Você está na página 1de 348

Era uma vez um cara que estava tão cansado da vida que recorreu ao

assassinato e ao caos apenas para se sentir vivo.


Lorenzo Gambini está entediado. Tão fodidamente entediado. A
maioria das pessoas o incomoda ou o evita, com medo de enfrentá-lo.
Figurativamente. Literalmente. Com o rosto parcialmente desfigurado,
marcado, ele parece o monstro que as histórias o tornam, a ameaça notória
que eles chamam de Scar. Eles dizem que ele é um sociopata. Talvez ele
seja um psicopata. Qualquer que seja o caminho que ele esteja, as pessoas
tendem a ficar longe.
Até que um dia, uma jovem esbarra nele - uma mulher tão cansada da
vida, mas por razões muito diferentes. Com uma Letra Escarlate escrita no
pulso e segredos enterrados no fundo de sua alma, Morgan Myers está
fugindo de algo... ou talvez de alguém. Lorenzo não tem muita certeza.

Mas você pode apostar que ele vai descobrir.


― Acorde, Sunshine, ― uma voz chamou em um sussurro frenético
quando a menininha foi sacudida, despertada de um sono profundo e
sem sonhos. ― Por favor, acorde para mim.
A garotinha abriu os olhos turvos, piscando algumas vezes enquanto
olhava para o rosto pairando acima dela. ― Mamãe?
Sua mãe sorriu - um grande e amplo sorriso - mas não era o tipo de
sorriso que significava felicidade. A chuva caía do lado de fora, uma chuva
forte e constante, batendo nas janelas enquanto as árvores sopravam ao
redor. Suas sombras dançavam ao longo do piso de madeira, visíveis
graças ao brilho da suave luz noturna no quarto. Um barulho ecoou pela
casa, tão alto que chegou ao quarto dos fundos do segundo andar, vindo
de algum lugar no andar de baixo. Soou como algo batendo na porta da
frente, fundindo-se com o som do trovão ressoando ao longe.
O vento chiou. Não, espere... esse não era o vento. O coração da
menina bateu forte. Alguém estava gritando. O sorriso de sua mãe ficou
congelado quando ela gentilmente afastou os cabelos do rosto, acariciando
a bochecha quente da menina.
― É hora de jogar, ― disse a mãe, a voz trêmula quando as lágrimas
caíram de seus profundos olhos castanhos. ― Nós conversamos sobre isso.
Lembra? Esconde-esconde. Você e eu.
A menina sentou-se na cama. Ela não gostou disso. Ela não queria
brincar. Ela balançou a cabeça, as mãos pequenas agarrando o rosto da
mãe, apertando as bochechas quando lágrimas silenciosas as cobriram. ―
Não, mamãe. Não! Eu não quero!
― Nós conversamos sobre isso, ― disse ela novamente, sua voz mais firme
quando as batidas no andar de baixo pareciam mais fortes. ― Confie em mim,
ok? Você confia em mim, não é, Sunshine?
A menina assentiu.
― Então se esconda, ― disse a mãe. ― Assim como conversamos. Se
esconda realmente bem e faça como Woody e Buzz, lembra? Não faça
barulho, não se mexa, não importa o que, se alguém chegar perto de você,
ok?
A garotinha sabia que “tudo bem” era o que sua mãe queria ouvir, mas
ela não conseguiu dizer essa palavra. A voz dela não gostou. A boca dela
não diria isso. ― Mamãe, estou com medo.
― Eu sei, baby, ― ela disse, ― e tudo bem estar com medo, mas
lembra do que conversamos? Lembra o que mamãe disse sobre o que fazer
quando algo te assusta?
― Nome, ― ela sussurrou.
― Exatamente. ― O sorriso da mãe se suavizou. ― Se você der um
nome ao monstro, ele tira seu poder, porque realmente temos medo do que
não sabemos. Se você nomear, se souber o que é, poderá ser mais forte do
que isso. Então encare seus medos e enxugue suas lágrimas, lembra?
Enfrente seus medos e enxugue suas lágrimas.
O barulho no andar de baixo ficou mais alto, um estrondo balançando
pela casa, este diferente. O sorriso de sua mãe caiu quando seu olhar
disparou para a porta do quarto, os gritos mais perto.
Sua mãe se virou, incapaz de esconder o medo em seus olhos. ― Se
esconda. Vou te encontrar. Eu prometo.
Lábios macios pressionados contra a testa da menina, permanecendo
ali por apenas um momento, não o suficiente, antes de sua mãe se afastar.
Em um piscar de olhos, ela foi embora, correndo do quarto, deixando a
menininha sozinha.
Se esconda, ela pensou, para que apenas mamãe possa encontrar você.
Pegando seu ursinho de pelúcia, a menina pulou da cama, os pés
descalços em silêncio contra o chão de madeira, enquanto ela corria para
fora do quarto em sua camisola rosa favorita. Elas jogaram esse jogo tantas
vezes, mas nunca no meio da noite, nunca quando estavam invadindo
e nunca quando alguém estava lá embaixo gritando.
Era apenas prática então, como o treinamento de incêndio que
eles fizeram na pré-escola, mas isso era real.
Ela correu de quarto em quarto, o barulho lá embaixo tornando difícil
para ela pensar. As coisas estavam quebrando. A mãe dela estava
implorando. ― Por favor, não faça isso... por favor!
Pense, pense, pense.
A garotinha parou em frente ao armário de roupas de cama, tomando
a segunda decisão de se esconder nele. Ela subiu nas prateleiras, não pela
primeira vez, subindo até o topo e empurrando as coisas de lado para
rastejar sobre ele. Ela se pressionou contra as costas, apoiando-se atrás de
uma pilha de toalhas, era grande demais para desaparecer completamente.
Mas a mãe levou quase uma hora para encontrá-la naquele local quando
praticaram, e era dia, então talvez a escuridão a escondesse.
Assim que ela se instalou em seu esconderijo, um trovão sacudiu a
vizinhança, a luz soprando através das janelas. O estrondo sacudiu a casa
inteira quando sua mãe soltou um grito agudo, o barulho silenciado em
um piscar de olhos.
Ficou quieto.
Tão quieto.
A eletricidade acabou, toda a luz desapareceu.
Tudo o que a garotinha podia ouvir era sua própria respiração em
pânico.
― Enfrente seus medos e enxugue suas lágrimas, ― ela sussurrou para
si mesma, repetindo essas palavras várias vezes, enquanto se agarrava ao
urso de pelúcia. Enfrente seus medos e limpe suas lágrimas. Enfrente seus medos
e limpe suas lágrimas.
Passos começaram pela casa, mas eles não pertenciam à mãe dela -
muito pesados, muito firmes. Parecia um robô.
Fazia sentido, já que ela o chamava de Homem de Lata.
A garotinha não sabia se ele também estava com saudades do seu
coração, como o verdadeiro Homem de Lata da história, mas sua mãe o
chamou de sem coração uma vez, então achou que seria possível. Ela se
perguntou se ele havia enferrujado na chuva, já que estava invadindo.
Talvez isso o impeça de me encontrar.
― Saia, saia, onde quer que esteja ― ele gritou, vasculhando a casa. ― Eu
sei que você está aqui em cima, gatinha. Você não pode se esconder para
sempre.
Isso é o que você pensa, Homem de Lata.
Ela era boa nisso.
Sua mãe tinha certeza disso.
Ele caminhou pelo corredor, passando pelo armário, pingando água
no chão. Ele estava encharcado da tempestade, com os cabelos escuros
caídos e o botão branco preso ao peito, apenas meio dobrado e quase todo
rasgado.
Uma hora se passou enquanto ele vasculhava a casa. Pareceu uma
eternidade para a menina. Quanto tempo ele procuraria por ela? Quando
ele iria embora? Nunca?
― Tudo bem, eu desisto, ― disse ele eventualmente. ― Você venceu,
gatinha. Fim de jogo.
Seus passos firmes voltaram ao andar de baixo. Tudo ficou em silêncio
até a eletricidade piscar, a casa voltando à vida quando a tempestade lá
fora desapareceu. Fim de jogo.
A garotinha esperou mais alguns minutos, apertada no armário, antes
de seus músculos doerem e ela ficar ainda mais cansada. Silenciosamente,
ela desceu e rastejou as escadas, se perguntando por que sua mãe não havia
tentado encontrá-la.
Ainda carregando o urso, ela segurou o corrimão de madeira,
encontrando a porta da frente aberta. As fechaduras foram quebradas, a
madeira pintada de vermelho lascada, as dobradiças quebradas. Ela
passou por ela, com o estômago todo enjoado, e parou na porta da cozinha.
― Mamãe?
Sua mãe estava deitada no chão, olhos fechados, sem se mexer. A
menina se sentou ao lado dela, afastando os cabelos do rosto manchado de
lágrimas de sua mãe. Suas bochechas estavam inchadas e sua cabeça estava
sangrando, uma marca no pescoço, como se alguém tivesse pintado a
dedo em sua pele pálida.
― Mamãe, ― ela sussurrou, a sacudindo. ― Você pode acordar
agora. Não precisamos jogar mais.
― Deixe-a dormir, gatinha.
A garotinha ficou tensa, com o coração disparado quando olhou
para a porta, vendo o Homem de Lata parado lá. Ela congelou e
prendeu a respiração.
Seja como em Toy Story.
Ela não se mexeu, de jeito nenhum, mas não estava funcionando.
O Homem de Lata se aproximou e se ajoelhou, acariciando o rosto
inchado de sua mãe antes de pressionar as pontas dos dedos em um
ponto em seu pescoço descolorido. Suspirando, ele afastou a mão e se
inclinou sobre ela, pressionando o mais suave dos beijos em seus
lábios silenciosos e separados. Parecia doce, como amor, a menininha
pensou enquanto observava, nada parecido com a raiva que havia
quebrado a porta.
Talvez ele tivesse um coração.
Ela não sabia dizer.
― Vamos lá, ― disse ele, levantando-se, não dando à menina a
chance de discutir enquanto a erguia em seus braços e a puxava por
cima do ombro. ― Temos que ir.
Sirenes tocavam a distância.
Assustada, a garotinha lutou, tentando se afastar dele, perdendo
o controle sobre o ursinho de pelúcia. Ele caiu no chão, bem ali na
cozinha onde sua mãe dormia. A menina gritou em pânico, enquanto
ele a carregava pela porta quebrada da frente sem ele.
Ao sair para a garoa, o Homem de Lata disse ― É hora de ir para
casa, gatinha.
Manhattan. Morto pelo inverno.
Está tão frio que acho que minhas bolas fecharam a loja e voltaram
para casa. Em casa, na Flórida, onde está vinte e dois graus nesta época do
ano. Eles estão mergulhando no brilho do sol quente do Sul, enquanto eu
estou preso aqui, congelando meu pau na East River.
Duas horas da manhã. Menos seis graus. Parece mais perto de menos
dezessete com a maneira como o ar gelado penetra no meu grosso casaco
preto, o capuz forrado não é suficiente para me aquecer. Meus ouvidos
estão congelados. Meu nariz está escorrendo, está muito frio. É como
agulhas minúsculas cutucando minha pele repetidas vezes, pequenas
picadas desagradáveis, me picando e entorpecendo.
Prefiro ser esfaqueado com uma faca do que lidar com congelamento.
A neve de uma tempestade recente ainda está espalhada ao longo da
doca de madeira desgastada, coberta por manchas de gelo escorregadio....
gelo que quase bati minha bunda não uma, nem duas, mas três vezes
enquanto caminhava por ela. Eu não fui feito para fazer trilhas pelo gelo,
isso é certo. Minhas botas estão molhadas, meus dedos dos pés prestes a se
juntar as minhas bolas tão distantes.
Você tem que ser um idiota pra estar aqui a essa hora da noite.
Tolo do caralho.
Isso é o que eu sou.
Este sou eu.
Lorenzo 'Tolo do caralho' Gambini.
Diga comigo.
Porque aqui estou eu na doca, com as mãos enfiadas nos bolsos,
as pontas dos dedos formigando, lutando para prestar atenção ao
idiota de um metro e meio à minha frente enquanto ele grita sobre um
jogo de cartas que foi roubado na noite passada, como se eu desse a
mínima para alguns jogadores pequenos em uma cidade rica em, bem,
riquezas.
― Então, como eu disse, meu chefe diz que o acordo é...
Ele ainda está falando. Meus dentes estão batendo.
Como minha vida chegou a isso?
― Você é um sem-teto?
Minha pergunta sai em uma nuvem de respiração que permanece
entre nós, como se as palavras fossem capturadas no ar, congeladas na
noite fria. Isso interrompe suas incansáveis divagações quando ele
olha para mim pela primeira vez desde que chegou, com os olhos
arregalados de surpresa... ou horror, talvez.
Dado que sou eu que está aqui, eu diria que o último é mais
provável.
Ele olha para o meu rosto por um segundo muito longo e sabe
disso, porque antes que eu tenha a chance de dizer algo sobre isso, ele
desvia o olhar, os olhos indo diretamente para uma pilha de neve aos
pés, que ele chuta nervosamente, como um menino mau que sabe que
está prestes a ser açoitado.
― Uh, não, quero dizer... por que você pensaria...?
― Porque você me pediu para encontrá-lo aqui. ― Puxando
minha mão do bolso, aceno em torno de nós, na área cheia de
pichações e infestada de vagabundos. ― Nós poderíamos nos
encontrar em qualquer lugar... um bar, um restaurante, a porra de uma
lavanderia noturna... mas não. Você me trouxe aqui. Ninguém vem
aqui, a menos que não tenha outro lugar para onde possa ir. Então me
diga, você é sem-teto?
― Não, ― ele diz. ― É apenas, você sabe... mais seguro aqui.
― Mais seguro. ― É sério? ― Você acha que é mais seguro me
encontrar junto ao rio, quando está tão escuro que eu poderia
simplesmente jogar seu corpo nele e ninguém daria a mínima?
― Mas meu chefe...
― É um fodido idiota, ― eu digo, interrompendo-o novamente. ―
Mais idiota do que eu estava por concordar em vir a essa charada de merda
de uma reunião com alguns subordinados quando eu poderia estar em
casa... na cama… com a linda loirinha ainda montando em mim que eu tive
que chutar uma hora atrás para chegar aqui a tempo, o que está dizendo
algo, você sabe, porque isso está começando a ser classificado como o
segundo maior erro da minha vida, e eu nem gosto dessa mulher. Ela fala
demais.
O cara olha para mim novamente. É apenas um olhar trêmulo, mas me
diz que em algum lugar dentro dele, ele tem coragem. Ele tem bolas que
ainda não dobraram a cauda e correram. O tipo de bolas que podem
suportar todo esse maldito frio. Bolas de aço.
Ele veio sozinho, por instruções de seu chefe, um homem chamado
George Amello. Ol 'Mello Yello foi um dos chamados “chefes” que
surgiram após o grande “Massacre da Máfia”, como a mídia o apelidou
poeticamente, quando os chefes das notórias famílias criminosas de Nova
York foram executados em uma sala em Long Island, abrindo o caminho
para eu assumir a cidade.
A competição hoje em dia? Muito malditamente triste.
Eles são tão inexperientes, tão melodramáticos, que são chatos. Eles
acham que estão jogando O Poderoso Chefão, fingindo ser Michael Corleone,
quando nunca serão mais que um Fredo. Eles são ratos e, francamente,
estou ficando cansado de lidar com qualquer tipo de boceta que não seja
de uma forma feminina bem torneada. Aquela boceta, vou passar a vida
adorando, mas esses caras? Esses idiotas?
Eles não valem a pena perder minhas bolas.
Eu gosto das minhas bolas. Eles acentuam meu pau muito bem, você
sabe. Eu mostraria, mas bem ... você precisa ganhar primeiro. Então preste
atenção, ok? Há trabalho a fazer aqui.
― Olha, ― eu digo, satisfeito com essas besteiras de inverno. Alguns
flocos caem do céu coberto de nuvens, que é minha sugestão para levar
minha bunda para algum lugar. ― Há um bar no fim da rua, chamado
Whistle, algo assim.
Uma garganta limpa atrás de mim. ― Whistle Binkie.
Eu quase esqueci que trouxe Seven hoje à noite. Ele está sempre
lá para me flanquear quando eu precisar de cobertura, mas nunca para
atrapalhar. Eu aprecio isso. As pessoas no meu caminho tendem a ser
atropeladas, e eu odeio ter que atropelar um dos meus melhores
homens. Ele é um pouco mais velho do que eu, com quarenta e poucos
anos, e chama essas ruas de casa desde que era apenas uma criança.
Vestido de preto da cabeça aos pés, ele se mistura na escuridão, como
ele pretende fazer.
Esse homem é minha sombra.
― É esse, ― eu digo. ― Vou tomar uma bebida no Whistle Binkie
antes que eles fechem. Deseja terminar esta conversa? É onde eu
estarei. Mas isso? ― Eu giro em torno de nós novamente. ― Isso não
está acontecendo, cara.
O cara fica parado lá, sem dizer nada, enquanto eu me afasto,
voltando para o meu carro estacionado perto do cais. Seven
acompanha o meu passo, nem vacilando enquanto deslizo no gelo,
quase caindo mais uma vez. Eu odeio o inverno.
Irritado, subo no banco do passageiro do meu BMW preto, sem
me preocupar com o cinto de segurança. É apenas um quarteirão de
distância. Eu podia andar, claro, mas sinto que seria mais como patinar
no gelo e eu não patino no gelo.
Não voluntariamente, de qualquer maneira.
Seven dirige. Ele era esperto o suficiente para usar luvas hoje à
noite, couro preto agarrado aos dedos longos enquanto aperta o
volante. Uma máscara de esqui é empurrada para cima, empoleirada
em cima de sua cabeça, escondida principalmente por seu capuz, o
capuz enorme, caindo sobre sua testa. Seven é um cara de tamanho
médio, mais ou menos da minha altura e tipo de magro, sua pele com
um tom verde-oliva profundo que parece couro.
Ele para o carro em frente ao Whistle Binkie, estaciona em frente
a dois carros e liga os faróis. ― Você precisa que eu entre com você,
chefe?
― Não, está tudo bem, ― eu digo. ― Encontre um lugar, eu ligo
quando estiver pronto. Não vá longe demais.
― Sim, chefe.
Saindo, dou a volta nos carros estacionados, subo na calçada e paro lá
quando Seven se afasta. Ele não bebe. É contra a religião dele, ele diz.
Criado Mórmon, ele ainda segue alguns dos princípios, como não beber
álcool ou brincar, embora pareça que o aspecto 'não matar pessoas' seja
mais negociável com o sujeito. Depois que ele vira a esquina do quarteirão,
abro a porta e entro no bar.
Está um pouco cheio, mas isso não é realmente uma surpresa, é? É
sábado à noite na cidade que nunca dorme e a cerveja neste lugar é barata.
Encontro um banquinho ao lado do bar e sento-me, apontando para o
barman, um rapaz jovem, mal tem idade para beber.
Ele vem lentamente, me olhando como se eu fosse um animal raivoso
que poderia agredi-lo se ele se aproximasse.
Estou acostumado com esse olhar. Eu tenho conseguido isso há anos,
desde os dezesseis anos quando meu padrasto me bateu até a morte com
uma pá. Parte do meu rosto nunca se recuperou, uma cicatriz cobrindo a
metade direita, cortando meu olho e descendo pela minha bochecha. Eu
sou cego desse lado, o olho nublado, um tom de azul mais claro do que eu
nasci.
Então, eu estou acostumado, você sabe. Eu tive vinte anos para me
acostumar. Para se acostumar com o julgamento, os olhares severos, a
repulsa. Estranhos boquiabertos. Crianças se encolhem. A maioria tem
medo de me olhar na cara, como se eu tivesse saído de seus pesadelos.
Mas, embora eu esteja acostumado, isso não significa que eu goste.
Não significa que não estou tentado a arrancar a porra dos olhos deles e
perguntar como eles se sentem.
― O que eu posso fazer por você? ― o barman pergunta.
― Rum, ― digo a ele.
― Um shot?
― Uma garrafa.
Ele hesita, como se estivesse pensando em não conseguir para mim, o
que seria um erro. Com o humor que estou hoje à noite, sou capaz de pular
atrás do bar e eu mesmo pegar. Ele pega, no entanto, poupando sua própria
bunda sem saber, considerando que eu estaria inclinado a arrancar alguns
dentes da boca dele se ele fizesse eu mesmo me servir.
Agarrando uma garrafa meio vazia de rum na prateleira de baixo,
ele desliza na minha frente antes de entregar um copo.
Ele se afasta para cuidar de outra pessoa.
Eu cuidadosamente me sirvo e atiro de volta
Eu estremeço. Queima. Meu interior está coberto de chamas
enquanto eu engulo a bebida. Eu posso sentir isso me descongelando,
sufocando o frio. É uma merda barata, tão na prateleira de baixo que
nem merece um ponto na tela ao longo da parede espelhada atrás do
bar. É tão vil, na verdade, que provavelmente está corroendo meu
interior enquanto falamos.
― Você se sentiria melhor apenas bebendo thinner, ― diz uma
voz. É alegre e feminina com um tom que me faz pensar em casa. Não
que falássemos como ela na Flórida, não, mas sua voz me lembra calor.
Isso me lembra do sol. Isso me lembra noites estreladas e dias sem
nuvens.
Isso é muito idiota, eu sei.
Não conte a ninguém que eu disse essa merda.
Minha atenção se volta para a fonte da voz, na lateral, no canto do
bar, a apenas alguns assentos, encontrando o olhar de uma mulher.
Ela é jovem - com vinte e poucos anos, eu diria - com cabelos
castanhos selvagens, do tipo que parece que as mãos correm por ele,
como alguém o enrolando em seu punho e se segurando por sua
querida vida enquanto a fodiam sem sentido. Seu rosto trai isso,
porém, com um conjunto de grandes olhos castanhos, olhos inocentes
e um sorriso peculiar, quase envergonhado com a maneira que apenas
um lado parece se curvar. A cor vermelho sangue brilha em seus
lábios, combinando com o vestido vermelho de mangas compridas
que ela usa. Ou a garota é elegante, como a Marilyn Monroe dos dias
modernos, ou ela é do tipo que chupa meu pau no beco se eu comprar
um pouco de bebida para ela.
Descobri que realmente não há meio termo para uma mulher que
usa tanto vermelho na cidade.
― Você sabe o que eles dizem, ― digo a ela. ― Aquilo que não
me mata...
― Só me fortalece, ― diz ela, terminando a frase.
― Eu diria que não está se esforçando o suficiente, mas isso também
funciona. ― Seu sorriso cresce, genuína diversão cruzando seu rosto
enquanto ela olha para mim... realmente olha para mim.
Ela não está se afastando. Hum.
Talvez esta noite não esteja completamente fodida
Eu olho para ela e o copo de cerveja sujo que ela segura, meio cheio
com o que eu suponho ser o que está na torneira. Ela não se parece com um
bebedor de cerveja. Eu a levaria para uma garota de tequila, se é que
alguma coisa. Margaritas. Shot no corpo. Sal. Toda porra brilhante.
― Então, como uma mulher como você está bebendo cerveja barata
em um bar sozinha a essa hora?
Ela me olha por um momento antes de dizer ― O que faz você pensar
que estou sozinha?
Eu olho para os lados dela. O cara à esquerda, entre nós, está tão
bêbado que desmaiou em seu assento. Um banquinho vazio fica à sua
direita. Está vazio desde que entrei. Se ela não está sozinha, quem quer que
tenha vindo com certeza não se preocupa com seu bem-estar. ― Porque
um cara teria que ser um tolo para deixá-la sentada aqui sozinha, olhando
como você faz, considerando que ele pode perder você.
― Você acha?
― Oh, sem dúvida. Eu roubaria você em um piscar de olhos.
Cor preenche suas bochechas. Ela cora, rosa suave acentuada pelo
vermelho em seus lábios enquanto tenta lutar contra um sorriso, mas
falha... miseravelmente. ― Suave. Essa linha geralmente funciona para
você?
― Todas as vezes, ― digo, ― mas não chamaria isso de linha. É
verdade. Se você não cuidar bem do que tem, alguém ficará feliz em tomar.
Ela solta uma risada leve, balançando a cabeça enquanto olha para a
cerveja. ― Conte-me sobre isso.
Antes que eu possa continuar a conversa, a porta do bar se abre e o
cara da doca entra. Demorou o suficiente. Eu estava começando a pensar
que ele não viria, que eu estava errado sobre suas bolas, que seu chefe
já as havia confiscado.
Por mais divertido que seja brincar hoje à noite com a morena
bonita, ainda há negócios a tratar. Eu sei, eu sei... meu pau também
está de luto.
Deslizando para fora do banco, pego a garrafa de rum e o copo
vazio, acenando para a morena antes de passear pelo caminho do cara.
Pego uma pequena mesa de dois lugares ao lado da porta, sentando-
me em uma cadeira frágil enquanto caminha para a minha frente. ―
Sente.
Ele escuta. Ele é obediente. Ele provavelmente iria rolar e
implorar se eu falasse esses comandos, tudo em sua busca para
agradar seu mestre. Quem é um bom garoto?
― Então, uh, como eu estava dizendo, ― ele murmura, voltando
exatamente de onde paramos. ― Esses jogos de cartas são importantes
para o meu chefe. As pessoas que jogam eles... elas também são
importantes. Todo esse problema que está acontecendo está
assustando os caras, então meu chefe quer fazer um acordo com você.
― Ele quer fazer um acordo comigo, ― eu digo, servindo-me de
outra dose, espirrando bebida sobre a mesa. ― Que tipo de acordo
estamos falando?
― Ele está disposto a te dar uma parte dos lucros.
― Quanto?
― Dez por cento.
Eu quase engasgo com o rum enquanto o engulo, tossindo, a
queimadura tirando meu fôlego. Dez por cento. O porco está me
oferecendo dez por cento de praticamente nada. Moedas de um
centavo. ― Me deixe ver se entendi. Seu chefe teve um pequeno
problema com ladrões roubando seus jogos de cartas. Então, em troca
de dez por cento do que ele ganha com isso, ele quer que eu faça o
quê? Fornecer proteção? Segurança? Este não é um serviço de aluguel
de policial que eu estou executando. O que ele quer de mim?
Ele faz uma pausa. ― Ele quer que você pare de roubá-lo. ― Eu
olho para o cara. Difícil. Eu o encaro até que ele comece a se mexer, e
espero que ele retire essa afirmação, mas ele não diz nada.
Ele não está pegando de volta.
― Você está me chamando de ladrão?
― Eu não estou te chamando de nada. Meu chefe está.
― Como eu disse... seu chefe é um idiota. ― Arranco o bico de plástico
da garrafa de rum e o jogo sobre a mesa, perdendo todo o senso de decoro.
Não é como as pessoas esperam, de qualquer maneira. Quem precisa de
boas maneiras quando você tem um rosto como o meu? Eles esperam o
pior, e o que posso dizer? Eu não gosto de decepcionar. ― Eu não tenho
interesse em seus joguinhos mesquinhos de Go Fish com os pirralhos com
os quais ele faz negócios.
― Sim, eu disse isso a ele, ― diz ele. ― Disse a ele que não era seu
M.O.
Eu tomo um gole direto da garrafa antes de apontá-lo para ele. ― O
que você sabe sobre o meu M.O.?
― Eu sei que não é sobre o dinheiro para você, ― diz ele. ― O
dinheiro é uma vantagem, é claro, mas não é por isso que você faz isso.
Para você, é sobre o poder. É sobre o respeito. Você não vai desperdiçar
energia com algo que não vale a pena anexar seu nome.
Hum. Ele me pegou lá. Eu sou fã de grandes gestos. Vá grande ou vá
para casa. Ele pode ter mais bolas do que eu lhe dava crédito na doca, mas
é óbvio, olhando para ele, o ouvindo, que seu chefe considera isso um dado
adquirido. Georgie o enviou aqui esta noite, sabendo que havia uma boa
chance de ele não sobreviver ao nascer do sol. Ele é dispensável, um
simples intermediário e, apesar do clichê, todo mundo sabe que sou do tipo
que atira no mensageiro.
― Me conte algo. ― Tomo outro gole de rum. ― O que seu chefe te
deu por vir aqui? Como ele está te compensando?
Ele hesita. ― Ele não está.
― Não?
― Foi uma ordem... é o meu trabalho. Estou aqui porque é isso que eu
faço.
― Você entrega mensagens?
― Entre outras coisas.
Eu posso ouvir o significado oculto nessas palavras. As
mensagens que ele costumava entregar não são verbais. Eles não são
avisos. Eles não são pequenos negócios estúpidos. Ele entrega
mensagens na forma de uma bala aos olhos, dizendo ao mundo ‘Vejo
vocês, filhos da puta. Eu te vejo.’
Ele é intuitivo. Ele tem que ser, se ele foi capaz de me ler. Essa é
uma qualidade rara atualmente. Ninguém confia mais em seu instinto,
mas deveria. Às vezes, fios são cruzados no cérebro, tudo fica
misturado, tudo fica confuso e seu coração... você não pode confiar
naquele filho da puta. Será o primeiro a traí-lo. Isso fará com que você
sinta que o mundo é um lugar bonito. Isso fará você esquecer toda a
escuridão. Isso fará com que você espere, acredite e depois ele vai
destruir você, exatamente quando você começar a pensar que talvez
seja bom não ser tão malditamente frígido.
Mas o instinto? O instinto sabe. O instinto lembra. Você deve
sempre o ouvir.
Depois de tomar mais um gole de rum, jogo a garrafa de lado e
me inclino sobre a mesa, fechando um pouco da distância entre nós.
Ele empalidece quando faço. Corajoso e perspicaz, sim, mas o cara está
inquieto, nervoso sobre como isso vai acabar, preocupado que eu
possa matá-lo pelas coisas que ele disse.
Não posso dizer que o pensamento não me passou pela cabeça.
Mas vou dar uma chance a ele, talvez porque esteja me sentindo
generoso, ou mais provável, porque sou um filho da puta conivente.
Além disso, estou entediado. Pode ser divertido cutucar o urso um
pouco.
― Aqui está o que vai acontecer, ― eu digo. ― Você vai voltar
para o seu chefe e entregar minha contraproposta, porque esse acordo
que ele está oferecendo não vai funcionar para mim.
Ele olha fixamente para onde suas mãos repousam sobre a mesa,
entrelaçadas como em oração, e fica quieto por um momento antes de
perguntar ― Qual é a sua contraproposta?
Alcançando o bolso do casaco, tiro minha carteira de couro gasta.
Toco o maço de dinheiro, encontrando apenas centenas, e jogo uma
em cima da mesa para cobrir o custo do rum antes de deslizar minha
carteira de volta.
― Diga ao seu chefe que ele pode chupar meu pau, ― eu digo,
empurrando minha cadeira para trás para me levantar. ― Se ele fizer um
trabalho bom o suficiente, talvez eu não exploda a merda de seu cérebro
por me chamar de ladrão.
Formigamentos rastejam ao longo da minha pele, os cabelos em meus
braços pinicando de uma onda de adrenalina. Nunca deveria ter saído de
casa, nunca deveria ter me incomodado com essa reunião, nunca deveria
ter dado a esses idiotas a hora do dia.
Agora são três horas da manhã, o céu escurece quando eu saio, a neve
caindo mais forte. Eu só quero chegar em casa e esquecer que fui estúpido
o suficiente para concordar com essa merda. Amaldiçoo baixinho quando
saio no ar gelado. O frio me dá um tapa no rosto, quase tirando o fôlego,
enquanto eu puxo o capuz do meu casaco de volta sobre a minha cabeça
para tentar bloquear um pouco do ataque.
Agarrando meu telefone, ligo para o número de Seven enquanto passo
por uma parte da calçada em frente ao bar, meu olhar pela rua tranquila.
Toca uma vez. Duas vezes. Três vezes.
A porta do bar se abre assim que Seven atende. Ele me cumprimenta,
mas antes que eu tenha a chance de dizer algo em resposta, algo me atinge
por trás. Tropeço, quase perdendo o equilíbrio, derrapando no gelo
quando o telefone cai da minha mão.
Merda.
Ele bate na calçada com um baque, aterrissando em um pedaço de
neve. Pego de volta, xingando quando limpo na minha perna da calça. A
raiva corre através de mim quando me viro, prestes a fazer a noite infeliz
de algum idiota algo para lembrar, quando um flash de vermelho me
cumprimenta.
A mulher de olhos de corça por dentro.
No momento em que olho para ela, ela começa a gaguejar. ― Sinto
muito, eu não estava olhando quando saí, não te vi...
Aturdida, ela envolve seu casaco preto em volta de seu corpo. É fino,
nem quente o suficiente para afastar o frio desse calibre. Seu vestido
vermelho cai bem acima do joelho, a única coisa que cobre suas pernas é
um par de meia-calça preta. Ela é pequena, mais baixa do que eu
imaginava, quase no nível dos olhos, usando saltos.
Tremendo, ela dá um passo imediato para trás, colocando um
pouco mais de distância entre nós enquanto aperta o casaco na
defensiva, como se fosse sua armadura.
― Está tudo bem, ― eu digo. ― Sem danos causados.
Ela faz uma pausa por um instante depois que eu digo isso antes
de me virar para descer a rua, fugindo, como se eu tivesse assustado a
luz do dia apenas existindo. Engraçado. Ela tinha mais coragem
dentro do bar. Acho que ela pode ser uma Marilyn, afinal, em vez de
uma filha da puta do beco.
Pena.
Suspirando, trago meu telefone de volta ao ouvido. ― Você ainda
está aí, Seven?
― Sim, chefe.
― Estou pronto para ir agora.
Eu termino a ligação e deslizo meu telefone de volta, agradecido
pela coisa ainda funcionar. Minha mão permanece no bolso do meu
casaco, algo fora. Leva um segundo para me atingir, o bolso está vazio.
Sem carteira.
Meu olhar corre para a calçada e procuro em volta dos meus pés,
imaginando que também a deixei cair, como o telefone, mas não há
nada.
Nada além de neve, gelo e concreto desgastado.
Você deve estar brincando comigo.
Eu me afago, parecendo ainda mais um idiota, mas eu sei melhor.
Eu não vou encontrá-la. Não está aqui. Meu olhar muda para a rua
onde a mulher se afasta de mim. Ela vira a cabeça, como se pudesse
sentir minha atenção, olhando para trás onde estou.
E assim, clica.
Ela bateu em mim, me pegando desprevenido, me distraindo por
um momento...
Ela porra me roubou.
Eu.
Estou tão atordoado que quase não reajo. Meu cérebro, parece que não
dá sentido. Não computa. Como diabos ela me roubou? Eu. É impossível.
Inacreditável.
As bolas de ninguém são tão grandes.
Mas, no entanto, lá está ela, olhando para trás novamente, apressando
os passos ainda mais no momento em que começo a me mover. Meu
cérebro ainda está longe de recuperar o atraso, mas o instinto entra em
ação, forçando meus músculos a trabalhar. Dirijo-me para ela, entrando em
uma corrida, escorregando e deslizando por todo o maldito lugar, mas
conseguindo ficar de pé. Ela continua olhando para trás quando começa a
correr, perto do final do quarteirão, com aqueles cabelos selvagens por
todo o lugar, chicoteando em seu rosto.
Ela é rápida; eu darei isso a ela. Mesmo de salto, ela consegue correr
no gelo com facilidade. Isso poderia me impressionar se eu não estivesse
tão zangado.
Alfinetes e agulhas espetam meu rosto, a frieza ardendo. Eu corro o
mais rápido que minhas pernas podem me carregar, diminuindo a
distância, cada passo enviando-a mais em pânico. Assim que ela chega à
esquina, ela dá um pulo, fazendo os saltos voarem e corre pela lama da rua
descalça.
Jesus Cristo, a mulher é louca.
Ela é louca.
Ela tem que ser.
Atravesso a rua, seguindo, e a alcanço quando ela vira outra esquina.
Estou perto o suficiente para agarrar a parte de trás de seu casaco,
segurando o material e puxando-a para uma parada tão forte que ela mal
consegue ficar de pé. Antes que ela possa pensar em lutar, eu a balanço ao
redor e empurro ela contra um prédio de tijolos em ruínas, prendendo-a
ali, de pé contra ela, tão perto que seu calor corporal me envolve.
Ela engasga, os olhos arregalados enquanto me olha em choque, como
se simplesmente não pudesse acreditar que isso está acontecendo.
Eu também, mulher. Também não posso acreditar nessa merda.
― Eu vou gritar, ― diz ela, sua voz uma nuvem ofegante entre nós. ―
Eu juro que vou.
― Não, você não vai.
― O que faz você ter tanta certeza?
― Porque se você quisesse gritar, já teria feito, ― digo,
acariciando seu casaco frágil, procurando alguns bolsos. ― Agora me
dê.
Ela tenta bloquear minhas mãos. ― Te dar o que?
― Você sabe o que.
― Não, eu não... eu não sei... Ugh, o que você é...? Tire suas mãos
de mim! ― ela rosna, me empurrando. ― O que você quer?
― Minha carteira, ― eu digo, agarrando suas mãos quando ela
tenta me empurrar novamente. Eu a pressiono com força contra o
tijolo, roçando a ponta do meu nariz no dela enquanto me inclino,
cheirando uma pitada de cerveja em sua respiração, mas não é tão
forte quanto o perfume que se agarra à sua pele. Baunilha. ― Eu sei
que você roubou.
― Eu não-
― Não se faça de idiota comigo, ― eu digo, um pouco de raiva na
minha voz quando ela cai baixa. ― Está frio pra caralho e estou sem
paciência, então não é hora de jogar. É do seu interesse apenas entregar
a carteira antes de arrastá-la para um beco e procurar por ela.
Os olhos dela se estreitam. ― Você não faria isso.
― Apenas tente-me. Atreva-se.
Um segundo passa. Então outro. E outro. Sua expressão muda, o
choque se derrete quando aqueles lábios vermelhos brilhantes deixam
escapar um suspiro exasperado. Ela se afasta do meu alcance e se
afasta da parede, seu peito batendo contra mim com tanta força que
me força a dar um passo para trás, dando-lhe espaço para se mover.
Ela enfia a mão no casaco, no vestido e tira minha carteira de algum
lugar ao longo do sutiã, segurando-a entre nós. ― Tudo bem, você me
pegou. Feliz?
― Porra em êxtase. ― Eu a agarro, também agarrando sua mão,
puxando-a em minha direção. Sua manga sobe pelo antebraço,
expondo uma tatuagem no pulso. É simples, nada mais que um
vermelho 'S' cursivo. ― O que é isso, hein? Sua própria Letra Escarlate? O
que significa? Cadela sorrateira e ladra?
Ela revira os olhos. ― Engraçado. Se você acabou de me manipular,
idiota, eu tenho um lugar para estar, então eu apreciaria se você pudesse...
― Ela faz um gesto com a cabeça na minha mão. ― ...soltar.
Hesito antes de soltar, deixando-a escapar do meu alcance. Começo a
dizer algo sobre como ela está tendo sorte hoje à noite quando um carro
vira a esquina próxima, parando.
Eu me viro, vendo meu BMW, antes de minha atenção voltar para a
mulher. Eu mal vislumbro seu rosto, um sorriso em seus lábios, antes que
ela se vá novamente, correndo. Ela vira a esquina de um beco,
desaparecendo.
Essa foi fácil. Muito fácil.
Ela parecia quase divertida com isso.
Meu olhar se volta para a carteira na minha mão. Abro, encontrando
a carteira vazia. Sem dinheiro
Filha da puta.
Depois de tudo isso, ela ainda me roubou.
Ninguém faz isso.
Ninguém.
Vou até o beco e olho para fundo, mas está vazio. Eu não estou
surpreso. Ela se foi há muito tempo, tendo entrado em um prédio ou
escalado uma escada de incêndio ou saído correndo do outro lado.
Balançando a cabeça, enfio a carteira no bolso, onde ela pertence, e faço
a caminhada até o meu carro. Faço uma pausa quando atravesso a rua,
colecionando o par de sapatos de salto alto vermelhos descartados na lama,
deixados para trás na pressa de fugir com o meu dinheiro.
― Chefe? ― Seven grita, saindo do carro. ― Tudo certo?
Está tudo bem? De jeito nenhum.
Eu me viro para ele quando me aproximo. ― Consegui um trabalho
para você, Seven.
― Sim?
― Eu preciso que você encontre alguém.
― Quem?
― Uma mulher, ― eu digo. ― Cerca de um metro e meio de
altura. Cabelo castanho. Olhos castanhos.
― Isso descreve metade das mulheres em Nova York.
― Sim, bem, o que estou procurando é mais ou menos vinte e um
anos, ― eu digo. ― Ela é bonita, meio curvilínea por ser tão pequena...
tem um 'S' vermelho tatuado no pulso...
Ele olha para mim, como se esperasse mais informações. ― O que
mais?
Dou de ombros, olhando para os saltos altos, virando-os para
olhar as solas vermelhas. ― Ela usa um sapato tamanho trinta e sete.
― É isso aí?
― É isso aí.
― Não deve ser muito difícil, ― diz ele, piscando algumas vezes
enquanto olha para o chão. ― Tem apenas alguns milhões de pessoas
na cidade.
― Esse é o espírito, ― eu digo, dando um tapa nas costas dele. ―
Agora vamos dar o fora daqui para que meu saco possa começar a
descongelar.
Subo no banco do passageiro do carro, o calor me atingindo,
trazendo a sensação de volta para as pontas dos meus dedos. Leva um
momento para Seven se juntar a mim. Ele entra silenciosamente,
colocando o cinto de segurança.
Ele começa a dirigir. Eu posso dizer que algo está em sua mente.
Ele mexe os dedos contra o volante, enquanto seus olhos piscam ao
redor. Eu tento ignorar isso. Eu tento. Eu faço. Mas eu não estava
brincando quando disse que estava sem paciência e não gosto que
minha sombra esteja distraída.
― Diga o que você está pensando, ― digo a ele, ― antes de pegar
o volante e empurrar você para fora do meu carro.
Ele imediatamente para. ― Só estou curioso, por que você está
procurando ela?
― Ela me roubou.
Sua cabeça vira na minha direção tão rápido que ele acidentalmente
desvia para outra pista. ― Ela roubou você? Como?
― Não importa como ela fez isso. Tudo o que importa é que ela
conseguiu. Então eu preciso que você a encontre, para que eu possa fazer
algo sobre isso. Você me entendeu?
― Absolutamente, ― diz ele. ― Só mais uma pergunta.
― O que?
― Você vai matar ela por isso?
Eu dou de ombros. ― Acho que vamos descobrir.
Mil dólares.
Eu conto isso - dez notas de cem dólares novas e nítidas - quando
deslizo pela entrada dos fundos da Mystic, passando pela porta de metal
que alguém sustentou com um bloco de concreto quebrado (sim, porque
isso é seguro...). O som estridente sacode o corredor escuro e sinuoso,
música vindo de todas as direções quando passo por uma dúzia de quartos,
alguns com as portas fechadas. Cada quarto tem uma vibração diferente,
uma música diferente tocando, e tudo meio que centraliza aqui no meio.
As luzes piscam, uma infinidade de cores, tão intensas que se fundem com
a música que é quase como se você pudesse senti-las percorrendo seu
sistema.
Pelo canto do olho, vejo sombras se movendo, mas não olho
propositadamente para nenhum dos quartos, dando-lhes privacidade. É
uma questão de respeito. Ninguém realmente gosta de voltar aqui, então o
mínimo que posso fazer é deixá-los manter qualquer fragmento de
dignidade que conseguirem desenterrar.
Eu caminho até a frente, para o espaço aberto do clube, a música do
corredor abafada por qualquer música vulgar de rap que esteja tocando.
Algo sobre estourar bocetas.
Eu não sei. Não olhe para mim.
Eu não escolhi.
A multidão é fraca a essa hora (ou realmente, quase todas as horas...)
e as mulheres estão cansadas, contando os segundos até as quatro horas
para que possam vestir suas roupas e desocupar o local. Voltar para casa,
onde são mães, esposas e irmãs, onde fazem recados e fazem aulas até a
hora de voltar a esse buraco do inferno.
É cansativo, você sabe, entreter e satisfazer. As pessoas levantam o nariz
para os negócios, julgando, como esnobes idiotas, mas é um trabalho
decente, e ninguém nunca vai me convencer do contrário. É um trabalho
honesto... não como, bem, furtos.
Tanto faz.
Eu ando pelo lugar, não parando para reconhecer alguém. Todos se
erguem sobre mim, as mulheres usando saltos de 15 cm para manter os
olhos nos olhos dos homens, enquanto atualmente estou descalça
Descalça.
Em um clube de strip.
Sim, eu não vejo minha dignidade há muito tempo.
O escritório fica no canto, perto da entrada da frente, escondido
embaixo da cabine de DJ. Me aproximo da porta fechada, hesitando, antes
de bater nela.
A porta se abre e eu entro imediatamente, ouvindo-a se trancar atrás
de mim. Faz minha pele arrepiar. Fechaduras são o som de prisão.
Dois rapazes sentam-se ao lado na sala, a atenção fixada em uma
parede cheia de monitores de vigilância. Eu desvio meus olhos, não
querendo ver. É mais fácil fingir que ninguém está assistindo a essas coisas.
Eles dizem que é para nossa segurança, que eles nos observam para nos
evitar danos, mas eu apostaria os milhares de dólares que estou guardando
que, se alguém começar a mutilar alguma dessas mulheres, esses dois
idiotas simplesmente se sentam aqui e se masturbam.
― Estou surpreso em vê-la, ― diz uma voz atrás de mim. ― Imaginei
que você tinha outros planos neste fim de semana, já que disse que não
viria.
― Eu tinha, ― eu digo, virando-me para encará-lo. George Amello.
Ele tem cinquenta e poucos anos, é um italiano de barbear limpo, com um
sorriso largo e cabelos ralos. ― Eu ganhei algum dinheiro.
― Você ganhou dinheiro, ― diz ele, sentando-se atrás de sua mesa,
seus olhos escuros em mim. ― Como?
― Isso importa?
Ele ri, uma risada grande e barulhenta que deixa as pessoas
desconfortáveis. ― Não, acho que não. Quanto você tem para mim?
Eu dou a volta na lateral de sua mesa, até onde ele está, e vou para ela,
sentando na ponta, de frente para ele. Meu vestido sobe, os topos das
minhas coxas rendadas visíveis. Eu entrego a ele a pilha de dinheiro, e ele
pega, seu olhar demorando nas minhas coxas por um momento antes de
começar a contar.
Quando ele termina, ele abre uma gaveta da mesa e joga o dinheiro
nela. Ele não diz nada, apenas aceita. Há pouco tempo, ele costumava
oferecer promessas, palavras de encorajamento, mas hoje em dia sua ajuda
é mais como extorsão, como se eu estivesse pagando por seu silêncio.
Bem, eu meio que estou, mas isso não vem ao caso aqui...
Sua mão encontra o meu caminho antes de correr pela minha coxa,
deslizando sob a barra inferior do meu vestido, as pontas dos dedos
calejadas acariciando minha pele. Ele é prático, às vezes superando uma
sensação - inspecionando os produtos, como ele chama -, mas nunca tenta
levar isso adiante. Alguns podem dizer que ele é um ser humano decente.
Eu digo que ele é apenas embaraçosamente impotente.
Nenhuma quantidade de pequenas pílulas azuis tirará essa marcha do
parque, se você souber o que estou dizendo.
Então, eu tolero isso... por enquanto... até o dia em que eu não precisar
mais desse lugar ou da ajuda dele.
Há outra batida na porta, e George se levanta com um suspiro,
puxando a mão enquanto se aproxima da porta, destrancando-a e abrindo-
a.
― Chefe, ― diz uma voz masculina calma quando alguém entra. Eu
olho para ele, fico tensa quando vejo um cara vagamente familiar. Jovem,
com a cabeça raspada e os olhos macios e cor de avelã. Ele estava no bar
hoje à noite, a alguns quarteirões de distância.
Ele estava com aquele cara, aquele com a cicatriz no rosto e muito
dinheiro na carteira, o que bebia rum barato direto da garrafa.
Ah Merda.
Eu me viro, de costas para o cara enquanto ele se senta atrás de mim,
do outro lado da mesa, esperando como o inferno que ele não tenha me
notado hoje à noite. George retoma seu assento, a mão direita na minha
coxa, traçando o laço com as pontas dos dedos.
― Sim? ― George diz. ― Como foi com Scar1?”
Scar? Sério? Como alguém pode ser tão clichê?
O cara limpa a garganta. ― Ele diz que não tem nada a ver com o que
está acontecendo.
― Merda de cavalo, ― diz George. ― Tem que ser ele. Quem mais
teria coragem de roubar de mim?
Todo mundo, acho, mantendo isso para mim mesma, fingindo que não
estou ouvindo, para que George não me expulse. Inferno, eu roubaria dele
se não contasse com a generosidade dele para permanecer à tona. Não seria
exatamente difícil. Ele nem tranca a gaveta em que joga seu dinheiro.
― Eu não sei, ― diz o sujeito ― mas ele insistiu e até ficou bravo com
a insinuação de que era um ladrão.
― Ele é um ladrão! ― George diz, levantando a voz, a mão parada no
meu joelho. ― Ele extorque metade dessa cidade!
― Mas ele diz que não roubou de você, ― diz o cara. ― No entanto,
eu ainda apresentei sua oferta de que você estaria disposto a dar uma
porcentagem, se ele o interromper, e ele me disse, bem... ele me disse para
lhe oferecer sua contraproposta.
― Qual é? Quinze por cento? Vinte? Eu não vou passar dos vinte e
cinco, não tem jeito.
― Ele não quer o seu dinheiro.
― O que ele quer?
― Um pedido de desculpas, eu acho.
― O que? Foi isso que ele disse?
― Bem não. ― O cara faz uma pausa. ― Ele disse para você chupar o
pau dele, mas tenho certeza de que um pedido de desculpas foi o
sentimento que ele estava buscando.

