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Era uma vez uma garota que parou de acreditar em contos de fadas

depois que sua inocência foi roubada.

Morgan Myers está cansada. Tão malditamente cansada. A maioria


das pessoas a empurra por aí ou a ignora, e ela não aguenta mais isso.
Determinada a recuperar a vida que lhe foi roubada, ela confia na última
pessoa que ela esperava: o notório que eles chamam de Scar. Morgan vê
um lado dele que poucas pessoas parecem conhecer - o homem, não o mito.
Lorenzo. E o que ela vê, ela gosta, muito mais do que ela pensava.

Mas os contos de fadas não são reais, como a vida gosta de lembrá-la.
Alguns dragões, você simplesmente não pode matar, não importa o quanto
você lute. E quando ela volta, respirando fogo, ela é forçada a enfrentar
alguns horrores inimagináveis. Mas há um cavaleiro branco em botas de
combate por aí que não tem medo de monstros.

Veja bem, é impossível ter medo de algo que você vê todos os dias no
espelho.
―――――――――――――

― Eu tenho algo para você.

Essas palavras ecoaram da porta aberta do quarto... e também não pela


primeira vez. Eu tenho algo para você. A menininha se virou lentamente na
cadeira à mesa, afastando-se da janela com a neve caindo do lado de fora,
afastando-se do papel em branco e da pilha de giz de cera quebrado.

O Homem de Lata estava lá, vestido com um terno escuro, a mão


escondida atrás das costas.

― É o Buster? ― ela perguntou, tentando ignorar o inchaço no peito


que realmente esperava que fosse ele. Tinha passado mais uma semana
sem ele. Mais uma semana sem a mãe. Muitas semanas.

O rosto do Homem de Lata se contorceu, como se sua pergunta o


deixasse irritado. Não é o Buster.

A menina franziu a testa, voltando-se para a janela gelada. ― Não,


obrigado.

― Mas hoje é Natal, ― disse ele ― então você ganha um presente.

A testa dela franziu. Não era Natal. Não mais. Eles perderam o Natal.
Papai Noel não veio. ― É um ano novo agora.

― É verdade, mas ainda é Natal.

Ela apenas balançou a cabeça, olhando para um giz de cera vermelho


nu sobre a mesa, todo o papel descascado e espalhado na frente dela. Cera
vermelha estava endurecida em suas unhas por tê-lo picado naquela
manhã.

O Homem de Lata não fazia sentido.


Como ainda pode ser Natal?

― Use suas palavras, gatinha.

Use suas palavras. Ele sempre dizia isso, como se ela não tivesse
permissão para ter pensamentos que pertencessem a ela. Ela tem que
transformar eles em palavras e entregar a ele. Ele estava sempre levando
tudo.

― Não tenho palavras. ― Disse ela. ― Eu só quero ir embora.

― Você quer ir embora? ― ele perguntou, seus passos atravessando o


quarto quando ele se aproximou. ― Ou você gostaria que eu fosse embora?

Ele parou atrás dela, sua sombra cobrindo a mesa como se uma nuvem
de tempestade tivesse entrado e bloqueado todo o sol. Ele tocou seu ombro
e a menina congelou, sussurrando ― Eu quero que você vá.

A mão dele disparou assim que ela disse isso, segurando sua
mandíbula com tanta força que ela gritou. Parecia uma garra de metal. Ele
puxou seu rosto para cima, forçando sua cabeça para trás, batendo contra
a cadeira enquanto a fazia olhar para ele. Sua expressão era dura, seus
olhos tão frios quanto gelo enquanto olhava para ela. Seu toque áspero
deixou marcas em forma de dedo na pele pálida que ela recebeu de sua
mãe.

Lágrimas ardiam nos olhos da menina, sua garganta queimando.

― Você acha que eu não vou te machucar porque você é pequena? ―


A mão dele se moveu para as bochechas gordinhas dela, apertando-as com
força, fazendo ela franzir os lábios. ― Você acha que eu não vou te
machucar porque você se parece muito com a mulher que tem meu
coração?

― Ela tem seu coração? ― a menininha tentou perguntar enquanto as


lágrimas caíam por suas bochechas, as palavras soando como um soluço
abafado, mas ele entendeu.

― Ela tem tudo de mim. Eu amo essa suka mais do que ela jamais
poderia entender. Eu a amo até a morte, gatinha. No momento em que a
vi, eu sabia que ela seria minha. Eu dei tudo a ela, e tudo o que ela tinha
que fazer era me amar de volta.
Ele fechou os olhos, como se aquelas palavras o machucassem,
enquanto sua mão se mexia novamente, pressionando contra sua garganta
até que ela não conseguia respirar. Ela tentou, sugando o ar, mas parecia
que seus pulmões estavam quebrados, como se tivessem um buraco neles,
então tudo vazou até que ela estivesse sufocando.

Sufocando.

A garotinha lutou, agarrando a mão dele com a sua. Seus olhos se


abriram quando ela o tocou, algo piscando neles, como chamas rugindo
dentro dele.

Ele a soltou imediatamente.

A garotinha respirou fundo, tocando seu pescoço enquanto todo o seu


corpo tremia. Por que ele fez isso?

Por trás das costas, o Homem de Lata puxou um gato empalhado.


Pequeno e malhado, com um laço vermelho no pescoço. Ele o jogou sobre
a mesa na frente dela, em cima de seus gizes de cera quebrados.

― Feliz Natal, gatinha. ― disse ele enquanto se virava. ― Eu te amo.


―――――――――――――――――――

― Sabe, quando você mencionou o café da manhã, eu pensei que você


fosse voltar para casa e fazer panquecas novamente.

Lorenzo ri, parado na esquina do bairro de Chelsea, logo abaixo de um


pequeno buraco na parede do lugar mexicano que fica aberto 24 horas. Ele
segura um recipiente de isopor, às oito da manhã, comendo o burrito mais
gigantesco que já vi na minha vida.

Quatro dólares, apenas dinheiro.

Ele me fez pedir um também.

Ou melhor, eu disse que não estava com fome e ele disse, ‘foda-se,
estou pegando um e você vai comer’, como o cavalheiro que ele é. Sou grata
por isso, apesar de ter atacado ele.

Acontece que é delicioso.

― Não acredito que você nunca comeu lá. ― diz ele. ― Eu pensei que
era um requisito de ser um nova-iorquino.

― Eu não sou o típico nova-iorquino. ― Aponto. ― Eu nunca tive


realmente a experiência. Muito ocupada dando a boceta, eu acho.

