores no início da década de 90, como o Ian Hodder.

Então partindo desse pressuposto, os pesquisadores passaram a entender que:


durante a vigência dos processos históricos indígenas na Amazônia e no brasil, entre as
gerações que se sucederam, ocorreram continuidades e mudanças inter relacionadas,
dentro daquilo que Morin (1984) chamou de casualidade circular entre parte/parte e
partes/todo: na transmissão e na manutenção dos saberes; no domínio e na
manipulação dos ambientes ai temos o trabalho do Politis, 2001; na transformação desse
ambientes em artefatos sociais com os estudos de Balée, 2008 e Magalhães, 2016, e nas
tecnologias de produção; e nas relações coevolutivas entre Homem1 e ambiente de
Balée e Erickson de 2006.

O Eduardo e outros pesquisadores, como a Fabíola silva, a juliana machado e


etc, nos diz o ser humano precisa ser introduzido na natureza, por que só assim vamos
conseguir compreender ambos os processos: “a natureza e seus sistemas, o homem e
suas culturas. Ou seja, os grupos indígenas e suas culturas não podem interpretados
sem que a natureza/ o meio ambiente que os rodeia sejam tido como um dos principais
enfoques da pesquisa, e não se pode estudar a evolução de espécies sem considerar a
ação do homem.
Então saindo um pouco dessa parte histórica, atualmente todos os trabalhos
ligados a tentar compreender o que seriam as florestas antropogênicas, partem segundo
Magalhaes de um principal referencial teórico: a ecologia histórica. Mas diferente da
feita na década de 80 ligada a biogeografia, aqui o ponto de vista central é a agencia
humana.

Então, atualmente a ecologia histórica muito mais que um conceito, é um


programa de pesquisa que visa a interdisciplinaridade. (E é uma matriz teórica pra
várias ciências áreas como ecologia, botânica, arqueologia e arquebotânica, a genética,
etnobiologia, palinologia, história.) É uma ciência que permite olhar as ações humanas
ao longo do tempo e espaço as entendendo como ações transformadoras que
modificaram as paisagens do mundo. Então é uma área de pesquisa que pensa a
agencia humana, não só como uma ação deliberada e sem causas, mas sim como
uma ação que vai refletir uma consciência a respeito do que está sendo feito, ou seja,
existe uma consciência nessas ações e também reflete nas decisões que são tomadas ao
manipularem o ambiente.
Isso faz referência aos processos históricos de interação humana com o
ambiente. E esses processos refletem ações que ao longo do tempo foram mutualmente
importante, e geram em certa maneira uma interdependência entre a espécie
humana nos ambientes, seja esses ambientes e as espécies que o compõe e influenciam
a cultura e a maneira que os povos se organizam, manejam e selecionam o ambiente.
Por isso a palavra mutualismo, segundo o professor Nivaldo Peroni, em seu sentido
amplo é importante, por que abre o espaço para refletir sobre os processos que geraram
o mundo que atualmente vivenciamos e usufruímos, como uma construção dialética
entre homem –natureza. Então pensar nesse processo histórico ecológico, tem que
envolve os povos indígenas do período pré-colonial e os atuais e outras comunidades
tradicionais, pois é impossível desassociar o passado do presente, uma vez que nos
beneficiamos diretamente do que foi feito muito tempo atrás.