1
Cicatriz.
Meus lábios se contraem quando eu forço de volta um sorriso. Oh
Deus, não ria. Eu pareço ser a única na sala que acha engraçado. As narinas
de George se abrem quando ele agarra meu joelho, apertando-o.
― Ele disse que? ― George pergunta, sua voz um rosnado baixo. ―
Para eu chupar seu pau?
― Sim, ― diz o cara. ― Disse que ele não vai te matar se você fizer um
trabalho bom o suficiente.
Uau, isso continua melhorando. Mordo minha bochecha com força,
tentando manter uma cara séria, mas estou achando isso difícil no
momento. As bochechas de George brilham em vermelho brilhante, seus
olhos saindo das órbitas, como essas palavras o deixaram tão nervoso que
ele está prestes a explodir uma junta.
George, ele não é exatamente o cara mais assustador do planeta, mas
certamente intimida muitas pessoas, com sua atitude cara a cara e seu
temperamento ardente. Ah, e ele também tem um ego inflado, como se
fosse invencível, o que acho que compensa todo o negócio flácido de pênis.
Eu não sei. Quem eu sou, Dr. Phil?
O ponto é que George se esforça para manter a calma, o que está
mostrando no momento, quando o aperto na minha perna começa a doer,
como se estivesse prestes a arrancar minha rótula.
― O filho da puta acha que pode me ameaçar? ― George cuspiu. ―
Ele acha que tenho medo dele, que vou pedir desculpas a ele? Ele acha que
tudo isso é uma piada? Que eu sou uma piada?
O cara não responde. Talvez seja retórica, não sei. Mas com certeza me
deixou curiosa - não é? Não sei nada sobre ele, exceto que ele carrega muito
dinheiro e ele pegou meu jogo muito rápido.
― Eu vou matá-lo, ― George continua, levantando-se, finalmente
soltando minha perna para que ele possa andar pelo pequeno escritório. ―
Chupar o pau dele? Vou cortar! Vou cortar e enfiar na garganta dele, fazê-
lo engasgar por falar assim! O nervo!
O cara ainda está quieto. Viro a cabeça, dando uma espiada nele e vejo
que ele está me encarando. Merda. Eu não sei quem ele é. Fico longe desse
lado dos negócios de George por um bom motivo. Um de seus pequenos
bandidos, suponho.
― Volte para ele, ― diz George. ― Você volta para aquele filho da
puta e passe uma mensagem para ele.
― Que tipo de mensagem? ― o cara pergunta, finalmente olhando
para longe.
― O tipo que vem com uma bala, Ricardo. Aquele tipo.
Ricardo - como o nome dele parece ser - solta um suspiro mais baixo
antes de dizer ― Estou ouvindo você.
― Continue. ― George acena em direção à porta enquanto se joga de
volta na cadeira. ― Saia já daqui.
Ricardo sai sem outra palavra, fechando a porta atrás de si. Sento-me
aqui, sem me mexer, esperando George se acalmar. Se mover rápido
demais e eu posso assustá-lo; demorar muito e ele pode pensar que estou
ouvindo.
Bem, quero dizer, eu estou, mas levantar a suspeita dele não é minha
intenção. Atualmente, estou tentando me acalmar, apenas esgueirar-me
sob o radar.
George passa as mãos pelo rosto em frustração, resmungando
baixinho, antes que seus olhos se fixem em mim. ― Existe algo que você
precisa?
― Não, ― eu digo, oferecendo a ele um sorriso, que ele não retorna.
― Apenas cuidando dos negócios. Vou tirar o cabelo agora.
― Faça isso, ― diz ele.
Levantando da mesa, puxo meu vestido para baixo, me cobrindo antes
de sair. A música ainda está forte, o baixo vibrando no chão enquanto eu
sigo pelo clube, navegando pelo corredor escuro até a porta dos fundos.
Uma nuvem de fumaça me cumprimenta quando saio, do tipo que faz
meus olhos queimarem e meu nariz se contorcer. Ricardo espreita lá, do
lado de fora da porta, fumando freneticamente um cigarro, os lábios
enrolados no final como uma estrela pornô chupando pau. Ele se vira
quando me ouve, tenso, alarmado e solta um fluxo de fumaça na minha
direção.
Eu aceno, fazendo uma careta. Bruto.
― Desculpe, ― ele murmura, bufando a coisa mais algumas vezes,
lado a lado, antes de jogá-lo no chão e pisar, torcendo o pé com a bota com
tanta fúria que ele o rasga em pedaços.
Desculpe, não é uma palavra que ouço com frequência, especialmente
de nenhum dos homens que encontro na vida. Eu meio que me sinto mal
pelo cara. Algo o deixou exausto e, na verdade, quem sou eu para julgar os
vícios de alguém?
― Está tudo bem, ― eu digo. ― Noite difícil?
― Você poderia dizer isso, ― diz ele, me olhando com cautela. ― Você
é uma das garotas de Amello?
― Você poderia dizer isso, ― digo a ele, repetindo suas palavras.
Ele concorda. ― Quanto custa?
― Quanto custa o quê?
― Quanto você cobra? Quanto custa levá-la para uma daquelas salas
dos fundos agora e deixar ficar com você por uma hora?
A simpatia que senti apenas um segundo atrás? Se foi. ― Eu não sou
uma dessas garotas.
Ele ri secamente. ― Vamos lá, nomeie o seu preço.
― Não está acontecendo, ― repito. ― Então, se você está procurando
por boceta, procure em outro lugar, amigo.
Eu vou dar a volta nele, mas ele agarra meu pulso para me parar. Pego
meu braço, franzindo a testa e me viro para ele, indo direto para ele. ―
Não toque mim.
― Desculpe, ― ele diz novamente, esse pedido de desculpas não é de
todo genuíno, um pequeno sorriso puxando seus lábios, como se eu o
divertisse. Como eu estar chateada que ele me tocou é de alguma forma
engraçada. Eu quero dar um tapa no rosto dele, mas não faria diferença.
Não mudaria o que eu sei que ele está pensando.
Provavelmente, minha bunda estaria presa em um ataque e carga de
bateria hoje à noite, realmente, o que levaria a uma série de outros
problemas para mim.
Grandes problemas.
Não posso arriscar.
Dou alguns passos para longe quando o ouço rindo baixinho,
murmurando ― Sua boceta provavelmente não é tão boa assim, senhora.
― Legal, Rick Liso, ― eu digo para ele enquanto continuo andando.
― Sua amargura não está aparecendo.
― Foda-se ― diz ele.
― Sim, você deseja, imbecil.
Eu ouço a música da Mystic sendo cortada, os murmúrios incoerentes
do DJ a substituindo. Horário de encerramento. Quatro horas. Enfiando
minhas mãos geladas nos bolsos, eu me afasto, meus pés dolorosamente
formigam, naquele lugar antes da dormência, onde tudo simplesmente
doe.
É apenas a alguns quarteirões do meu prédio, na mesma rua do bar
barato, Whistle Binkie. Meus passos são apressados enquanto observo por
cima do ombro, certificando-me de que não estou sendo seguida. Meus
sapatos sumiram quando chego à esquina, não está mais onde os chutei.
Engraçado.
Em que diabos eu me meti naquela hora?
― Não há lugar como o lar.
A garotinha balançou os pés enquanto sussurrava essas palavras,
batendo os calcanhares nus, mas não estava funcionando. Talvez ela
precisasse de um par de chinelos de rubi, como Dorothy. A casa era grande
como um palácio, então poderia ter sido Oz, mesmo que a estrada não
tivesse sido de tijolos amarelos que levavam a ela. Não, eram ruas normais,
com tantos carros e tantas pessoas, nenhuma delas Munchkins cantando
canções, nem mesmo uma bruxa rosa bonita em uma bolha.
Apenas um monte de macacos voadores.
Eles pertenciam ao homem de lata. Ele não tinha os macacos na
história, mas na vida real. Sua mãe os chamava assim, às vezes, o que
confundia a menininha, já que eles não tinham asas. Mas o que quer que
fossem, ela não gostava deles. Todos estavam barulhentos e riram como se
tudo fosse tão engraçado, mas era o tipo de risada que parecia maldosa.
Eles disseram palavras feias e chamaram as pessoas de maus nomes e não
gostavam de garotas, embora afirmassem que sim. Eles as beijaram na
boca, como o homem de lata tinha beijado a mãe dela, mas depois as
empurraram como se nada significassem.
A garotinha não gostou lá, naquele grande palácio, sentada no
banquinho do bar da cozinha, com as pernas tão curtas que apenas
balançavam.
― Não há lugar como o lar, ― ela sussurrou novamente, mal se
ouvindo sobre a conversa alta, batendo os pés juntos.
Ainda não funcionou.
― O que você está fazendo, gatinha?
A garotinha levantou a cabeça, erguendo os olhos do colo,
encontrando o olhar do Homem de Lata em frente a ela, a única outra
pessoa sentada. Seus olhos eram como metal, frios e cinza como nuvens.
― Eu quero ir para casa, ― ela sussurrou.
Ele olhou para ela. ― Você está em casa.
Ela balançou a cabeça.
― Você está ― ele disse novamente. ― Esta é sua casa, gatinha. É aqui
que você pertence.
― Eu não gosto disso.
― Você vai se acostumar com isso.
― Eu quero mamãe.
― Não.
Sua voz era aguda quando ele latiu essa palavra, silenciando todos na
sala. Ninguém gostou do som, nem mesmo os macacos voadores, que não
acharam engraçado quando o homem de lata ficou com raiva.
Lágrimas ardiam nos olhos da menina, seu olhar novamente no colo
enquanto o lábio inferior tremia. ― Por favor.
Ela podia sentir tantos olhos nela, todos assistindo, esperando para ver
o que aconteceria. Um momento se passou, onde ninguém reagiu, antes
que o Homem de Lata colocou o dedo indicador sob o queixo dela,
erguendo sua cabeça para fazê-la olhar para ele.
― Você não precisa dela, ― disse ele, sem um pingo de emoção em
suas palavras. ― Eu sou tudo que você precisa.
― Mas-
Antes que ela pudesse argumentar, a mão dele envolveu seu queixo,
apalpando seu rosto, os dedos fortes e tatuados cavando suas bochechas,
apertando-as.
Ele a agarrou com força, inclinando-se para mais perto. ― Você não
vai falar dela comigo novamente. Eu fui claro?
A menina assentiu, lágrimas escorrendo dos olhos.
Ele afastou o rosto dela, quase a derrubando do banquinho.
― E pare de chorar, ― ele exigiu, levantando-se para ir embora. ― Ela
não vale sua dor no coração, assim como não vale a minha. Nós dois vamos
superar isso.
A garotinha não acreditou nisso. Ela não conseguiu. Não. Ela pode
enfrentar seus medos e enxugar elas, como sua mãe lhe ensinou, mas ela
nunca superaria isso.
Uma casa branca de dois andares no sul do Queens.
Há até uma cerca de piquete ao redor.
É adequado para uma família perfeita: mãe, pai, dois ou cinco filhos e
um Golden Retriever, vivendo felizes em um subúrbio tranquilo. Quatro
quartos. Três banheiros. Há uma biblioteca no andar de baixo. É em um
bairro tipicamente livre de crimes.
Sem assassinatos.
Sem assaltos.
Nada divertido, francamente.
Apenas me chame de Ward Cleaver2. Deixe isso pra porra do Beaver.
A casa é toda minha. Eu encontrei o sonho americano.
Eu tenho que dizer... a merda não é tudo o que parece ser.
A neve cobre a calçada que corre ao longo da frente da casa. As ruas
foram limpas desde que começou a nevar, mas todo o resto está
mergulhado em uma camada de branco puro. Parado na janela da frente
da casa, eu olho para a manhã fria, vendo flocos grossos caírem do céu
nublado.
O tom monocromático é bastante consistente com o que estou
sentindo.
Monótono. Morto. Tedioso.
Cinquenta outras palavras que você encontrará em um dicionário de
sinônimos.

2
Ward Cleaver, Jr. é um personagem fictício do seriado americano de televisão Leave It
to Beaver
Eu moro aqui há alguns meses, mas já estou ansioso para me mudar
novamente. Desde que cheguei a Nova York há apenas alguns anos, fiquei
em onze lugares diferentes, a maioria dos quais não tinha exatamente
permissão para me mudar. Eu vejo uma oportunidade e a aproveito, seja
adquirindo uma casa ou, bem, um cargo.
O que posso dizer? Eu sou engenhoso.
Não pode me culpar por isso, pode?
― Ainda está nevando?
Eu me viro ao som da voz atrás de mim, vendo meu irmãozinho entrar
na sala de estar. Leo - ou Pretty Boy3, como eu sempre o chamei-, é
dezesseis anos mais novo que eu, com vinte e poucos anos, enquanto os
trinta batem na minha porta há muito tempo. Nós não somos nada
parecidos. Ele é jovem e esperançoso. Fiquei amargo com a idade. Ele tem
muito coração. Me disseram uma ou duas vezes que sou um idiota
insensível.
Ele ama esta casa, esse bairro e esse sonho...
A única coisa que amo é, bem, talvez ele.
Todo o resto é apenas um carinho inconstante que eu acabo fodendo
muito rápido.
― Claro que está nevando, ― eu digo, caminhando até o sofá de couro
preto para me sentar. ― Eu tenho coisas para cuidar, então naturalmente
nevará o dia inteiro e tornará tudo o mais difícil possível.
Leo passa por mim para tomar o lugar em frente à janela. ― Tanto
otimismo.
― Sim, bem, nem todos nós podemos ser ensolarados o tempo todo.
Sinceramente? Estou de mau humor. Estou em casa há horas, tempo
suficiente para testemunhar o nascer do sol, mas isso não é novidade. Tive
insônia a maior parte da minha vida, e é provavelmente por isso que sou
tão paranoico. O sono me escapa e as pessoas me agravam, deixando meu
dedo no gatilho um pouco contorcido, se você sabe o que estou dizendo.
Normalmente, eu lido melhor com a falta de sono, mas hoje isso me
deixa tenso por algum motivo.

3
Garoto Bonito
Minha atenção se volta para a mesa de café na minha frente. Os saltos
altos vermelhos ficam no centro, lado a lado. Pego um, passando as pontas
dos dedos ao longo da sola vermelha. O salto é longo e fino, curvado um
pouco, talvez seis polegadas, e afiado o suficiente para que, com um golpe,
ela pudesse facilmente tirar meu olho bom com ele.
Afinal, tudo é uma arma, se você olhar da maneira certa, e eu sou o
MacGyver do assassinato. Eu poderia matar um homem com um sapato
assim. Também não me incomoda ter que fazê-lo.
― Eu quero saber por que você os tem? ― Leo pergunta.
Eu olho para ele. ― Longa história.
― Termina com os pés enfiados em um par de saltos vermelhos?
Porque se assim for, eu realmente gostaria de ouvir.
― Receio que não seja tão interessante, ― digo. ― Conheci uma
mulher que usava isso. Ela fugiu, deixou os sapatos para trás.
― Como Cinderela. ― Ele balança a cabeça. ― E o que, você vai
experimentar eles em todas as mulheres do reino até encontrá-la
novamente?
― Se eu precisar, ― eu digo, colocando o sapato de volta ao lado do
outro. Antes que eu possa elaborar, há um barulho no andar de cima, um
baque alto acima da minha cabeça. Meu olhar se volta para o teto enquanto
minhas costas endurecem.
― Está tudo bem, ― diz Leo. ― É apenas Mel.
― Quem?
― Mel, ― ele diz novamente. ― Você sabe... minha namorada?
― Ah, Firecracker4.
Ele solta um suspiro dramático. ― Estamos namorando há mais de um
ano... você acharia que meu próprio irmão lembraria o nome dela até
agora.
― Por favor, ― eu digo. ― Mal me lembro do seu nome, Pretty Boy.
Nomes não significam nada para mim. Eles são irrelevantes. Eles não
definem uma pessoa. Eles apenas os rotulam. E bem, se vou rotular as