Uma mulher passa enquanto eu digo isso, segurando seu peito e me


olhando, como se ela pudesse pegar algo andando perto de mim. Sim, como
a porra da decência humana, talvez. Eu olho para ela, mordendo meu burrito,
esperando a luz mudar para que possamos atravessar a rua.

O velho ursinho de pelúcia está preso debaixo do meu braço. Eu


provavelmente pareço ridícula, eu sei, como se tivesse escapado da
enfermaria de um hospital. As pessoas ao redor me olham como se
estivessem genuinamente preocupadas com a minha sanidade, o que é
engraçado, considerando que me sinto mais em paz neste momento do que
há algum tempo. ― Você já se preocupou com a possibilidade de ser
realmente louco?

― Preocupação? Não. Tenho certeza.

― Você tem certeza de que é louco?

― Sim.

Eu rio, olhando para ele, vendo que ele está me olhando com
curiosidade. A luz muda e as pessoas nos rodeiam, mas ele não se move.
Não imediatamente.

― Não há nada errado em ser louco. ― diz ele. ― É tudo apenas uma
questão de percepção. Inferno, acho que meu irmão é louco, trabalhando
em um emprego de merda com sua namorada rainha da beleza estudando
o que ela está estudando, gastando dezenas de milhares por um pedacinho
de papel que a declarará competente o suficiente para conseguir seu
próprio emprego de merda onde ela ganhara nem mesmo uma fração do
que eu ganho, quando eu nem terminei o ensino médio. Mas o mundo
pensa que isso é normal e, na verdade, tudo isso é normalidade - é a porra
de qualquer tipo de loucura que a maioria tem.

Ele continua tanto tempo, olhando para mim, que a luz muda
novamente e as pessoas se reúnem ao nosso redor.

Fico quieta, esperando até que seja seguro andar.

― Além disso, ― diz Lorenzo, virando-se para atravessar a rua. ―


Louco faz merda, Scarlet.

Nós passeamos, terminando nossos burritos, nenhum de nós dizendo


muita coisa depois disso. Ele está certo, eu acho. Talvez estejamos todos
loucos. Talvez o truque da vida seja apenas encontrar alguém cuja loucura
jogue bem com a sua.

Depois de descartarmos nosso lixo, Lorenzo vai para o metrô. Está


lotado de passageiros a esta hora, então não há mais assentos, nem mesmo
em pé tem espaço. Lorenzo pega uma barra, me puxando na frente dele
sem dizer uma palavra. É aconchegante. Quente. Seu braço está ao meu
redor enquanto eu descanso minha cabeça em seu peito.

Ele está tão quente que quase adormeço ali de pé.

Leva 45 minutos para chegar à casa dele. Assim que entramos, ficamos
cara a cara com Leo e Melody, que estão vestidos para o dia e saindo. Leo
trabalha em algum restaurante chique, um que exige que ele use um
smoking, enquanto Melody está carregando sua mochila cheia de livros
para a aula. É tudo tão perfeito.

Normal.

Leo nos olha. ― Noite longa? Vocês dois parecem um inferno esta
manhã.

― Você não tem um lugar para estar? ― Lorenzo pergunta


imediatamente. ― Em algum lugar que não inclua falar comigo?

Leo ri disso, dando um tapa no ombro de Lorenzo. ― Mas eu sempre


tenho tempo para o meu irmão mais velho.

― Vá trabalhar. ― diz Lorenzo. ― Você é demitido, está ferrado,


porque eu não estou pagando pelo vinho e o jantar da Firecracker, então
todo o romance será interrompido.

― Oohhh. ― diz Melody, fazendo uma careta enquanto agarra o braço


de Leo. ― Você sabe o que nenhum romance significa...

― Sem boceta? ― Eu digo.

Agora Leo faz uma careta.

― Bom. ― diz Lorenzo. ― Talvez então eles mantenham suas roupas e


parem de brincar de escorrega no meu maldito sofá o tempo todo.

― Falando no sofá, ― Leo questiona ― você estava brincando, certo?


Você realmente não roubou o novo sofá de algum clube de strip-tease.

Assim que ele diz isso, olho para a sala, vendo um familiar sofá de
couro preto com detalhes dourados. Oh Deus, ele seriamente...?

― Você acha que eu realmente faria isso? ― Lorenzo pergunta.

― Espero que não. ― Leo resmunga.


― Vá trabalhar. ― Lorenzo diz novamente antes de se virar para
Melody. ― E você vai aonde quer que vá quando não está na minha casa,
respirando todo o meu oxigênio.

Eles se despedem e saem, enquanto Lorenzo fica parado, olhando a


porta, certificando-se de que eles foram embora antes de se virar para mim.

Parece que ele tem algo a dizer, mas eu o interrompo.

― Você roubou um sofá, ― digo ― de um clube de strip-tease.

― Sim?

― Então você sabe o que acontece nesses sofás?

― Provavelmente a mesma merda que meu irmão faz, mas isso não
importa. Eu desinfetei.

― Você desinfetou.

― Sim, peguei uma lata de Lysol e joguei por toda essa merda.

Esfrego as mãos no rosto. ― Estou... cansada demais para pensar em


uma resposta a isso.

― Então vamos lá. ― diz ele, passando por mim. ― Vamos para a cama.

Eu não discuto com isso. A cama parece um belo lugar para se estar,
então eu o sigo lá pra cima. Assim que chegamos ao quarto dele, tiro os
sapatos e arranco o moletom, caindo na cama com um suspiro, ainda
segurando o maldito urso.

Lorenzo tira toda a roupa, como sempre, antes de subir ao meu lado.

Trinta segundos, menos que isso. Meus olhos se fecham, a exaustão


assumindo o controle. Lorenzo já está roncando. O sono me bate forte.

Fora como uma luz.

Não sei quanto tempo passa antes de voltar a acordar, mas meu corpo
está dolorido e o quarto está turvo, ficando mais escuro, então sinto que é
tarde. Eu dormi o dia inteiro. Grogue, esfregando os olhos, me levanto para
sentar quando algo cai no meu colo.

Buster.
Me bate de novo então, quando eu pego o urso. A pressão no meu
peito me faz sentir como se estivesse sufocando. Meus dedos exploram o
rosto machucado do urso, acariciando o pelo imundo e empurrando a
espuma de volta para nos buracos.

Eu me perguntei se veria ele novamente. Eu me perguntava onde


aquilo terminava e esperava - não, contava com - estar com Sasha. Ela não
me tem, não estou lá para protegê-la, mas achei que ela teria pelo menos
seu melhor amigo Buster.

Ela não tem, no entanto.

Ela está sozinha.

Eu também.

No sentido literal, da minha parte.