Então essa perspectiva da ecologia histórica trabalha na busca das evidencias


que comprovem que o mundo que vivemos atualmente é uma grande Paisagem
cultural construída historicamente de maneira dialética entre os seres humanos e o
meio que ambiente. Ou seja, eles buscam evidencias que comprovem que essas
paisagens sejam antropogênicas, que em si já é uma palavra importante por que
significa que a ação humana está na gêneses desses processos e padrões que
podemos observar hoje nas florestas atuais. Como exemplo a grande diversidade e
distribuição de plantas região amazônica, ou até mesmo, a grande diversidade dos
biomas brasileiros. Ou seja, parte da estrutura daquela comunidade biológica, da
presença, da riqueza, da composição que vemos hoje, dependeu e depende da agencia
humana, ai surgem outro conceito que seria a diversidade biocultural e ela é importante
segundo o Nivaldo Peroni, não apenas no sentido que devemos conservar as florestas
atuais, mas também por que usufruirmos de algo que foi construído ao longo do tempo.
(PERONI,
Os trabalhos seguindo a linha da ecologia histórica ao longo do tempo começou
a junta muitas evidencias que refutam a ideia que florestas virgens mesmo elas sendo
densamente ocupadas anteriormente como a Amazônia e a região sul do brasil. Então na
verdade é necessário um olhar mais acurado e com amplitude histórica para perceber
que na verdade essas florestas podem ter sido muito manipuladas e nos atualmente nos
beneficiamos desses recursos que foram selecionados e transformados e favorecidos
anteriormente em processo que estamos longe de entender. (SILVA, 2017)

A maioria dos trabalhos feitos por arqueólogos é mais focado na Amazônia,


porem esse óculos da ecologia histórica também é utilizado pra pensar as paisagens do
sul do Brasil, e eu trouxe alguns exemplos que se complementam, de maneira breve vou
pincelar algumas evidencias. O primeiro é um trabalho de 2020 da doutora Aline Pereira
Cruz. Onde ela teve como objetivo estudar alguns sítios do sul do Brasil, para tentar
estabelecer uma relação entre os grupos indígenas distintos Jê e Guarani com as plantas
locais, pra tentar entender quais espécies de plantas se relacionavam com cada
população em especifico. Segundo ela, esse sítios possuem evidencias que foram
utilizados de maneira diacrônica, ou seja, essas populações distintas habitavam a região
na mesma época. Com essa ideia em mente, ela cruzou esses dados com inventario
florestal e florístico de santa Catarina. Ela inicialmente selecinou alguns sitios já
conhecidos da região e privilegiou uma amostragem sistematica da vegetação, tanto dos
vestigios provinientes dos sitios, quanto as atuais que circulam a area. (CRUZ, 2020)
Ai ela faz uma quantificação matemática que não irei entrar, mas ela conseguiu
estabelecer algumas relações entre as espécies da região com os diferentes grupos
indígenas. Não irei entrar em todas as relações, mas esse trabalho dela foi importante
pois ela conseguiu evidenciar uma relação que desde 2006 já vinha sido notada, pelas
pesquisadoras de Bitencourt e krauspenhar.

Que perceberam uma sobreposição muito clara e evidente de algumas categorias


de sítios em particulares: As casas subterrâneas do Sul e captação de recursos
ambientais (araucária), ou seja, eles começaram a evidenciar a existia um relação muito
refinada entre os grupos construtores dessas casas e a espação das florestas de araucária.
Esse trabalho é importante porque ele evidenciou as casas subterrâneas como
interligadas ao avanço da floresta de araucária. E isso foi comprovado 10 anos depois
com o estudo da Aline que citei, onde ela consegue correlacionar as pulações Jê do sul
((Xokleng/Laklaño e Kaingang) com a espação da araucária, e isso é muito importante
na medida porque rompeu com a ideia que as populações que viveram no sul brasil era
caçadoras coletoras e que na verdade essas populações agiram ativamente no
favorecimento dessa espécie e que elas eram tidas como principal fonte de recursos
dessas populações.

Esses trabalhos foram importantes, pois amadureceram o pensamento dos


pesquisadores dessa região e abriu portas pra trabalhos futuros que se debruçaram em
cima disso como é o caso trabalho da Natalia Adan, de 2018, onde ela aponta inclusive,
um certo grau de domesticação das araucária, e quando se fala em certo grau de
domesticação é que de alguma maneira essa relação mutualística entre as araucária e as
pessoas do passado gerou em algum grau de dependência e transformação. Então
nesse trabalho ela tentou entender como essa relação pode ter favorecidos nas
variedades de araucária no sul do pais. (ADAN, 2016, p. 15)