4
Foguete
pessoas, rotulo-as de uma maneira que as defina para mim. Como...
Firecracker.
― E como exatamente Firecracker a define?
― Ela é barulhenta, ― digo enquanto os pés pisam no chão acima da
minha cabeça, indo para as escadas. ― Ela é meio que atraente.
Ele solta um latido agudo de risada enquanto se afasta da janela,
caminhando em minha direção. ― Você está checando minha namorada?
― Não sonharia com isso, ― eu digo. ― Ela não é do meu tipo.
― Poderia me enganar, ― diz Leo. ― Pensei que seu tipo estivesse
respirando.
― Ha ha. Você sabe que tenho padrões.
― Padrões?
― Gosto de uma mulher que não espera que eu tenha que conversar.
Ele ri de novo, como se achas isso genuinamente engraçado. ― Oh, o
horror de ter que conversar com uma mulher como se ela fosse uma pessoa
e não apenas um corpo quente.
― Você está zombando de mim, Pretty Boy?
― O que você acha?
― Acho que atirei nas pessoas por menos atitude.
― Não me surpreende, ― diz ele. ― Parece algo que alguém alérgico
a sentimentos faria.
― Eu não sou alérgico a sentimentos. Eu os tenho.
― Você?
― Sim, e agora estou me sentindo muito irritado com essa conversa,
então prefiro que não a tenhamos.
― Ah, então você não evita falar com mulheres... são realmente
sentimentos sobre os quais você não quer conversar. Entendi.
Ele está apertando meus botões.
Leo pode ser a única pessoa ao redor que não tem medo de fazer isso.
Ele me olha no rosto sem hesitar, nunca se empolga com o que vê, e me
chama de merda, como um pai dando uma lição para uma criança... o que
é meio engraçado, você sabe, desde que eu criei aquele filho da puta.
Eu deveria ser o maduro, o modelo, mas acho que ele pode ser a única
coisa que me impede de explodir o mundo inteiro e todo mundo nele.
Veja bem, eu aprendi há muito tempo que a coisa mais valiosa que
você tem é a sua reputação. Isso dá a você coisas que o dinheiro não pode
comprar, abrindo portas que geralmente são bem fechadas. Não dê
ouvidos a isso, ‘foda-se o que as pessoas pensam’ besteira da Vila Sésamo,
elas te deram comida quando criança. Você deve se importar com o que as
pessoas dizem sobre você.
Boatos e fofocas... isso importa. Porque, embora você possa se
orgulhar de seu personagem, enquanto você pode ser o tipo de pessoa que
não se rende, isso não significa nada se o imbecil atrás de você acreditar
que você está saindo do caminho dele, porque ele só vai atropelar você.
Se meu padrasto me ensinou alguma coisa, é que a chave da
sobrevivência é a imitação. Você é o que você precisa ser para alguém. Use
a pele de uma cascavel, mesmo se não houver uma única gota de veneno
dentro de você, porque se você as fizer acreditar, elas não chegarão perto
o suficiente para serem mordidas. Eles não chegarão perto o suficiente para
ver que talvez seja um disfarce; talvez você não seja tão perigoso quanto
eles pensam. E se eles chegarem tão perto assim, então você tem uma
escolha: você se rende ou se torna a coisa que eles mais temem.
Eu não me rendo.
Mas nem todo mundo precisa da mesma coisa, e esse é o truque. Você
não pode ser apenas uma coisa. Se você tem que ser um monstro, você é
uma merda de metamorfo.
E meu irmão? Ele não é um predador, então não preciso ser um com
ele. O que Leo precisa é de alguém em quem confiar, alguém em quem
acreditar, alguém que o proteja, e é isso que eu sou. Eu sou a família dele.
Eu sou amigo dele. Eu sou uma serpente inofensiva sem chocalho no rabo.
Quem sou eu realmente? Eu gosto de pensar que estou em algum lugar.
Talvez no fundo eu não queira machucar você mas, porra, eu irei, e me
destruirei fazendo isso se for necessário. Eu vou te pegar, mesmo que isso
me mate. Eu sou como uma abelha.
Aparentemente, eu também sou alguém que gosta de metáforas de
animais quando preciso dormir um pouco.
Então blá blá blá, seja o que for, o ponto aqui são sentimentos fodidos,
eles não levam a lugar algum.
― Vou para a cama. Se você quiser conversar com alguém, Pretty Boy
sua namorada estará chegando em cerca de três segundos. Fale com ela.
― Sobre o que?
A voz borbulhante soa bem na marca de três segundos quando a
namorada de Leo entra. Melody Carmichael. Leo a chama de Mel. Claro
que eu sei o nome dela. Fiz questão de aprender quando percebi que ele
estava falando sério sobre ela. Jovem, loira e bonita, com certeza, mas a
garota tem uma boca grande. Às vezes, ela fala tanto que me pergunto
como está respirando, como não está sufocando com todas as palavras que
insiste em falar.
E ela chora. Jesus, porra, a menina chora. Ela se sentou bem aqui no
meu sofá e chorou duas noites atrás, enquanto assistia a um filme sobre um
homem morrendo.
Leo a consolou, segurando-a, enquanto eu estava na porta, desejando
que fosse eu quem estivesse morto. Eu, só para não ter que ouvi-la
chorando por mais um segundo.
― Sobre a falta de sentimento de Lorenzo pelas mulheres, ― diz Leo.
Melody ri. ― Eu não sei... com base nos ruídos que saíram do quarto
dele por volta da meia-noite da noite passada, eu diria que ele estava
sentindo algo com uma mulher.
― Ele estava fazendo ela sentir algo. Grande diferença. ― Leo se vira
para mim, levantando uma sobrancelha. ― Qual era o nome desta?
― Barbie, ― eu digo.
― E Barbie é o nome verdadeiro dela? ― Leo pergunta. ― Ou é
exatamente assim que você está chamando-a, já que ela era loira platinada
e cheia de plástica?
Ok, ele me pegou lá...
― Foi o que eu pensei, ― ele continua quando eu não respondo. Não
adianta desperdiçar meu fôlego. Ele sabe. ― Aposto que você
provavelmente nem se lembra do nome real dela.
― Era Tina.
― Realmente? ―
― Não, eu não sei, ― digo, levantando-me. ― Não prestei atenção a
qualquer palavra que ela disse.
Sua risada me segue quando eu pego o par de salto e caminho em
direção à porta. Melody me olha com cautela quando passo por ela. Ela não
se afasta... mais... mas eu não diria exatamente que ela também baixa a
guarda em volta de mim. Seu olhar muda para os sapatos, a testa franzida.
― Isso são Loubitons?
― Isso é o que eles dizem.
― Por que você os tem?
― Por que você faz tantas perguntas?
Ela não tem resposta pra isso, o que é o melhor, considerando que Leo
provavelmente o segurará contra mim se eu der um soco na namorada dele
por se intrometer nos meus negócios. Eu ouço Leo explicando a ela sobre
Cinderela, mas eu simplesmente vou embora. Príncipe Encantado, eu não
sou, nem jamais serei. Não, veja bem, as pessoas me chamam de Scar por
um motivo, e isso não tem nada a ver com o fato de que meu rosto ficou
ferrado. Eu sou o vilão; Eu sou o leão que entrou, destruindo suas terras
de orgulho. Eu matei o rei e enviei Simba para fazer as malas. Mas, ao
contrário da cicatriz fictícia do desenho animado, eu não pretendo perder
no final da minha história. Tudo o que a luz toca nesta cidade me pertence.
Eu sou o maldito rei leão.
Eu sei, eu sei... outra metáfora animal.
Cara, eu preciso dormir um pouco.
Subindo as escadas, ando pelo corredor até o quarto nos fundos. Tudo
é impessoal, sem distrações - paredes brancas lisas e uma cama king size
da Califórnia com o melhor colchão que o dinheiro pode comprar, o tipo
de espuma da memória que apenas o embala, que o abraça como se amasse
você, envolto em caro algodão egípcio, mas nada disso faz alguma
diferença quando chega a hora de adormecer.
Depois de colocar os sapatos em cima da única cômoda, tiro todas as
minhas roupas, as descarto no chão e caio na cama de costas, nu. O
ventilador de teto acima de mim gira levemente ao redor e ao redor e ao
redor. Eu rastreio com o meu olhar. Isso me ajuda a relaxar, como uma
versão estranha de contar ovelhas, ou talvez eu fique tão tonto que acabo
desmaiando, mas, independentemente disso, geralmente durmo um pouco
dessa maneira.
Mas não hoje.
Não, mesmo enquanto eu observava as lâminas giratórias, em vez de
desligar, minha mente começou a vagar, pensamentos de uma morena
pequena com cabelos selvagens entrando. O sorriso nos lábios vermelhos
logo antes de ela correr da última vez, o presunçoso ‘eu peguei você, filho da
puta’ sorriso, como se ela estivesse se vangloriando, invade cada parte de
mim, como uma infecção se instalando, corroendo meu interior. Ela não
tem ideia de com quem está mexendo, mas vai aprender. A pequena Miss
Letra Escarlate roubou o filho da puta errado. Estou recebendo meu
dinheiro de volta, cada centavo, e ela terá muita sorte se eu não der seu o
último suspiro como interesse.
Gostaria de saber se ela sorrirá então, comigo a prendendo, meu corpo
em cima do dela, mantendo-a trancada no lugar. Eu me pergunto se ela
sorrirá quando eu envolver minhas mãos em sua garganta, apertando,
pressionando contra a artéria carótida, fazendo-a me olhar no rosto
enquanto torço seu pescoço. Eu me pergunto se ela sorrirá quando a cor
drenar de suas bochechas, enquanto a faísca diminui em seus olhos, porque
eu com certeza vou.
Fico duro só de pensar nisso.
Nada me excita mais do que ver alguém lutar, lutando pela
sobrevivência. São instintos ferozes. Eles dão tudo o que têm, porque
sabem que se não o fizerem, não restará nada. Eu vou levar tudo. Vou levar
a dignidade deles. Vou pegar o dinheiro deles. Vou levar a família deles
também, se eu quiser. Vou tirar a vida deles em todos os sentidos da
palavra. Desespero em sua essência, expondo aqueles nervos crus de
autopreservação. Não há nada mais poderoso do que segurar a vida de
alguém em suas mãos, sabendo que elas não são fortes o suficiente para
dominá-lo... sabendo que a única esperança delas é que você seja
misericordioso.
Fechando os olhos, agarro meu pau, acariciando-o. Duro e rápido, sem
tentar saborear a sensação, precisando da liberação para aliviar minha
tensão, esperando como o inferno que me faça dormir. Demora menos de
trinta segundos antes do meu abdômen apertar, meu pau pulsando
quando o orgasmo me atinge como um soco no peito. Cerrando os dentes,
sufoco o gemido, sinto como o jato jorra, atingindo meu estômago e os
lençóis da cama. O calor se espalha por todo o meu corpo, formigamentos
cobrindo minha pele enquanto meu pau se contrai. Eu acaricio mais
algumas vezes, respirando profundamente enquanto meus músculos
relaxam.
Finalmente.
Suspirando, soltei meu pau, mantendo os olhos fechados, sem me
preocupar em limpar a bagunça. O peso se instala nos meus membros, a
dormência se espalhando.
Mas ainda... ainda... o sono não vai assumir.
― Foda-se isso, ― eu resmungo, saindo da cama, cambaleando,
balançando, enquanto vou para o chuveiro. ― Outro dia aguarda.

― Eu pensei que você estava indo para a cama?


Meu irmão ainda está na sala de estar.
Sua namorada ainda está com ele, os dois juntos no sofá, abraçados. É
tudo o que eles parecem fazer. Beijar, abraçar, sussurrar e foder, um ciclo
de amor e morte, dia após dia, como um velho casal.
― Eu fui, ― eu digo, parando na porta.
Ele pisca para mim. ― Você foi?
― Sim.
― Faz apenas uma hora, mano, ― diz ele ― mesmo que por tanto
tempo. Não tem como você dormir.
― Eu não disse que fui dormir, ― eu indico. ― Eu disse que fui para
a cama.
― Qual é o sentido de ir para a cama se você não vai dormir? ― Assim
que ele pergunta, ele balança a cabeça. ― Não importa.
― Não importa o que? ― Melody pergunta, olhando entre nós.
Curiosa como uma merda.
― Nem pergunte, ― Leo resmunga.
As sobrancelhas dela se enrugam. ― Não pergunte o que?
― Ele não quer que você pergunte sobre seu tempo lá em cima.
― Seu tempo - oh! ― Os olhos dela se arregalam. ― Nossa.
Leo geme. ― Eu disse para você não perguntar.
Balançando a cabeça, eu me inclino contra o batente da porta, meu
olhar indo para a janela. Na última hora, enquanto tomava banho e me
vestia, acordando de novo, a neve diminuiu para uma enxurrada pouco
presente, as condições muito mais controláveis. ― Então, quanto tempo
você acha que deve levar para encontrar alguém na cidade?
― Uh, eu não sei, ― diz Leo. ― Alguns dias... semanas... talvez.
Quanto tempo levou Ignazio para encontrar quem ele estava procurando?
― Maldito quase vinte anos, ― eu digo.
― Bem, lá vai você, ― diz Leo. ― Duas décadas.
Duas décadas.
Caso você não saiba quem é Ignazio, deixe-me dar a versão dele do
Cliff Notes: cara com uma arma e rancor procurando uma garota para fazê-
lo se sentir melhor. Levou muito tempo para encontrar ela, e quando ele
finalmente o fez, nada correu conforme o planejado, que é a razão número
cento e sessenta e nove por que eu tendo a trabalhar em movimento. Eu
sou o tipo de cara que se depara com um prédio em chamas sem pensar
nas chamas... especialmente porque, você sabe, é provável que eu acenda
o fogo para começar.
Estou fazendo sentido aqui?
Eu não sei.
Eu ainda estou meio cansado.
A propósito, não tenho vinte anos para esperar. ― Vou dar mais vinte
minutos.
Leo me dá um olhar peculiar quando eu puxo as chaves do meu carro.
― Você não está dirigindo hoje, está?
― Sim.
― É sério? Você? Dirigindo?
― Sim.
― Com tudo sendo todo branco e gelado?
― Sim.
― Você está se sentindo suicida?
Eu rio dessa pergunta. Ele não quer que eu responda. Pareço existir
para sempre em uma área cinzenta da vida, presa em uma teia entre
homicídio e suicídio, e ele sabe disso, por mais que eu tente enfiar óculos
cor de rosa nos olhos do garoto. Ele não é cego para a realidade.
― Por mais emocionante que tenha sido essa conversa, Pretty Boy, eu
tenho que ir, ― eu digo, me afastando. ― As coisas não se farão sozinhas,
você sabe.
Há uma piada de sexo em algum lugar, eu sei, mas tire sua mente da
sarjeta. Ainda há trabalho a fazer.
― Boa sorte em encontrar... quem ela é, ― Leo grita. ― Não se mate!
Ou qualquer outra pessoa...
Ele não quis dizer isso no sentido intencional. Não torça. Ele só não
quer que eu saia da estrada ou machuque alguém.
Já estou tremendo quando chego ao meu carro na garagem. Eu ligo,
dando partida no calor, antes de alcançar o porta-luvas, onde guardo um
par de óculos reservas.
A viagem para o norte do Brooklyn deve levar quinze minutos, mas
quase meia hora passa antes que eu pare na frente da casa de tijolos.
Passeando pela porta da frente, eu bato nela. Eu bato... e bato... e bato...
Por que diabos ninguém está respondendo?
Demora alguns minutos antes de a porta ser aberta. Seven fica lá, meio
adormecido, cabelos escuros uma bagunça, vestindo apenas um par de
cuecas vermelhas com elfos.
Elfos, natalinos, os filhos da puta de orelhas pontudas que trabalham
para o Papai Noel. Ele tem duendes em seus shorts, segurando pequenos
pacotes, as palavras 'Feliz Natal Élfico' escritas ao seu redor. Inclino minha
cabeça para o lado, olhando para eles.
Eu mencionei que está chegando ao final de janeiro?
Seven pisca rapidamente. ― Chefe? O que está acontecendo?
Meu olhar pisca para encontrar o dele enquanto eu o balanço. ― Você
a encontrou?
As sobrancelhas dele se enrugam. ― Quem?
― A mulher que eu te disse para encontrar.
― Eu, uh... o que?
― Você encontrou a mulher? ― Eu pergunto de novo. ― Quanto mais
claro eu preciso fazer isso?
― Uh, não, ainda não.
― Por que está demorando tanto?
Ele fica boquiaberto comigo como se achasse que sou louco, mas não
sou eu quem usa boxer elfo um mês depois do Natal. ― Faz apenas
algumas horas.
― Então?
― Então... eu ainda não tive a chance de procurar.
― Você teve a chance de dormir, no entanto, ― aponto, olhando de
volta para a cueca dele. ― Pelo menos estou pensando que você estava
dormindo, a menos que a senhora tenha um fetiche por elfos que você não
mencionou.
Ele agora parece perceber o que está vestindo, porque faz uma
tentativa fraca de encobrir. ― Desculpe chefe. Sim, estávamos dormindo.
Na verdade, cochilei pouco tempo atrás... imaginei que eu iria acertar
depois de dormir algumas horas, mas se você precisar de mim agora...
― Não se preocupe com isso.
― Tem certeza disso?
― Positivo, ― eu digo. ― Leve seus pequenos Keeblers para dentro e
volte para a cama.
Ele hesitante volta para dentro, cansado e está frio demais para insistir
ao contrário. Acho que se eu quiser fazer isso antes de envelhecer e morrer,
vou ter que fazer isso sozinho.
Voltando para o meu carro, ligo novamente o calor antes de puxar meu
telefone, ir direto para os conatos, chamando todos os números malditos
nele.
Você conhece uma morena com um S vermelho tatuado no pulso?
Não. Não. Não toquei uma campainha, desculpe.
A mesma conversa, de novo e de novo e de novo.
O dia é longo, muito longo, e passo cada segundo acordado tentando
rastrear a pequena ladra. Ninguém em meus círculos reconhece ou conhece
ela, pelo menos. Já está anoitecendo, enquanto eu sento no meu carro, não
muito longe do bar, a poucos metros de onde ela me roubou, quando meu
telefone toca.
Seven.
― Gambini, ― digo enquanto atendo.
― Não tenho nada, chefe, ― diz ele. ― Tentei todas as conexões que
tenho e a descrição é muito vaga. Eu até perguntei a Amello, já que ele joga
seus jogos fora daquele bairro, e ele disse que ela não parecia nenhuma
garota que ele já conheceu.
― Figuras, ― eu murmuro. ― Obrigado.
― A qualquer momento. Eu vou continuar cavando, ver o que posso
achar.
― Faça isso.
Desligando, deslizo meu telefone no bolso antes de entrar no Whistle
Binkie, sentando-me no bar, encontrando o mesmo barman da noite
passada. Mais uma vez, ele me olha com alarme.
― Rum, ― digo a ele. ― Apenas me dê a garrafa.
Ele obedece, empurrando uma garrafa barata meio vazia no bar na
minha frente. Eu nem vou fingir esta noite, tirando a tampa e bebendo da
garrafa.
Não há muitas outras pessoas aqui a essa hora. Olho em volta, curioso,
pensando que talvez ela possa aparecer novamente, mas não tenho a
mesma sorte. Olho para o banquinho vazio, onde ela estava sentada há
menos de vinte e quatro horas atrás, encarando-o por um momento antes
que algo me atinja.
― Ei, por acaso você não se lembraria de uma mulher que esteve aqui
ontem à noite, lembra? ― Eu pergunto ao barman. ― Jovem, morena,
vestido vermelho, se sentou ali.
A atenção do barman muda para o banquinho para o qual aponto
antes que ele me olhe novamente. ― Morgan, você quer dizer?
Eu levanto uma sobrancelha. ― Talvez, se a Morgan de quem você
está falando tem uma tatuagem no pulso.
― S cursivo, ― diz o barman.
Filho da puta. ― Essa é a única.
― Eu sempre me perguntei o que significava, ― diz ele. ― Ela chega
às vezes, senta-se sozinha, pede algo barato, flerta um pouco e depois sai
correndo. Eu perguntei a ela uma vez sobre a tatuagem.
― O que ela te disse?
― Ela disse que significa 'fique de fora da porra dos meus negócios'.
Ok, isso me faz rir. Provavelmente não deveria. Ela tem uma boca
grande, isso é certo. ― Então, Morgan, você diz?
― Sim.
Morgan. Eu não gosto disso
― Me diga uma coisa, Bar Boy. Por acaso você não sabia onde eu
poderia encontrar esse Morgan, sabia?
Ele hesita, como se não quisesse responder. Ding, ding, ding... aqui está.
Pego minha carteira, imaginando que o dinheiro sempre afrouxa os lábios
e fico tenso quando a abro.
Merda. Ainda vazia.
Quase esqueci que ela me roubou.
Mais uma vez, eu rio, mesmo que não deva achar engraçado. Eu nem
tenho nada para pagar pela bebida que estou bebendo. Inacreditável.
A mulher está começando a ser um espinho ao meu lado, mas devo
admitir que, por mais frustrante que tenha sido, não tive um momento de
tédio nas últimas vinte e quatro horas.
Afasto minha carteira, levantando-me do bar. ― Diga-me onde
encontrá-la.
― Só sei onde ela trabalha, ― diz ele. ― Isso vai ajudar?
― Morgan... oh Deus, Morgan, baby... você é tão apertada.
Sua voz é nasal. Tão malditamente nasalmente. Ele parece um
personagem de South Park. Tudo seca com o mero som, todo o desejo
murcha, morrendo uma morte infeliz.
Por que ele sempre tem que conversar?
Fazendo uma careta, enfio meu rosto na almofada de couro preto do
sofá, incapaz de parar o grito que escapa da minha garganta. Ugh, dói,
como ser fodida com uma faca, dor esfaqueando meu interior. Ele
provavelmente não escuta o som que eu faço.
A música está muito alta.
― Você ama isso, não é? ― ele pergunta, suas mãos segurando meus
quadris enquanto ele empurra, inclinando-se e gritando para que eu o
ouça. ― Ama o jeito que meu pau se sente?
― Você sabe que sim, ― eu digo, quase engasgando com a mentira.
Espero que ele faça isso rápido.
Ele não vai, no entanto. Não, não tenho tanta sorte. Ele saboreará cada
segundo de felicidade ignorante, alheio ao fato de que eu não gosto disso.
Dedos grossos exploram, procurando um ponto ideal que ele nunca
encontrará. Eu poderia desenhar um mapa para ele e ainda escaparia dele,
como o Santo Graal existe em algum lugar entre minhas coxas.
Fechando os olhos, tento me afastar, tento não pensar no fato de que
um idiota desprezível de meia-idade em um terno barato está batendo em
mim por trás, suando e ofegando e tendo o tempo de sua vida, enquanto
estou apenas esperando desesperadamente por ele acabar.
Esperando... e esperando... e esperando...
Um brilho vermelho cobre tudo. O quarto vermelho. É um clichê, eu
acho, mas é o favorito aqui no Mystic por algum motivo. Parece que uma
eternidade passa, cada batida de seus quadris dirigindo meu rosto ainda
mais para o sofá. Sua colônia avassaladora se agarra ao ar, cheirando
doentiamente como pinheiro, envolvendo meus sentidos até eu engasgar.
Bruto. É abafado. É sufocante. Eu simplesmente não consigo respirar. Meu
peito dói por uma respiração profunda que não tomo há muito tempo, meu
coração trava em um ritmo constante e monótono.
Seu aperto em mim aperta. Abro os olhos quando sinto, sabendo que
ele está perto de terminar. Finalmente. Mais algumas investidas duras antes
que ele grunhe, acalmando, deixando cair o peso do corpo em cima de
mim. Uma risada emocionada escapa dele, sua respiração quente
fantasmagórica através da minha pele. Eu tremo de nojo quando seus
lábios encontram meu pescoço, sua língua traçando um caminho em
direção a minha orelha, antes que ele sussurre ― Eu gostaria de poder te
foder a noite toda.
― Eu também, ― eu digo, outra mentira, porque diabos não. Mal
posso suportar um encontro de quinze minutos.
― Talvez da próxima vez, ― ele sussurra antes de se afastar para se
levantar.
Expirando, deslizo contra o sofá, aliviada por ele não me tocar. Por
enquanto.
Observo enquanto ele reúne suas roupas para se vestir. Ele é
classicamente bonito, suponho, se você gosta desse tipo de coisa - cabelos
escuros, pele bronzeada, olhos da cor de um céu da tarde, covinhas
profundas e dentes perfeitos. Ele tem até as mais adoráveis sardas.
Seu telefone toca quando ele se recompõe, descartando o preservativo
na pequena lixeira atrás de um pequeno bar no lado esquerdo. Puxando o
telefone, ele faz uma careta. ― Desculpe, odeio interromper isso, mas eu
tenho que atender esta ligação.
Desculpa? Eu não desculpo. Pfft, tchau.
Ele sai para o corredor, indo para a saída dos fundos. Assim que ele
está fora de vista, dou um suspiro de alívio e me levanto. Minha boceta
lateja, mas não do jeito bom, não daquele jeito completamente fodido e
saciado. Não, ela grita furiosamente comigo por permitir isso (eu sei, eu
sei... ugh, idiota, nojento...). Tenho certeza de que o homem não conhece a
definição de preliminares e, francamente, o pensamento de sua boca em
mim, o pensamento de ele acariciando meu corpo só me deixa enjoada, tão
dolorosamente seca que será para sempre.
Vou para o vestiário, a última porta no final do corredor, na saída.
Parece um vestiário do ensino médio. Cheira a um também.
Inferno, até parece um às vezes. Desconfortável. Está vazio, todas as
mulheres trabalhando, mas eu tive o meu tempo neste lugar durante a
noite.
Estou saindo daqui.
Eu vou direto para o meu armário no final, abrindo e pegando minha
mochila preta para pegar minhas coisas. Eu tiro a lingerie preta acanhada,
vestindo uma calça de ioga e uma blusa, colocando meu casaco por cima.
Correndo meus dedos pelo meu cabelo, eu o puxo de volta para um rabo
de cavalo enquanto formigamentos rastejam ao longo da minha espinha,
uma sensação perturbadora na boca do estômago.
Olho ao redor do vestiário vago.
É estranho, a sensação que flui através de mim. É com o que estou
familiarizada. É a sensação de estar sendo observada a sensação de que não
estou sozinha, mesmo quando sei que estou.
Paranoia é uma cadela.
Agarrando minha bolsa, deslizo meus pés de volta em um par de
saltos pretos baratos antes de sair. Meus passos param do lado de fora e eu
encaro. Eu esperava poder sair daqui sem suportar um adeus desajeitado,
mas não tive tanta sorte.
Ele está desligando da ligação quando eu apareço.
― Desculpe de novo, ― ele murmura, empurrando o telefone para
longe enquanto me olha. ― Você saiu do trabalho agora?
Tecnicamente, eu tenho a noite inteira de folga, mas este é o único
lugar que estou disposto a encontrar com ele. ― Sim, saindo cedo.
― Você, uh... quer que eu te leve para casa?
Eu forço um sorriso. ― Boa tentativa.
― É apenas uma oferta, ― diz ele, levantando as mãos na defensiva.
“Só cuidando de você. É tarde, está escuro e...
― E eu posso me cuidar, obrigado, ― eu digo, interrompendo.
― Você nunca vai confiar em mim, Morgan? ― ele pergunta. ― Estou
aqui para ajudá-la.
― Eu sei, ― eu digo. ― Mas confiar, bem... não é fácil para mim. E não
é que eu não confie em você. Eu apenas não confio em nada. Você sabe
como é.
― Eu sei, ― ele admite, franzindo a testa. ― De qualquer forma, eu
devo ir. Você está bem? Você precisa de dinheiro ou, uh...?
Ele vai pegar sua carteira.
Eu quero bater no nariz dele por isso.
― Eu não quero o seu dinheiro, ― eu digo. ― Eu não sou prostituta.
― Claro, ― diz ele. ― Eu apenas imaginei...
― Que eu precisava de dinheiro, ― digo, terminando o pensamento
dele, ― mas não preciso de dinheiro de você. O que eu preciso é que você
faça seu trabalho, detetive.
Ele faz uma careta. Ele nem parece gostar desse lembrete.
Detetive Gabriel Jones do 60º distrito.
― Olha, eu vou falar com eles novamente, ― diz ele. ― Primeira coisa
amanhã, eu prometo.
― Obrigado.
Gabe sai, entrando em seu Ford preto não marcado com vidros
fumados. Espero até que ele se vá antes de começar a andar, mantendo a
cabeça baixa, meus passos apressados. Meu olhar pisca ao longo da
estrada, certificando-me de que ele não está circulando e me seguindo.
Ele já fez isso antes.
Eu o pego toda vez.
Não há sinal do Ford preto, mas ainda não consigo abalar esse
sentimento, aquele que me diz que algo está errado. Corro o último
quarteirão do meu prédio, entrando e parando na entrada, olhando pela
janela quadrada de vidro, esperando alguém.
Ninguém está por perto.
― Estou perdendo a cabeça, ― resmungo, subindo as escadas para o
meu apartamento no último andar.
A primeira coisa do dia é um banho quente. Esfrego cada centímetro
do meu corpo, lavando tudo. Cada toque, cada beijo e cada impulso - eu
limpo de minha memória como se nunca tivesse acontecido. Depois, eu
seco meu cabelo e pego uma camiseta branca lisa do meu armário, sem me
preocupar com outras roupas.
Vou para os íngremes degraus de metal no canto da pequena sala de
estar. Subindo-os rapidamente, abro a porta no topo e saio para o telhado.
O ar gelado do inverno me dá um tapa, picando meu rosto e agredindo
minhas pernas nuas, mas eu o ignoro. Parando na borda de concreto ao
lado, espio a cidade. Nove, talvez dez horas da noite, um domingo no
Lower East Side de Manhattan, não muito longe do East River. Vejo blocos,
uma agitação ao meu redor enquanto carros enchem a rua e as pessoas
caminham pelas calçadas.
Eu mal estou aqui por um minuto antes que esse sentimento passe por
mim novamente, tão intenso que meu estômago aperta.
Eu odeio a sensação.
É como ser assombrada, como se sempre tivesse um fantasma ao meu
redor, me seguindo, me provocando, sem nunca me deixar em paz.
Não me mexo, não me incomodo em olhar, enquanto um calafrio
percorre minha espinha. Apesar do meu melhor esforço para me manter
composta, eu tremo, arrepios surgindo ao longo da minha pele enquanto
meu cabelo fica arrepiado, minha reação tendo pouco a ver com o frio do
lado de fora.
― O que você quer de mim? ― Eu sussurro, olhando a cidade.
― Meu dinheiro.
A voz soa atrás de mim, tão perto... muito perto. O tom grave e
profundo me atinge como um soco no peito, pois inesperadamente
responde à minha pergunta.
Alguém está aqui. Oh Deus.
Uma respiração trêmula me escapa quando me viro para olhar atrás
de mim no telhado.
No segundo em que vejo o rosto, todos os músculos dentro de mim se
apertam, meu coração pulando uma batida, hesitando, como se não
houvesse muito tempo. Meus olhos o examinam na escuridão - feições
afiadas, queixo forte, constituição robusta e uma longa cicatriz que corta o
lado do rosto, o sulco irregular brilhando ao luar. Seus olhos são de tons
opostos de azul, um quase perto da meia-noite, enquanto o outro é mais
um horizonte de manhã cedo.
Classicamente bonito, talvez não, mas algo nele é fascinante, como
observá-lo é hipnotizante. Não basta ofuscar meu medo, porém, porque ele
é tão alarmante quanto sedutor, talvez até mais.
Risca isso. Definitivamente mais.
Ele olha para mim, nem uma centelha de emoção aparecendo em seu
rosto. Há quase algo desumano nisso.
Não tenho certeza do que dizer ou o que fazer, então apenas olho para
trás, mas ele não parece gostar disso. Não, sua bochecha se contrai, seus
olhos se estreitam, então eu desvio meu olhar, examinando o telhado ao
nosso redor.
Pense. Pense. Pense.
Ele está bloqueando o caminho de volta para dentro, então olho atrás
de mim, por cima da borda, na movimentada rua da cidade abaixo.
Ugh, essa queda doeria como uma filha da puta.
― Eu não recomendo pular, ― diz ele ― a menos que você queira se
espatifar.
Eu volto para ele. Ele tem razão. As chances de sobreviver a essa queda
não estão a meu favor. ― O que você quer?
― Acabei de lhe dizer o que quero. ― Ele dá outro passo em minha
direção, e outro, e outro, até que esteja perto o suficiente para estender a
mão e me empurrar, se ele quiser, já que eu ainda estou sentada na borda.
― Eu quero meu dinheiro.
― Que dinhei-
Sua mão dispara, agarrando minha garganta, dedos longos
envolvendo e apertando, literalmente cortando minhas palavras,
silenciando meu pedido de ignorância. Eu suspiro, assustada, o pânico
fluindo através de mim quando a força do golpe me empurra de volta.
Estou quase perdendo o equilíbrio.
A única coisa que me impede de cair da borda é o seu forte aperto, mas
também está cortando meu fluxo de ar, então ...
Estendendo a mão, agarro firmemente o pulso dele, mas não luto. Se
eu lutar com ele, ele é capaz de me atirar para o lado, então eu apenas
agarro, como se ele fosse minha bote salva-vidas, porque se eu cair, eu vou
levá-lo também, sem um pingo de dúvida sobre isso na minha mente.
― Não aja como se não soubesse do que estou falando, ― diz ele. ―
Se você teve bolas suficientes para roubar de mim, não tem problemas em
lidar com isso.
Ele me puxa em direção a ele, me colocando de pé no telhado. Inspiro
profundamente quando a mão dele sai da minha garganta, meus joelhos
fracos, tonturas obscurecendo minha visão. Estou meio segundo longe do
colapso, minhas pernas dobrando, quando ele se aproxima, pressionando
contra mim, me prendendo na borda de concreto, me mantendo na posição
vertical. Ele enfia entre minhas pernas, separando-as, me prendendo no
lugar com seu corpo. Estou ciente de que estou quase nua, quase montando
sua perna agora. Não tenho certeza se ele percebe, se sabe que seu joelho
está pressionando minha virilha, mas espero que não, porque ugh... deixe-
me encontrar alguma dignidade aqui, sim?
― Vamos tentar de novo, ― diz ele, me encarando. “Eu digo que
quero meu dinheiro, e você diz...?
― Ok, ― eu sussurro.
Ele arqueia a sobrancelha esquerda, como se achasse minha resposta
curiosa. ― OK?
― Não sei o que você quer que eu diga.
― Quero que você diga que me dará meu dinheiro. ― Sua mão agarra
meu queixo, inclinando meu rosto ainda mais para ele. ― E então eu quero
que esses seus belos lábios me implorem por misericórdia, porque
dependendo de quão rápido você me pagar, eu posso estar inclinado a ter
calma com você, se você perguntar.”
Antes que eu possa dizer qualquer coisa, muito menos o que ele quer
que eu diga, o homem recua, afastando-se do meu espaço pessoal, como se
apenas esperasse que eu cumprisse.
Eu suspeito que ele está acostumado a conseguir o que quer.
― Vou te dar seu dinheiro, ― digo baixinho, respirando fundo.
Ele concorda. ― Boa menina.
Eu me encolho com essas palavras quando passo por ele, indo para a
porta do telhado que leva ao meu apartamento. Não sei exatamente quem
ele é, ou do que ele é capaz, mas se ele é corajoso o suficiente para ameaçar
George, não posso descartar que ele seja algum tipo de monstro. Minha
mente é uma enxurrada de pensamentos, nenhum em que consigo
entender com firmeza. Scar, eles ligaram para ele. Eu nem sei como ele me
encontrou, o que é o mais preocupante de todos.
Como diabos ele chegou aqui?
O homem caminha na minha direção, não me deixando fora do alcance
do braço. Não é até que eu entro no calor do meu apartamento, descendo
os degraus de metal, que percebo o frio do lado de fora. Meus dentes
batem, minha pele cora, corpo tremendo. Minhas mãos são como blocos de
gelo e flexiono os dedos, tentando soltá-los novamente.
Vou para a cozinha, tendo apenas alguns segundos para me recompor
e fazer alguma coisa.
Ele entra na sala atrás de mim.
No momento em que ele faz, eu ataco.
Jogando meu corpo contra o dele, eu o afasto alguns passos, pegando-
o desprevenido com a força do golpe. Seu choque me dá tempo suficiente
para lutar, balançar, chutar e se debater, ajoelhando-o nas bolas.
BAM.
Ele se encolhe, curvando-se com o golpe baixo, me dando a chance de
empurrá-lo para cima do fogão. Chegando na pia, olho freneticamente ao
redor, pegando cegamente uma faca de bife suja. Eu seguro até seu pescoço
quando ele vem para mim, a lâmina dentada pressionando contra o pomo
de Adão, cavando a pele.
― Vou cortar sua garganta, ― digo a ele, minha voz firme, mesmo que
minha mão esteja tremendo tanto que quase o cortei acidentalmente. ― Eu
juro, eu vou-
Ele reage rápido, tão rápido que eu não prevejo isso. Agarrando meu
pulso, ele torce meu braço, segurando com força, quase puxando meu
ombro para fora do soquete. Eu cerro os dentes para reprimir um grito, a
dor rasgando meu braço. Seus dedos cavam na parte de baixo do meu
pulso, unhas irregulares rasgando a pele enquanto ele pressiona contra o
ponto de pressão, forçando-me a soltar meu aperto. Ele tira a faca com
facilidade, ainda segurando meu pulso, encarando minha tatuagem.
A que ele arranhou.
Que agora está sangrando.
Ugh.
― Morgan, ― diz ele, com o rosto contorcido. ― Fiquei surpreso ao
saber que esse era seu nome. Eu esperava que começasse com um 'S'. Me
deixa curioso sobre o que essa coisa significa.
Ele enfia meu pulso no meu rosto, fazendo com que eu me bata. Eu
faço uma careta, tentando me libertar de suas mãos. ― Prefiro morrer a
falar sobre isso.
― Isso pode ser arranjado, ― diz ele, soltando meu braço antes de
jogar a faca de volta na pia. Quero meu dinheiro, Scarlet5. Não vou pedir
de novo.”
Aperto meu pulso, franzindo a testa, e me afastando dele, meu coração
batendo violentamente no meu peito enquanto vou para o quarto, não
surpresa que ele me siga.
Ele não vai me deixar fora de vista.
Algumas notas amassadas estavam em cima do suporte ao lado da
cama. Eu as agarro, meu estômago se contorcendo. Eu olho nos bolsos do
meu casaco antes de vasculhar minha mochila, pegando cada centavo que
me resta em meu nome antes de me virar para ele. ― Eu tenho trezentos
dólares.
Ele olha para mim. ― Trezentos.