Lorenzo não está aqui.

Estendo a mão, passando a palma da mão ao longo dos lençóis frios.


Ele está fora há tanto tempo que a cama não está mais quente.

Suspirando, me levanto, arrastando-me até o armário para pegar


minha mochila que está escondida nos fundos, ao longo da madeira. Eu a
abro, pegando o pequeno celular preto, conectando-o ao carregador
usando a tomada na parede enquanto me sento no chão.

Depois de alguns minutos, enquanto seguro o urso, o telefone liga,


voltando à vida novamente. Existem apenas alguns números programados
nele, e eu aperto o botão para chamar o número superior, trazendo-o ao
meu ouvido.

Soa algumas vezes, enquanto eu entro em pânico, uma voz na minha


cabeça gritando para eu desligar agora, mas o diabo no meu ombro não
está tendo isso. A ligação é atendida, uma voz me cumprimentando
calmamente, o sotaque russo ainda pesado, apesar de ele morar na
América há anos. ― Eu estava esperando você ligar.

Ele sabe que sou eu. Não sei bem como. Eu mantenho meu número
bloqueado por esse motivo, mas, de alguma forma, ele sempre sabe.

Eu não digo nada.


Não consigo encontrar as palavras.

Minha voz não quer funcionar.

Eu costumava ter muito a dizer, mas meus pedidos sempre caíam em


ouvidos surdos, então raramente digo alguma coisa. Eu apenas sento e
ouço, esperando que em uma dessas vezes ele diga algo de valor, que ele
escorregue e eu a ouça em segundo plano.

Isso nunca aconteceu.

Essas ligações costumavam ser tão frequentes quanto as visitas à


delegacia, mas tentar racionalizar com Kassian é uma causa perdida. É
como tentar civilizar um homem das cavernas. Não importa o que eu diga,
nunca é suficiente fazê-lo agir por um momento e me deixar falar com
minha filha.

Ele nunca admitiu para mim que a tem.

O som de sua voz faz meu interior doer, mas eu empurro os


sentimentos e absorvo todas as sílabas que ele está disposto a oferecer,
como se talvez tudo isso fosse uma charada que eu possa resolver.

― Você gostou do seu presente? Sei que o Natal foi meses atrás, mas é
melhor tarde do que nunca, não é? ― Há uma leveza no tom dele, como se
ele estivesse se divertindo com tudo isso. ― Estou assumindo que o seu
brinquedo marcado deu a você, desde que você está ligando ... a menos
que esteja simplesmente sentindo minha falta hoje.

Estico minhas pernas ao longo do chão, Buster deitado no meu colo,


enquanto descanso a cabeça contra a parede.

Eu ainda não digo nada.

― É uma pena a condição do urso. ― diz ele. ― Eu tive que ensinar


uma lição sobre obediência a ela. Tenho certeza que você se lembra disso.
Tínhamos muitas delas, você e eu, mas você... você nunca aprendeu. Não
importa quantas vezes eu lhe mostrei, você ainda achava que poderia ter
as coisas do seu jeito. Mas eu, é claro, tive que ser criativo dessa vez, já que
não podia ensinar as coisas a ela da maneira que te ensinei.

Ele ri, como se fosse a coisa mais engraçada do mundo, enquanto eu


fico tonta, o quarto começando a girar.
Eu tenho que fechar meus olhos.

― Sinto falta das suas lições. ― diz ele, parecendo quase melancólico.
― Despir você, foder você forte, deixando todos assistirem. Você se
lembra? O jeito que eles se caiam sobre si mesmos para vê-la, esperando
que eu estivesse de bom humor e deixasse que eles te experimentassem.
Você sente falta disso? Você pode admitir. Eu não vou contar pra ninguém.
Não direi a eles o quanto você era boa garota, como chorava tão baixo, para
não incomodar quando eles se revezavam...

― Pare. ― Minha voz falha quando essa palavra sai dos meus lábios,
lágrimas ardendo nos meus olhos. ― Simplesmente pare.

― Ah gatinha, você está chorando agora?

Mordo o lábio para não fazer barulho.

― Está tudo bem. ― Continua ele. ― Volte para casa e eu farei tudo
melhor. Prometo. E talvez, se você for uma boa menina, depois de
finalmente aprender sua lição, eu lhe direi o que aconteceu com sua
gatinha.

Seria mentira dizer que não considero a oferta dele.

Porque, por um segundo, um momento de fraqueza, eu acho ‘ok’. Eu


acho que ‘eu consigo’. Nada do que Kassian pudesse me passar seria pior
do que viver nesse vazio, existir no desconhecido, sem a minha garotinha.
Eu acho que talvez se eu for até ele, talvez se eu desistir, eu possa encontrá-
la, recuperá-la, e talvez dessa maneira eu possa protegê-la. Mas a realidade
é que eu não conseguiria me proteger desse homem e, se eu me render
agora, ninguém nunca salvará nenhuma de nós.

E é estúpido, eu sei, porque o ‘talvez’ dele não significa nada. Suas


promessas são besteiras. Ele me ensinaria minha lição, com certeza. Ele
encontraria uma maneira de me quebrar.

Ele faria isso e depois me mataria.

― Não há mais a dizer? ― ele pergunta.

Eu não respondo.
― Então adeus por enquanto, menina bonita. Tenho certeza de que nos
veremos novamente em breve. Eu te amo.

A linha fica morta.

Me sento aqui por um minuto, essas palavras me apunhalando, antes


de arrancar o carregador da parede e jogar tudo na mochila, empurrando
de volta no armário.

Carregando Buster, eu desço as escadas, encontrando Leo e Melody na


sala de estar no sofá.

Felizmente, não fazendo sexo - parece que ele está ajudando ela com a
lição de casa – mas ugh, esse sofá.

Se eles soubessem...

― Vocês já voltaram? ― Eu pergunto. ― Que horas são?

― Depois das nove horas. ― Leo diz com uma risada. ― Você acabou
de acordar?

― Ugh, sim. ― Eu coço minha cabeça, meu cabelo está uma bagunça.
― Acho que eu estava realmente cansada.

Não me lembro da última vez que dormi doze horas.

― Lorenzo ainda está na cama? ― Leo pergunta. ― Se estiver, você


pode querer verificar o pulso dele. Ele nunca dorme mais de duas ou três
horas. Pode estar morto.

Eu pisco algumas vezes. ― Ele não está aqui embaixo?

― Não vi ele. ― diz Leo. ― Chegamos em casa há cerca de três horas,


então ele deve ter saído antes, se não estava lá em cima com você.