No estudo ela se foca não nas variedades botânicas no gerais de araucárias, mas
nas etnovariedades, ou seja, as variedades locais associadas e percebidas no
conhecimento local. E a Nathalia trabalhou em santa Catarina e buscou destrinchar a
nomenclatura local, em nível inclusive de individuo, ela fala que as pessoas tem
relações com indivíduos de araucária, dão nome e inferem características morfológicas
pra cada uma dessas variedades
Ai eu trouxe essa tabela e nessa parte aqui podemos ver os vários nomes, mas
uma coisa interessante é que além dessa mudança de nome, elas também tem uma
amplitude de frutificação e consequentemente, de disponibilidade e maturidade dessas
sementes e como podemos observar aqui no quadro essa amplitude vai de fevereiro até
novembro e que essa variedades dão conta de produzir semestres ao longo do tempo. o
que ela ressalta é que as pessoas ainda hoje manipulam essas variedades, então ela
entende que o processo de estudo da forma como essa variedades estão sendo
manipuladas hoje pode ajudar a entender a manipulação passada e que as próprias
espécies de araucária atuais podem ser resultado de um intenso processo de seleção de
algumas características, favorecendo assim essa amplitude de disponibilidade e
variedade dessas sementes em ciclos que não deixam faltar sementes e frutos durante a
maior parte do ano. (ADAN, 2016)
(ADAN, 2016, p.15)
Agora Trazendo um pouco pra área que gosto de falar, trago uma reflexão da
querida Juliana Machado, que como a maioria deve saber, foi nossa professora e
trabalha de maneira multidisciplinar entre a arqueologia, história e antropologia social,
partindo disso ela reflete essa relação entre manejo, biodiversidade e florestas
antropogênicas, a partir do lugar humano, ou seja, sobre o sentir e sentidos que as
pessoas criam nessas experiências de manejo, o entendimento de lugar que elas
possuem, e noção de pertencimento que essas relações geram entre os grupos e o meio
ambiente.
Então ela desloca o pensamento, pra pensar como a gente constrói
culturalmente/ socialmente um “saber”. Por que como eu já disse, o termo floresta
antropogênica já indica uma ação direta dos seres humanos, mas para as pessoas
“fazerem a floresta” é preciso nos perguntamos como essa saber fazer é orientado em
termos de sentido, de significados das relações que fazem com que todas essas
experiências em relações aos lugares, as florestas e as plantas possam nos levar ao
entendimento do que vemos hoje, como uma floresta e toda sua diversidade.

Dentro da antropologia esse conhecimento que é culturalmente construído é


chamado de “saber fazer” por que não conseguimos separar o que esse conhecimento e
o que é esse saber. Então essa dimensão da ação humana sobre o mundo, manejo de
plantas de plantas e paisagens de uma maneira geral nunca pode ser desassociada do
conhecimento e sentido de quem realmente produz essas ações diretamente sob o
mundo. Então pra poder se pensar em fazer a floresta é necessário um “saber”

Temos vários exemplos etnográficos que mostram que a grande maioria dos
povos indígenas que habitam as mais várias regiões do pais, não fazem uma separação
entre grupos indígenas x seres não humanos. Esse não humano podem ser entendidos
de maneira ampla, animais, espíritos, plantas e etc. Então, a Juliana diz que essas
relações de parentesco, de pertencimento, de identidade são construídos de maneira
conjunta em um emaranhado bastante complexo de multiespecies. Essa noção foi o que
fez o Eduardo viveiro de Castro desenvolver o “Perspectivismo ameríndio”, onde ele
estudou essa relação direta e intima entre os indígenas homens e a caça. Mas irei me
focar no exemplo da Juliana. Como todos sabemos ela além de pesquisadora de grupos
indígenas ela atua ativamente de maneira política em seus trabalhos, e esse olhar a fez
se voltar pra tentar compreender como essa noção de continuidade é expressa nos
discursos políticos de várias mulheres indígenas que atualmente tem tomado cada vez
mais espaço politicamente atuando na preservação do meio ambiente. Esse olhar mais
antropológico, Fez Juliana perceber que essa noção de relação entre corpo e território
além de um discurso político, é um continuo e não uma diferenciação objetiva, os
corpos humanos as plantas os animais e o saberes são contínuos culturais que se
influenciaram durante o tempo. Ela cita os trabalhos feitos com mulheres Waiwai e a
sua relação com as roças de mandioca, que fez surgir a ideia de unidade subjetiva da
mulher é dívida ao mesmo tempo entre o corpo da mulher e a mandioca e essas
duas materialidades se costuram em uma relação intersubjetiva. Segundo a juliana,
essa relação entre mulheres e plantas é bem marcada nos trabalhos etnográficos
brasileiros atuais, mas ganham mais força e evidencias com o avançar da articulação das
mulheres indígenas, e esse movimento a provocou a pensar novamente sobre a
profundidade dessas conexões. Ai aqui trago duas citações diretas da juliana:

“Em seus manifestos surgem palavras, conceitos, como mulheres sementes,


mulheres agua, mulheres arvores nos mostrando mais uma vez que pra muitos povos no
brasil a sua construção enquanto sujeito/ humano, não se restringe a uma construção
cultural dos seus corpos, da suas aldeias, da língua falada, mas ela engloba uma rede
mais ampla que envolve plantas, animais, espíritos, paisagens, cuja a existência nos
constroem enquanto seres humanos, tanto quanto o terce a sua cultura. Então fazer
floresta é também se fazer continuamente enquanto gente, o que requer escolhas
culturais, cujo conhecimento, as regras de conduta, os saberes e fazeres são passados de
geração e geração e atualizados nos cotidianos dos corpos que experienciam
continuamente os novos desafios que os tempos trazem, [..] Então como podemos, ver a
floresta é vista como um parente, um ancestral, cuja memoria não está pronta e não é
um herança lacrada, ou algo que ficou no passado, mas sim algo pelo qual essa memória
nos permite a possiblidade no presente de experiênciar novas relações com o
conhecimento do passado, mas que se costuram nessas ações culturais do presente um
pertencimento que por si só é imemorial.” (MACHADO, 2019)

Florestas e solos antropogênicos amazônicos: tecendo relações entre solos,


plantas e gentes
Ao longo das últimas décadas a gente mudou muito nosso entendimento sobre o
que é a Amazônia e o brasil como todo, de modo que cada vez mais os pesquisadores
tem reconhecido como os diferentes povos estiveram presentes no passado criando
paisagens que até pouco tempo víamos como florestas virgem ou intocadas, na
Amazônia em particular essa mudança de pensamento foi muito emblemática e fez com
que a cada vez mais pesquisadores recolhessem evidencias para que hoje posamos a
entendê-la como uma grande floresta cultural, uma dessas evidencias são os solos
antropogênicos, e como o próprio nome sugere são solos criado a partir da atividade
humana, com isso são sítios arqueológicos que podem nos fornece muitas informações
sobre as dinâmicas de uso da terra nas populações amazônicas do passado, porque essas
terra antropogênicas ou “terra preta de índio” como é mais conhecida são resultando de
um processo acumulativo de deposição de matéria orgânica no solos, principalmente
matéria orgânica carbonizada, por isso eles possuem essa coloração vem mais escura
que os solos do entorno e também possui uma composição química altamente rica em
nutrientes e na grande maioria das vezes estão associados com diversos matérias
arqueológicos, como lítico, cerâmicas e etc. (NEVES, 2000)

Ainda não se sabe exatamente como esse solos foram feitos no passado, mas
cada vez mais o entendimento dos pesquisadores tem avançado com os trabalhos de
diversas disciplinas como ecologia, arqueobotanica, etnoarqueologia, pedologia e etc. e
o mais interessante é que a Fabíola silva diz que ainda hoje é possível ver populações
tradicionais que produzem processos análogas de transformações no solos, com isso a
etnoarqueologia pode ser fundamental para a compreensão desse tipo de solo artefato.
Uma vez que esse solos são criados em contextos de lixeira, basicamente no entorno das
casas, através dessa distribuição concentrada de vários mateiras orgânicos e a queima
que é vista como um dos processos fundamentais para que esses solos se formem e pra
sua estabilidade ao longo do tempo. Sabemos que na região amazônica eles são datados
entre 500 e 4000 anos. (JUNQUEIRA, 2021)