5
Escralate
― Bem, mais como duzentos e noventa e quatro, mas perto o
suficiente.
― Havia mil dólares na minha carteira. Cadê?
― Eu não tenho.
― O que você fez com ele?
Eu não respondo, mordendo minha bochecha. Eu não estou dizendo a
ele. Não é da conta dele, e eu preciso dele longe da minha situação. Longe
de mim.
― Olha, não podemos apenas...? ― Eu aceno para a cama, a bile
queimando meu peito enquanto ela sobe pela minha garganta, me
castigando por fazer essa sugestão. ― Você sabe.
― Foder? ― ele adivinha.
Engulo em seco, assentindo.
Ele se aproxima, invadindo meu espaço pessoal mais uma vez. Eu
tenho espaço para me afastar, mas eu mantenho minha posição, não
querendo recuar de seus avanços. Não o olho no rosto, mantendo a cabeça
baixa, mas sinto sua respiração contra minha bochecha enquanto ele se
inclina, sussurrando ― Podemos foder, absolutamente, se é isso que você
quer. Mas você ainda me deve depois, porque eu não pago por boceta,
especialmente a boceta que tem o hábito de se prostituir com a polícia.
Um arrepio rasga através de mim.
Meus joelhos ficam fracos.
Esse sentimento estranho ainda permanece dentro de mim, e eu
percebo, o tempo todo, que era ele. Ele estava lá. Ele me seguiu. Não sei
como, mas meu instinto diz que sim.
― Eu não... ― Eu quase digo que não me prostituo, ponto final, mas
isso é mentira, tecnicamente. Eu já fiz isso antes por desespero. Além disso,
a vida me fode todos os dias, e eu apenas me inclino e a pego. Eu me
entreguei à vida na tentativa de continuar respirando. ― Não sei mais o
que posso lhe dar. Então, me foda ou me mate, porque não tenho mais nada
a oferecer além disso.
Ele olha para mim quando eu caio na beira da cama bagunçada. Ele
está contemplando isso. Eu sei que ele está. Eu conheço o tipo dele. Ele está
debatendo se esse pagamento será ou não adequado, se eu valho os mil
dólares que roubei dele.
― Você não parece viciada, então suponho que não sejam drogas, ―
diz ele ― Embora, isso explicaria a prostituição.
Eu faço uma careta. ― Eu não sou prostituta.
― Você acabou de se oferecer para me foder por dinheiro.
― Bem, sim, tecnicamente, mas...
Não termino isso porque não tenho certeza de como devo fazê-lo, se
isso fará algum sentido para ele. Improvável.
― Implore por sua vida, ― diz ele depois de um momento.
Balanço a cabeça.
― Me implore, ― ele exige. ― Fique de joelhos.
Eu balanço minha cabeça novamente.
Alcançando debaixo do casaco, dentro da camisa, ele sacou uma arma
preta, apontando para mim, pressionando o cano contra a minha testa. ―
Implore.
― Não.
A palavra parece fraca, mas eu sei que ele a ouve. Eu cortei meus olhos
para ele, tudo dentro de mim esticado, como uma corda perto de estalar
por ser puxada em direções diferentes, já esfarrapada.
Ele olha para mim, sua expressão vazia, seu dedo no gatilho.
Lentamente, algo nele muda, o canto da boca se contraindo, a menor
sugestão de um sorriso puxando seus lábios. A visão disso faz meu coração
parar pela segunda vez hoje à noite, perdendo o ritmo por apenas um
momento. Eu não sei o que fazer disso. Por que diabos ele está sorrindo?
― Você vai pagar cada centavo, ― diz ele, ― mais juros. Cem dólares
extra para cada dia que você precisar. Você me entendeu?
― Sim.
Ele abaixa a arma, guardando-a, antes de pegar o dinheiro da minha
mão. Ele se vira então, como se planejasse sair, mas minha voz o chama,
parando-o. ― Espere.
― O que?
― Eu nem sei quem você é. Como vou pagar você se não consigo
encontrá-lo?
Ele encolhe os ombros. ― Descubra, Scarlet.

― Descubra, Scarlet, ― resmungo zombeteiramente enquanto


empurro a porta para longe do bloco de concreto da Mystic, de volta aqui
pela segunda vez hoje à noite.
No trabalho. No meu dia de folga. Novamente. Besteira.
Eu guardo para mim, sem me preocupar com ninguém, até chegar ao
escritório e bater na porta, esperando que George esteja por perto. Eu o
ouço andando dentro, dando um suspiro de alívio até que a porta se abre
e eu fico cara a cara com alguém que não é quem eu quero ver. Ugh.
Rick liso, o idiota chamado Ricardo, aquele que claramente ainda não
conseguiu enviar uma mensagem para o cara que eles chamam de Scar.
― Você precisa de algo, cupcake? ― ele pergunta, olhos me
examinando. Eu estou usando o equivalente de pijama, mas ele ainda me
olha como se eu fosse indecente ou algo assim.
― Eu preciso ver o chefe, ― eu digo, passando por ele no escritório.
Não chego longe antes que ele agarre meu braço para me impedir.
― Ele está ocupado, ― diz ele. ― Volte mais tarde.
Eu me afasto dele. ― Eu posso esperar.
George está sentado em sua mesa, no telefone. Sua voz alterada ecoa
pela sala, tão enfurecida que me impede de me aproximar. Em vez disso,
permaneço na entrada quando Ricardo fecha a porta e se senta, esfregando
as mãos nas coxas das calças pretas, como se as palmas das mãos
estivessem suadas. Não é bom.
― O que diabos você quer dizer com eles não disseram nada? ―
George grita. ― Como você é roubado quando eles não dizem nada? Hã?
O quê, eles entram e você apenas entrega o dinheiro, eles nem precisam
perguntar?
Ele faz uma pausa longa o suficiente para respirar fundo, tempo
suficiente para quem estiver na linha para tentar explicar, mas não faz nada
para acalmar George.
― Eu não ligo! ― ele brada. ― Não há desculpa! Faça alguma coisa
sobre isso! Ninguém rouba de mim!
Ele não se incomoda em desligar, em vez disso bate o telefone na mesa,
repetidamente, quebrando a tela. Eu nem acho que ele me nota aqui, a
visão de túnel direcionando sua atenção diretamente para Ricardo. ― Por
que esse filho da puta ladrão não foi morto?
― Estou trabalhando nisso, ― diz Ricardo. ― Liguei para ele,
tentando conseguir outra reunião, e o lacaio dele disse que ele estava
ocupado.
― Ocupado me roubando!
Eu estou quase inclinada a conversar, para perguntar se eles estão
falando sobre Scar... porque se sim, ele estava realmente ocupado me
perseguindo até o meu apartamento, mas eu permaneço em silêncio. Não
é problema meu.
― Vou tentar de novo, ― diz Ricardo ― agora.
Ricardo se levanta, saindo do escritório. O olhar de George o segue,
mas para em mim. Merda. ― Você precisa de algo, Morgan?
― Eu, uh... estava apenas tentando ver sobre talvez pegar mais
trabalho esta semana?
Não era isso que eu queria.
Eu queria obter algumas informações sobre Scar, mas tenho certeza de
que esse é um tópico que não devo abordar no momento.
― Volte amanhã, ― diz ele, empurrando para fora da cadeira. ― Não
tenho tempo para lidar com sua programação no momento.
― Oh-OK, ― murmuro enquanto ele passa por mim, me deixando no
escritório sozinha. Eu olho em volta. Não há câmeras aqui. Não sei quanto
tempo ele vai ficar fora, por isso acelero, pegando seu telefone descartado
e quebrado e murmurando ― Por favor, funcione,
Ding. Ding. Ding.
Funcionou.
A tela acende, solicitando o código de segurança. Merda. Eu
imediatamente tento as combinações usuais, repetindo números e
aniversários, antes de bater no 1-2-3-4 e revirar os olhos quando ele
desbloqueia. Eu percorro seus contatos, encontrando um número listado
em Scar. Abrindo a gaveta da mesa, pego uma caneta, anotando o número
na minha mão antes de retornar o telefone à forma como o encontrei. Eu
largo a caneta de volta na gaveta, vendo o dinheiro ainda ali deitado que
eu lhe dei.
Porra.
Porra.
Foda-se.
Pego tudo, enfio no bolso, antes de fechar a gaveta novamente e me
dirigir para a porta, correndo direto para alguém assim que eu saio.
― Uou amigo, ― eu digo quando Ricardo aparece na minha frente.
Essa foi por pouco.
Ele estreita os olhos para mim. ― O que você está fazendo?
― Partindo, ― eu digo, tentando me mover quando ele agarra meu
braço pela segunda vez hoje à noite.
― O que você estava fazendo?
― Tenho certeza de que não respondo a você, ― digo, puxando meu
braço, ― portanto, mantenha as mãos para si mesmo, cupcake.
Eu saio, porque não há como ficar por aqui. Parece que o dinheiro está
queimando um buraco no meu bolso, brilhando como um farol, gritando
ladra... ladra... ladra...
Uma vez de volta ao meu apartamento, vou para minha mochila preta,
vasculhando-a para pegar meu pequeno celular barato, abrindo-o. Morto.
Conectando-o ao carregador, espero até que ele ganhe vida antes de digitar
os números rabiscados na palma da mão, chamando Scar.
Toca... e toca... e toca.
O correio de voz atende.
― É, uh... eu... tanto faz. Tenho certeza que você sabe quem eu sou. Eu
tenho seu dinheiro, então venha buscar, eu acho.
Fecho o telefone, encarando-o por um momento antes de jogá-lo de
volta na bolsa. Não sei quanto tempo levará para ele aparecer, mas espero
que ele seja rápido.
Eu quero terminar com isso.
Eu tenho coisas mais importantes para lidar.
― Onde ela está?
A voz do Homem de Lata era mais irritada do que a garotinha já
ouvira, atada com veneno amargo enquanto ele assobiava cada sílaba. Ela
tremeu, escondida no fundo da despensa da cozinha, escondida atrás de
algumas caixas.
Uma semana.
Ela estava naquela casa há sete longos dias, e cada minuto que passava
a fazia odiar cada vez mais. Isso a fez odiá-lo. Ela o odiava mais do que
jamais odiara alguém, mais do que Buzz e Woody odiavam Sid da porta
ao lado.
Ele era horrível.
Seu estômago roncou quando ela mastigou um pedaço de pão seco
que ela roubou do balcão, esperando que isso absorvesse todo o seu mal-
estar, mas não estava funcionando.
― Eu não sei, ― disse outro homem, um dos macacos voadores, o que
ficou mais próximo do homem de lata. Ele era mais parecido com o Leão
Covarde, ela pensou, porque ele era grande e parecia malvado, mas talvez
ele fosse mais macio, porque o Homem de Lata o assustava às vezes.
Mas, novamente, o Homem de Lata assusta a todos.
― Inaceitável, ― o Homem de Lata rosnou. ― Encontre-a! Você está
me escutando? Não farei isso de novo. Quero saber para onde ela foi e o
que está fazendo. Agora!
― Sim, Vor, ― o Leão Covarde murmurou, saindo da cozinha
enquanto o Homem de Lata perdia a paciência, vidro quebrando contra a
parede perto da despensa. A garotinha choramingou, quase engasgando
com o pão, e tentou se arrastar de volta para as sombras quando os passos
vieram em sua direção.
A porta se abriu, a luz a atingindo. Aqueles olhos frios e cinzentos
encontraram seu olhar, uma carranca em seu rosto. Acho que ele me
encontrou. Ele a encarou em um silêncio tenso antes de se agachar, ficando
no nível dela. ― O que você está fazendo aí?
Ela encolheu os ombros.
Ele a examinou, apertando os lábios. O Homem de Lata usava um
terno limpo e da mesma cor que seus olhos. Isso o fez parecer ainda mais
robótico, como se ele realmente usasse armadura. O olhar dele se voltou
para o pedaço de pão que ela apertou quando ele torceu o nariz. ― Você
fede.
A testa dela franziu.
― Você se tornou selvagem, ― disse ele, seus lábios tremendo antes
de uma pequena risada escapar, leve e divertida, sua raiva desaparecendo,
assim. Assustador. ― Você não tomou banho a semana toda. Você está
imunda. Você ainda está com a mesma camisola e seu cabelo não foi
escovado.
Ela fez uma careta, sabendo que era verdade. Ela estava suja e
provavelmente fedia, mas isso não importava. Ela estava apenas
esperando a mãe chegar. Ela prometeu que a encontraria.
― Fui paciente com você, ― disse ele. ― Você se esconde de mim.
Você me evita. Eu não a castiguei por violar as regras. Você sai do seu
quarto quando eu digo para não sair, despreza minha gentileza, recusa-se
a comer o que enviei e prefere roubar da minha cozinha. Você rouba. Eu
entendo que você está chateada, gatinha. Sua mãe te machucou. Ela me
machucou também.
― Você a machucou, ― disse a garotinha. ― Você fez mamãe chorar.
― Eu sei que sim, ― disse ele, sem negar isso, ― mas ela não me deu
escolha.
― Por quê?
― Essa não é uma pergunta que fazemos. Isso não importa. Mas
estamos aqui agora, você e eu, e ela não, então devemos aprender a viver
sem ela... juntos.
A menina balançou a cabeça.
― Você vai me obedecer, ― disse ele.
Ela balançou a cabeça novamente.
Ele não gostou dessa resposta.
Alcançando a despensa, ele agarrou o braço dela, arrancando-a e
jogando-a pelo quarto. Ela derrapou no chão da cozinha, deixando cair o
pão, atordoada e começou a se encolher, batendo em um banquinho no
caminho enquanto se pressionava contra o balcão.
O Homem de Lata se aproximou dela.
― Você vai me obedecer, ― disse ele novamente, a raiva retornando
à sua voz. ― Você pode cooperar e ser feliz aqui, ou eu posso fazer cada
momento torturante para você. Compreende?
Ela assentiu devagar.
― Use suas palavras, ― ele exigiu.
― Sim, ― ela sussurrou.
― Sim, o que?
― Sim senhor.
Ele se agachou, alcançando-a, ignorando o fato de que ela se encolheu.
Ele agarrou o queixo dela, seu toque firme quando ele puxou o rosto para
ele, meros centímetros de espaço entre eles. Isso fez seu coração disparar e
seu corpo tremer e não de um jeito bom.
― Sim, pai, ― ele disse, ― ou papai, se você preferir. Sua escolha, mas
escolha uma, porque você vai me chamar como eu sou.
Ela não disse nada, tentando prender a respiração, desejando que ele
a deixasse ir, mas ele esperou... e esperou... e esperou, olhando para ela.
Ele nem sequer piscou.
― Sim...? ― ele solicitou. ― Use suas palavras.
― Sim, Papai.
Sua expressão suavizou quando ele pressionou os lábios na testa dela,
beijando o local que sua mãe havia beijado pela última vez, tomando para
si. Lágrimas encheram os olhos da garotinha, mas ela as segurou, sabendo
que chorar tornaria as coisas piores.
― Boa gatinha, ― disse ele, levantando-se, virando-se sem outro
olhar. ― Vá se limpar. Eu tenho algo a fazer. Quero que você tome banho
quando eu voltar e quero que a camisola queime. Se você ainda feder
quando eu voltar, eu lavo você no quintal.
A garotinha pode não saber muito, mas sabia o suficiente para
acreditar nele. Ele quis dizer aquelas palavras.
Pegando a garrafa quadrada barata do bar, eu a coloco na esquina e
tento girá-la, observando enquanto ela balança e cai por cima. Um clichê
em um kilt sorri para mim, descolorido, partes descascadas de um respingo
de rum que destrói a borda.
Whistle Binkie.
É escocês, obviamente, mas quem diabos sabe o que isso significa?
Provavelmente algo tão terrivelmente estereotipado quanto o resto do
lugar. Tão porra de fórmula quanto minha vida está se tornando. Penso em
perguntar ao barman, imaginando se alguém sabe, seria ele, mas isso
significaria interromper a Blondie tagarelada sentada à minha esquerda, e
isso não está acontecendo, considerando que eu deveria estar ouvindo o
que ela está falando - filhotes ou gatinhos ou arco-íris, eu não sei.
Além disso, eu realmente não dou a mínima. Só estou tentando me
distrair até a Blondie ficar boa, alegre e disposta a se curvar para mim no
banheiro.
Que, a julgar pelas risadas arrastadas que chegam aos meus ouvidos
quando uma mão desliza pela minha coxa, provavelmente será em breve...
Eu mudo em sua direção, apenas o suficiente para vê-la, mas não o
suficiente para lhe dar uma visão completa da minha cicatriz. Ela sabe que
está lá, é claro - ela viu quando entrei depois das dez horas da noite e
passou as últimas duas horas apenas pensando em me perguntar como eu
a consegui. As mulheres gostam de um garoto mau com uma história de
fundo trágica. Talvez seja a emoção disso, a emoção de estar com alguém
perigoso, ou talvez seja biológico, algo enraizado profundamente nelas,
esses genes maternos que fazem as mulheres quererem nutrir aqueles que
o mundo dá as costas.
Veja bem, homens e mulheres, estamos conectados de maneira
diferente. As mulheres olham para mim e pensam ‘pobre bebê, ele só
precisa de um pouco de amor’, enquanto os homens? Os homens olham
para o meu rosto e pensam ‘fique longe daquele filho da puta’. Mas vá em
frente e diga isso a uma mulher. Diga a ela que sou perigoso. Diga a ela
para ficar longe.
Isso fará com que ela me queira mais.
― Você é linda, você sabe, ― digo quando a Blondie6 para de tagarelar
por tempo suficiente para eu falar. Não é mentira. Ela é linda, mas todas as
mulheres são do seu jeito, não são?
Bem, todos elas, exceto minha mãe, mas não sei se mulher é a palavra
que eu usaria para descrevê-la. Ela era mais uma cadela furiosa.
As bochechas da Blondie ficam rosadas, com um sorriso nos lábios
revestidos de brilho. Sua postura afrouxa mais quando ela se inclina para
mim, me dando um cheiro de seu perfume forte e florido.
Meu nariz se contrai.
“Posso te perguntar uma coisa?” ela pergunta, sua voz baixa, as sílabas
caindo lentamente da sua língua. “Sua, uh ... cicatriz.” Ela acena o dedo na
direção do meu rosto. “Como isso aconteceu?”
Eu começo a responder, inventando uma história de merda para evitar
derramar a verdade para alguém que eu não conheço, alguém que eu
nunca conhecerei além de como é a boceta dela, quando o banquinho do
outro lado de mim se sacode, as pernas de madeira arrastando no chão.
O barulho é irritante.
Eu me encolho.
Algo bate no bar na minha frente, em cima da garrafa cobrindo o
homenzinho escocês.
― Acho que ele irritou a mulher errada, ― interrompe uma voz
açucarada, tão perto que parece que ela está falando bem no meu ouvido.
― Ele tem o tipo de rosto que você não pode deixar de querer foder.
Os olhos da Blondie se arregalam, como se ela estivesse horrorizada
que alguém diria algo tão cruel, como se ela estivesse ofendida, mas tudo

6
Loirinha
o que sinto é uma ligeira agitação, uma batalha dentro de mim entre
diversão e aborrecimento.
Não tenho certeza de qual sensação vencerá a guerra.
― Bem, ela não está completamente errada, ― eu digo, olhando para
o bar, uma pilha grossa de dinheiro me cumprimentando. ― Era um
homem, no entanto.
Ela zomba. ― O marido de alguma meretriz, então.
Pego o dinheiro, afastando-me da Blondie para relaxar contra o
banquinho. Meus olhos voam para a direita, para a morena exasperada,
seus olhos não estão mais como de uma corça. Eles estão estreitados,
apontados para mim, os braços cruzados sobre o peito.
Scarlet.
Sua postura cautelosa só me diverte mais, um sorriso puxando meus
lábios enquanto eu mexo no dinheiro o contando. Faz quase uma semana
que eu a confrontei, o que significa que o interesse se acumulou
rapidamente. Algumas centenas, algumas notas de vinte e um monte de
merda... mais do que eu já tive antes.
― Está tudo aí, ― diz ela, sua voz ficando tão defensiva quanto sua
presença.
Eu a ignoro e continuo contando, distraidamente percorrendo
números enquanto meu olhar a segue. Seu casaco frágil cobre a maior parte
do que ela está vestindo, deixando apenas meias arrastão pretas visíveis.
Saltos altos pretos espreitam de uma bolsa pendurada em seu ombro, em
vez de estarem em seus pés onde eles pertencem. Maquiagem grossa e
escura envolve seus olhos quando um brilho dourado irradia de suas
bochechas. Alguns deles estão borrados, como se ela estivesse usando por
um tempo, mas seu batom vermelho escuro parece fresco.
Ela muda de posição quando meu olhar permanece em sua boca, como
se estivesse desconfortável com minha atenção, sua pele brilhando sob as
luzes fracas do bar, manchas de glitter a cobrindo.
Volto ao dinheiro, sem dizer nada até terminar de contar.
― Tem apenas mil e trezentos aqui.
― Eu já te dei trezentos, ― diz ela. ― Isso faz mil e seiscentos... os mil
que eu levei, mais seiscentos, porque levei seis dias.
― Sete dias, ― eu digo, olhando para o meu relógio. ― Você perdeu
a meia-noite em cerca de vinte minutos.
Ela empalidece, com a mandíbula frouxa. ― Isso é besteira. Estou
tentando falar com você há uma semana! Você não atendeu nenhuma das
minhas ligações!
Hã. ― Você me ligou?
― Sim!
Pego meu telefone do bolso, abrindo minha lista de chamadas.
Chamada Perdida.
Chamada Perdida.
Chamada Perdida.
Todos os números bloqueados.
― Viu? ― ela diz. ― Veja todas as chamadas perdidas!
― O número está bloqueado, ― digo, guardando o telefone.
― Então?
― Então, não recebo ligações de covardes.
Ela pisca rapidamente. ― Covarde? Deixei mensagens de voz!”
― Eu não escuto isso. E antes que você diga, eu também não escrevo.
― Isso é estúpido, ― diz ela. ― Você não esteve em lugar nenhum. Eu
olhei. E as pessoas sabem quem você é, com certeza, mas ninguém te
conhece. Eles não sabem onde encontrar você. Tudo o que eles têm é esse
número de telefone estúpido que você parece nunca responder. Como isso
é culpa minha?
― Tempo difícil, ― eu digo enquanto puxo minha carteira do bolso
de trás da minha calça jeans. Enfio o maço de dinheiro, mal consigo dobrá-
la antes de guardá-la. ― Você deveria ter melhores amigos.
― Isso é... uau. ― Ela ri, nem um ponto de humor ao som. ― Não sei
o que fiz para merecer isso, mas devo ser a pior pessoa do mundo que
tropeçou em você.
Eu não respondo a isso, vendo sua postura mudar, a indignação
lavando toda a restrição. Ela abre o casaco, um pequeno vestido preto me
cumprimentando embaixo. Ela se dá um tapinha, enfiando a mão no sutiã
e arrancando uma pilha de notas. Mais notas. Ela os conta, folheando o
dinheiro com tanto entusiasmo que espero que rasgue alguns.
Balançando a cabeça, ela joga o dinheiro no bar na minha frente. ―
Vinte e nove dólares. Ah, e... ― Ela enfia a mão na bolsa no ombro,
puxando uma pequena bolsa com zíper. Ela a segura de cabeça para baixo
sobre o balcão, algumas moedas caindo. Ela faz uma careta. ― Tipo,
sessenta e seis centavos.
― Olhe para isso, ― eu digo, pegando o dinheiro - até as moedas - e
enfio no bolso, sem me preocupar em colocá-lo na carteira desta vez. ―
Faltam apenas setenta dólares e trinta e quatro centavos.
Ela se afasta, quase derrubando o banquinho enquanto caminha,
avançando pelo bar e desaparecendo do lado de fora na noite fria. Eu me
viro de novo, encarando Blondie, sem surpresa ao ver que ela está me
olhando com cautela, sem dúvida tentando entender essa troca em seu
estado de embriaguez.
― Onde nós estávamos? ― Eu tiro um cacho do rosto de Blondie,
minhas pontas dos dedos roçando sua bochecha quente, fazendo o rubor
voltar. ― Oh, certo... minha cicatriz.
Eu começo uma história sobre uma tarde condenada no Central Park
com minha família, como testemunhamos um ataque de uma multidão e
nos tornamos danos colaterais no processo. Não deixou testemunhas para
trás. Eu sobrevivi, jurando vingança contra aqueles que nos atacaram. Eu
a peguei comendo na palma da minha mão, mais herói do que vilão em
sua mente, enquanto coloco uma mão no joelho dela e lentamente a levo
pela coxa. Estou prestes a ir mais longe quando a porta se abre. A frio varre
o bar, passos altos ecoam enquanto eles pisam na minha direção, mesmo
que a mulher esteja descalça por algum motivo. Ela é louca pra caralho.
Scarlet se empurra ao meu lado novamente, segurando uma carteira
de couro preto. Ela abre, a carteira de motorista de um homem branco de
meia-idade me cumprimentando pela janela de plástico do lado de dentro.
Ela investe por dinheiro, contando em voz alta.
― Vinte... trinta... quarenta... cinquenta... cinquenta e cinco...
sessenta... sessenta, e uh, sete. ― Ela geme. ― Você deve estar brincando
comigo.
― Você acabou de roubar outra pessoa para me pagar?
Ela empurra o dinheiro do meu jeito. ― Salve a sua hipocrisia de si
mesmo para a meretriz ali. Estou com três dólares a menos.
― E trinta e quatro centavos, ― aponto, pegando o dinheiro.
― E trinta e quatro centavos, ― ela zomba. ― Inacreditável.
― Eu vou dar a você, ― eu digo. ― Os poucos dólares que você está
perdendo.
― Realmente?
― Vai custar cem dólares por cada dia que você precisa para me pagar,
é claro, mas com certeza...
Ela geme. ― Claro.
Seu olhar varre o bar, estabelecendo-se no barman enquanto ele
trabalha. É o mesmo de todas as outras noites. Ele me deu uma garrafa de
rum assim que me sentei novamente. Ele está aprendendo
Observo a expressão de Scarlet mudar, um sorriso em seus lábios. Ela
empurra o banquinho para mais longe para se aproximar do bar,
estendendo a ponta dos pés para inclinar-se sobre ele, atraindo sua
atenção. Ele se aproxima, olhando para mim com cautela, como se estivesse
avaliando se ela está ou não comigo agora, antes de focar sua atenção nela.
Há um brilho nos olhos dele, aparentemente decidindo que ela é jogo justo.
Ele sorri. ― Ei, Morgan.
Ela arqueia uma sobrancelha, com o rosto iluminado. ― Você lembra.
Sua voz muda quando ela diz isso, ficando mais doce. Ela está
exagerando todas as sílabas, flertando descaradamente.
Eu me pergunto se ela faria isso se soubesse que foi ele quem a
denunciou.
― Claro, ― diz ele. ― O que eu posso fazer por você?
― Bem, na verdade... ― O sorriso dela fica tímido quando ela morde
suavemente o lábio inferior, um momento de silêncio passando antes que
ela sussurre ― Eu estava meio que esperando que você me fizesse um
favor. Está tudo bem se você não puder, eu entendo completamente, e
odeio perguntar...
― O que você precisa?
― Preciso de quatro dólares emprestados, ― diz ela. ― Como eu
disse, você pode me dizer não, mas é apenas que, sabe, foi uma longa noite
e...
― Ah, não se preocupe com isso, ― diz ele, puxando um maço de
dinheiro amassado do bolso. Gorjetas. Ele percorre, entregando quatro
notas. Ele não questiona, apenas dá o que ela pede.
Ela pega o dinheiro, sorrindo para o cara. ― Oh meu Deus, você é meu
herói. Obrigado, obrigado, obrigado!
O calor corre pelo pescoço, corando o rosto enquanto ele ri um pouco.
― São apenas alguns dólares, não é grande coisa.
Ele se afasta para ajudar outro cliente. No segundo em que ele vira na
outra direção, o sorriso de Scarlet diminui. Ela joga o dinheiro para mim.
― Agora esse cara é um cavalheiro.
Eu agarro. ― Ele é um capacho. Um boceta. Um parasita.
― Diz o idiota que acabou de me sangrar.
― Eu não, ― eu digo, olhando-a nos olhos, minha voz baixa. ― Eu
poderia, no entanto. Eu poderia cortar sua garganta e tirar sua vida...
poderia tornar a sala vermelha um pouco mais vermelha enquanto seu
pequeno amigo policial a levava por trás, se você preferisse dessa maneira.
A cor escorre das bochechas de Scarlet quando a faísca diminui em
seus olhos. É passageiro, um flash de vazio, como se ela não fosse nada
além de uma concha de um humano. Fria. Não preciso envolver minhas
mãos em sua garganta para matá-la, não... essas palavras tiram a vida dela.
Ela sabe que eu os assisti.
Parece que eles estavam ocupados demais para perceber minha
presença enquanto eu espreitava naquela noite. E o olhar que passa por seu
rosto agora? Ela usava também. Ela usava enquanto ele a fodia. Não é um
ponto de diversão. Nem um ponto de nada. Era como se um interruptor
fosse acionado dentro dela, desligando sua humanidade, transformando-a
em um fantoche com cordas. Ele a fodeu, sim, mas ele não fodeu ela. O que
quer que tenha inventado quem ela é desapareceu no momento em que o
homem colocou as mãos sujas nela.
O olhar é de curta duração, porém, a vida volta rapidamente para ela.
Suas narinas se abrem, as mãos apertando em punhos cerrados, como se
ela quisesse me bater, como se estivesse pensando em me dar um soco nos
olhos por ter a coragem de testemunhar algo que queria passar
despercebido. Ela se aproxima mais, descaradamente pressionando contra
mim, sua voz quase um sussurro quando ela diz ― Você provavelmente
deveria ter me matado.
― E por que isso, Scarlet?
Ela hesita, como se não soubesse responder à minha pergunta, e se vira
para sair quando diz ― Você não entenderia.
Agarro seu braço, a mantendo lá.
Eu não acabei.
Seus olhos disparam em minha direção, suas mãos ainda fechadas em
punhos enquanto ela tenta se afastar, mas meu aperto é firme. O calor
irradia dela, como se a raiva estivesse literalmente queimando seu núcleo,
uma explosão iminente. Pode ser divertido ver ela explodindo.
― Me solte, ― diz ela, seu olhar na minha mão. ― Agora.
― Sente-se, ― digo a ela enquanto aceno para o banquinho vazio,
afrouxando meu aperto em seu braço.
Ela se afasta. ― Por que diabos eu faria isso?
― Porque eu te disse.
Ela zomba, revirando dramaticamente os olhos. Parece-me errado.
Infantil. A mulher tem uma faísca nela, um fogo aceso, mas esse tipo de
imaturidade parece embaixo de alguém com bolas de bronze de seu
calibre. Claro, eu não a conheço, então talvez ela realmente seja apenas
uma pirralha. Eu conheci uma parte justa desde que cheguei a Nova York.
Inferno, eu fodi minha parte justa. Mas minha intuição me diz algo
diferente.
Além disso, eu a vi seu ato inocente. Ela toca pessoas como se fossem
um piano e ela é Chopin, batendo nas teclas, e os tolos ignorantes nem
ouvem sua música. Eu ouço isso. É muito alto para meus ouvidos, o tipo
de música que ressoa com as partes mais profundas e escuras da alma ...
ou qualquer parte dela que você possa ter deixado. Sua própria pequena
Marcha Fúnebre. Dun, Dun, Da-Dun…
― Sente-se, ― eu digo novamente, desta vez empurrando o
banquinho em direção ao bar, quase prendendo-a com ele. ― Parece que
você poderia tomar uma bebida.
― Pareço alguém que pode pagar uma bebida?
Meus olhos a examinam quando ela pergunta isso, sabendo que ela
não tem um centavo no nome dela no momento. É curioso, no entanto, por
que ela faz o que faz se não está lucrando...
― Sente-se, ― digo pela terceira vez, ― antes que eu faça isso por
você.
― Eu gostaria seriamente de ver você tentar, ― diz ela, mas apesar
dessas palavras, ela desliza para o banquinho ao meu lado, sem lutar tanto
quanto eu esperava. Embora eu aprecie as pessoas se rendendo, é uma
pena, porque eu provavelmente teria gostado de obrigá-la.
Inclino-me na direção dela, minha boca perto de sua orelha. ― Boa
menina.
― Eu não estou sentada aqui porque você me disse, ― diz ela com
raiva. ― Acabei de ter uma noite muito ruim, sim, uma vida muito ruim,
para que eu possa tomar uma bebida. Mas não pense que isso significa que
estou aqui para você, ou por sua causa, ou que estou interessada em ter um
trio com você e Cachinhos Dourados por aí, porque isso não está
acontecendo.
― Não é fã de sexo a três?
― Não sou fã de você.
― Ah, isso é loucura, ― eu digo, pegando o copo vazio que o barman
me deu hoje à noite. Derramei um pouco de rum antes de empurrar no
caminho de Scarlet. ― Todo mundo gosta de mim.
Ela pega. ― Ninguém gosta de você.
Eu sorrio quando volto para Blondie. Até ela não parece gostar de mim
no momento, aborrecimento cruzando seu rosto enquanto ela olha na
direção de Scarlet. ― Você gosta de mim, não é linda?
Seus olhos azul-céu se voltam para mim, não mais nublados pela
névoa do álcool. Não, essa janela de oportunidade passou. Sua expressão
é protegida, como se ela estivesse me vendo pela primeira vez, com a
autopreservação erguendo sua cabeça feia. Você vê, enquanto as mulheres
gostam de meninos maus, elas realmente não gostam deles. Elas querem um
garoto mau com reputação, não um em execução. Elas não querem ver.
Elas não querem ser lembradas de que não somos boas pessoas, que não é
um papel que estamos desempenhando.
Isso acontece uma e outra vez.
Você atira em um canalha na frente de uma loirinha bonita e de
repente deixa de ser James Dean 7para Charlie Manson8.
As mulheres não gostam de Charlie Manson.
Bem, aquelas com algum sentido não...
Blondie empurra o banco para trás e murmura ― Eu preciso usar o
banheiro, ― antes de sair, pegando o casaco e carregando a bolsa junto com
ela. Ela não vai voltar. Isso é óbvio.
― Hã. ― Eu me viro. ― Acho que ninguém gosta de mim.
― Eu disse a você, ― diz Scarlet.
― Ah, bem, isso foi o melhor, ― eu digo enquanto Scarlet leva o copo
aos lábios. ― Eu provavelmente teria empurrado a cabeça dela na pia
quando a pegasse no banheiro. Poderia ter afogado ela por acidente.
Essas palavras saem dos meus lábios quando Scarlet tenta engolir a
bebida, a pegando desprevenida, ao que parece, porque ela engasga. Ela
cospe rum enquanto tosse, os olhos lacrimejando. O rosto dela ficaria
vermelho se não fosse por toda a maquiagem. Ela agarra o peito, tentando
respirar fundo, enquanto o barman corre. ― Morgan? Você está bem?
― Eu estou bem, ― ela chia, sem soar bem, o que faz o cara entrar em
pânico. Ele está a três segundos de pular o balcão, e tentar um RCP, e eu
não sou o único que percebe. Scarlet levanta as mãos na frente dela,
balançando a cabeça. ― Sério, estou bem. Apenas desceu pelo buraco
errado.
Agarrando um pano, ele limpa o espaço na frente dela, ainda fazendo
um barulho. ― Você tem certeza? Posso fazer alguma coisa?
― A mulher disse que está bem, ― eu digo, dando um tapa nas costas
dela algumas vezes. ― Corra agora, Barman.