― O carro dele está lá fora? ― Eu pergunto, entrando na sala, andando


até a janela para olhar para fora. O BMW preto ainda está estacionado na
garagem. ― Acho que ele andou, ou talvez ele pegou o metrô...

― Ou alguém o pegou. ― Diz Leo.

Esquisito.

Olhando para o carro dele, tento ignorar a sensação estranha que se


forma dentro de mim. Ugh. Lorenzo é um adulto. Ele não tem obrigação
de entrar em contato com alguém antes de sair, muito menos me dizer o
que ele vai fazer.

Francamente, não tenho certeza se quero conhecer metade dos lugares


em que o homem frequenta.

Mas ainda assim, um sentimento torce meu intestino, algo


perigosamente perto de preocupação, como se eu estivesse preocupada
com o bem-estar dele.

― Posso perguntar uma coisa, Morgan?

A voz de Leo me tira desses pensamentos antes que eu possa pensar


muito neles. Me virando, olho para onde ele está sentado no sofá. Melody
está lendo algo de um livro grosso, enquanto ele me olha peculiarmente ao
lado dela. ― Me perguntar algo?

― Sim, alguma coisa, eu não sei... pessoal?

Ah não.

Interiormente, estou preocupada com isso, porque perguntas pessoais


nunca levam a lugar algum bom, mas forço um sorriso. ― Certo.

― O que há com você e meu irmão?

Uh... ― Como assim, o que há entre a gente?

― Só estou imaginando quais são seus planos. ― diz ele. ― Você vê


essa coisa com ele realmente indo a algum lugar? Você quer que vá a algum
lugar? Ou é apenas, você sabe, conveniente...

Melody fecha seu livro, o interrompendo com um olhar. ― Leonardo!


Eu sei que você não está tentando perguntar ‘quais são suas intenções?’ para
ela!

Meus olhos se arregalam. Ele está?

Leo se vira para a namorada. ― O que? Eu só estou perguntando...

― Você não pode simplesmente perguntar isso a alguém. ― diz ela. ―


Você não se lembra quando começamos a namorar e você obteve a
pergunta sobre suas intenções? Você não gostou muito, você gostou,
camarada?
― Isso é diferente.

― Não, não é. ― diz ela, revirando os olhos. ― Eles são adultos, então
não é da sua conta.

― Mas...

Ela aponta o dedo no seu rosto, o dedo o cutucando no nariz enquanto


ela faz um barulho estridente para cortá-lo, alto o suficiente para assustar
me assustar.

Eu me aproximo, me sentando no braço de uma cadeira perto do sofá,


enquanto Leo agarra o dedo dela e brincando fingindo morder ele.

― Eu entendo. ― Eu digo. ― Eu apareço do nada, e aqui estou eu,


fazendo toda a porcaria que ele reclama, como comer sua comida e respirar
seu ar, mas ele tolera.

― Sim! ― Leo joga as mãos para cima, lançando um olhar presunçoso


para Melody. Ela faz uma careta, afastando o rosto dele enquanto ele ri. ―
Não é como meu irmão.

― Sim, eu não sei. ― Eu digo. ― Desculpe desapontar, mas eu


realmente não tenho uma resposta. Eu só estou tentando sobreviver, e seu
irmão? Bem, eu nem sei o que dizer sobre Lorenzo. Ele é um idiota a maior
parte do tempo, completamente inflexível, mas de uma maneira
refrescante... eu meio que gosto disso. Por que ele me atura? Ele está
entediado e o sexo é bom. Ou bem, esse foi o raciocínio dele quando
perguntei.

Leo não parece decepcionado. Muito pelo contrário, de fato. Ele sorri
como um maníaco. Melody, por outro lado, abre seu livro novamente,
resmungando, “fale sobre romantismo.”

― Enfim... ― Eu me levanto, segurando Buster. ― Você não saberia se


há um kit de costura por aqui em algum lugar, hm? Uma agulha? Alguma
linha, talvez?

― Verifique a cozinha. ― diz Leo. ― Ou a biblioteca... ou o banheiro...


ou talvez o quarto de Lorenzo...

― Então verifique em todos os lugares?


― Exatamente.
Vou sair quando Melody olha para cima, com a testa franzida. ― Isso
é um ursinho de pelúcia?

― Sim. ― Eu digo.

― É, hum... ― Ela hesita. ― Agradável.

― Está caindo aos pedaços. ― Eu digo. ― Eu preciso consertar isso de


volta.

― Por que você tem um ursinho de pelúcia? ― Leo pergunta antes de


se virar para sua namorada. ― Espere, posso perguntar isso?

Melody apenas revira os olhos para ele.

― Oh, não é meu. ― Eu digo. ― Pertence à minha filha.

Saio para o corredor exatamente quando minhas palavras parecem


atingir Leo. ― Sua o que? ― ele grita, mas eu não respondo, ouvindo
Melody o impedir de me seguir com outra frase sobre ‘não ser da sua
conta’.

Eu vasculho a cozinha, encontrando muitos utensílios, facas


suficientes para potencialmente qualificar Lorenzo como um daqueles
preparadores para o fim do mundo, mas nenhum kit de costura em lugar
algum. Vou para a biblioteca, vasculhando as prateleiras, me agacho para
procurar em uma fileira de armários embutidos embaixo delas, e estou
prestes a desistir e seguir em frente quando uma voz alta atravessa a sala.
― Que porra você está fazendo?

Eu pulo, batendo minha cabeça em um armário e estremeço quando


me levanto, esfregando meu couro cabeludo. Merda, isso dói. Lorenzo está
parado na porta, vestido impecavelmente em um terno, vestindo preto da
cabeça aos pés, parecendo... uau.

― Ei, mano, que diabos? ― Leo grita, descendo o corredor. ― Foi um


policial que te deixou?

Antes que Leo possa entrar, e sem responder sua pergunta, Lorenzo
agarra a porta da biblioteca e bate com força na cara de Leo. Eu estremeço
novamente, desta vez da realização. Fiquei tão distraída com olhar Lorenzo
em um terno que não me ocorreu que ele me pegou procurando em sua
biblioteca.
A biblioteca dele.

Você sabe, o quarto em que ninguém entra sem a permissão dele?

Ele me pegou mexendo nos armários, vasculhando suas coisas.

― Estou procurando uma agulha e algumas linhas. ― Digo a ele,


fechando as portas do armário. ― Você sabe, um kit de costura?

Ele me observa incrédulo quando se aproxima. ― Eu pareço


fodidamente tricotar?

― Na verdade, você tricota com... ― Eu paro abruptamente quando ele


levanta uma sobrancelha. ― Bem, você não tricota com nada, porque não
tricota, mas agulha e linha, vamos lá... você nunca teve que costurar um
corte? Dar a si mesmo alguns pontos?