Esses sítios de terra presta estão espalhados pela Amazônia inteira, mas
principalmente na sua parte central, e aqui eu trago um mapa feito em 2021 por vários
pesquisadores, mostrando a distribuição conhecida desses sítios na Amazônia. Em preto
podemos ver os sítios arqueológicos e em laranja os sítios de terra preta. É importante
destacar que estou falando de sítios de terra preta na Amazônia, mas não quer dizer que
em outras partes do brasil também não encontremos sítios de terra preta, como é o caso
da Bahia que possuímos vários, mas segundo o pesquisador André Junqueira e a Fabíola
silva, os solos de terra preta da encontrados na Amazônia são parte de um processo
próprio da região, sendo um fenômeno amazônico (SILVA, 2004)

As terra preta e as florestas antropogênicas estão intimamente relacionadas e


trago essa imagem retirada de um trabalho de um pesquisador inglês, Roberts de 2016
só pra gente pensar aqui em uma linha do tempo de cima pra baixo, na parte superior
seria a paisagem antes da presença humana, ou seja, como seria a Amazônia antes da
chegada dos humanos por volta de 15 mil anos, e a medida que as pessoas chegam e vão
transformando a paisagem em seu cotidiano, elas vão então criado essas florestas,
mudando a paisagem, concentrando recursos, mudando composições de espécies,
queimando determinadas áreas, ou seja, várias atividades humanas vão aos poucos
transformando a formação desses solos e as paisagens. Então a Fabíola diz que sempre
que encontramos solos antropogênicos encontramos também florestas antropogênicas,
por que eles estão inseridos em uma paisagem onde outros elementos foram
intensamente modificados, então os solos e as florestas antrópicas são indissociáveis e
continuam sendo utilizados e transformados ainda hoje. (SILVA, 2004)
Isso aqui é uma imagem de satélite que eu retirei de um trabalho do André
Junqueira 2021, que ele diz que é uma boa imagem para pensamos essa disposição
temporal e espacial de solos e florestas antropogênicos. Essa imagem é da comunidade
agua azul, no alto do rio madeira.
Ai podemos ver o rio, ai ele diz que aqui tem um barranco onde ficam
localizadas as casas que estão dispostas ao longo do rio e temos florestas antropogênicas
de vários tipos, aqui do lado é um castanhal, quintais, agroflorestais e mais aqui ao
fundo temos um mosaico de roças, capoeiras, florestas secundarias de diferentes idades
e logo mais ao fundo temos essas florestas mais densas que passaram sim por um
processo de transformação, porém menos intenso que a dessa parte aqui. Quando a
gente olha pro solo que está embaixo dessa comunidade ele diz que é possível perceber
uma grande heterogeneidade muito grande do solo, isso aqui é uma grande área de terra
preta que tem quase 15 hectares e que foi criada a cerca de 1 ou 2 mil anos atrás. Então
a gente tem um produto da ocupação e atividade humana de séculos atrás, que está
sobreposto a uma ocupação atual, então todo esse complexo de área de habitação e
captação de recursos atuais esta sobreposto a essa heterogeneidade do solo que foi
criada no período pré-colonial. Então o que ele quer dizer aqui é que as pessoas que
vivem nessa região e ocupam esse espaço se beneficiam de um processo iniciado a
muito tempo (JUNQUEIRA, 2021)
Referências
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Araucaria angustifolia (Bert.) Ktze. in the Plateau of Santa Catarina, Brazil. Economic
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MACEDO, R. S. (2009). Atributos físicos, químicos e mineralógicos de solos com
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