7
James Dean foi um ator estadunidense. Ele é lembrado como um ícone cultural da desilusão
adolescente e do distanciamento social.
8
Charles Milles Manson foi um criminoso estadunidense.
Ele não discute, franzindo a testa enquanto se afasta, oferecendo
apenas um breve olhar para ela. Scarlet respira fundo e esfrega as mãos
sobre o rosto enquanto murmura ― Estou começando a entender o que
todos dizem sobre você.
― E o que eles dizem? Não me deixe em suspense aqui.
― Que há algo seriamente errado com você.
― Oh, bem, eu poderia ter lhe dito isso. Há muita coisa errada comigo.
― Isso está certo?
― Absolutamente, ― eu digo. ― Por um lado, não parece que vou
molhar meu pau esta noite, graças a você, o que eu diria que certamente é
um problema, não acha?
― Trágico, ― diz ela, olhando para mim, sua maquiagem ainda mais
manchada agora. Quase parece hematomas sob seus olhos vermelhos.
Trágico. Sua voz era tingida de amargura, sarcasmo, claramente um
mecanismo de defesa, porque aqueles olhos que me olham silenciosamente
gritam tragédia, do tipo que não deve ser menosprezada. O tipo de
tragédia que quebra corpos e rouba almas. O tipo que transforma pessoas
decentes em idiotas sociopatas.
O tipo que transforma mulheres bonitas em fantasmas.
Alguém me disse uma vez que o mal pode se sentir dentro dos outros,
nossos corações batendo em um ritmo diferente do que a maioria, tocando
uma música mórbida que apenas outros males conhecem. E enquanto eu
não estou dizendo que ela é má, e não tenho certeza se me chamaria disso,
eu sei que tenho demônios, e esses demônios estão farejando tudo ao seu
redor agora, reconhecendo algo dentro dela, algo não muito bom.
― Quem quebrou você? ― Eu pergunto, genuinamente curioso.
Quem profanou algo que deveria ser tão puro?
Ela me olha, sem reagir a essa pergunta, sem negar nem fingir que
ainda está inteira, enquanto ela se senta ao meu lado, pensando sobre isso.
Eventualmente, ela se vira, pegando minha garrafa de rum e se servindo
de uma dose dupla, que engole sem hesitar. Ela estremece, fechando os
olhos e inclinando a cabeça para trás, sua expressão quase erótica.
Ela gosta, eu percebo.
Ela gosta da queimação.
Não posso dizer que estou surpreso.
Você queima uma bruxinha na fogueira e ela ri na sua cara.
Isso não deve me excitar, eu sei, mas foda-se se não acontece.
Ela sorriria, sem dúvida. Eu sei disso agora. Se eu envolvesse minhas
mãos em sua garganta, se estrangulasse a vida dela, ela me olharia nos
olhos e sorriria. Quase me dá vontade de fazer. Quase me faz querer matá-
la, apenas para ter a chance de vê-la morrer. A maioria das pessoas se
ajoelha, choramingando, implorando, mijando nas calças e soluçando,
como se não tivessem controle sobre seus corpos, torneiras vazias de
desgraça. É repulsivo. Mas ela tem uma espinha dorsal, que eu teria muito
prazer em dobrar.
― Quem disse que estou quebrada? ― ela pergunta, abrindo os olhos
novamente, sua expressão calma, como se o fogo sufocasse quaisquer
emoções que ela pudesse estar enfrentando.
― Eu faço, ― eu digo. ― Eu posso dizer apenas olhando para você.
― E você acha que pode me consertar? ― ela pergunta, virando o
banquinho para me encarar, aproximando seu corpo, tão perto que eu
posso sentir o cheiro da bebida em seu hálito quente enquanto ela
sussurra― Acha que pode me fazer ficar inteira novamente? Me salvar do
mundo? Me salvar de mim mesma? Me preencher, talvez foda o
sentimento de volta para mim, como o homem grande e forte que você é?
Me tornar uma mulher de verdade, em vez de uma garotinha quebrada?
Há uma doçura doentia na voz dela que me arrepia a espinha. Se eu
nunca ouvi um ‘foda-se’ velado, esse certamente foi um dos livros. Me
aproximo dela, desconfortavelmente, inclinando a cabeça levemente
enquanto me inclino, observando o corpo dela ficar tenso. Ela pensa que
estou prestes a beijá-la, minha boca a centímetros da dela, antes de parar,
minha voz rouca quando digo ― Pelo contrário, Scarlet, não acho que você
precise consertar nada.
― Não?
― Não, ― eu digo. ― Eu acho que você é perfeita do jeito que é.
Ela olha para mim novamente, sem se mexer.
Essa mulher, ela olha muito.
Eu não gosto disso
Seu olhar arranha minha pele, como se ela estivesse tentando separar
as camadas e descobrir o que poderia existir embaixo do que quer que ela
veja quando olha para mim. Estou acostumado com os olhares
horrorizados. Eu tolero a pena foda-se. Homens, eles baixam os olhos,
nunca olham para o meu rosto por muito tempo, mas ela? Essa pequena
ladra, com quase um metro e meio de carne e osso batido, me olha nos
olhos como se ela não tivesse medo no mundo.
Mas é um ato, eu sei, porque todo mundo tem medo de alguma coisa.
Todos. Até o homem mais corajoso do mundo tem medo da covardia.
Inferno, até eu tenho medos, mas não estou lhe dizendo quais são, então
nem me pergunte.
― Você não precisa me dizer, ― digo ― mas aposto que posso
adivinhar.
Ela arqueia uma sobrancelha. Parece muito com um desafio.
― Acho que foi um homem, ― eu digo ― um homem que jurou que
salvaria você do mundo, mas que acabou destruindo seu mundo.
Sua bochecha se contrai.
Essa é toda a confirmação que eu preciso.
Sem responder, ela empurra o banquinho para trás, para longe do bar
e se levanta. Ela faz uma pausa lá, entre nós, me olhando no rosto
novamente.
― Sessenta e seis centavos.
― O que?
― Você me deve sessenta e seis centavos, ― diz ela com naturalidade.
Eu me viro no meu banquinho, observando enquanto ela se afasta, me
deixando com essas palavras. Sessenta e seis centavos. Os cantos dos meus
lábios se contraem, diversão finalmente vencendo a batalha, limpando
toda a irritação no momento. Ela se dirige para a porta assim que ela se
abre, uma rajada de ar frio correndo pelo bar, carregada para dentro com
um grupo de caras barulhentos. Brancos, cada um deles, o garoto loiro de
olhos azuis e garoto da fraternidade, três folhas ao vento. Scarlet bate
direto em um dos caras com tanta força que ele quase cai de bunda.
BAM.
Ele cambaleia quando ela o segura, como se ela estivesse tentando
manter o cara na posição vertical. A mão dela desliza no bolso dele,
arrancando uma carteira, enquanto ela diz ― Oh meu Deus, eu sinto
muito!
Ele entende o assunto e sorri bêbado para ela, como se ela fosse a coisa
mais bonita do mundo, jogando um braço em volta do ombro dela. ― Não,
está tudo bem, querida! Não me diga que você está indo embora? Vamos,
deixe-me comprar uma bebida para você!
― Gostaria de poder, ― diz ela ― talvez da próxima vez.
Ela desliza sob o braço dele, o contornando e empurrando ele em
direção a seus amigos, o grupo todo rindo enquanto cambaleiam em
direção ao outro lado do bar. Scarlet olha para dentro da carteira,
carrancuda, antes de jogá-la em uma mesa próxima enquanto ela sai.
Sem dinheiro.
Balançando a cabeça, eu volto para o bar. O barman está parado na
minha frente, olhando para mim, com os olhos fixos na carteira
abandonada perto da porta. Ele pisca algumas vezes enquanto parece
juntar as peças, virando-se para o grupo de rapazes, seus lábios se abrindo,
apenas um som escapando antes de eu agarrar seu braço. Eu o arrasto
através do balcão, puxando com tanta força que sua cabeça quase bate na
minha.
― Cuide da sua vida, ― digo ― se você souber o que é bom para você.
Eu o empurro e ele tropeça, deixando escapar um suspiro trêmulo. Ele
não pronuncia uma única palavra sobre a carteira, atendendo ao meu
aviso.
Pena, realmente.
Como parece que não está acontecendo nada esta noite, eu
provavelmente teria gostado de estourar a cabeça dele.
Eles dizem que a Disney World é o lugar mais feliz do mundo. Não
posso atestar isso, pois nunca estive lá, mas tenho certeza de que sei onde
é o lugar mais miserável: a 60ª delegacia no Brooklyn.
― Detetive Gabriel Jones, por favor.
A mulher sentada na recepção, a policial Josephine Rimmel, recosta-
se na cadeira, o receptor do telefone antigo da mesa telefônica enfiado na
dobra do pescoço gordinho. Ela me cumprimenta com repulsa, como se eu
fosse um gambá fedorento em seu saguão, pulverizando meu odor por
todo o lugar, seus olhos castanhos enlameados me analisando enquanto
brilha, como se estivesse pensando em chamar o controle de pragas para
pedir que exterminassem os vermes que corriam ao redor do seu recinto.
― Segure, por favor. ― Sua longa unha pintada de rosa aperta um
botão na central, interrompendo a ligação, antes de latir uma palavra
solitária para mim ― Nome.
Ela deveria saber meu nome.
Eu disse a ela trinta e nove vezes. Não uma vez. Não duas. Nem uma
dúzia de vezes. Trinta e nove. Sempre que nos vimos, começando na minha
primeira visita a este buraco de tijolo e concreto nove meses atrás, você
acha que já seríamos melhores amigas. Eu certamente me lembro do nome
dela. Lembro-me de todos os detalhes excruciantes que fui forçada a
aprender sobre ela ao longo do tempo - como ela não pode passar uma
semana sem uma manicure nova, escolhendo um novo esmalte rosa todas
as vezes, o que significa que eu já vi trinta nove fodidos tons diferentes de
rosa boceta cobrindo suas unhas, mas ela ainda não pode se incomodar
com algo tão simples quanto o meu nome.
― Morgan, ― eu digo. ― Morgan Myers.
A policial Rimmel pega o telefone novamente, discando o ramal para
o escritório do terceiro andar de Gabe. Eu bato minhas unhas pintadas de
vermelho em cima do balcão enquanto espero, meu estômago retorcido em
nós apertados, a única coisa que mantém meu mal estar sob controle. Soa
algumas vezes antes que eu possa ouvir sua voz através da linha.
― Uh, sim, essa mulher está aqui... sim, sim... ok, com certeza. ― A
oficial Rimmel desliga, olhando para mim. Não escapou ao meu
conhecimento de que ela nem precisava usar meu nome. ― Ele estará
descendo daqui a pouco.
Suspirando, eu ando e me sento na primeira cadeira barata de plástico
azul que vejo no saguão apertado, inclinando meu corpo para onde posso
ver a entrada, certificando-me de que ninguém que eu reconheça entre. Eu
não deveria estar aqui. Este é sem dúvida o lugar mais perigoso para eu
mostrar meu rosto. Eu nem deveria estar no Brooklyn.
Meu olhar examina os outros que esperam no saguão, percorrendo
rostos que eu nunca vi antes, olhos desprotegidos que não estão nem um
pouco preocupados com a minha presença, sempre em suspense enquanto
espero pelo momento singular em que o reconhecimento acende. Vai
acontecer algum dia. Milhões de pessoas podem morar na cidade de Nova
York, mas os círculos em que a maioria de nós administra são pequenos. É
inevitável, eu acho, que um dia eu vou entrar aqui e alguém vai dar uma
olhada em mim e saber exatamente quem eu sou. Eles vão conhecer minha
história. Eles vão conhecer minha história.
Ao contrário da Oficial Rimmel, eles vão se lembrar do meu nome e
depois o que?
O elevador, passando pela recepção, apita, abrindo, antes que eu tenha
que pensar nessas possíveis consequências. Morta, se eu tiver sorte. Gabe sai
no meio do caminho, segurando a porta do elevador, segurando-a aberta e
bloqueando-a com seu corpo enquanto seus olhos severos me procuram.
Ele faz um gesto agudo com a cabeça para eu me juntar a ele, e eu me
levanto, agradecendo que hoje não será o dia em que serei reconhecida. Eu
passo por ele, para o elevador, meus tênis silenciosos contra o chão. Gabe
se junta a mim, pressionando o número ‘3’ antes de pressionar
repetidamente o botão ‘fechar a porta’, batendo contra ele, como se isso
fizesse com que funcionasse mais rápido. Assim que a porta finalmente se
fecha, o elevador se move, ele se recosta na parede.
Ele não diz nada, mas seus olhos falam alto enquanto me examinam.
Em cima. Em baixo. Em cima. Em baixo. São apenas alguns segundos
quando o velho elevador barulhento nos leva por dois andares, mas é uma
eternidade sob sua avaliação, enquanto ele me fode com olhos através do
espaço confinado e sufocante. Mesmo vestindo camadas e mais camadas
de roupas de moletom e uma camisa térmica de mangas compridas coberta
com capuz, um chapéu preto de malha puxado para baixo, sobre as
orelhas, ele tem um jeito de me fazer sentir exposta. Ele me lembra de outra
pessoa... alguém que eu conheci há muito tempo.
Ele me lembra o homem que roubou minha inocência.
Ele olha para mim como se eu fosse alguma coisa e não alguém.
O elevador apita, abrindo novamente, e Gabe sai sem me reconhecer,
sabendo que vou segui-lo. Eu mantenho minha cabeça baixa enquanto o
acompanho até o escritório no canto de trás, com paredes de vidro ao redor,
deixando o espaço exposto. Transparência, eles se orgulham, mas não faz
diferença, não quando lhes dão persianas para fechar o mundo, se assim o
desejarem. E no momento em que estamos lá dentro, Gabe fecha a cortina
vertical. Claro.
― Você falou com eles? ― Eu pergunto.
― Quem?
― Com quem você precisava conversar. Você prometeu falar com eles
sobre mim novamente.
― Oh, sim... eu fiz.
― Você fez?
― Sim. ― Ele oferece um pequeno sorriso enquanto me puxa para trás,
de costas para ele. Seus braços enrolam em torno de mim, suas mãos
segurando meus seios sobre minhas roupas, amassando-os bruscamente
através do tecido grosso. ― Conversei com o meu sargento esta manhã
sobre você.
― Realmente? Você fez?
― É claro, ― diz ele, inclinando-se, forçando minha cabeça para o lado
enquanto seus lábios encontram meu pescoço, beijando e lambendo, nada
gentil sobre isso. Ele chupa a pele, enviando pequenas mordidas de dor
através de mim. ― Eu disse que sim, não disse?
― Sim.
O mal estar ainda se forma dentro de mim, mas tudo o que posso fazer
é engoli-lo de volta e torcer para que ele permaneça baixo. As mãos de
Gabe estão sobre mim, tateando e puxando tecido, puxando minhas calças
para baixo enquanto ele me empurra contra a mesa de cerejeira grossa que
ocupa a maior parte do espaço do escritório, bem em cima de pilhas de
arquivos de caso.
Inspirando profundamente, eu me viro em direção à porta. Ele não
está perdendo tempo hoje. Quando Gabe abre as calças, eu me abaixo e me
toco, tentando ficar excitada. Dor, para mim, geralmente significa prazer,
mas há uma linha tênue lá, uma que Gabe cai do lado errado.
As pessoas passam, ignorando o que está acontecendo, enquanto Gabe
empurra dentro de mim, batendo contra a mesa, sem se preocupar em
manter o barulho baixo. Todos sabem o que está acontecendo, mas
ninguém olha. Ninguém se importa. Nenhum deles presta atenção quando
ele grunhe alto, tirando as pedras.
Eu apenas deito aqui e tomo, sem me preocupar mais em me tocar. É
uma perda de tempo. Um desperdício de energia. Eu não vou gostar. Meu
corpo fica mole, minha mente vagando enquanto as pessoas passam,
cuidando dos seus negócios. Apenas uma vez, eu gostaria que alguém
espiasse por dentro, mesmo apenas um olhar trêmulo, um momento de
curiosidade que força seus olhos a me reconhecerem.
Você sabe como é ser invisível? Você sabe como é fazer o mundo dar
as costas para você, fechar os olhos à sua existência, como se você nunca
importasse? Você sabe como é gritar até sua garganta ficar crua, apenas
para perceber que todo mundo te escutou há muito tempo e ninguém
ouviu uma única palavra?
Porque eu faço. Eu sei.
Leva apenas alguns minutos para Gabe terminar, caindo ofegante. ―
Você está trabalhando hoje à noite?
― Eu tenho a noite de folga, ― eu digo.
― Isso é uma pena, ― diz ele. ― Eu ia aparecer. Você gostaria disso,
não gostaria?
― Você sabe que eu sim, ― eu minto, porque não, obrigado.
Ele se afasta de mim, descartando descaradamente seu preservativo
usado na lixeira. Eu olho para ele enquanto puxo minhas calças para cima.
O látex é reciclável?
Acho que não.
Sacudindo, eu assisto Gabe enquanto ele fecha as calças de volta. ―
Então qual é o plano?
Ele se senta na cadeira do escritório atrás da mesa e começa a mexer
nos arquivos que ele acabou de me foder em cima. ― O plano?
― Sim, o plano, ― eu digo. ― O que eles disseram? O que eles vão
fazer com a situação?
― Nada.
― Nada?
― Nada.
Pisco algumas vezes, essa palavra como um peso pressionando contra
o meu peito, cortando o ar nos meus pulmões. Nada. ― O que você quer
dizer com nada? Você me disse...
― Eu disse que falaria com eles, ― ele diz ― e eu falei.
― Mas isso não está certo. Não é justo. Não é o suficiente!
Ele corta os olhos para mim. ― Estou fazendo tudo o que posso.
― Mas você não fez nada! Você continua me prometendo que fará
algo, que está trabalhando nisso, que se eu confiar em você, tudo dará
certo, mas nada está acontecendo!
― Essas coisas levam tempo.
― Faz nove meses, Gabe. Nove meses.
― O que você espera que eu faça, Morgan? Hã?
― Algo, ― eu digo. ― Qualquer coisa.
― Eu te disse, estou fazendo tudo o que posso. E se você quiser que
eu continue fazendo isso, é de seu interesse observar como você fala
comigo, porque eu posso parar. Posso entregá-la a outro detetive, talvez
até passá-la para o esquadrão da sede, onde eles realmente não farão nada,
se é isso que você quer.
― O que eu quero é que você me ajude, como você prometeu!
― Você quer alguma ajuda, Morgan?
― Sim!
― Então, que tal eu lhe dar alguns conselhos, ― diz ele. ― Você cavou
um buraco, querida, um buraco tão grande que poderia muito bem ser um
túmulo. E eles vão enterrá-la nisso, na primeira chance que tiverem, a
menos que você saia. Mas tudo isso que você continua fazendo? Todo esse
barulho que você continua fazendo? Você está apenas piorando tudo. O
buraco está ficando cada vez maior.
― O que mais eu devo fazer?
Ele encolhe os ombros. ― Esqueça isso.
Essas palavras são um tapa na cara. Eu recuo.
― Você ainda é jovem, ― continua ele. ― Comece de novo, siga em
frente, construa uma nova vida. Pessoas fazem isso o tempo todo.
Essas são provavelmente as palavras mais cruéis que já foram ditas
para mim, e isso está dizendo algo, considerando o mundo em que vivo. A
vida parou de ser legal comigo quando eu era criança, e cresci rápido
depois disso... mais rápido do que uma criança deveria crescer. Mas nunca
deixei que isso me impedisse, nunca desisti, lutando para criar uma vida
para mim mesma, uma vida própria, construindo castelos de areia do nada
que eu poderia chamar de lar. Foi tudo roubado de mim, no entanto, no
meio de uma tempestade, e ele me disse para começar de novo? Desistir?
Seguir em frente?
Eu não quero reagir. Não quero que ele saiba que está me alcançando.
Não vou chorar, isso é certo, porque Gabriel Jones não vale uma única
lágrima. Mas o nó na minha garganta continua crescendo, meus olhos
ardem, e eu sei que preciso ir antes que ele perceba que ele chegou até mim.
Afasto-me, agarrando a porta do escritório e a abrindo, batendo contra
a parede enquanto saio em disparada. As pessoas param o que estão
fazendo, os olhos piscando na minha direção, como se o chão parasse com
a comoção. Eu vou para o elevador, apertando o botão enquanto arrisco
um olhar de volta para os rostos julgadores.
― Oh, agora todos vocês querem olhar? ― Eu grito quando o elevador
apita, abrindo. ― Vocês querem que eu me incline para que o resto de
vocês se revezem, deixem todos vocês bravos meninos de azul me foderem
um pouco mais?
Entro no elevador e aperto o botão do primeiro andar, mas antes que
a porta possa fechar, me afastando desse buraco do inferno, Gabe entra.
No segundo em que começamos a nos mover, ele bate a palma da mão no
botão de parada, o elevador gritando pela parada. Uma campainha alta
toca. Eu sei que eles podem ouvir isso em todos os andares. Só posso
imaginar o que eles estão pensando.
Provavelmente ele está me fodendo um pouco mais.
Eu passo por ele, tentando pegar o botão para começarmos a nos
mover, mas ele bloqueia minha mão, me empurrando de volta contra a
lateral do elevador.
― Puxe o botão de volta, ― eu rosno. ― Agora.
― Você precisa se acalmar, ― diz ele. ― Você está fazendo uma cena.
― Diz o cara que me mantém refém no elevador.
― Olha, eu sei que você está chateada, mas você está agindo de forma
irracional.
― Irracional? ― Eu empurro contra ele, tentando forçá-lo a se afastar
de mim. ― Foda-se!
Ele estreita os olhos quando eu o chuto, já que empurrá-lo não está
funcionando.
Ok, talvez isso fosse irracional, agredindo um policial, mas tanto faz.
Ele merece.
― Estamos construindo um caso, ― diz ele. ― Você sabe disso.
Estamos construindo um caso há décadas, Morgan. Sim, você está
esperando, mas não é nada comparado ao tempo que esse departamento
investiu nesse caso. Então simpatizo, sim, mas não podemos comprometer
tudo por causa do que equivale a uma porra de uma disputa civil!
Eu pisco algumas vezes. Eu nem sei o que dizer. Ele chama isso de
uma disputa civil, como se nada mais fosse do que uma briga mesquinha.
Fico quieta, me recusando a deixá-lo ver o quanto isso me machucou, e ele
puxa o botão para que o elevador possa se mover novamente.
A policial Rimmel olha para cima quando entro no saguão, seu olhar
piscando para onde Gabe fica. Um olhar cruza seu rosto, seus olhos se
estreitando quando eles novamente me procuram, me vendo passar.
Ciúme, ou talvez apenas nojo... eu não sei. Isso importa? Ela não sabe como
é ser eu. Ela nunca conseguiu entender, então ela pode pegar aquele olhar
e enfiá-lo na sua bunda esnobe.
É o começo da noite, o ar escaldante ao se aproximar do anoitecer.
Levanto o capuz antes de enfiar as mãos nos bolsos. Mantendo minha
cabeça baixa, eu corto ao redor da delegacia, indo para o metrô.
Deslizo através da pequena multidão reunida, me apertando em um
local ao longo das costas. O trem F se aproxima depois de alguns minutos
e eu subo nele, encontrando um assento vazio em direção ao meio do carro.
O sol está se pondo quando eu volto para a cidade, o trem me levando
diretamente para o Lower East Side. Ando alguns quarteirões até o meu
prédio, minha cabeça ainda baixa, apesar de não estar mais no Brooklyn.
Porque, quando se trata disso, nenhum lugar é mais seguro para
mim... se eu estivesse realmente segura em algum lugar para começar. Eu
costumava pensar que era, mas, novamente, eu costumava acreditar em
muitas coisas que nunca eram verdadeiras.
Como, o Papai Noel trouxe presentes de Natal, e as fadas madrinhas
eram reais, e coisas boas aconteceram com pessoas boas, e o amor era algo
que todos mereciam.
Eu costumava acreditar em casas grandes com cercas brancas, em
famílias perfeitas e finais felizes. Eu costumava pensar que o que deveria
ser seria inevitavelmente encontrar um caminho, mas com o passar dos
dias, começo a me perguntar se talvez eu esteja apenas delirando. Talvez
as coisas só aconteçam se você forçar a mão da vida. Você chama o blefe da
vida e entra em ação, correndo o risco de perder tudo com a chance de
ganhar.
Meu estômago está torcido e meus pulmões queimam, cada respiração
é uma tarefa árdua. A dor física não tem nada de tormento emocional. E
pelo menos uma vez por semana - uma vez por semana nos últimos nove
meses - sinto esse sentimento no peito, o sentimento que me diz que ainda
estou viva, que meu coração ainda existe, em algum lugar, continuando a
bater, apesar de tudo. O fato de ter sido brutalmente roubado. Toda vez
que vou ao Brooklyn, lembro-me da vida que perdi e odeio isso... odeio o
sentimento de desamparo, a lembrança do vazio, mas continuo, continuo
suportando, continuo vivendo... porque a única coisa pior do que ir ao
Brooklyn é que eu não vou lá.
Entro no meu prédio, caminhando até o meu apartamento, cada um
desses cento e oitenta e seis degraus parecendo tortura, a escuridão se
instalando quando chego ao topo. As luzes fracas do corredor piscam,
apenas metade delas acesa. Abro a porta do apartamento e entro,
fechando-a atrás de mim, e estou prestes a apertar o interruptor quando o
movimento no canto do meu olho me faz parar. É sutil, apenas uma
mudança de sombra, sem emitir nenhum som, mas eu sei o suficiente para
saber que os mais silenciosos são os mais aterrorizantes.
A morte nem sempre vem com um grito e um estrondo, não... a morte,
quando prematura, geralmente vem como um sussurro ao vento,
perseguindo-o silenciosamente até que possa roubar seu último suspiro.
A sombra se aproxima e meu coração para antes de bater
freneticamente, ecoando em meus ouvidos. Eu reajo rápido, alcançando
debaixo do meu capuz, minha mão deslizando sob a tira do meu sutiã e
agarrando a pequena faca borboleta dobrada lá. Puxando para fora, eu tiro
a trava e abro, enquanto balanço em direção à sombra, sem pensar duas
vezes. Eu empurrei a lâmina na forma que espreita na escuridão,
balançando e cortando, atingindo algo. Uma maldição alta percorre o
apartamento com uma voz masculina corajosa - não a voz que eu esperava,
mas filho da puta, é tarde demais para parar, porque eu já o cortei.
Não há como voltar agora.
Ele me agarra quando eu cutuco a lâmina nele novamente, segurando
minha mão direita e apertando com força para me desarmar. Merda.
Merda. Merda. Antes que ele possa fazer qualquer coisa, antes que ele
possa me apunhalar com minha própria faca, eu empurro minha mão
esquerda em sua direção batendo a palma da minha mão no seu nariz com
todo o poder que tenho.
BAM.
É o suficiente para fazê-lo me soltar, pegando-o desprevenido, com as
mãos protegendo o rosto enquanto ele xinga novamente. Porra. Eu tenho
dez segundos para me livrar dele antes que ele se recupere.
Dez... nove... oito...
Virando, eu me movo em direção à porta para correr, os segundos
passando.
Sete... seis... cinco...
Eu agarro a maçaneta quando ele me agarra, seu aperto forte. Porra,
faltava apenas cinco segundos. Ele se recuperou rápido demais, como se
isso não o perturbasse. Giro em sua direção e tento atingi-lo novamente,
agitando meus braços, quando ele me empurra, me jogando contra a porta
do apartamento.
Seu corpo bate no meu, forçando o ar dos meus pulmões, a faca
pressionando de repente contra a minha garganta. Pisco algumas vezes,
caso contrário não estou me mexendo, não querendo que ele tenha alguma
reação brusca e corte minha garganta por acidente.
Ou intencionalmente, também.
Jesus Cristo, ele poderia...
Ele pode.
Embora minha visão seja nebulosa e muito escura, eu facilmente
entendo o rosto dele, meus olhos examinando suas feições com cautela,
permanecendo na cicatriz. Brilha à noite, como um raio irregular, da
mesma sombra que a luz da lua que flui pelas janelas nuas.
Scar. Ainda não sei o seu nome verdadeiro dele. O homem é como
Beetlejuice... ou inferno, talvez ele seja Voldemort. Ele está fodendo a
Bloody Mary. Não ouse dizer o nome dele ou ele pode aparecer. Eu
entendo o porquê também. Ele não é o diabo que você quer conjurar. Mas
lidei com muito mal na minha curta vida, e esse filho da puta é o menor
dos meus problemas.
Ou, bem, ele era. Ele acabou de chegar ao topo da lista de pessoas que
querem me machucar e certamente está em posição de fazê-lo. O sangue
escorre de seu nariz, mas ele não percebe ou não se importa com isso, muito
concentrado em me encarar nos olhos, nem uma pitada de qualquer coisa
em sua expressão.
Em branco.
Minhas pálpebras tremem quando ele puxa a lâmina lisa ao longo da
minha pele, apenas forte o suficiente para eu senti-la, antes de pressionar
a ponta da faca contra uma mancha no lado do meu pescoço. Eu estremeço.
A dor ardente ondula desde o ponto em que a ponta afiada da lâmina rasga
a pele, extraindo sangue.
Ele me cortou.
― Isso é duas vezes agora, ― diz ele, inclinando-se para sussurrar
essas palavras no meu ouvido, prendendo meu corpo contra a porta. O
calor irradiando dele me envolve. ― Duas vezes que você veio até mim
com uma faca. Não haverá uma terceira vez, Scarlet. Se você tentar de
novo, eu mato você. Vou cortá-la em pedaços enquanto você me pede para
parar.
Ele vira a cabeça, o nariz roçando na minha bochecha, manchando seu
sangue em mim... sangue que eu causei batendo nele. Fecho os olhos, ainda
não me mexendo, a faca no meu pescoço. Não demorou mais do que um
movimento de seu pulso para enfiar a lâmina. Ele permanece ali, o odor
enferrujado de cobre do sangue cumprimentando minhas narinas
enquanto se mistura com seu perfume. Não sei se é sabão, água de colônia
ou outra coisa completamente diferente, mas o homem cheira a citrinos,
fresco e vibrante. Sangue laranja.
Um hálito quente assombra minha pele e exalo trêmula no segundo
em que sinto sua língua. Ele corre ao longo da minha bochecha, provando
minha pele, lambendo seu sangue imediatamente. Os nós no meu
estômago se apertam quando meus joelhos enfraquecem, um ataque de
formigamento correndo por mim, atacando meus sentidos.
Jesus Cristo, ele é demente. Há algo seriamente errado com esse cara.
Eu deveria ter repulsa, e parte de mim está aterrorizada, mas essa é a parte
que costumava ser uma garotinha inocente.
Esse não sou mais eu.
Chegando ao seu redor, eu seguro o cabelo na parte de trás de sua
cabeça, tecendo meus dedos pelas mechas e puxando com força, puxando
sua boca para longe da minha bochecha. Uma careta torce sua expressão
quando uma labareda de raiva arde em seus olhos. Esse foi um erro grave
que acabei de cometer ou uma das melhores ideias que já tive na minha
vida. A paixão emana dele como o calor do fogo, aquecendo tanto o ar entre
nós que quase começo a suar enquanto ele rosna.
Oh Deus, ele rosna.
O som pulsa através de mim, como eletricidade para minha alma. Não
sei em que diabos me meti, mas quando ele bate seu corpo contra o meu
novamente, me empurrando de volta para a porta, o instinto assume. Eu
vou com ele, agarrando-o, envolvendo meus braços em volta dele
enquanto ele solta a faca. Ela cai no chão entre nós, e eu considero, por uma
fração de segundo, mergulhar nele, mas o pensamento é apagado quando
ele a chuta, enviando a maldita coisa deslizando pela sala de estar.
Inteligente.
― O que te excita mais? ― ele pergunta, suas mãos segurando minhas
coxas enquanto ele me puxa para cima. ― A luta ou toda a merda?
Envolvo minhas pernas em torno de sua cintura, me preparando,
agarrando-me a ele enquanto ele empurra, a força de seus quadris me
batendo na porta trêmula. Faíscas inflamam dentro de mim quando algo
duro esfrega aquele ponto doce entre minhas coxas, atingindo meu clitóris
apesar de todo o tecido, enviando solavancos através do meu corpo.
Oh merda.
― O que faz você pensar que estou excitada? ― Eu pergunto, minha
voz sem fôlego, ganhando uma risada dele, o som gerando arrepios na
minha pele.
― Chame de palpite.
Um suspiro escapa da minha garganta quando ele empurra, uma e
outra vez, como se estivesse me fodendo com nossas roupas, batendo em
mim com tanto vigor que mal consigo pensar. Eu moo contra ele,
desesperada por atrito, batendo a cabeça contra a porta enquanto inclino o
queixo, sua boca novamente encontrando minha pele corada.
Seus dentes beliscam ao longo da minha mandíbula, mordendo,
raspando, nada de amor em seus lábios, nada de doce em sua língua,
enquanto ele se aproxima do meu ouvido e sussurra ― Eu destruiria essa
boceta.
― Você acha? ― Eu pergunto, aquelas palavras que fazem parte de
mim formigar, não se realizam há um bom tempo, como um fósforo sendo
atingido e finalmente encontrando uma chama.
― Sem dúvida, ― diz ele, não desistindo. A pressão aumenta dentro
de mim enquanto corro meus dedos por seus cabelos grossos. ― Eu a
destruiria pra qualquer homem que viesse depois de mim, envergonharia
todos, porque eu daria exatamente o que você quer.
― Como você poderia saber o que eu quero?
― Porque, ― diz ele, agarrando um punhado do meu cabelo e
torcendo minha cabeça, forçando-me a me afastar dele. ― Olhar para você
é como olhar no espelho, Scarlet.
Ele mantém o aperto no meu cabelo, segurando minha cabeça lá, me
prendendo à porta com seu corpo enquanto a outra mão desliza entre nós,
deslizando dentro da minha calça. As pontas dos dedos ásperas esfregam
meu clitóris, e eu solto um grito com a sensação estridente.
Puta merda, estou perto.
Eu posso senti-lo em cada centímetro do meu corpo, até os meus ossos
- a tensão, o aperto, a necessidade desesperada de se desfazer à medida
que se constrói, se constrói e se constrói. Ele puxa minha cabeça ainda mais
para o lado, a dor rastejando pelo meu couro cabeludo. Seus lábios estão
na minha garganta, sua língua passando pelo pequeno corte da faca. A
sensação ardente me empurra para o limite quando ele me leva ao
orgasmo. O prazer corre através de mim. Eu fecho meus olhos com força,
meus lábios se abrem, o ruído pega na minha garganta enquanto meu
corpo convulsiona.
Uhhhhh…
― Foda-se, ― eu suspiro. ― Uhhh... porra.
Assim que me acalmo, ele para, soltando meu cabelo, deixando-me
olhar para ele novamente enquanto ele tira a mão da minha calça. Estou
quase caindo, minhas pernas caindo, pés batendo no chão novamente
quando ele se afasta. Fico pressionado contra a porta, mantendo distância,
mesmo quando ele se afasta alguns passos, me dando espaço. Ele pega
minha faca do chão, olhando-a na escuridão. Lâmina de 15 cm, cor
iridescente de arco-íris, cabo escuro gravado com aranhas.
Meu coração bate forte, tornando minha visão nebulosa enquanto ele
caminha em minha direção com ela.
Seus olhos piscam da faca para mim, enquanto um pequeno sorriso
torce seus lábios. Travando a lâmina, ele a segura. Tomo isso com cuidado,
surpresa que ele esteja devolvendo. Ele parece ser do tipo que confisca os
bens das pessoas e as chama de seus. Não que eu tenha espaço para falar
ou algo assim, considerando que roubar dele é o que me deixou nessa
bagunça em primeiro lugar, mas ainda assim... eu não sei o que fazer com
isso.
Eu não sei o que fazer com isso.
Afasto a faca, olhando para ele. ― Por que você está aqui?
― Sessenta e seis centavos, ― diz ele, enfiando a mão no bolso e
tirando algumas moedas, jogando-as para mim. Eu não tento pegá-las. Não
há sentido. Elas caem no chão e se dispersam, rolando, uma moeda
descolorida chegando ao meu pé. ― Achei melhor pagar antes que a meia-
noite chegasse e os juros aumentassem.
Eu olho para isso. ― Bem, acho que estamos quites agora, hein?
― Parece que sim.
Me afastando da porta, passo por ele pelo apartamento. Ainda estou
completamente vestida, mas me sinto completamente exposta na frente
desse homem agora. Exposta demais. ― Tenho certeza que você pode sair,
sabe, já que não teve nenhum problema em entrar.
Subo até o telhado. Minhas mãos estão tremendo e eu preciso de ar
fresco. Eu preciso sair daqui. O local é um cubículo sufocante, feito de
madeira lascada e tijolos quebrados, não se parece com um apartamento,
muito menos com uma casa. Até a maioria das celas tem quatro paredes e
um teto, um lugar para se deitar sua cabeça enquanto é cortado da
sociedade.
Eu já morei em lugares piores. Muito piores.
Tente dormir acorrentado em uma masmorra de concreto e depois
falaremos sobre viver no inferno, porque eu já estive lá.
Uma nuvem de ar me rodeia, meus dentes batendo enquanto eu pulo
no telhado, caminhando até a borda e me sentando nela. O vento está frio,
cortando minha pele como lâminas de barbear, mas eu aprecio a sensação,
deixando esfriar minha pele febril.
É bom sentir alguma coisa, mesmo que isso seja dor.
Meu olhar se dirige para o rio a apenas alguns quarteirões de distância.
Projetos habitacionais maciços bloqueiam a maior parte da vista daqui,
mas sentada no parapeito, bem neste local, posso ver uma lasca da água
escura entre os prédios e, além disso, o horizonte do Brooklyn.
Apenas um momento passa antes que eu ouça o barulho vindo do meu
apartamento, o som de passos na escada levando ao telhado atrás de mim.
Não me viro para olhar, ouvindo quando ele se aproxima. Ele não está
tentando passar despercebido, não se esgueirando, mas sua abordagem é
reservada, mais casual do que determinada.
Eu não sei o que ele quer.
Não sei por que ele ainda está aqui.
Mas também não tenho que perguntar.
O que isso importa?
O vento selvagem gelado explode com seu perfume único enquanto
ele se apoia na borda ao meu lado. Eu cortei meus olhos em seu caminho
quando ele funga, esfregando o nariz quebrado com as costas da mão, o
sangramento parou na maior parte. Ele não diz nada a princípio enquanto
olha a cidade, mas seu silêncio não é uma forma de punição que ele está
me forçando.
Não, é um consolo raro, pelo qual acho que sou grata.
Eventualmente, porém, ele encontra sua voz. ― Você deveria ir nos
olhos, você sabe.
― Nos olhos?
Ele concorda. ― Você quebra o nariz, eles se recuperam assim que a
adrenalina entra em ação, mas você vai no olho e eles estão fodidos. Eles
não podem pegá-la se não encontrarem você.
Hã. ― Vou ter que lembrar disso.
A camisola rosa sempre foi a favorita da menina. Mangas curtas com
babados, algodão macio, com um grande laço na frente. Sua mãe dizia que
ela era uma linda princesa sempre que a usava, e ela se sentia assim.
Mas quando a garotinha estava sentada na cova do Homem de Lata,
empoleirada em uma cadeira de couro preta grande demais para seu
pequeno corpo, ela se sentiu como Cinderela antes de ir ao baile, aquela
com a madrasta malvada, exceto que a garotinha teve um papai.
Ela não gostou da camisola nova que ele havia lhe dado. Era branca e
fazia sua pele coçar. Ela continuou coçando... e coçando... e coçando. Ugh.
Ela olhou para as chamas tremeluzentes na lareira enquanto ela queimava
o que restava do tecido rosa.
― Por que não pude guardar? ― ela perguntou calmamente, olhando
para o Homem de Lata sentado na cadeira idêntica ao lado dela, uma
pequena mesa separando os dois.
Ele arrancou um copo daquela mesa, cheio quase até o topo com um
líquido claro. Parecia água, mas ele fez uma careta quando a bebeu, o que
disse à garotinha que poderia ter sido algo diferente.
― Fedia, ― disse ele, sua voz preguiçosa, as palavras tremendo. Ele
se agachou, pernas longas estendidas, o joelho em constante movimento.
― Você não conseguiu limpá-la? ― ela perguntou.
Ele tomou outro gole antes de lançar um olhar plano para ela, sem
humor em seus olhos lacrimejantes e vermelhos. ― Fedia como sua mãe.
A garotinha ainda não entendeu. Sua mãe sempre cheirava tão
perfeita.
― Mas se a lavássemos...
― O suficiente! ― Sua voz era aguda quando ele bateu o copo em cima
da mesa, derramando um pouco, jogando-o sobre a pele. Ele apertou a mão
com raiva, uma pitada espirrando na garotinha enquanto ele acenava em
direção ao fogo. ― Se foi, gatinha. Cinzas. Você não pode tê-la de volta.
Não vale a pena suas lágrimas e ela também não, então pare de chorar.
Você me ouve? Pare de chorar!
Ela não estava chorando, não naquele momento, mas quando ele
gritou essas palavras, lágrimas escorreram por suas bochechas. Pegando o
copo novamente, ele puxou o braço para trás, arremessando-o pela sala,
quebrando-o na lareira.
A garotinha tentou se afastar enquanto as chamas rugiam. O Homem
de Lata passou as mãos pelo rosto, enxugando as lágrimas. Rosnando, ele
ficou de pé, as mãos cerradas. Furioso, ele bateu no peito com o punho
enquanto rosnava― Pare com isso, agora! Pare com isso!
Ela choramingou, a raiva dele a assustando, o som chamando sua
atenção. O Homem de Lata virou-se para ela, flexionando os dedos. ― Vá
para o seu quarto. Não posso lidar com você... não enquanto ainda a luto.
A menininha se levantou, correndo da sala, querendo desaparecer
antes que suas próprias lágrimas começassem a cair. Assim que ela estava
no corredor, ela o ouviu gritar, como havia ouvido naquela noite uma
semana atrás. Exceto, ele estava sozinho agora. A mãe dela não estava lá
para ele transformar sua raiva em dor.
Sua mãe se foi.
Mas onde?
Meu padrasto, Edoardo Accardi, ex-executor da extinta família
criminosa de Genova (a propósito, você é bem-vindo por isso), tinha um
certo talento teatral. O homem tinha um jeito de falar, de dizer coisas, como
se estivesse sempre no palco de um show de um homem de sua própria
produção fodida e, na maioria das vezes, apenas uma pessoa estava na
plateia sinceramente. Não foi voluntário, posso lhe dizer isso. Não, o homem
apontou seus monólogos diretamente para mim, me agredindo com as
palavras tão forte quanto ele costumava me bater com os punhos. Isso é para
o seu próprio bem, Lorenzo, ele dizia. Endureça. Pare de chorar. Não implore. Seja
homem, porra! Seja um homem do caralho! Não importava o fato de eu ser
apenas um garoto na época... um garoto que não conseguia entender o
quão inconsciente estava me deixando para o meu próprio bem... um
garoto que não ouvia nada além de enigmas sempre que o homem falava.
Mas ele conseguiu, porque todos esses anos depois, ainda consigo
ouvir sua voz. Suas palavras saltam na minha cabeça, me provocando, me
transformando no monstro que ele tentou - e falhou - derrubar há tanto
tempo. E, embora eu não possa afirmar exatamente gostar dos métodos
dele, credito onde o crédito é devido - o homem certamente sabia o que
estava fazendo.
A parte mais difícil do negócio é cuidar dos seus.
Ele costumava dizer isso o tempo todo. Eu realmente nunca entendi
até que cheguei a Nova York.
E aqui no último andar do edifício degradado, escondido em um bloco
de merda do Lower East Side, congelando minha bolas enquanto me sento
na borda fria de concreto ao lado de uma batedora de carteiras louca com
lábios vermelhos e olhos lacrimejantes, estou tendo um inferno de tempo
em cuidar do meu próprio negócio, porque há uma grande parte de mim
ansiosa para cavar nos dela.
Mulheres são distrações e sentimentos são prejudiciais, mas estou me
sentindo de certa forma assim em relação a essa mulher no momento e não
aprecio isso. Há vodu no sangue dela, e isso me faz querer cortar a porra
da garganta dela para que tudo caia, a chuva caia na cidade abaixo de nós
antes de empurrá-la para o baixo.
Voe, bruxinha. Não se esqueça da porra da sua vassoura.
Mas eu não faço isso. Eu não faço nada. Porque tento não ser esse tipo
de pessoa - o tipo de pessoa que bate nos outros para o seu próprio bem.
Edoardo Accardi pode estar na minha cabeça, mas ele nunca esteve no
meu sangue.
Scarlet olha para longe, como se estivesse perdida em algum lugar ao
longo da orla do bairro. Eu posso ver parte do rio a alguns quarteirões de
distância. Inferno, daqui mesmo, eu posso ver a doca em que estava na
escuridão na noite em que encontrei Scarlet, quando conheci o ‘qual o
nome dele’ para falar sobre os problemas de seu chefe.
Alcançando meu bolso, pego minha lata velha de metal e a abro,
pegando um baseado e o caixa de fósforos desgastada, arrancando um e
batendo na parte de trás da caixa, acendendo a chama na primeira
tentativa. Acendendo o baseado, inspiro profundamente, absorvendo a
fumaça e segurando-a, antes de apagar a chama com o movimento do meu
pulso e jogar o fósforo pela lateral do prédio.
― Você transou com ele? ― Eu pergunto, lentamente liberando a
fumaça dos meus pulmões.
A testa de Scarlet se enruga quando ela se vira para mim, seus olhos
piscando para a lata quando eu a fecho. ― Quem?
― Quem colocou o chupão no seu pescoço.
Demora um momento antes que ela levante a mão, as pontas dos
dedos pressionando contra o lado do pescoço, surpresa no rosto. O adesivo
é pequeno, mais vermelho que roxo, o que significa que é fresco. Eu tomei
isso como uma impressão digital no começo, como se alguém a tivesse
sufocado, mas quanto mais eu olhava, mais eu via os lábios machucados
se formando em sua pele. Alguém a marcou há pouco tempo,
provavelmente enquanto eu já estava aqui, esperando em seu
apartamento. Provavelmente, quem provavelmente também a tenha
fodido, e embora isso possa não ser da minha conta, fico curioso.
Curioso, por causa da fome que vi nos olhos dela quando a prendi
contra a porta, enquanto ela se chocava contra mim, praticamente fodendo
a arma escondida na minha cintura, desesperada para satisfazer uma dor.
O que significa que ele pode ter transado com ela, com certeza, mas
não fez nada pra ela.
Ela desvia o olhar novamente sem responder.
― Imaginei, ― eu digo, dando outra puxada, deixando a fumaça
queimar meus pulmões enquanto as sensações acalmam meus músculos,
acalmando a tempestade em minha mente. ― Foi seu pequeno amigo
policial de novo?
― Isso importa?
― Não, na verdade não. Eu não entendo a coisa toda de segundos
desleixados, não importa quem seja. Não é meu negócio pegar a folga de
outro homem.
― Você pode sair, você sabe, ― diz Scarlet, sua voz plana. ―
Realmente, você pode ir.
― Você quer que eu saia?
Ela não responde novamente, agindo como se eu não fizesse essa
pergunta, continuando a olhar para a cidade. Uma névoa gelada a rodeia
a cada respiração superficial, mas ela não parece incomodada pelo frio. É
estranho para mim, considerando que estou achando quase intolerável.
Minhas bochechas são como cubos de gelo.
― Então, de onde você é? ― Eu pergunto.
Um momento passa antes que Scarlet vire na minha direção. ―
Realmente? Você colocou a mão na minha calça há cinco minutos, uma faca
na minha garganta um minuto antes disso, e você quer conversar agora?
Qual é o próximo... o clima?
Eu dou de ombros. ― O frio não parece incomodar você.
Ela suspira alto enquanto olha para trás. ― Nasci e cresci no norte do
estado. Estou acostumada com o frio.
― Como você acabou aqui?
― Vi um filme que me fez querer ver a cidade, então fugi e nunca olhei
para trás.
― Ah, deixe-me adivinhar. Café da manhã na Tiffany? Oh, não,
espere... Westside Story?
Ela balança a cabeça. ― Os Muppets tomam Manhattan.
Ok, isso me faz rir. ― Parece mudar a vida.
― Você nunca viu isso?
― Não posso dizer que sim.
― Eles vieram para a cidade para chegar na Broadway, e eu pensei, o
que estava me impedindo de fazer isso?
― Você pode cantar?
― Não.
― Dança?
― Não é o tipo de dança que eles estão procurando.
― Odeio te contar, Scarlet, mas provavelmente foi isso que estava te
impedindo.
― Sim, bem, em minha defesa, eu tinha apenas quatorze anos na
época, então não fazia ideia do que estava me metendo. Eu estava
convencida de que tudo que eu precisava era de uma passagem para Nova
York e tudo daria certo, que alguém me desse uma olhada e pensasse ‘sim,
ela é a pessoa’ e minha vida seria perfeita.
― Você está sozinha desde os quatorze anos?
― Fugi aos quatorze anos, mas estava sozinha muito antes disso. Na
verdade, eu não tinha nada aqui, mas tinha ainda menos lá. Pelo menos
aqui eu tinha a liberdade de fazer o que quisesse, de ser quem quisesse.
Imaginei que qualquer problema que eu tivesse na cidade empalideceria
em comparação com o que passei antes. ― Franzindo a testa, sua voz é
baixa quando ela acrescenta ― Acontece que eu estava errada.
― Em que problema você se meteu?
― Um cara me prometeu o mundo apenas para destruir o meu
mundo, ― diz ela, cortando os olhos na minha direção. ― Ou como você
colocar.
― Tempo difícil.
― Sim, bem, é o que é. E quanto a você?
― E quanto a mim?
― Qual a sua história?
― Eu não tenho uma história.
― Todo mundo tem uma história.
Considero isso, continuo a fumar, grato quando começa a me aquecer,
afastando o frio intenso. O mundo sempre se sente melhor quando uma
névoa o cobre, escondendo um pouco da dura realidade. ― Eu era apenas
um cara normal... família normal, vida normal. Mas eu estava no lugar
errado, na hora errada e vi algo que não deveria ter visto. A máfia matou
minha família, tentou me matar, mas eu sobrevivi e, bem... eu venho
atirando neles desde então. Não importa o que eu tenho que fazer, quem
eu tenho que matar. Eu vou me vingar.
― Um vigilante? É isso que você está me dizendo? Apenas um cara
tentando punir todas as coisas ruins do mundo?
― Exatamente isso.
Revirando os olhos, ela se vira, afastando-se da borda quando seus pés
batem no telhado. Ela vem direto para mim, pressionando contra mim,
enquanto eu solto um fluxo de fumaça, soprando direto em seu rosto
pálido.
Ela respira devagar, olhando para mim. ― Besteira.
Eu levanto uma sobrancelha para ela.
― Esse é o Justiceiro, ― diz ela, ― então, a menos que seu nome
verdadeiro seja Frank Castle, essa não é a sua história.
― Você está me chamando de mentiroso?
― Estou te chamando de babaca.
Um sorriso se espalha lentamente pelos meus lábios quando ela se
afasta, claramente terminando de ouvir minhas besteiras. Ela está certa, é
claro. Essa não é a minha história, mas a minha história não é para os fracos
de coração, então guardo para mim. ― Você é a primeiro a descobrir isso.
― Não, sou apenas a primeiro a falar isso, ― diz ela. ― Eles têm muito
medo de chamar uma pá de pá, mas há muito tempo deixei de ter medo de
pessoas como você. Se você não quer me dizer, tudo bem... não me diga.
Mas não tenho tempo para jogar. Você não pode nem me dar a cortesia de
uma verdade simples. Inferno, eu nem sei o seu nome. Tudo o que sei é
que eles te chamam de Sc...
― Não diga isso. ― Eu a interrompo, minha voz aguda quando eu
largo o baseado no telhado e o esmago antes de dar um passo em sua
direção, surpreso quando ela não recua. Pequena alma corajosa. ― Eu sei
como eles me chamam. Não preciso que você me lembre.
― Sim, bem, bom para você, eu acho, ― diz ela. ― Estou feliz que pelo
menos você saiba quem você é.
Eu a vejo caminhar em direção à entrada de volta ao seu apartamento,
ansioso para segui-la, mas minhas pontas dos dedos estão formigando e há
uma boa chance de eu estrangulá-la se chegar perto o suficiente. Ela está
aborrecida e talvez tenha motivos para estar, mas isso não facilita sua
atitude.
― Lorenzo, ― eu digo.
Seus passos vacilam quando ela olha para trás. ― O que?
― Meu nome, ― eu digo. ― É Lorenzo.
Seus olhos examinam meu rosto na escuridão, como se ela estivesse
esperando algum sinal de mentira, mas ela não o encontrou. Uma verdade
simples. Foi isso que ela pediu, e é isso que estou dando a ela.
― Sua vez, ― eu digo. ― Eu quero um nome.
― Você sabe meu nome.
― Não é seu nome. Quero o nome do homem que quebrou você.
Seu olhar se levanta quando ela chuta o telhado frio e coberto de
alcatrão, como se ela estivesse evitando responder, antes que seus lábios se
separassem com uma longa expiração. ― Eu não estou quebrada.
― Salve os teatros, Scarlet. Apenas me dê o nome do homem.
― Kassian Aristov.
Kassian Aristov.
Ela deixa escapar como se não quisesse me dizer, uma expressão de
dor cruzando seu rosto, cheia de arrependimento imediatamente. Hã.
O nome não é um que eu conheço, mas, novamente, não tenho o hábito
de lembrar nomes. É familiar, no entanto, como se talvez eu já tenha ouvido
isso antes, falado de passagem e acho que posso saber o porquê. ― Russo,
hein? Ele não seria um desses russos, seria? A Organizatsiya9?
Ela não responde.
Aprendi que a falta de resposta dela é tão boa quanto a confirmação.
A mulher se misturou com a Máfia Russa.
Ela se afasta, voltando para o apartamento. Eu deveria sair. Cuide da
sua merda de negócios, eu sei, mas não posso me ajudar.
Eu a sigo.
Ela está na cozinha, procurando algo na geladeira. Não há muito: um
jarro de leite, alguns recipientes para viagem, um pouco de suco de laranja
e parte de uma velha barra de chocolate. É meio patético. Carrancuda,
Scarlet agarra o chocolate e o morde antes de beber suco de laranja direto
da caixa. É um suco genérico de marca de loja de besteira, sem polpa,
aguado. Cheira doentiamente doce. Eu sei. Eu investiguei antes que ela
chegasse em casa. ― Como você pode beber isso?
Ela fecha a porta da geladeira e se encosta no balcão, olhando para
mim enquanto segura a caixa. ― Isso vem de um cara que bebe rum direto
da garrafa?
― O rum tem seus benefícios. Não há benefício para o que você está
bebendo. Não há nem polpa nele.
― O que você é, a polícia do suco de laranja?
― Talvez.
― Bem, Senhor Empregado Minuto, esse suco aqui custa apenas um
dólar no mercado na esquina. Eu certamente chamaria isso de benefício.
― Por que você não tem mais dinheiro? ― Eu pergunto, olhando ao
redor do apartamento destruído. É quase habitável, apenas as
necessidades básicas. ― Você está em dívida com um agiota ou algo assim?
Esse é o problema? O idiota de Aristov está roubando tudo de você?