― Não, ― diz ele ― é por isso que temos médicos.

― Tanto faz. ― Eu digo, segurando Buster. ― Um médico não vai fazer


cirurgia nesse cara.

Lorenzo empurra a cadeira para me encarar enquanto se senta. Sua


expressão vacila, um pouco da raiva derrete quando ele abaixa para
desatar os sapatos. ― Eu tenho fita adesiva.

― Não tenho tanta certeza de que funcione, mas obrigado.

Ele tira os sapatos, recostando-se na cadeira. ― Adapte você mesma.

― Falando em terno1... ― Eu aceno para ele. ― Onde você foi parecendo


tão estiloso essa noite?

Ele desabotoa o paletó, tirando-o e começa a arregaçar as mangas. ―


Tive uma reunião.

― Com um policial?

― Havia um policial envolvido, sim. Um detetive.

Meu estômago afunda. ― Gabe?

Lorenzo me lança um olhar confuso. ― Quem?

1
Ela fez um trocadilho com a palavra Suit que significa tanto Adaptar e Terno.
― Detetive Jones. ― Eu digo. ― Você sabe, aquele que você chama de
meu amigo policial?

― Ah, não, não é o que você está fodendo.

Eu me arrepio de como ele diz isso. ― Fodeu. Pretérito. Atualmente


não estou fodendo, nem haverá futuro. Esse navio de guerra afundou.

― Fodeu. ― Ele repete, passando as mãos pelo rosto, deixando escapar


um suspiro profundo. ― Este é o que você nunca fodeu. O nome dele é
Jameson, trabalha na Crime Organizado da cidade.

― E isso exigiu um terno? Não que eu esteja reclamando, porque


uoou... eu nunca vi você usar um antes.

― Às vezes você tem que fazer o papel, Scarlet. Você sabe disso.
Quando a maioria das pessoas pensam em caras como eu, ainda imagina
alguém como Michael Corleone, e é isso que eles recebem. É meio
engraçado, realmente. Eles têm mais pavor de mim em um terno com
sapatos brilhantes do que quando estou usando botas de combate e
carregando uma arma carregada.

― Talvez eles não estejam mais aterrorizados. ― Eu digo. ― Se eles


estão tremendo, com o coração acelerado, suando, estou dizendo que há
uma chance de que eles possam estar excitados.

Ele ri, afrouxando o colarinho. ― Você mija nas calças quando está
excitada também?

Vou até ele, encolhendo os ombros. ― Depende de como eu estou


excitada.

Ele estende a mão, me agarrando, me puxando para baixo para um


beijo. É suave, lento e não dura muito tempo antes que ele se afaste dos
meus lábios. ― Quando foi a última vez que você tomou banho?

Eu me afasto dele. ― Você está dizendo que estou fedendo?

Antes que ele possa responder, inclino a cabeça para baixo, fungando,
tentando ser sutil, mas ele entende o que estou fazendo e ri.

― Se você precisar cheirar a si mesma, Scarlet, há uma boa chance de


você ter dispensado.
Reviro os olhos, ignorando o que ele disse. Se você soubesse, cara. ―
Agora mesmo.

― Agora mesmo?

― Sim, foi a última vez que tomei banho. ― Digo, passando por ele. ―
Agora mesmo.

Olha, eu sei que você provavelmente está se encolhendo. Estou


imunda, e sim, meio que fedendo. Estou usando as roupas em que dormi
e não arrumo o cabelo há alguns dias, apenas prendendo em um coque
desleixado. Então sim, pense o que quiser, mas eu tive uma vida bem
fodida, você não pode me julgar.

Subindo as escadas, vou direto para o chuveiro, esfregando, depilando


e lavando, usando todas as coisas de Lorenzo, já que tudo o que tenho é
minha loção e uma escova de dentes. Depois, escovo meu cabelo, passando
uma loção da cabeça aos pés, antes de vestir roupas limpas e voltar para o
andar de baixo.

Ele se foi novamente. Lorenzo. Faz apenas trinta minutos, mas a


biblioteca está vazia. Sério? Suspirando, vou para a sala, encontrando
Melody sentada ali sozinha.

Leo também não está.

― Você viu Lorenzo? ― Eu pergunto.

― Ele foi embora. ― Diz ela, erguendo os olhos do trabalho escolar. ―


Ele teve que fazer alguma coisa, fez Leo dirigir. Disse que levaria apenas
alguns minutos.

Bem então...

Eu me aproximo dela, olhando curiosamente para seu livro. Elementos


da Filosofia Moral. Eu nem tenho certeza do que isso significa. ― Filosofia.

― Sim. ― Diz ela, fazendo uma careta. ― Eu pensei que seria divertido
me formar nisso.

― Um diploma em filosofia, não é? Que tipo de trabalho você pode


conseguir com um desses?

― Provavelmente do tipo que envolve uma barra de pole dance.


Ela está sendo sarcástica, resmungando baixinho, mas eu rio dessa
resposta porque não é muito difícil. ― Bem, diabos, você poderia largar
toda essa aula e conseguir um emprego comigo na Mystic.

Ela corta os olhos para mim enquanto me sento. ― Mystic?

― Um clube em que eu costumava dançar. ― Eu digo. ―


Definitivamente não precisava de um diploma para trabalhar em um poste
lá.

Os olhos dela se arregalam. ― Sério? Você é uma...

― Stripper, sim... ou bem, eu era.

― Uau, desculpe, eu não quis dizer... ― Ela se encolhe. ― Ugh, eu sou


tão idiota. Eu não deveria ter dito isso. Não estou tentando dizer, sabe, que
há algo errado em tirar...

― Está tudo bem. ― Digo a ela.

― Isso é apenas... uau. Quero dizer, acho que posso ver, sabe? Você
parece... bem...

― Alguém que tira a roupa por dinheiro? ― Eu pergunto, adivinhando


onde ela está indo com isso.

Seu rosto fica vermelho quando ela balança a cabeça. ― Quero dizer,
como alguém que não dá a mínima para o que alguém pensa dela.

Ela olha para mim como se quisesse perguntar alguma coisa, mas
antes que ela pudesse encontrar as palavras, faróis piscam pela janela
quando um carro entra na garagem.

― Sim, bem, realmente não me importo com o que as pessoas pensam.


― Digo, voltando a me levantar. ― Só tenho que viver com minhas
consequências.