9
Máfia Russa.
Ela olha para mim, mordendo um canto duro da barra de chocolate e
mastigando lentamente. ― Por que você ainda está aqui?
Dou de ombros, sabendo que estou atingindo um nervo. ― Só estou
dizendo... você é linda. Vendendo sua boceta, você deve poder pagar mais
do que isso. Porra, você deve custar um centavo bonito. Deus sabe que a
sua boceta provavelmente vale a pena.
Seu olhar suaviza com apenas um olhar. Ela está quieta, como se
estivesse colocando seus pensamentos em ordem, antes de dizer ― Não
tenho certeza se isso é um elogio ou um insulto.
― É o que você faz, Scarlet, ― eu digo. ― Eu não pago para jogar, mas
meus caras pagam, e você é de maior calibre do que as mulheres em que
costumam foder. Então você vivendo assim não faz sentido.
― Sim, bem, não é da sua conta, é?
― Não.
― Lá vai você, então, ― diz ela ― acenando com o suco para mim
antes de tomar outro gole. ― A menos que você planeje lamber ou enfiar,
Lorenzo, mantenha seu nariz fora dos meus negócios.
Um sorriso toca meus lábios. Touché.
Abrindo a geladeira novamente, ela empurra a caixa de volta, jogando
o que resta da barra de chocolate em uma lata de lixo próxima. Ela caminha
em minha direção, seus olhos examinando meu rosto. Eu a agarro antes
que ela possa sair da cozinha, puxando-a para mim, pegando-a
desprevenida. Ela suspira suavemente, o som correndo através de mim
enquanto eu seguro seu queixo, puxando seu rosto para cima.
Sem hesitação, pressiono meus lábios nos dela, a beijando com força.
São apenas alguns segundos antes de eu empurrá-la de volta, quebrando
o beijo. Ela respira bruscamente, os olhos arregalados enquanto me olha,
como se não tivesse certeza do que diabos pensar sobre o que aconteceu.
Eu lambo meus lábios. ― Tem um gosto barato.
Ela pisca, o rosto contorcido, como se eu a tivesse ofendido. ― O que?
― O suco de laranja, ― eu digo. ― Eu posso provar isso em seus
lábios.
― Oh, eu... ah.
Eu varro meu polegar ao longo de sua boca enquanto seus lábios se
separam, como se ela quisesse que eu a beijasse novamente, mesmo que
nós dois saibamos que não vou. ― Eu prefiro com mais mordida. Talvez
na próxima vez.
― Talvez, ― ela sussurra.
Afasto minha mão e me viro. Ela não diz nada quando eu saio.
Talvez isso signifique que ela quer que eu vá embora, afinal.
Ou talvez ela apenas saiba que me verá novamente eventualmente.

Tem esse lugar no Brooklyn, um clube chamado Limerence. No papel,


é apenas mais um clube de strip-tease, mas, na realidade, é um dos maiores
prostíbulos do mundo. Algumas centenas de dólares podem lhe
proporcionar a melhor meia hora de sua vida com uma linda morena
flexível que pode levar até o maior pecador direto para o céu com apenas
um movimento da língua.
Ou então eu ouvi...
Os caras ocasionalmente passam quando não estão ocupados de outra
maneira, gastando com bebida mais forte e as mulheres mais doces que o
dinheiro pode comprar. Eu nunca estive, já que pagar por uma boceta não
é minha coisa e certamente não estou lá agora.
Não, este lugar é o oposto da Limerence.
Edifício medíocre em uma área baixa perto do rio, contornando as
favelas, cheias de bandidos com apenas alguns dólares, empurrando notas
de dólar em Tapa-sexo enquanto negociam por uma foda rápida e barata.
Mystic.
Nada místico sobre a merda.
Como se vê, George Amello é o dono do lugar. Quem pensaria? Isso
faz dele o chefe de Scarlet, o que é engraçado, considerando que ele disse
ao Seven que nunca tinha ouvido falar da mulher.
― Posso ajudar?
Eu me viro em direção ao som dessa voz, para o cara parado bem na
entrada principal da Mystic. Um metro e oitenta de altura, braços tão
grossos quanto coxas, uma cabeça careca escura brilhando sob as luzes
cintilantes e coloridas. Ele está carrancudo da maneira que me faz pensar
que ele não sabe o que é sorrir - que todos os negócios, calcinhas em um
tipo de carranca do caralho. Ele provavelmente acha que é intimidador,
mas um joelho em suas nozes murchas poderia facilmente derrubá-lo.
― Estou aqui para ver seu chefe, ― digo a ele, sacudindo meu pulso,
acenando para ele ir embora. ― Corra e chame ele para mim. Faça isso
rápido.
Ele fica ali, erguendo as sobrancelhas, e hesita um momento,
demorando tanto que estou quase perdendo a paciência. A música está
batendo loucamente, não muito longe da minha cabeça, algumas músicas
dos anos 80, derramando açúcar em uma torta de cereja ou alguma besteira
igualmente metafórica inspirada em comida.
― Eu acho que você deveria sair, ― diz o homem. ― Amello não
atende pessoas que não têm compromissos.
― Ele fará uma exceção para mim.
― O que faz você ter tanta certeza?
― Porque ele não vai gostar do que acontece se não me atender.
Deve soar como uma ameaça, porque o cara reage dessa maneira,
descruzando os braços esbugalhados enquanto dá um passo em minha
direção, como se esperasse que eu ficasse inseguro. Eu levanto uma
sobrancelha, apenas desafiando-o a colocar um dedo em mim, quando
uma voz corta a tensão, gritando sobre a música. ― Darrell, está tudo bem.
Eu vou vê-lo.
Ah, Ol’ Mello Yello, o filho da puta de barriga amarela. Eu me viro,
vendo-o parado na porta de um escritório embaixo da cabine do DJ. Ele me
olha com cautela, provavelmente se perguntando por que eu vim aqui.
Eu passo por ele, para dentro. Amello limpa a garganta, dizendo ―
deixe-nos, ― para um par de rapazes. Eles desocupam o escritório e
Amello fecha a porta, hesitando lá, como se ele estivesse nervoso por ficar
sozinho comigo. Provavelmente deveria estar.
― Georgie Porgie, Puddin 'e Pie, ― murmuro, passeando pelo
escritório, em torno de sua mesa. Há uma parede cheia de monitores
transmitindo ao vivo, mostrando todos os cantos do clube, mulheres
realizando atos não destinados a olhos inocentes. ― Beijei as meninas e as
fiz chorar.
― O que você está fazendo aqui? ― ele pergunta, sentando-se atrás de
sua mesa, ignorando minhas provocações. Inteligente.
― Por quê? Eu não sou bem-vindo?
― Não disse isso. Eu só estava me perguntando o que trouxe você aqui
esta noite.
― Boa pergunta, ― eu digo, meu olhar varrendo os monitores,
parando em um perto do topo, com vista para um corredor escuro. Uma
mulher passeia por ele, levando um homem para uma sala isolada nos
fundos. Não vejo o rosto dela, mas reconheço o resto.
― Bem? ― ele perguntou. ― O que você quer, Scar?
Eu meio que quero matá-lo. Não vou mentir. Mas no momento eu só
quero que ele cale a boca, para que eu possa vê-la em silêncio. Isso não vai
acontecer, no entanto. Não, ele está muito nervoso. Ele mexe, bufa e se
mexe na cadeira, esperando uma explicação para a minha presença.
― Acho que começamos com o pé errado, Georgie, ― digo,
observando Scarlet levar o homem para fora do corredor. Examino as
outras telas até encontrá-la novamente.
É uma sala perfeitamente quadrada, uma pequena plataforma no
centro, um poste saindo dela e se conectando ao teto. Um profundo sofá de
couro ocupa a parte de trás enquanto espelhos cobrem as paredes ao redor.
Além disso, algumas cadeiras de couro rebeldes são empurradas para o
lado e um pequeno bar passa pela esquerda, com uma luz vermelha
consumindo a sala.
Scarlet brilha... bem... escarlate. Não há outra maneira de descrever
como a cor tinge sua pele. Ela é deslumbrante, banhada em vermelho,
como eu sabia que ela seria.
Um sorriso levanta meus lábios quando me viro para Amello. Ele é
sortudo, muito sortudo, e o filho da puta nem sabe disso.
― Não gosto de ser chamado de nomes, ― digo. ― Também não gosto
de ter minha reputação posta em questão. Eu não roubei você. Seu dinheiro
não significa nada para mim. Então você pode pegar seus dez por cento e
enfiá-lo na sua bunda, porque não tenho utilidade para os seus centavos.
Mas eu gosto de pensar que sou um homem razoável, então decidi deixar
para lá desta vez, porque acho que talvez você simplesmente não me
conheça muito, mas aprenderá, se souber o que é bom para você e isso não
acontecerá novamente. Você me entendeu?
Ele olha para mim. Ele não está feliz, isso é certo, mas ele me entendeu.
Ele não é um completo idiota.
― O que você pensaria, ― ele pergunta, ― se você fosse eu?
― Eu pensaria que tenho algo que alguém quer, ― digo, meu olhar
voltando para o monitor de vigilância. Como isso é verdade... mas não é o
dinheiro dele que estou querendo.
Eu me pego querendo a bela morena flexível que está trabalhando
nesse buraco de merda.
― Podemos ser amigos, você e eu... mas essa é uma escolha que só
você pode fazer, ― digo a ele. ― Se você não quer ser meu amigo, não
precisa. Mas eu aprendi há muito tempo que existem apenas dois tipos de
pessoas neste mundo, então se você não é meu amigo, Georgie? Acho que
vou ter que contar com você entre meus inimigos.
Saio sem dizer mais nada. Ele olha para mim, sem resposta. O que há
para dizer, afinal? Nada.
O clube está barulhento, a música ainda está batendo, algumas
besteiras de baixo techno sem palavras agora. Luzes ofuscantes do disco
piscam, a garota no palco principal balançando em torno de um poste,
usando material refletivo, como uma ginasta maluca.
Não tenho nada contra strippers. Sério, eu não.
Também não tenho nada contra prostitutas. Você faz você.
Mas tenho algo contra pessoas que nem conseguem funcionar sem
disparar algo na veia, sem cheirar algo pela narina. Passei a primeira
metade da minha vida sob os cuidados de alguém mais cocaína do que
mulher. A agitação, o comportamento errático, os sangramentos nasais.
Minha mãe soprou o septo quando eu era criança, passou por cirurgia
plástica mais de uma vez para tentar esconder as evidências. Posso
identificar um viciado a uma milha de distância graças a ela e à mulher no
palco? Rachada, sem dúvida.
Eu desvio meus olhos enquanto passo pelo clube. Em vez de ir para a
saída, onde o segurança ainda espreita, me observando, eu viro em direção
à parte de trás do lugar. No meio do corredor, meus passos vacilam, e paro
em uma porta aberta, o brilho suave de luzes vermelhas se espalhando ao
meu redor.
Eu não deveria estar de volta aqui. Os olhares que as mulheres me dão
quando passam, levando homens para os quartos, me dizem isso. Nada de
sexo na sala de champanhe. Todos nós já ouvimos. Eles dizem que isso não
acontece, mas eu sei que, em alguns lugares, em algumas situações, o sexo
é negociável.
Jogue dinheiro suficiente e a boceta pode ser sua.
Eu sei que isso acontece aqui.
Mas Scarlet? Ela nem está nua.
Não agora, pelo menos.
Ela está dançando. Ela parece tão entediada. Ninguém mais percebe?
Embora ela sorria, não tem fogo em seus olhos, seu olhar estava quase
vago. Mas eu dou crédito a ela - ela tem ritmo. Seus quadris balançam
perfeitamente em sintonia com a música, como se seu corpo estivesse
sentindo isso mesmo que ela não esteja.
A pequena calcinha vermelha rendada transparente que ela está
usando deixa pouco para a imaginação, menos ainda quando ela
lentamente desabotoa a blusa, provocando o cara quando as tiras caem
pelos braços.
Ela a puxa depois de um momento, jogando-a de lado, expondo o
conjunto mais impressionante de seios que eu já coloquei meus olhos. Eles
são pequenos, apenas um punhado, mas foda-se se não são perfeitos -
animados e naturais, com o tipo de mamilo que implora para ser provado.
O homem a alcança quando ela se vira para ele, com as mãos se
movendo sozinhas, como se fosse um instinto em torno de um conjunto de
seios tão bonitos, mas ela agarra seus pulsos sem perder o ritmo, detendo-
o enquanto ela balança a cabeça. Não toque.
Ele obedece, abaixando as mãos para o lado, os ombros caídos de
decepção. Não posso dizer que culpo o cara. Ela o provoca por um
momento, empurrando-os em seu rosto enquanto dança, montando em seu
colo e empurrando-o até que ele esteja deitado no sofá. Seus olhos se
fecham, suas mãos se unem atrás da cabeça, quando Scarlet se vira.
Sua expressão brilha.
Entediada. Entediada. Tão fodidamente entediada.
Seus olhos estão fixos no teto, nas luzes brilhando sobre ela, enquanto
ela sem entusiasmo mói sua bunda contra sua virilha. Eu a observo por um
momento antes de dar um passo para dentro da sala. Ela é rápida em
perceber meu movimento. Sua cabeça abaixa e um pânico brilha nos olhos.
Alarmada. Seu olhar encontra o meu, o cara não percebe a diferença, mas
eu posso sentir. Eu vejo como a postura dela muda, a respiração exala
trêmula escapando de seus pulmões enquanto ela me observa. Eu me
aproximo lentamente, meus passos indetectáveis sobre o som da música.
Se ela está realmente incomodada com a minha presença, ela não
mostra, sem perder o ritmo enquanto seca o corpo dele. Não é como no
apartamento dela, nem quando eu a prendi na porta, empurrando contra
ela, levando-a à beira do abismo.
Não, ela não está recebendo nada disso. Sem excitação. Sem emoção.
Tédio do caralho.
Faço uma pausa na frente dela, levantando uma sobrancelha,
enquanto ela continua fazendo os movimentos. Um pequeno sorriso torce
seus lábios vermelhos. Esse sorriso faz algo comigo. Não sei como explicar.
As pessoas não entendem o jeito que um olhar dessa mulher abre caminho
sob a minha pele.
Empurrando seu queixo, levanto sua cabeça ainda mais, observando
sua garganta flexionar enquanto ela engole, como se eu a estivesse
deixando nervosa. Bom. Seus lábios estão separados, seu hálito quente me
cumprimentando enquanto eu me inclino em sua direção, inclinando
minha cabeça. Meu polegar desliza lentamente ao longo do lábio inferior,
manchando o batom, apenas um suspiro da sua boca, quando ela sussurra,
oh, tão trêmula ― Beijar vai te custar.
Eu rio baixinho e pressiono meus lábios nos dela - uma, duas, três
vezes - macios, quase um selinho, mas ela morde meu lábio inferior na
última vez, enviando uma pontada aguda de dor através dele. Eu
estremeço, lambendo meu lábio quando me levanto, um leve gosto de
cobre na minha língua. Ela tirou sangue.
Ela sabe disso também.
Aí está a centelha.
Iluminando os olhos dela.
Apertando seu queixo, eu me inclino novamente, beijando-a mais uma
vez, mais áspero desta vez, antes de sussurrar ― Você tem um gosto
melhor agora.
Ela ainda não perdeu o ritmo.
A mulher é boa no que faz, com certeza.
Soltando, eu recuo alguns passos, meus olhos a examinando, meu
olhar demorando naqueles peitos. Há mais coisas que eu gostaria de fazer,
mas sei muito bem que Amello está assistindo todos os meus movimentos.
Eu vou tê-la, no entanto.
Nenhuma dúvida sobre isso. Tomei uma decisão.
Homens como Amello ficam emocionais quando você rouba deles. Ele
me chamou de ladrão, então é isso que eu serei. Como eu disse, se você não
gostar do que tem, alguém como eu ficará feliz em aceitar.
As bochechas de Scarlet ficam vermelhas, visíveis mesmo através das
grossas camadas de maquiagem, os olhos brilhando, cada grama de tédio
desapareceu em um piscar de olhos
Definitivamente, não sou o único que se emociona com isso.
Eu ando em direção à porta exatamente quando a música muda. É
apenas um segundo de silêncio antes que a música comece novamente,
mas algo acontece naquele momento, uma mudança no ar quando alguém
ao longe grita. Meus passos vacilam. Virando a cabeça, olho para trás e vejo
Scarlet parar. Ela fica de pé, alarmada, pegando a blusa do chão e mexendo
nela, tentando desesperadamente colocá-la novamente, mas não há tempo.
Sem tempo.
O caos entra em erupção. Mais gritos. Corrida. Vozes gritam sobre a
música, palavras incoerentes que eu não entendo, mas Scarlet parece
entender. Com os olhos arregalados, seu corpo treme quando ela fala algo,
mas sua voz não parece funcionar no momento.
Uh-oh.
O cara que ela estava montando senta-se ereto, percebendo que sua
dança no colo acabou, em um estupor bêbado enquanto seus olhos
vermelhos se estreitam para mim.
― Quem diabos é você? ― ele pergunta, mas não tenho a chance de
responder antes que um som distinto de rat-ta-tat-tat ecoe pelo clube, o
barulho angustiante de tiros incessantes.
AR-15, eu acho. Meu peito aperta. Filho da puta. Ele está sendo
roubado? Novamente?
― Oh Deus, ― Scarlet diz, finalmente encontrando sua voz. ― Não,
não, não…
Há um tremor nessas palavras. O terror reveste todas as sílabas.
Nunca a tomei para o tipo que se dobra diante do perigo. Ela com certeza
não se dobrou quando se tratava de mim. A comoção fica mais alta, as
pessoas fugindo do clube, correndo pelo corredor em direção à saída dos
fundos antes de voltar atrás, como se está estivesse bloqueada.
Quem quer que seja, tem o lugar cercado.
Alvo Fácil.
Scarlet recua mais fundo na sala. São apenas segundos. É isso aí. Meros
segundos de pandemônio. Ela pula para trás do bar, na extremidade
esquerda da sala, encolhida ali, protegendo-se da vista. Dou alguns passos
dessa maneira, não me aproximando completamente, apenas chegando
perto o suficiente para que eu possa vê-la.
Não, não é um assalto, e está claro que ela também percebe.
É mais como um massacre.
Eu sei uma coisa ou duas sobre isso.
Eu fico lá, enfiando as mãos nos bolsos, olhando para a porta quando
alguém entra. Um homem vestido de preto, usando uma máscara de esqui.
Huh. O bêbado da dança do colo enlouquece, gritando ― Quem diabos é
você?
Ao contrário de quando ele me perguntou, esse cara é gentil o
suficiente para responder. Ele responde imediatamente com uma bala no
rosto, sem hesitar.
Quem diabos é você?
BANG.
Scarlet não se move, não faz barulho, quando o tiro ecoa pela sala, um
grande filho da puta corpulento puxando o gatilho, derrubando o canalha
com um único tiro.
Ele se vira para mim em seguida, apontando a arma, o dedo ainda no
gatilho, mas desta vez ele faz uma pausa. Com os olhos estreitos, ele estuda
meu rosto antes de gritar algo em uma língua estrangeira, uma única
palavra saindo das coisas sem sentido: Scar.
Minhas mãos se fecham em punhos nos bolsos enquanto me forço a
não pegar minha arma. ― Acho que minha reputação me precede, hein?
Ele parece um urso, eu acho, o filho da puta corpulento, enquanto
empurra a máscara de esqui, oferecendo-me um vislumbre de seu rosto.
Ele não responde com palavras ou uma bala, o que eu acho que é resposta
suficiente.
Alguém se junta a nós, um pouco menor e mais magro, porém,
apresentam características semelhantes. Esse sem máscara de esqui. Sem
arma. Ele nem está vestido de preto, está vestindo um terno cinza escuro.
Ele se comporta de maneira diferente também, um ar de confiança ao seu
redor, grande parte de sua pele coberta de tatuagens escuras.
Isso faria dele o líder.
Isso é bem fácil de ver.
É peculiar, embora quase surreal, uma estranha sensação de déjà vu
me atacando. Se eu não fosse testemunha disso, eu juro porra,
provavelmente também suspeitarei de mim. Parece muito familiar, como
assistir a uma reinicialização barata de um clássico. Ou este é um caso de
grandes mentes pensando da mesma forma, ou esse cara está estudando
meu manual.
No momento em que o recém-chegado grita, jorrando algo estranho
para seus homens, Scarlet reage. Eu a vejo tensa pelo canto do meu olho
bom. Ela pressiona contra o bar, tentando desaparecer nas sombras,
enquanto fala algo consigo mesma, repetidamente, ainda sem emitir
nenhum som.
Olha, não é preciso ser um gênio para juntar quatro e seis e criar dez,
entendeu o que estou dizendo? Mulher encolhida. McCaraFodida
estrangeiro com seu pequeno esquadrão de massacres. É como se eu
estivesse no meio de mais uma sequência de Die Hard.
Isso me faz Bruce Willis? Eu não sei.
Mas estou disposto a apostar que faz de Bebop e Rocksteady10 aqui
nossos vilões covardes. E fazendo essa matemática básica na minha cabeça,
estou dizendo que tudo se resume aos Russos.
Os homens conversam de um lado para o outro enquanto eu os
observo antes que alguém diga essa maldita palavra novamente. Scar.
Ele se vira para mim então - o líder deles, o velho Bebop - e me encara
quando se aproxima. ― O notório Scar. Eu ouvi muito sobre você.
― Boas coisas?
― Coisas horríveis. Assassinato. Caos.
― Então... coisas boas, ― eu digo novamente.
Ele ri. ― As melhores coisas.
― É bom saber, ― eu digo. ― Não tenho certeza se posso dizer o
mesmo de você.
― Você não ouviu falar de mim?
Eu estava indo para não ter ouvido nada de bom, mas continuaremos
com isso. ― Receio que não.
― Oh, mas eu tenho certeza que você já ouviu, ― diz ele enquanto
sorri. ― Você simplesmente não sabe que fui eu quem eles falaram.
Reputação não é importante para mim. Não ligo para o que alguém pensa,
desde que eu consiga o que quero.
― E o que você quer?
― Depende de que dia é ― Ele ri de novo. ― Hoje, como na maioria
dos dias, estou procurando uma garota. Talvez você a tenha visto?