Saindo, eu quase bato no Leo quando ele entra pela porta da frente.
Ele para, olhando para mim, sua expressão caindo em algum lugar entre
surpresa e confusão. ― Sério? Uma filha?
Antes que eu possa responder, Lorenzo entra atrás dele, agarrando
Leo pela cabeça e o empurrando por mim, para a sala de estar. ― Fatti i
cazzi tuoi.2

Uau.

― Geesh3, tudo bem. ― Leo resmunga, saindo. ― Não precisa torcer


sua calcinha, mano.4

Lorenzo acena para ele. ― Chupe minhas nozes.

Olho para Lorenzo, surpresa com a troca, quando ele se aproxima de


mim, me prendendo no corredor. O terno dele não está mais montado, os
sapatos desamarrados e a camisa solta.

― Você fala italiano? ― Eu pergunto.

― Um pouco. ― Diz ele, inclinando-se como se fosse me beijar, mas ele


passa o nariz ao longo da minha mandíbula. ― Por quê? Você quer que eu
fale sujo com você?

― Eu, uh... ― Ele me deixou perturbada enquanto agarra meu quadril,


me puxando ainda mais para perto. Eu tremo, sentindo seu hálito quente
na minha pele. É como se ele estivesse me inspirando. ― Bem, eu não
queria, mas eu meio que quero agora.

Ele ri. ― Vamos lá para cima, e eu vou falar todas as palavras sujas que
você quiser.

Eu murmuro, inclinando a cabeça enquanto seus lábios traçam ao


longo da minha bochecha. ― Todos elas?

Sua respiração está contra o meu ouvido enquanto ele sussurra ―


Cada uma delas.

Ele não precisa dizer isso de novo.

2
Cuide da sua vida.
3
Gíria dos anos 50 ou 60. Significa ‘Puxa, coisas acontecem.’
4
Se tornar excessivamente chateado ou emocional com algo, especialmente aquilo que é
trivial ou sem importância.
Me afastando, agarro sua mão, agarrando com força enquanto o
arrasto pelas escadas. Assim que chegamos ao quarto, ele bate à porta,
tirando o paletó novamente e o jogando na cômoda.

Bate com um baque, alguma coisa no bolso.

Lanço um olhar curioso, mas o sacudo, distraída quando ele puxa uma
arma para fora da cintura para colocá-la de lado. Ele chega para mim,
puxando minhas roupas, mas eu tiro suas mãos. Em vez disso, pego sua
calça, desafivelando-a enquanto caio de joelhos na frente dele. Lorenzo fica
parado, sem se mexer.

Eu puxo seu pau para fora e o acaricio.

Ele já está duro.

Eu não hesito, trazendo meus lábios até a ponta, minha língua girando
em torno da cabeça antes de lentamente, eu o colocar na minha boca, seu
pau deslizando pela minha garganta.

― Foda-se. ― Ele rosna, agarrando a parte de trás da minha cabeça


enquanto eu o chupo. ― Isso é tão bom.

As mãos de Lorenzo agarram meus cabelos ainda úmidos, a cabeça


inclinada para trás e os olhos se fechando. Gemidos suaves escapam de sua
garganta, e ele fica assim por um momento, apenas curtindo, me deixando
fazer o que quero fazer sem dizer outra palavra.

São alguns minutos - três, talvez quatro, no máximo, antes que ele
puxe a mão do meu cabelo, estendendo a mão para cutucar meu queixo.

Eu olho para ele.

Ele está me observando agora.

Trancamos os olhos e eu continuo chupando enquanto ele passa as


pontas dos dedos pelo meu rosto, acariciando minha bochecha oca. Sua
expressão faz meu peito apertar, uma suavidade em seus olhos enquanto
ele coloca alguns fios rebeldes atrás da minha orelha. Sua respiração
acelera, o peito subindo e descendo mais rápido enquanto ele engole em
seco, os únicos sinais que diz que ele está chegando perto. Tão perto.
― Il mio piccolo dolce trombamica.5― Diz ele, sua voz baixa e áspera. Ele
segura meu queixo, polegar roçando o canto da minha boca, traçando meus
lábios enquanto eles deslizam ao longo do seu pau ― Vedere il mio cazzo tra
quelle belle labbra è una fantasia che mi ha perseguitato dal momento in cui ci
siamo incontrati.6

Eu não tenho ideia do que ele está dizendo, nem uma pista, mas o som
dessas palavras envia faíscas através de mim quando elas rolam
diretamente de sua língua. Eu o chupo mais rápido, sugando com mais
força, um sorriso em seus lábios quando seus olhos novamente se fecham.

Mais uma vez, ele inclina a cabeça para trás, a mandíbula ficando
frouxa, enquanto sua mão novamente se enrosca no meu cabelo.

Desta vez, ele agarra com mais força, mãos em punho.

Alguns segundos se passam antes que ele incline os quadris, meu


nariz pressionando seu estômago enquanto ele mantém minha cabeça
imóvel, fodendo minha garganta. Alguns golpes, enquanto eu engasgo,
antes de senti-lo derramando. Eu engulo, agarrando seus quadris para me
preparar, mas respirar está se tornando difícil.

Dou-lhe alguns segundos, prendendo a respiração, mas meu peito está


doendo e ele não está me deixando ir, então eu belisco sua parte interna da
coxa. Forte.

Ele se encolhe, se afastando. Eu caio de volta na minha bunda e inspiro


profundamente.

― Cristo, isso dói. ― Diz ele, esfregando o local que belisquei.

― Oh, pare de choramingar. ― Murmuro. ― Eu poderia morder


você... ou, você sabe, dar um soco nas suas bolas.

Ele olha para mim quando digo isso, me dando um olhar tipo 'eu
gostaria de ver você fodidamente tentar', tentando ser intimidador, mas é meio
difícil levá-lo a sério quando seu pau está apenas suspenso nas calças.

5
Minha doce e pequena amiga de foda.
6
Ver meu pau entre esses belos lábios é uma fantasia que me assombra desde o momento
em que nos conhecemos.
Eu sorrio. ― Você sabe, provavelmente ficaria muito mais assustador
se o seu lixo não estivesse pendurado na minha cara.

Antes que a última sílaba saia completamente da minha boca, ele se


aproxima de mim, agarrando seu pau. ― Continue falando merda, eu vou
te dar um tapa com isso.

Rindo, jogo minhas mãos para cima defensivamente, o afastando


enquanto ele o balança, empurrando-o direto no meu rosto, me dando um
tapa na testa.

― Oh meu Deus. ― Eu grito, ainda rindo, empurrando-o com tanta


força que ele cambaleia. ― O que há de errado com você?

Ele encolhe os ombros, afastando-se, fechando as calças. ― Você sugou


as células cerebrais do meu pau com essa boca Dyson7.

Virando, ele começa a se afastar de mim quando eu agarro sua perna.


― Whoa, onde você está indo?

― Indo tomar banho. ― Diz ele, tentando me afastar.

― Oh, inferno, não. ― Eu digo, o puxando de volta para mim. ― Eu


ainda não terminei com você.

Ele puxa a perna para fora, quase me chutando, então eu o solto. ― O


que você quer?

― Alguma reciprocidade seria legal, ― digo ― mas me contentarei em


saber o que você disse em italiano.

Ele faz uma pausa quando começa a se despir, tirando o traje, como a
reciprocidade pode não só acontecer, mas também pode ir ainda mais
longe. ― Eu disse que fantasiava sobre esses belos lábios em volta do meu
pau desde o momento em que te conheci.

― Sério?

Ele se agacha na minha frente, vestindo apenas suas calças pretas


desabotoadas. ― Sim, sério, minha doce e pequena trombamica.

― O que isso significa?

7
Aspirador de pó.
Um sorriso lento se espalha por seu rosto quando ele se inclina para
mais perto, me beijando suavemente, beijinhos rápidos nos meus lábios,
antes que ele se levante, dizendo ― Descubra, Scarlet.

― Descubra isso, Scarlet. ― Eu resmungo ironicamente quando ele


entra no banheiro e fecha a porta, me deixando ajoelhada. Revirando os
olhos, me levanto e vou direto para as escadas, onde Leo e Melody ainda
estão na sala de estar.

Leo olha para mim quando eu apareço. Ele tem perguntas, eu sei, mas
não estou com disposição para falar sobre essas coisas, então eu o
interrompo.

― Ei, Leo, você sabe o que é uma trombamica?

Os olhos dele se arregalam. ― Uh, sim...

― O que é?

― É uma... amiga.

― Uma amiga.

― Sim, ― diz ele ― uma com benefícios.

― Uma amiga com benefícios.

― Apenas um, uh, termo mais vulgar.

Meus olhos se estreitam.

Leo está prestes a dizer outra coisa, mas eu não dou a ele a chance de
falar e subo as escadas. Inacreditável. Eu ouço a água correndo no banheiro
e nem hesito, abrindo a porta e entrando desde que ele nunca tranca nada.

Agarrando a cortina do chuveiro, eu a abro, olhando para Lorenzo nu


e ensaboado. ― Uma amiga de foda? Realmente?

Ele fica embaixo do spray, a água caindo em cascata no peito nu. Isso
me distrai momentaneamente, diminuindo minha raiva, enquanto sigo a
trilha de água em seu corpo.

― Não demorou muito para descobrir, trombamica.

Eu faço uma careta, olhando para o rosto dele. Ele está sorrindo. Filho
presunçoso de uma... ugh. Antes que eu possa responder, ele me agarra,
me puxando para baixo do spray. Eu quase tropeço na borda da banheira
quando ele me puxa para ele, completamente vestida.

― Que diabos, Lorenzo? Você está me deixando molhada!

― Eu não deixo sempre? ― Ele pergunta rindo, pegando minhas


roupas ensopadas e as tirando, jogando no chão antes de fechar a cortina
do chuveiro novamente. Ele me empurra contra a parede de azulejos, e eu
suspiro quando ele agarra minhas coxas, me levantando. Envolvo minhas
pernas em volta de sua cintura, meus braços em volta de seu pescoço,
segurando. ― Acho que lhe devo alguma reciprocidade, hein?

― Você está certo. ― Eu digo. ― É melhor você fazer bem também.

Ele sorri, me beijando, sussurrando nos meus lábios: ― Eu farei o meu


melhor.
―――――――――――――――――――

― Sua filha da puta. ― Eu rosno, apertando os olhos, agachado sob a


lâmpada brilhante da biblioteca com meu olhar fixo no meu colo. ― Juro
por Deus, se você não entrar nesse buraco, vou perder a cabeça...

Com cuidado, aponto, alinhando pelo que parece a vigésima vez, mas
minha mão desliza além do meu alvo, mais uma vez, em vez disso, de
alguma forma, me fazendo furar o polegar.

― Porra! ― Afasto minha mão, observando como uma gota de sangue


vermelho brilhante borbulha na superfície. Enfio o polegar na boca e
levanto da cadeira, fazendo ela voar no meio da biblioteca. ― Filha da puta!

A palavra é confusa, já que estou chupando meu maldito polegar,


soando mais como um grito de puta do que qualquer coisa parecida com o
inglês. A frustração se acumula dentro de mim quando eu chuto a mesa,
atacando, fazendo ela deslizar pelo chão.

― Chefe?

A voz hesitante de Seven chama da porta na hora certa, porque eu


estava a três segundos de puxar minha arma e atirar em algo, o que
provavelmente teria me irritado mais. Malditos buracos de bala.

Eu me viro, de frente para ele. Ele parece o seu habitual eu, de rosto
fresco e bem acordado, apesar de estar por volta das cinco horas da manhã,
o sol ainda não brilhando. Ele provavelmente já tomou café da manhã.
Provavelmente transou com a esposa antes de sair de casa. Provavelmente
tem alguns lanches extras escondidos nos bolsos. Provavelmente fez isso
tudo enquanto eu estava sentada aqui como um maldito idiota, lutando
para enfiar essa linha estúpida na agulha.

― Tudo certo? ― Ele pergunta. ― O que aconteceu?


O que aconteceu?

Sua maldita pergunta favorita.

― O que aconteceu, ― digo, puxando o polegar dos meus lábios ― é


que não consigo pegar a linha A e colocá-la no buraco B corretamente
porque meu cérebro pensa que o mundo é fodidamente plano, então nada
parece 3D.

Ele olha para mim com cautela, como você considera um animal
selvagem, como se tivesse medo do que eu poderia estar me metendo nesta
manhã.

― Venha enfiar essa linha de merda na agulha, ― digo, jogando o kit


de costura em cima da mesa, pedaços dele se espalhando ― antes que eu
me fure novamente.

Seven se aproxima, avaliando as coisas, pegando a agulha descartada


e cortando um novo pedaço de linha preta, já que a que usei está com nó e
desgastada. Três segundos, exatamente assim, ele segura a agulha na frente
dele e desliza a linha através dela, prendendo as pontas antes de devolvê-
la.

Três segundos

Estou nisso há trinta minutos.

― Besteira. ― Eu murmuro enquanto a pego de volta. ― Obrigado.

― A qualquer hora, chefe. ― Diz ele. ― É tudo o que você precisa? Foi
por isso que você ligou?