10
Bebop e Rocksteady são dois personagens fictícios antropomórficos da franquia As
Tartarugas Ninjas.
― Talvez, ― eu digo. ― Ela tem um nome?
― Morgan, ― diz ele. ― Ela é uma garota muito bonita. Você não a
esqueceria se a visse. Ela tem o sorriso mais doce.
Ela tem.
― Não toca uma campainha, ― digo a ele.
― Isso é uma pena, ― diz ele enquanto olha ao redor da sala. Ele não
pode ver por trás do bar de lá, mas se ele se aproximar, Scarlet está fodida.
Seu olhar muda quando percebe isso, e ele parece considerar isso,
antes de tiros dispararem no corredor, um homem gritando ― Vor!
Isso captura a atenção de Bebop, e ele olha dessa maneira,
murmurando baixinho antes de voltar para mim. ― Eu tenho respeito por
você, Senhor Scar. Eu admiro um homem que pega o que quer, porque eu
faço o mesmo. Então vou deixar você em paz, já que minha luta não é com
você.
Ele sai com isso, saindo da sala, mas Rocksteady fica para trás, sua
arma ainda apontada para mim. Ele só abaixa quando alguém grita do
corredor. ― Markel!
Acho que esse é o nome dele, já que ele reage a isso. Não que isso
importe. Nada sobre eles importa para mim, pessoalmente, mas
claramente importa para Scarlet.
Rocksteady desocupa o quarto. O caos no clube morre quando os
invasores partem. Todo mundo fugiu, ou inferno, talvez estejam todos
mortos. Novamente, não que isso importe, mas eu apenas fico aqui, com
as mãos ainda cerradas nos bolsos.
― Não se mexa, ― eu digo, sabendo que Scarlet pode me ouvir. ―
Avisarei quando estiver limpo.
Saio em silêncio da sala pintada de vermelho, esmagando o vidro
enquanto ando pelo corredor, passando por paredes cheias de balas. Não
é a pior cena em que já estive envolvido, mas também não é exatamente
bonita. Eu atravesso a parte principal do clube, olhando em volta, os olhos
passando rapidamente pelo segurança na porta da frente, morto em uma
poça de sangue.
Chame isso de karma.
Paro na porta do escritório, olhando para a parede de monitores, a
maioria destruída pela AR-15. Amello não está em lugar algum,
provavelmente o primeiro a correr como uma cadela quando as balas
começaram a voar.
― Quando os meninos saíram para brincar, ― murmuro ― Georgie
Porgie fugiu.
Depois de verificar o resto do clube, volto para Scarlet. A polícia não
ficará muito atrás, o que significa que preciso dar o fora daqui. Scarlet
ainda está no mesmo lugar, atrás do balcão, joelhos puxados até o peito,
braços em volta deles.
Faço uma pausa, olhando para ela enquanto tiro meu casaco. Ela está
vestindo muito pouco, ainda de topless, tentando se cobrir - não por algum
senso de decoro. Ela está apenas nervosa. Sem palavras, estendo o casaco
para ela e ela o pega, colocando-o, fechando-o. Ela é tão pequena que quase
cobre os joelhos, mais do que os vestidos que eu a vi usar.
― Vamos lá, ― eu digo. ― Eu vou levá-la para casa.
Eu estendo minha mão para ela. Ela olha para ela, como se não tivesse
certeza se quer me tocar, mas aceita depois de um momento.
Ela está em choque. Eu sei disso. Seus joelhos estão praticamente
batendo juntos, sua mão tremendo na minha enquanto eu a ajudo a se
levantar. Ela se afasta de mim assim que está de pé, enfiando as mãos nos
bolsos do meu casaco.
Scarlet mantém a cabeça baixa enquanto ela rapidamente caminha
pelo corredor, em direção à saída dos fundos, mas em vez de sair, ela se
vira para o vestiário.
― Whoa, onde você está indo? ― Eu pergunto, agarrando seu braço
para detê-la. ― Nós precisamos ir.
Ela se afasta da minha mão. ― Eu preciso das minhas coisas.
― Apenas deixe, ― eu digo. ― Foda-se.
― Você não entende, ― ela murmura, me ignorando enquanto
continua com seus negócios, indo até um armário para tirar uma mochila.
Leva apenas alguns segundos, não nos atrapalha muito, então eu largo
isso, mesmo que seja absurdo.
São apenas coisas.
Ela se apressa pela porta dos fundos do clube, olhos vigiando a
vizinhança, em guarda, como se esperasse que o bicho-papão a atacasse de
algum lugar na escuridão.
Meu pau é um pingente de gelo poucos minutos depois de sair. Cada
centímetro de mim está congelado, exceto meus pés... meus pés continuam
se movendo, acompanhando Scarlet. Ela mora apenas a alguns quarteirões
de distância, então não demoramos muito para chegar lá. Ninguém nos
seguiu e eu sou capaz de avaliar quando alguém está assistindo, então acho
que ela estará segura por enquanto.
Mas ainda assim, há uma parte de mim que ainda não está bem em
deixá-la fora da minha vista.
Curiosidade, talvez.
Cuide do seu próprio negócio e você viverá cem anos. O problema é que,
cem anos, é muito tempo. Eu realmente quero viver tanto tempo?
Minha curiosidade diz ‘Acho que não.’
Então eu a sigo para dentro e a segui pelas escadas, observando
enquanto ela girava a maçaneta do apartamento e entra. O lugar não estava
trancado em qualquer um dos momentos em que apareci.
― Fechaduras quebradas? ― Eu pergunto curiosamente, entrando no
apartamento enquanto ela deixa a porta aberta atrás dela, provavelmente
a coisa mais próxima de um convite que vou receber da mulher. Eu
permaneço lá, sacudindo a trava, vendo como ela desliza muito bem.
Ela não responde, o que não me surpreende, já que ela não disse uma
única palavra desde que saiu do clube. Ela tira os sapatos, deixando-os no
meio do chão, a caminho do quarto. Ela não se fecha ali, nem tenta
qualquer privacidade enquanto abre o casaco e o tira, pegando uma
camiseta branca lisa e enrugada em cima da cama desarrumada e puxando-
a, cobrindo-se. Ela volta, arrastando o casaco, e o joga em mim, me dando
um soco no peito com a maldita coisa. Ela o solta e se vira, indo para a
cozinha.
Se ela voltar com uma faca, eu juro que vou foder ela, vou matar a
mulher...
― De nada, ― eu falo, colocando meu casaco de volta. Cheira a ela,
viro a cabeça, inalando ao longo da gola. Hm.
― Obrigada, ― diz ela calmamente enquanto reaparece na porta,
segurando uma garrafa clara de algo. Rum... vodka... alguma coisa. Ela
toma um gole, permanecendo ali, encostada no batente da porta, com os
olhos questionando quando eles me consideram... enquanto me observam
cheirando meu casaco, como um pervertido que fareja calcinha.
Eu dou de ombros, fechando. ― Cheira como você.
― Como eu cheiro?
― Como sexo e vergonha, ― eu digo, sorrindo para a carranca que ela
dirige para mim enquanto inspiro novamente. ― E algo que é nitidamente
baunilha.
― Vai desaparecer. ― Ela toma outro grande gole da bebida, fazendo
uma careta, antes de continuar. ― É apenas a minha loção... orquídea
baunilha. O sexo, bem, eu tenho medo que você precise lavar isso.
― E a vergonha? ― Eu pergunto, caminhando em direção a ela. ―
Quanto tempo até que isso desapareça?
Ela ri secamente. ― Avisarei se isso acontecer.
Pego a garrafa dela, olhando para o rótulo. Rum. A garrafa é feita de
plástico frágil, totalmente barata, o tipo de rum que põe cabelo no peito e
pode colocar um filho da puta na puberdade novamente. Não é para os
fracos de coração, não, mas ela também não é.
Ela é corajosa e crua, mas porra, a mulher é linda. Quanto mais eu olho
para ela, mais eu vejo.
Eu tomo um gole, sem reagir à amargura, e o devolvo enquanto a
encaro. ― Por que você não tranca a porta, Scarlet?
― Não faz sentido, ― diz ela. ― Fechaduras não impedem alguém
determinado a entrar.
― Então você facilita as coisas para eles?
― Eu sou apenas realista. Eu poderia me fechar bem aqui, com cem
fechaduras nas janelas e portas, mas tudo o que vou fazer é me prender,
como um animal enjaulado, e me recuso a fazer. Além disso, você sabe,
tudo isso? ― Ela acena pelo apartamento. ― Nada disso significa algo para
mim. Se as pessoas querem entrar e pegar, que assim seja... elas podem ter
tudo.
Ela toma outro gole antes de se afastar do batente da porta. Passando
por mim, ela caminha pelo quarto, aquele cheiro de baunilha flutuando em
minha direção.
― Eu odeio dizer isso para você, ― eu digo, olhando em volta ― mas
não acho que você possa dar metade dessa merda. Sem ofensa, mas parece
que tudo é, bem... merda.
― Isso é porque é, ― diz ela, parando na janela para olhar para fora.
― A maioria foi encontrada ou roubada.
― O que você faz com todo o seu dinheiro?
― Esse é o seu negócio agora?
― Não.
― Então, por que você está perguntando?
Por que estou perguntando? Eu não sei. Eu nem sei por que estou aqui,
por que estou me incomodando com essa mulher. ― Só estou tentando
solucionar você.
― Não se preocupe, ― ela murmura enquanto eu ando mais perto,
parando atrás dela. ― Meus problemas são meus.
― Ah, vamos lá. Você pode contar todos os seus segredos para mim,
Scarlet. Sou bom em fingir ouvir.
Ela ri, um tipo genuíno de risada, enquanto inclina a cabeça, em
relação ao meu reflexo no vidro sujo e rachado da janela da sala de estar.
― Tenho certeza que sim, mas aprendi há muito tempo a não revelar
minha alma a ninguém. Parece fazer as pessoas pensarem que têm direito
a todas as partes de mim, que eu devo tudo a elas e não posso guardar nada
para mim.
― Sim, bem, eu não sou apenas ninguém, ― digo a ela. ― Além do
mais, é um pouco tarde para tentar manter tudo em segredo, considerando
o que aconteceu hoje à noite. Então, que tal você me contar um seu e eu
conto um meu?
Ela se vira, sobrancelha levantada enquanto se recosta no vidro frio.
Está frio no apartamento, o calor mal está funcionando, mas isso não parece
incomodá-la. Não faz muito.
― Continue, ― diz ela. ― Você primeiro.
― Eu primeiro?
Ela assente. ― Me desculpe se eu não confio que você irá cumprir sua
parte, considerando as besteiras que você tentou me alimentar da última
vez. Então sim, você primeiro.
― Justo. ― Faço uma pausa, tentando pensar em algo para dizer a ela,
algo escuro o suficiente para atrair seus próprios pequenos demônios a
querer espreitar e se juntar a mim hoje. ― Eu matei pessoas.
― Você matou pessoas.
― Sim.
Ela olha para mim. Difícil. Ela não parece horrorizada. Inferno, ela
meio que parece entediada novamente. ― Esse é o seu grande segredo
sombrio? Que você é um assassino?
Eu dou de ombros. ― Não está sombrio o suficiente?
― Está muito sombrio, ― diz ela. ― Não é exatamente um segredo.
Bem, maldita.
― Eu minto, trapaceio, roubo, furto, saqueio, pirateio, mato... e outras
75 palavras que você encontra em um dicionário associado à palavra
‘criminoso’.
― Que bom que você conhece um desses trabalhos, ― diz ela. ― Isso
é meio vago, no entanto...
― Você quer detalhes?
― Quero algo que ainda não sei.
Pressionando minhas mãos na vidraça de cada lado dela, eu me inclino
para mais perto. Sua respiração engata, seus olhos fixos nos meus,
encostados no vidro. Ela está confusa por me ter tão perto.
― Eu queria matar seu chefe hoje à noite, ― digo a ela. ― Eu apareci,
entrei no escritório dele, querendo acabar com a vida dele, mas depois vi
que você estava trabalhando. Você estava em uma das telas, guiando
aquele homem pelas costas, e assim, mudei de ideia. Porque embora matá-
lo teria sido uma emoção, não foi tão atraente quanto você. Ele viveu para
ver outro dia graças a pequena heroína de meia arrastão vermelha na coxa.
Ela pisca algumas vezes. ― Ele fez?
― Ele fez o quê?
― Viver?
Leva um segundo para eu perceber que ela está perguntando se os
russos o pegaram depois que eu o deixei vivo. ― Eu não o vi por aí em
nenhum lugar, então suponho que ele esteja bem.
Ela assente um pouco, como se isso não a surpreendesse. ― Você
deveria ter matado ele.
― Por que isso?
― Porque ele ordenou que alguém te matasse.
― Ele fez?
Ela assente novamente.
Huh.
Talvez eu devesse me preocupar com isso, mas soltei uma risada leve,
divertido por ele ter coragem. Se o bastardo do rato me quisesse morto, ele
teve ampla oportunidade de tentar sozinho esta noite.
― Vou ter que lembrar disso, ― digo. ― Sua vez, Scarlet. Diga-me
algo que não sei.
― Acabei de falar.
― Algo sobre você.
Ela hesita.
Ela hesita muito e eu sei que ela não vai dizer uma palavra.
Eu me inclino, deslizando meu nariz ao longo de sua pele, inalando a
baunilha quente, antes de dizer ― Vamos lá, eu te contei o meu, não foi?
― Você não entende, ― ela sussurra.
― Então me faça.
Assim que digo isso, ela se afasta do copo, empurrando-se contra mim,
forçando-me a dar um passo para trás, mas resisto, recusando-me a me
mover. Tínhamos um acordo, porra, e se ela não quisesse fazer isso, bem,
então ela deveria ter pensado nisso antes que eu lhe dissesse algo.
Dou um passo para o lado, na frente dela, quando ela tenta dar a volta,
bloqueando seu caminho mais uma vez quando ela se esquiva para o outro
lado, prendendo-a ali perto da janela.
A frustração nubla seu rosto, e eu meio que espero que ela me bata,
balance o punho que ela aperta e me dê um soco na mandíbula, mas, em
vez disso, ela vem para mim, empurrando contra mim, antes de subir na
ponta dos pés. Sua boca está na minha, aqueles lábios vermelhos me beijam
com força, movendo-se furiosamente, como se talvez ela não conseguisse
encontrar as palavras para falar, tentando roubá-las de mim.
Esperta.
Maldita ladra.
Um calafrio percorre minha espinha enquanto agarro a parte de trás
do pescoço dela, segurando-a ali e a beijo de volta. Minha língua desliza
em sua boca, encontrando a dela. A mulher tem um gosto tão bom quanto
cheira, tão fodidamente bom que eu gemo. Minha outra mão desliza sob a
borda de sua camisa branca, agarrando seu quadril, puxando-a para mais
perto.
― É assim que você quer? ― Eu pergunto entre beijos. ― Você prefere
foder a conversar?
― Cale a boca, ― ela rosna, me fazendo tropeçar para trás enquanto
me empurra em direção ao quarto, derrubando a garrafa no chão,
descartando-a, não dando a mínima para a vodka derramando, juntando-
se ao longo da madeira e respigando nos dois. Mãos frenéticas abrem meu
casaco, puxando-o. ― Apenas... cale a boca.
Eu cedi - pelo menos por enquanto - e a deixei me empurrar em
direção ao quarto, beijando-a por todo o caminho até deixá-la rasgar
minhas roupas. A cada segundo que passa, sua frustração parece crescer,
a mulher está perto de virar o Incrível Hulk e apenas esmagar tudo. Ela
puxa o tecido, como se ela fosse forte o suficiente para rasgá-lo, então eu a
ajudo, jogando meu casaco de lado e quebrando o beijo para que eu possa
tirar minha camisa.
Suas mãos tremem enquanto mexem nas minhas calças, como se ela
estivesse nervosa, excitada ou fodida, talvez ambos. Estou tendo
dificuldades para lê-la, especialmente quando pego a camisa dela e ela
bloqueia minha tentativa de tirá-la. Uma voz no fundo da minha mente
grita que algo está errado, mas essa voz é apagada mais rapidamente do
que um tiro no templo quando a mão dela desliza na minha boxer e agarra
meu pau.
BAM, toda a cautela se foi.
― Foda-se, ― eu gemo, minha voz rouca, meus olhos se fechando
enquanto inclino minha cabeça para trás. Sua mão é quente, sua pele
aveludada e macia, mas seu toque é firme enquanto ela me acaricia,
atingindo os lugares certos para me excitar. Seu polegar massageia o ponto
ideal na parte de baixo do meu pau, as cordas externas sensíveis da cabeça,
exatamente onde essas terminações nervosas estão agrupadas.
Jesus, essa mulher conhece a anatomia.
A+
Melhores notas.
Com o maior elogio.
Oradora da sua classe filha da puta.
Eu poderia ficar aqui e sentir isso para sempre, apenas me perder nas
sensações que rolam pelo meu corpo, mas se ela é tão boa em um trabalho
de mão, sua boceta sem dúvida vai surpreender minha mente. Minhas
calças deslizam pelas minhas pernas, caindo nos tornozelos, e tento chutar
minhas botas, mas elas não estão se mexendo, e você sabe o que?
Foda-se isso.
Eu posso transar com ela com minhas roupas.
Agarrando seu pulso, afasto a mão dela antes que eu exploda. Não
demoraria muito, com certeza, não do jeito que ela está me tocando. Eu a
puxo para sua cama, quase caindo com minha calça de algema, minha mão
ainda segurando seu pulso. Meu polegar pressiona contra seu ponto de
pulso, sentindo o baque do seu coração disparado.
Girando ao redor, ela usa a mão livre para chegar a uma mesa de
cabeceira, abrindo uma gaveta para recuperar um preservativo. Ela rasga
a embalagem de papel alumínio com os dentes, e eu solto seu pulso,
observando enquanto ela rola a camisinha em mim.
Eu não a despi. Se ela não quer que eu faça, eu não vou. Afastando
suas pernas, eu me sento entre elas, levantando os joelhos. Sua calcinha é
apenas um pedaço de corda, fácil de empurrar para o lado quando eu
chego entre nós, acariciando sua boceta nua.
Sua boca cai aberta, um suspiro suave escapando, quando eu empurro
meu dedo médio dentro dela, bombeando-o para dentro e para fora. Meu
polegar esfrega aproximadamente seu clitóris, o simples toque a fazendo
gemer. Não demora muito até que ela esteja encharcada, se contorcendo
embaixo de mim.
Agarrando meu pau, esfrego a cabeça ao longo de sua boceta quente,
acariciando seu clitóris com a ponta, antes de alinhar e empurrar. Porra,
ela se encaixa perfeitamente, como uma luva de couro. Sua respiração
engata, e ela me aperta, abraçando-me, suas unhas pintadas de vermelho
cavando a pele das minhas costas.
Eu bato nela, em cima dela, cobrindo-a com meu corpo, cavando
minhas botas no colchão barato para tração com cada impulso duro.
Aquelas unhas arranham minha pele, deixando rastros ardentes quando
ela abre caminho por mim a cada choramingar, e gemer e chorar, suas
pernas envolvendo minha cintura, me acolhendo por dentro.
Porra, essa mulher...
Sim, eu estou fodendo essa mulher.
Ela fica quieta, seu aperto afrouxando, os arranhões se tornando
apenas um toque, seu corpo mudando toda vez que eu empurro nela.
Ela está mole na cama.
Recuando, olho para ela escondida embaixo de mim. Ela está olhando
para longe, o olhar fixo em uma parede próxima. Atordoada. Fora de zona.
Longe.
― Oh, não, não... ― Agarrando seu queixo, eu viro a cabeça, forçando-
a a olhar para mim. ― Você não está fazendo essa merda em branco
comigo.
Ela pisca algumas vezes antes de estreitar os olhos.
― Vá em frente, fique brava, ― eu digo, continuando a empurrar. ―
Mas quando estou dentro de você, Scarlet, você não pode começar a
desaparecer.
― Eu não estou, ― ela diz defensivamente.
― Mentirosa, mentirosa, calças em chamas...
Ela rosna, as mãos correndo pelas minhas costas antes de agarrar meu
cabelo, puxando-o, puxando-me de volta para ela. ― Eu não estou
desaparecendo.
― Droga, você não está, ― eu digo, roçando meu nariz no dela antes
de beijá-la.
Ela não desaparece novamente, aqueles gemidos retornando,
transformando-se em gritos agudos quando eu acaricio seu clitóris,
trazendo-a ao orgasmo.
Novamente.
E de novo.
E de novo.
Eu me contenho o máximo que posso, observando-a enquanto ela se
desmancha nas costuras, os sons escapando de sua garganta, como um
animal selvagem, mas meu corpo simplesmente não aguenta mais. Se eu
não chegar logo, minhas bolas vão se revoltar. Elas vão fechar seriamente
a loja e ir para casa. Grunhindo, empurrei com força, batendo a cama frágil
na parede, enquanto uma onda de prazer me percorre.
― Foda-se, ― eu gemo, a agarrando com força, as pernas cobertas de
meia arrastão ainda enroladas em volta de mim enquanto eu derramado
no preservativo. Empoleirando, pressiono minha testa na dela,
recuperando o fôlego, inalando seu perfume. A baunilha ainda está lá, sim,
mas o cheiro do sexo o obscurece agora, e a vergonha?
Sim, isso ainda está por toda ela.
― Satisfeita, ― eu digo, ainda com bolas dentro dela. ― É isso o que
sua Letra Escarlate representa?
Ela me empurra quando pergunto isso, me afastando dela. ―
Estúpido.
Eu puxo com um gemido. ― Estúpido?
― Isso é o que a sua seria, ― diz ela. ― Estúpido. E presunçoso.
― Satisfeita, ― digo novamente, levantando-me, me encontrando em
uma na situação difícil, considerando que minhas calças estão enroladas
em torno dos meus tornozelos como algemas e preciso ir até o banheiro
para descartar a camisinha. Minha bunda está à mostra e eu não sou
exatamente modesto, você sabe, mas espero que eu não caia de cara no
chão.
É possível.
Plausível.
Provavelmente vai acontecer.
Então me sento na beira da cama e desamarro minhas botas,
arrancando-as. Depois de jogá-las no chão, tiro minha calça, vestindo nada
além de minhas meias enquanto procuro seu banheiro.
É pequeno.
Estou falando minúsculo.
Porra minúsculo.
Eu tenho que ter cuidado ao mijar, meu pau praticamente maior que a
largura da sala. Um armário não cabe na merda. Um buraco na maldita
parede. É completamente ridículo.
Quando termino, volto para o quarto dela. É tarde, e estou exausto, o
que significa que provavelmente devo ligar para Seven para me buscar
para que eu possa tentar dormir esta noite e colocar minha cabeça de volta
no lugar. Talvez agora que eu estive dentro dela, limpe todos esses
malditos pensamentos dela de dentro de mim.
Scarlet está sentada em sua cama, os joelhos puxados até o peito, a
camisa esticada ao redor deles enquanto ela se aconchega embaixo dela.
Não por calor, não... mais como tentar se proteger do mundo ao seu redor.
Nervosa de novo. Sento-me na beira da cama, olhando minhas roupas
descartadas no chão.
― Faz nove meses, ― ela diz calmamente.
― Nove meses desde o que?
― Desde a última vez que fiquei cara a cara com Kassian.
Ah ― Estou assumindo que era ele hoje à noite?
― Sim.
― E você está escondida dele há nove meses?
Ela ri secamente. ― Estou me escondendo dele há mais tempo do que
isso, mas faz nove meses desde que ele me encontrou pela última vez.
Consegui fugir dele por quarenta longas semanas.
― Quase quebrou sua risca hoje à noite.
― Quase, ― ela concorda.
― O que ele quer de você?
Ela encolhe os ombros. Não é uma evasão. Eu posso dizer que a reação
é genuína. Ela não coloca em palavras, mas eu sei o que ela está dizendo...
ela não entende o que ele quer. Talvez ela saiba, na cabeça, mas está
ouvindo com o coração, um caminho perigoso a seguir.
― O que quer que ele queira, você provavelmente deve dar a ele para
que ele vá embora.
― Mas e se ele não quiser nada? ― ela pergunta. ― E se é exatamente
isso que ele quer?
― O que, caos?
― Sim.
― Bem, então, você se livra dele de uma maneira diferente.
Eu traço uma linha ao longo da minha garganta com os dedos, fazendo
o meu ponto, enquanto me deito na cama. É desconfortável, mas estou
exausto, com preguiça de vestir minhas calças ainda. Merda. Meus olhos
estão queimando, minha cabeça começando a latejar com o início de uma
dor de cabeça, graças à adrenalina finalmente desaparecendo, a
mediocridade voltando.
― Isso não é uma opção, ― diz ela calmamente. ― Assassinato nem
sempre é a resposta.
Rindo, fecho meus olhos, cobrindo-os com meu antebraço. ― Inferno,
e eu aqui pensando que era...
O sol nasce no Leste.
Não tenho certeza de quantos anos tinha quando aprendi isso. Até
hoje, nem sei ao certo por que isso acontece. Embora isso realmente não
importa, não é? É apenas um fato inegável, que penso nessas manhãs
quando me sento aqui, neste telhado, e vejo o sol espreitando sobre o
horizonte do Brooklyn, banhando a cidade com um brilho laranja, como se
as ruas estivessem pegando fogo.
Alguns dias, parece que elas podem estar.
Parece que o Brooklyn está queimando e eu estou aqui, sentada,
observando-a se desintegrar enquanto respiro o ar enfumaçado, meus
pulmões ardendo e o peito doendo, sem fazer nada para detê-lo. Porque,
sério, o que diabos eu devo fazer? Hã? Eu gritei ‘fogo’ tantas vezes que
ninguém nem olha mais na minha direção quando me ouvem gritar, como
se eu me tornasse nada além de ruído branco em uma cidade cheia de
vozes avassaladoras.
Provavelmente não estou fazendo sentido para você. Está bem. Não
me entendo mais na maioria dos dias. Sento-me nesta borda e olho para o
horizonte ardente quando outro dia amanhece, com muita força de
vontade para me arremessar do lado deste edifício, mas ainda muito
impotente para evitar minha queda inevitável. Então eu sento, olho, espero
e apego-me ao pouco de esperança com que acordo todos os dias, mas não
paro de fazê-lo, não desisto, porque talvez - que droga, talvez – eu encontre
minhas asas novamente e vou subir.
Voar para longe de tudo isso.
Mas até então, eu estou de castigo.
Marcada e rastreada.
Minhas asas foram cortadas.
Eu sou um passarinho enjaulado.
Suspirando, levo o baseado aos meus lábios e inspiro, soltando um
sopro de fumaça nos pulmões, segurando, deixando aliviar a dor, pois
deixa minha cabeça um pouco mais nebulosa, então paro de me agonizar
com a vida do outro lado daquele rio muito profundo que eu nunca deveria
atravessar.
― Sabe, eu não matei você quando roubou minha carteira. Não te
matei quando você roubou meu dinheiro. Mas meu remédio? Isso está
cruzando uma merda, Scarlet. Eu posso jogar você do telhado por isso.
Essa voz faz minha pele formigar, lugares dentro de mim formigam,
quando fala atrás de mim no telhado. Lorenzo. Os pelos minúsculos que
cobrem meu corpo se arrepiam, como faíscas de eletricidade, quando ouço
seus passos. Eu não me classificaria como ‘assustada’, porque tenho certeza
de que ele não vai me matar, mas eu diria que é meio alarmante, porque,
bem... só tenho certeza. Ainda existe a chance de ele me jogar do telhado e
me fazer espatifar.
― Seu remédio, hein? ― Olho para o baseado horrivelmente enrolado
que peguei da lata de Altoids reaproveitada que tirei do seu bolso
enquanto ele cochilava na minha cama.
― Sim, ― diz ele, sentando na borda ao meu lado, girando para que
seus pés estejam pendurados na borda. Ele está vestido agora, da cabeça
aos pés, como se tivesse tirado uma soneca agradável e pronto para ir. ―
É medicinal.
Eu tomo outra puxada, segurando a fumaça por um segundo
enquanto ofereço o baseado para ele. Ou, bem, devolvendo, eu acho. Não
é realmente meu para oferecer.
Deixando escapar a fumaça, pergunto de brincadeira ― Então, qual é
a sua doença, hein? Glaucoma?
Sem palavras, ele tira de mim. ― Perto.
Perto.
Meu estômago cai quando vejo que ele está me olhando
peculiarmente. Ele aponta em direção ao olho machucado. Merda. Ele está
falando sério?
― Eu... eu não percebi...
― Você não percebeu que meu olho estava todo fodido? ― ele
pergunta, dando um tapa, deixando a fumaça filtrar de volta quando ele
diz ― Meio difícil de errar, Scarlet.
― Não, quero dizer, eu sei que está uma bagunça. Não sou cega,
consigo ver, mas simplesmente não percebi...” ― Paro quando ele curva
uma sobrancelha, continuando a me encarar. Eu não sou cega. Eu consigo ver.
Eu disse seriamente essa merda? ― Uau, eu provavelmente deveria parar
de falar.
― Pode ser uma boa ideia, ― diz ele, dando outra puxada antes de
segurar o baseado na minha direção, como se ele estivesse realmente
oferecendo para mim. Eu tomo dele, vendo como ele exala lentamente. Ele
não parece ofendido, pelo menos. ― Eu costumava ver sombras, distinguir
formas, mas isso continuava piorando, desapareceu completamente cerca
de um ano atrás. Total escuridão agora. Provavelmente vou perder o olho.
Inferno, estou surpreso que tenha sobrevivido por tanto tempo. Ele está
morrendo de uma morte dolorosa há cerca de vinte anos. Acho que é tão
teimoso quanto o resto de mim.
― Eu não percebi...
― Sim, entendi, ― diz ele. ― Entendi as duas outras vezes que você
disse. Não ande em casca de ovo ao meu redor por causa de alguma
deficiência que você percebeu que tenho agora. Não tenha pena de mim.
Eu aprendi como compensar o que estou perdendo. Você não precisa de
percepção de profundidade ou objeto específico para lançar uma granada.
― Eu não tenho pena de você, ― eu digo, porque eu não... eu não
tenho pena dele. Tenho mais pena das pessoas que cruzam seu caminho,
que incitam sua ira, como eu pareço estar fazendo no momento. Dando nos
nervos. ― Então dói? Seu olho? Como é isso?
Estou fazendo muitas perguntas. É o que o olhar que ele me dá diz.
Mas estou tão alta quanto um arranha-céu, tão alta que estou quase
convencida de que posso voar. O medicamento dele é uma boa merda, e
sim, talvez seja um remédio para ele, mas também é altamente ilegal, eu
sei, porque não há como algo tão potente ser tributado pelo governo.
― Você está tentando descobrir minhas fraquezas?
― Vou te contar a minha, se você me contar a sua.
― Grandes palavras para uma mulher que prefere desnudar sua
boceta do que desnudar um pedaço de sua alma, ― ele rebate, seu olhar
percorrendo meu corpo. Ainda estou usando o que vesti ontem à noite, me
sentindo imunda, o cheiro de sexo ainda mim. ― Sua boceta é legal, você
sabe... linda... mas eu não chamaria isso de segredo, não quando é algo que
muita gente já conhece.
Eu me encolho com suas palavras, empurrando o baseado de volta
para ele, feita com isso.
Ele pega, fumando o resto em silêncio, segurando-o nos pulmões por
longos momentos antes de exalar lentamente em minha direção, seu olhar
ainda em mim. Olho para a distância, no horizonte, observando a
tonalidade alaranjada em torno do Brooklyn desaparecer para o cinza
sombrio típico à medida que o dia passa.
― Eu assisto o nascer do sol todas as manhãs, ― murmuro. ― Eu
nunca disse isso a ninguém antes. Eu venho aqui e me sento e observo o
nascer do sol sobre o Brooklyn. O apartamento é uma merda, e o prédio
cheira a mijo, mas a vista daqui de cima é a melhor que encontrei, então
fico... fico e assisto o nascer do sol. Estou ansiosa por isso, todas as manhãs.
Outro dia amanhecendo, outra chance de as coisas finalmente darem certo.
É a única vez que sinto mais esperança, a única vez que me sinto viva. É a
minha hora favorita do dia.
Lorenzo raspa o que resta do baseado na borda, esmagando os restos
no concreto. ― Eu vejo o nascer do sol todos os dias também.
Eu olho para ele com surpresa. ― Você faz?
Ele concorda. ― Exceto quando eu vejo, você sabe, tudo o que penso
é ‘aqui chega outro dia de besteira cercado por todos esses idiotas’.
Realmente não me deixa com esperança.
Eu rio disso, embora eu possa dizer que ele não está brincando. ― É
assim que me sinto ao pôr do sol - outra noite nas trincheiras, tentando
sobreviver para ver outro nascer do sol. Até agora, eu tenho um bom
recorde. Algumas paradas, mas ainda estou invicta, então isso vale para
alguma coisa.
― Por que você faz isso?
― O que mais eu devo fazer?
― Qualquer coisa, ― diz ele. ― Literalmente, qualquer outra coisa
precisa ser melhor do que o que você está fazendo.
― Você sabe como é tentar conseguir um emprego nesta cidade? Um
trabalho legítimo? Suponho que não, ou não me perguntaria isso.
― Pelo contrário, Scarlet, eu sei exatamente como é.
Reviro os olhos, porque sim, certo.
― Eu tenho um irmão, ― diz ele. ― Bom garoto, tenta viver em linha
reta e estreita. Ele não tem coração para os negócios em que estou, não quer
nada com isso. Eu o assisti se arrebentar tentando encontrar trabalho com
apenas um diploma do ensino médio.
― Sim, bem, eu nem tenho um desses, ― eu digo. ― Então, faço o que
tenho que fazer, uso o que tenho, e talvez isso me torne uma pessoa de
baixa qualidade, seja o que for... talvez esteja arruinada agora, talvez seja
inútil...
― Acho que você não é nada disso, ― diz ele. ― Acho que você vale
muito mais do que imagina. Você quer tirar a roupa por dinheiro? Faça.
Mas existem lugares melhores por aí, melhores maneiras de fazê-lo. Você
não vende algo por vinte dólares que vale milhares. Você está apenas se
fodendo.
― Ninguém mais se arriscara por mim.
― Isso é ridículo.
Balanço a cabeça com o tom desrespeitoso dele. ― Você esqueceu a
noite passada? As pessoas teriam que ser loucas para me contratar. George
era o único com coragem de arriscar, e Deus sabe que isso está fora de
questão agora. Não há como ele querer algo comigo. Eu estou por conta
própria. ― Eu corro minhas mãos pelo meu rosto em frustração, fechando
os olhos. Isso é péssimo. ― Vender a boceta nas esquinas das ruas da
cidade... tenho certeza de que ficará muito bem no meu currículo.
― Você poderia vir trabalhar para mim.
― Okay, certo. ― Zombo disso. ― Não, obrigado.
― Por que não?”
― Porque particularmente eu não gosto de você.
― E você gosta de se curvar e ser fodida por alguns dólares? Dinheiro
que você claramente não consegue guardar, a julgar pelo que vi sobre sua
vida.
― Não é desse jeito.
― Então como é? Me esclareça.
― Você já fez algo que não queria fazer particularmente, mas fez
porque era do seu interesse apenas ir junto?
― Não.
Eu reviro meus olhos. Novamente. ― Deve ser bom ser você, ser um
homem no mundo de um homem. Tente ser uma mulher algum dia.
― Eu gostaria de poder, ― diz ele. ― Eu teria uma boceta para brincar
o dia inteiro, não precisaria vasculhar a cidade à procura de uma mulher
com padrões baixos e moral fraca, já que essa mulher seria eu.
Ele ri, mas eu não o acho engraçado. De modo nenhum. Ele não tem a
menor ideia de como é ser uma mulher, especialmente uma na minha
situação. Eu tento não deixar sua reação desrespeitosa chegar até mim, mas
isso provoca uma dor que às vezes tenho dificuldade em esconder.
― Oh, aí você está me fodendo. Só o fato de você poder fazer uma
piada sobre isso me diz tudo o que preciso saber sobre você e seu
privilégio.
― Meu privilégio? Parece um rosto privilegiado?
Ele aponta para o rosto dele, para expressar sua opinião, como se
achasse que talvez eu não o olhasse nos últimos vinte segundos, como se
tivesse esquecido como ele é, mas ele ainda não entendeu.
― Sim, sim, ― eu digo. ― Eu odeio dizer isso a você, mas seu rosto
não é um prejuízo. Não é. Se alguma coisa, isso ajuda você. As pessoas o
levam a sério, não apenas porque você é um homem, mas porque você é
um homem que claramente passou pelo inferno. Eles não olham para você
e veem algo quebrado. Eles veem algo forte, algo que não vai quebrar,
porque você ainda está de pé, apesar de tudo. Isso os intimida. Eles
respeitam você por isso. Mas se você fosse uma mulher? Você estaria
arruinada. O mundo olharia para você e pensaria ‘coitadinha, alguém a
quebrou, ela deve ser tão fraca’. É o que pensam sobre uma mulher que
esteve no inferno. Acredite em mim, eu sei.
― Eu não acho que você é fraca.
― Mas você acha que estou quebrada, ― eu digo. ― Você me
perguntou quem me quebrou, como se eu fosse de vidro e alguém possa
me quebrar e espalhar minhas peças, como se eu fosse tão frágil. Posso
estar machucada, ser derrotada, mas serei maldita se um homem algum
dia me quebrar, Lorenzo. Mas o mundo não pode compreender que uma
mulher seja tão forte. Deveríamos ceder e quebrar, como se o único
momento em que pudéssemos ter força é se houvesse alguém com um pau
ao nosso lado. É como se um pênis fosse um pré-requisito para uma
opinião, por isso, se eu não tenho um, preciso usar outra pessoa para poder
dizer alguma coisa na minha vida.
Ele olha para mim como se eu estivesse falando uma língua
estrangeira que ele nunca ouviu antes, e de repente me pergunto com que
tipo de mulher esse homem passa seu tempo, porque elas certamente não
podem ser do tipo que se defendem. ― Eu não tenho a menor ideia do que
dizer agora, Scarlet.
― Claro que não, ― eu digo. ― Você não sabe como é fingir estar
desamparada apenas para se manter segura. Há uma razão para as
meninas gritarem ‘fogo’ em vez de ‘estupro’, porque mentimos e dizemos
que temos namorados em vez de apenas dizer ‘não’ quando não estamos
interessados. Porque muitos homens respeitam a propriedade de outro
homem mais do que respeitam o direito de uma mulher ao próprio corpo.
Então, enquanto sou forçada a viver no mundo dos homens, faço o que
tenho que fazer. E se isso significa tirar minhas roupas pra um babaca com
alguns dólares, então, caramba, eu farei, não importa como você se sinta
sobre isso.
Me levanto para ir embora, porque ele está realmente tocando em um
nervo no momento e estou perigosamente perto de fazer algo
incrivelmente estúpido, como tentar jogá-lo para fora do telhado.
Envolvendo meus braços em volta do meu peito, meus pés cobertos pela
meia arrastam-se alguns passos em direção à porta de volta para o meu
apartamento quando a voz dele chama. ― Entendi.
Eu paro, me virando. ― Você?
― Mimetismo11, ― diz ele, girando para me encarar. ― Você é quem
eles precisam que você seja.
Exatamente.
― E eu não quis machucá-la quando disse que estava quebrada, ―
continua ele. ― É apenas uma palavra, você sabe. Quebrada. Apenas uma
porra de palavra. Inferno, você pode me chamar de quebrado, se quiser.
Você pode me chamar de qualquer coisa.
― Exceto Scar?
Ele reage assim que eu digo, o corpo tenso, as mãos apertadas no colo.
― Você também pode me chamar assim, se é isso que você realmente quer.
Não faz muita diferença.
― Você diz isso enquanto fecha os punhos, como se quisesse me dar
um soco por isso.
― Talvez eu faça, ― diz ele, levantando-se, caminhando em minha
direção. ― Mas isso não significa que eu vou. É um país livre, Scarlet.
Escolha sua própria aventura. Se você preferir ficar debruçada com esses
filhos da puta de barriga amarela, não vou te invejar por isso. Mas se você
quiser tentar outra coisa, tenho certeza de que posso encontrar um lugar
para você.
― Eu não vou te foder.
― Nós já fodemos.”
― Quero dizer que não serei sua prostituta, ― digo. ― Então, não
pense que sou uma pessoa que você pode ter, usar ou repassar. Ninguém
me toca sem a minha permissão, então não pense...
― Eu não penso, ― diz ele, me cortando. ― Não era minha intenção.
Você tem outros ativos, sabe... boceta não é a única coisa que procuram. ―
Ele agarra meu pulso, puxando meu braço para cima, seu polegar
pressionando contra o ponto do pulso embaixo da minha tatuagem. Eu
posso dizer que isso o irrita, sem saber o que isso significa. ― Você é
inteligente... furtiva... afiada... estou chegando perto?
Balanço a cabeça.

11
Processo pelo qual um ser se ajusta a uma nova situação; adaptação
Sua bochecha se contrai. ― Independentemente disso, você é. Você é
escorregadia, Scarlet, e eu não quero dizer isso por causa da sua boceta
molhada, embora, bem... ― Ele faz uma pausa enquanto olha para mim,
como se tivesse perdido sua linha de pensamento, antes de se livrar,
deixando que vá do meu pulso. ― Só estou dizendo que sexo não é tudo
no que você é boa. Você não quer me foder? Tudo bem. Sob nenhuma
circunstância me foder é uma exigência. Mas eu vi do que você é capaz.
Então talvez você esteja certa sobre ser mulher. Não sei, porque não sou
uma. Talvez, para chegar a essas ruas, você precise de alguém ao seu lado.
Nesse caso, você precisa reavaliar quem é essa pessoa, porque se ela não
estiver te levando a sério, Scarlet? Se eles não veem você pela ameaça que
você é? Eles não estão lhe fazendo nenhum bem, porque quando os
problemas surgem, eles são desagradáveis, querida. Eles são os que não
são fortes.
Ele olha para mim, como se estivesse esperando alguma reação, algum
tipo de resposta inteligente a essa declaração, mas ele meio que me deixou
sem palavras, então eu apenas ofereço suas próprias palavras. ― Eu não
tenho a menor ideia do que dizer, Lorenzo.
Um sorriso quebra seu rosto quando ele agarra meu queixo,
inclinando meu rosto ainda mais e me segurando lá. Seu toque envia
faíscas pelo meu corpo, meu coração dispara no meu peito. Trabalhar para
ele seria perigoso, muito perigoso, de todas as formas possíveis, e não
tenho certeza se é um risco que posso correr.
― Você apenas pense sobre isso, ― diz ele. ― A Jamaica Estates fica
no Queens... é uma casa branca em Midland, não muito longe da Grand
Central Parkway. Você me quer, é onde você me encontrará. Minha porta
está sempre aberta. Literalmente. Também não tranco minhas portas.
Seu polegar passa levemente pelo meu lábio inferior antes que ele se
afaste, deixando ir, sua mão deixando a minha pele.
Eu só fico aqui quando ele sai, esperando até que ele se vá antes de
voltar para o meu apartamento. Tomo banho e mudo de roupa, pegando
meu capuz preto enorme, puxando-o antes de sair também.
Eu preciso limpar minha cabeça. Eu preciso entender essa bagunça.
Eu preciso fazer outra caminhada para o Brooklyn.
O calor seco sobe pela abertura no teto logo acima de mim,
bagunçando meus cabelos crespos, soprando mechas no meu rosto.
Eu não me incomodo em afastá-las.
Parece o Vale da Morte neste cubo de vidro que eles chamam de
escritório, as luzes fluorescentes muito brilhantes e o ar muito quente.
Minhas mãos estão suadas, as mãos enfiadas no bolso do meu casaco. Cada
respiração faz meus pulmões queimarem, duro e dolorido no meu peito,
como se a inalação de fumaça tomou o melhor de mim esta manhã.
Eu ainda estou chapada.
Eu posso sentir isso.
As persianas estão abertas e a porta está aberta, dando uma visão clara
do escritório, para que qualquer pessoa que passe por mim possa me ver
sentado aqui. É enervante, mas sou grata pela abertura. Isso significa que
o detetive está ocupado demais para pensar em me foder agora.
Ele entrou e saiu do escritório nos últimos trinta minutos, mal
reconhecendo minha presença, folheando a papelada e murmurando
baixinho. Estou curiosa no que ele está trabalhando, mas se eu perguntar,
ele apenas dirá que não é da minha conta, mesmo que seja... ele não me diz
nada.
Olho por ele, além dele, pela janela do escritório da delegacia, um
fluxo de luz do sol refletindo no vidro, lembrando-me do brilho laranja
desta manhã. ― Duzentos e oitenta nascer do sol.
Gabe vasculha alguns arquivos enquanto diz ― Você não deveria
estar aqui, Morgan.
É o que ele sempre diz.
Você pensaria que ele estaria cansado de se repetir.
― Sim, bem, aqui estou eu, ― murmuro enquanto brinco com a borda
das mangas do meu moletom. ― Sempre exatamente onde eu não
pertenço.
Ele solta um suspiro profundo e exagerado enquanto se recosta na
cadeira. ― Os caras da sétima delegacia vão querer entrevistá-la.
Concordo, sem surpresa.
A polícia estaria rastejando por todo a Mystic. Eu não estou
trabalhando registrada lá, oficialmente, mas meu nome deve aparecer. Os
monitores de segurança nada mais são do que feeds ao vivo; portanto, não
haverá gravações, o que significa que eles estarão desesperados por
testemunhas.
Eles não encontrarão nenhuma.
Ninguém vai falar.
Certamente não eu.
― Foi ele? ― Gabe pergunta.
― O que você acha?
― Acho que certamente parece algo que ele faria.
― Bem, lá vai você, ― eu digo.
― Então você o viu? ― Gabe pergunta. ― Kassian?
Kassian.
Meu olhar muda para o meu colo ao som desse nome. O suor escorre
pelas minhas costas. Parece ainda mais difícil respirar aqui agora. Por que
diabos está tão quente?
― Eu o ouvi falando, ― eu digo. ― Ele estava me procurando.
― Ele viu você?
― Eu estaria sentada aqui se ele tivesse?
― Não, ― ele murmura. ― Provavelmente não.
Eu nem consigo imaginar o que Kassian poderia ter feito se ele me
encontrasse escondida atrás daquele bar, como ele reagiria ao me ver
encolhida ali sem uma blusa. Provavelmente mataria todo mundo. Nós
fazemos essa dança há muito, muito tempo, mas esses últimos nove meses
foram os piores. Estou exausta. O jogo mais intenso de esconde-esconde já
jogado, exceto que não é um jogo. Na verdade, não. Não há nada divertido
sobre o que estamos fazendo. Eu quero sair, desistir, ligar dizendo que deu
empate e sair com a cabeça erguida, mas Kassian Aristov joga para vencer.
Não há negociação com esse homem.
É do jeito dele ou não.
E não posso deixá-lo ganhar este. Eu não posso. E ele sabe disso. Ele
vencer significa que o resto de nós perde.
― Você já assistiu o nascer do sol, detetive?
Gabe suspira dramaticamente, ignorando minha pergunta, como se
ele achasse que eu estou sendo idiota. ― Vá para casa, Morgan. Não é
seguro para você aqui.
― Não é seguro na 60ª delegacia? ― Eu suspiro com horror fingido,
segurando meu peito. ― Como assim?
― Você sabe exatamente o que eu quero dizer.
― Sim, bem, se eu não estou segura cercada pela polícia, o que faz
você pensar que eu estarei segura em algum lugar lá fora?
― Ele ainda não encontrou você, encontrou?
― Ainda não, ― eu digo, ainda sendo a palavra operativa. Se ele
descobriu que eu estava trabalhando na Mystic, é apenas uma questão de
tempo até que ele me siga até o apartamento, considerando que George é
o dono do lugar.
Ele me colocou lá em cima quando cheguei ao fundo, depois que me
joguei à sua mercê, sem ter mais para onde pedir ajuda. Ele odeia os russos
com uma paixão ardente, e o inimigo do meu inimigo, bem... digamos que
eles são os únicos estúpidos o suficiente para aproveitar essa chance.
― Posso perguntar outra coisa, detetive?
― Se eu disser não, isso fará você sair?
― Não.
― Então atire.
― O que você sabe sobre um cara que eles chamam de Scar?
Gabe para o que está fazendo e olha para mim. ― Eu sei que qualquer
pessoa com um nome de rua como Scar provavelmente será uma má
notícia. Fora isso, nada.
― Nada?
― Nada, ― diz ele. ― Por quê?
― Nenhuma razão particular.
― Por que, Morgan? ― ele pergunta novamente, a voz mais alta. ―
No que você se meteu agora?
― Nada.
― Nada?
― Nada.
Cara, essa conversa não vai a lugar nenhum.
― Vá para casa, ― diz Gabe, levantando-se, ― e fique lá. Fique fora
do radar. Fique longe de problemas. Não faça nada estúpido. Não
comprometa o que estamos fazendo aqui.
― O que você está fazendo aqui? ― Eu pergunto. ― Porque realmente
não estou vendo nada sendo feito.
Ele aperta meu ombro. É para ser carinhoso, eu acho, mas o toque dele
faz minha pele arrepiar. ― Estou protegendo você, Morgan, assim como
você precisa que eu faça.
Depois que ele sai, eu sento lá, considerando essas palavras. Me
protegendo.
Se é assim que eles protegem as pessoas, acho que prefiro me proteger.
― Eu tenho uma coisa para você, gatinha.
A garotinha ficou tensa com essas palavras, com a voz do Homem de
Lata na porta atrás dela. Fazia duas semanas desde a noite em que ela
acordara do sono para o esconde-esconde.
Quando isso terminaria?
A garotinha se virou na cadeira de madeira da mesa, onde estava
desenhando com um lápis grosso no quarto que ele dizia ser dela. O
Homem de Lata estava lá, vestido com um terno preto, mãos escondidas
atrás das costas. Ela não o via há muitos dias. Ela ficou naquele quarto,
evitando-o depois que ele queimou sua camisola favorita.
Ela não gostava de estar lá, mas gostava um pouco mais quando ele
não estava por perto. O Leão Covarde a observou nas noites em que o
Homem de Lata não voltou para casa. Ele nem sempre foi legal, mas não
era tão mau. Às vezes, ela pensava que poderia gostar dele.
Seu estômago roncou e suas mãos tremiam quando ela apertou o lápis.
― O que você tem?
O Homem de Lata não disse nada, não fez nada, apenas olhando para
ela, sem se mover da porta. Depois de um momento, ele puxou algo pelas
costas, com a mão diminuindo um urso de pelúcia. Desbotado com alguns
remendos, seu tipo fofo de emaranhado, o bronzeado colorindo o marrom
sujo. Um olho se foi e uma orelha mal estava pendurada, mas era a coisa
mais linda que a garotinha já tinha visto, porque era dela. Dela.
Sua mãe havia dado a ela.
Ela não a via desde a noite em que o deixou na cozinha perto de onde
sua mãe dormia. Os olhos dela se arregalaram, os lábios se abrindo, o
coração batendo loucamente no peito.
― Para mim? ― ela perguntou.
― É seu, sim? ― Ele olhou para ele, fazendo uma careta. ― Coisa
horrível. Você quer mesmo?
Ela assentiu freneticamente.
Claro que ela queria.
Ela queria tanto.
Mas ela não se atreveu a se mover da cadeira, não se atreveu a tentar
obtê-lo. Ainda não.
Ajoelhou-se então, ao nível dos olhos dela, e o estendeu para ela pegar.
A garotinha estava aterrorizada, poderia ser um truque, mas ela queria
tanto que tinha que tentar. Levantando-se, ela se aproximou dele,
alcançando-o. Ele manteve o aperto no urso, ainda não o soltando. ― Isso
tem um nome?
Ela assentiu.
― Use suas palavras.
― O nome dele é Buster, ― ela sussurrou.
― Buster, ― ele repetiu antes de finalmente deixar ir. A menina pegou
o urso no peito, abraçando-o com força.
O Homem de Lata se levantou, como se fosse sair, como se não tivesse
sido um truque. Ele realmente tinha algo para ela, algo que ele a deixaria
guardar.
Em uma decisão rápida, a garotinha se atirou nele, abraçando suas
pernas, apertando o ursinho de pelúcia contra sua coxa. Ele congelou,
olhando para ela. Ela se preocupou que cometera um erro até a mão dele
acariciar gentilmente seus longos cabelos castanhos e ele a abraçar de volta.
― Obrigado, papai, ― ela sussurrou.
Seu dedo torceu sob o queixo dela, fazendo-a olhar para ele. ― Eu faria
qualquer coisa por você, gatinha.
Ela não tinha certeza se acreditava nisso, mas seu tom gentil a fez
sorrir. Pela primeira vez em catorze dias, ela sorriu para ele.
O Homem de Lata sorriu para ela, novamente acariciando seus
cabelos, seus ombros caídos, sua postura menos tensa, como se talvez ele
se lembrasse de seu coração novamente. Talvez estivesse no peito dele,
batendo estranhamente como o dela, meio assustado ainda, mas quase um
pouco feliz também. Não durou muito, porém, algo aconteceu com o
sorriso dele, fazendo-o congelar em seu rosto, como o sorriso que sua mãe
lhe deu na noite em que tudo deu errado.
― Você se parece com ela, ― disse ele, seu tom suave. ― Rezo para
que você nunca aja como ela. Eu não lidaria bem com isso.
Ele se afastou, a arrancando dele, deixando ela ali em pé em uma
nuvem de confusão. Ela sacudiu a cabeça, porém, seu sorriso só aumentou
quando ela abraçou Buster, segurando-o no nariz e inalando
profundamente.
Era quase como abraçar a mãe.
Quebra-cabeças.
Cada peça é perfeitamente cortada, moldada para se ajustar às que a
rodeiam, única por si só, para que não possa ir a qualquer outro lugar,
apenas aonde pertence. Sozinha, a peça não significa nada, um lampejo de
uma imagem, como uma história sem fim, apenas uma cena aleatória sem
credibilidade. É como molhar seu pau, mas nunca sair, enfiar, mas não
foder.
Qual o sentido disso?
Os quebra-cabeças exigem acompanhamento. Você não pode
simplesmente meter no meio de outro.
Ou, bem, eu não posso.
É como uma metáfora para a vida. Momentos são peças formadas em
conjunto e construídas, criando uma imagem maior dentro da fronteira do
seu mundo. Meu quebra-cabeça está cheio de formas deformadas e bordas
irregulares, mas ainda assim tudo se encaixa de uma maneira distorcida,
fazendo uma imagem horrível da minha realidade.
Eu gosto de quebra-cabeças.
Provavelmente não é uma surpresa.
A biblioteca no primeiro andar da casa é quase vazia, assim como a
maioria das outras salas. Possua apenas o que você pode usar. Uma mesa
de folheado de ébano de grandes dimensões ocupa o centro dela, madeira
marrom dourada e preta gritante se fundem, o tipo de mesa que você
encontra em uma sala de reuniões cercada por aquelas cadeiras
ergonômicas caras. Há uma única cadeira de escritório de couro preto aqui
em algum lugar, empurrada para o lado, enquanto eu estou na frente da
mesa, olhando para ela, batendo o canto de uma peça de quebra-cabeça
contra a madeira listrada brilhante, pensando.
Estou trabalhando neste quebra-cabeça há alguns meses, desde o dia
em que nos mudamos para esta casa, a borda foi concluída, ocupando
metade da mesa, seções perfuradas juntas dentro dela com outras pessoas
apenas sentadas ao redor. Oito mil peças. Uma réplica da pintura de
Michelangelo no teto da Capela Sistina.
Parece chato, eu sei.
Apenas fique comigo aqui.
Vai melhorar
Tento a peça alguns pontos antes de encaixá-la perto da borda. Olho
em volta, procurando outro, quando batidas leves ecoam através da
biblioteca da porta aberta, quando os nós dos dedos batem contra os
painéis de madeira.
Seven fica parado, sem cruzar o limiar, segurando o telefone. Ou bem,
meu telefone, na verdade. Ele tende a filtrar minhas ligações para mim
sempre que está por perto, como um falso secretário.
Ele não chega mais perto, esperando por reconhecimento. Outros
andam pela casa, o resto da minha pequena equipe de demolição pessoal,
sete deles no total. Costumava haver dez, um bom número par redondo,
mas os outros três? Bem, eles alcançaram fins infelizes devido à sua própria
estupidez.
Eu não tenho muitas regras. Faça o que você quiser. Foda quem você
quiser. Roubar, mentir e trapacear, se você precisar, mas quando digo uma
coisa, você ouve, e é do seu interesse não me incomodar, porque posso ser
um pouco sensível.
Ah, e não pise na minha biblioteca sem minha permissão.
― O que é, Seven? Estou ocupado.
― Esse cara está ligando de novo.
― Qual cara?
― Ricardo Conti.
― Quem?
― O cara de Amello.
― Qual cara?
― O que encontramos na doca naquela noite.
― Ah, esse cara, ― eu digo, tentando um pedaço em alguns pontos
antes de descartá-lo, pegando outro. ― Ele não parece um Ricardo.
― Esse é o nome dele.
― Eu não gosto disso.
― Eu não imaginei que você faria.
Não há nada maldoso nessas palavras do Seven, então eu não me sinto
ofendido.
O cara sabe como eu faço.
Eu tento minha próxima peça, encontrando seu lugar, e passo para
outra quando Seven limpa a garganta. ― Chefe?
Eu olho para ele novamente, ficando impaciente. ― O que?
― Ricardo, ― diz ele, segurando o telefone. ― Ele está ligando.
― Agora?
― Sim, ― diz ele. ― Você quer que eu diga a ele que você ainda está
ocupado?
― Depende do que ele quer.
― Para se encontrar com você novamente.
― Oh, bem, convide-o, então.
Os olhos de Seven se arregalam. ― Aqui?
― Sim, porque não? ― Eu dou de ombros. ― Ainda está frio pra
caralho. Eu não vou sair pra algum cais hoje à noite, congelando minhas
bolas novamente. Se ele quer me ver, aqui estou eu.
― Sim chefe. Eu direi a ele.
Seven recuam enquanto continuo trabalhando no meu quebra-cabeça,
tentando me concentrar, mas minha visão está embaçada e dificulta a
visualização, com as cores se fundindo. Tento mais um pouco antes de
desistir, sentindo uma dor de cabeça. Agarrando a cadeira mais perto, caio
nela, apoiando os pés no canto da mesa enquanto fecho os olhos, passando
o braço sobre o rosto, tentando para bloquear toda a luz.
Deus sabe quanto tempo fico sentado aqui, zoneando, cochilando,
antes que uma garganta pigarreie. Abro os olhos, alarmado, vendo um
homem entrando na biblioteca. Ricardo. Sento, os pés batendo no chão com
um baque, pego minha arma. Eu aponto antes que ele possa se aproximar,
visando a massa central.
― Mais um passo e eu puxo o gatilho, ― eu digo quando ele para de
repente, levantando as mãos, como se rendendo-se me impedisse de atirar.
Ha. ― Você sempre cria o hábito de entrar no domínio de alguém sem
bater?
― Fui convidado, ― diz ele. ― E a porta está aberta, então eu pensei...
Seven aparece atrás do cara quando ele sai. Agarrando-o, Seven dá um
tapinha nele, pegando uma pequena arma de um coldre debaixo da roupa.
Seven desmonta rapidamente, pegando todas as balas, antes de devolver a
arma para ele. A testa dele se enruga quando ele a pega.
― Você pode ter a arma, mas apenas uma vez que esteja vazia, ― digo
a ele ― a munição é um não-não em minha casa. Veja bem, as balas não
vêm com nomes, o que significa que qualquer pessoa pode pegar uma, se
você pressionar o gatilho, e eu não posso ficar com isso. Você me entendeu?
Ele assente lentamente enquanto olha minha arma.
Eu sei o que ele está pensando.
― As regras não se aplicam a mim, ― digo ― para que você não tenha
ideias estúpidas. Você quer me matar, Ricky, e terá que ser criativo, porque
eu vou atirar em você na porra do coração assim que você começar a ficar
nervoso.
Ele enfia a arma de volta no coldre, mantendo as mãos onde posso vê-
las depois disso.
― Agora o protocolo adequado é você bater, ― digo a ele. ― Se a porta
estiver aberta, bata no batente da porta. Não é tão difícil. Vá em frente,
tente.
Ele ainda parece confuso, como se não estivesse entendendo, como eu
supus que ele tinha bolas quando o cara é apenas imprudentemente
estúpido. Depois de um segundo, ele levanta o punho e bate na madeira
ao lado dele.
― Bom garoto, ― eu digo. ― Agora, o que você quer?
― Você, uh... você me disse para vir.
― Porque eu assumi que você queria alguma coisa.
― Entreguei sua contraproposta ao meu chefe, ― diz ele. ― Achei que
você gostaria de saber.
― Minha contraproposta? Refresque minha memória...
― Você disse para ele chupar seu pau.
― Oh. ― Eu ri. Eu fiz, não foi? Hã. Não esperava que ele transmitisse
essa mensagem. Amello ainda o deixou viver depois disso? ― E o que seu
chefe disse?
― Ele recusou.
― Imaginei, ― eu digo, abrindo minhas pernas, relaxando. ― Pena,
no entanto. Aposto que ele chupa um bom pau. Provavelmente faz o
suficiente, você sabe, a prática leva à perfeição e tudo isso. Acho que você
só precisa fazer isso no lugar dele. Você passa muito tempo de joelhos por
ele, Ricky? Ou você prefere apenas se curvar e deixá-lo te foder um pouco?
Ricardo fica lá, olhando para mim, como se estivesse tentando
descobrir se estou falando sério ou não. Ele engole em seco, o pomo de
Adão balançando, e eu levanto a sobrancelha, propositalmente sendo
dramático.
― Eu não, ― ele começa, parando antes de dizer ― Quero dizer, eu
não sou...
― Vamos lá, cuspa.
― Ou apenas engula, ― Seven brinca.
Eu ri. ― Essa é provavelmente uma ideia melhor. Você deveria ser
grato por cada gota.
Ricardo respira fundo. ― Eu não sou gay.
― Nem eu, ― digo ― e nem o Seven, por falar nisso, mas ele chuparia
se eu p