― Você acha mesmo que eu faria você vir para o Queens apenas para
enfiar uma porra de linha na agulha para mim às cinco horas da manhã?

― Sim.

Eu lanço um olhar para ele.

Ele tem razão.

Eu gostaria.

Mas eu não fiz.


Balançando a cabeça, me abaixo, pegando o maldito urso de pelúcia
do chão onde o joguei mais cedo depois de tirá-lo das garras de Scarlet na
cama. Faço um sinal para que Seven se sente na minha cadeira, enquanto
deslizo para a mesa, sentando na beirada, embaixo da lâmpada.

Não sei por onde começar.

Com qualquer uma dessas merdas, realmente.

Ao criar um quebra-cabeça, você sempre começa com a borda, pois


essas peças são as mais fáceis de escolher e montar. A partir daí,
dependendo do quebra-cabeça, você se separa por cor ou usa a imagem
como referência, se houver algo único a ser identificado.
Independentemente disso, você começa com o que é mais óbvio primeiro,
dividindo em pedaços gerenciáveis. Dividir e conquistar.

Comece na fronteira e entre no caminho.

Empurro a agulha pela lateral do urso, para fechar um buraco no qual


algumas tripas fofas estão saindo.

Seven se senta, ainda assistindo. ― Você já costurou antes, chefe?

― Costurei os lábios de alguém antes, quando eles não calavam a boca.


― Digo. ― Por quê? Parece que não sei o que estou fazendo?

Estou perguntando isso genuinamente.

Estou tentando não estragar tudo.

― Sua técnica é um pouco... incomum.

― O que há de tão incomum nisso?

Estou empurrando e puxando de volta, girando e girando e girando


em círculos, forçando o buraco a fechar. Faz sentido, certo?

― Você está usando uma espécie de ponto de alinhavo duplo nublado


em vez de um ponto cego... ou talvez um ponto de escada tenha sido
melhor.

― O que você está querendo? ― Eu pergunto, franzindo a testa. ―


Pontos são pontos, não são?

― Bem... claro, eu acho.


― Você acha.

― Só que certos pontos funcionam melhor em diferentes


circunstâncias ― como, por exemplo...

Ele divaga, tagarelando sem parar, sobre pontos, tecidos e técnicas,


enquanto eu continuo empurrando a agulha através do urso, para frente e
para trás, até que o buraco não existe mais. Poof. Eu corto a linha e dou o
nó da melhor maneira possível, olhando para o Seven quando termino.

Nem mesmo brincando. Ele ainda está falando.

― Como diabos você sabe tudo isso? ― Eu pergunto, interrompendo-


o. ― Obtém seu amparo em economia doméstica? Passa o seu tempo livre
costurando casacos para os sem-teto?

Ele ri. ― A esposa é costureira.

― Não brinca? Pensei que ela não trabalhava mais desde que você foi
solto e começou a ganhar dinheiro novamente.

― Ela ainda trabalha um pouco aqui e ali. ― diz ele. ― Repara fantasias
para alguns shows quando eles precisam. Ela gosta, e bem, não vai recusar
dinheiro extra, sabe?

― Sim. ― Murmuro, examinando meu trabalho de costura antes de


passar para o próximo buraco, fazendo Seven passar a linha para mim.

Dinheiro extra é um conceito de besteira, quando se trata disso. Para a


maioria das pessoas, quanto mais elas ganham, mais gastam. Casas
maiores, carros mais sofisticados, marcas mais reconhecíveis. Não é que
eles chegam a um ponto em que pensam, sim, já tenho o suficiente, vou
repassar o resto. O que significa que não existe algo extra. Dinheiro é
dinheiro. É um mal necessário.

― Falando em dinheiro. ― Eu digo, costurando outro buraco. ― Eu me


encontrei com Jameson e alguns de seus caras em Midtown ontem.

― Por que você não me ligou? Eu poderia te levar.

― Não era necessário. ― Eu digo. ― Eu apenas mandei Jameson passar


e me pegar. Tirou as armas do armazenamento descarregando. Depositou
cerca de cem mil. O cara dele quer mais, no entanto, então eu terei outra
remessa montada nos próximos dias e a levarei à tona.

Seven solta um assobio baixo. ― Mais? São muitas armas para um


homem. O que ele está fazendo, iniciando uma guerra?

― Provavelmente. ― Eu digo. ― Mas não é meu problema. O que eles


fazem com tudo isso é da conta deles.

― E o resto das coisas?

― Tudo estará disponível no mercado nos próximos dias. ― Eu digo.


― Three pode lidar com isso, como de costume.

Olha, enquanto eu estou costurando esse buraco, deixe-me fazer um


resumo sobre como tudo isso funciona:

Eu ajudo a adquirir merda. Merda ilegal, principalmente, é dessa


maneira por causa de onde ela vem. Você vê, há muito tempo, quando eu
ainda estava nadando no saco maluco de Charlie Gambini, o governo disse
‘foda-se Cuba’ e proibiu tudo relacionado ao lugar. Sem importações. Sem
exportações. Não conseguiam nem pisar na ilha sem passar por um monte
de besteira. E as pessoas, você sabe, quando o governo lhes diz que não
podem ter algo, apenas as faz querer ainda mais.

Portanto, o mercado negro cresceu.

Depois que meu padrasto causou estragos e tomou conta dos bosques,
ele decidiu capitalizar essa demanda. A conveniência de ter propriedades
na Flórida significava que eles podem entrar e sair de Cuba sob o nariz de
todos. Depois que ele morreu e eu peguei tudo de volta, mantive o mercado
funcionando. A maior parte do produto ainda fica no Sul, e alguns caras
administram tudo enquanto acompanham os bosques, mas pedidos
especiais são feitos para mim aqui em cima.

Você quer, eu provavelmente consigo.

Se vou ou não depende do quanto você está disposto a pagar e se eu


gostei de você naquele dia.

Então, em resumo, subornamos um monte de filhos da puta para olhar


para o outro lado, enquanto contrabandeamos a boa merda de Cuba. Eu
lido com nossas conexões e manejo o dinheiro. Three distribui o inventário,
enquanto Seven garante que eu mantenha minha cabeça em linha reta
durante as coisas. Olho no prêmio. O resto dos caras, bem, eles fazem o
trabalho pesado, e vale muito a pena, então eles não reclamam.

Você está entediado agora? Sim?

Não posso dizer que te culpo.

Essa parte me chateia demais também. Eu não me incomodaria em


fazê-lo, exceto que confio nesse dinheiro para manter os bosques
funcionando, já que não há muito dinheiro a ser ganho em laranjas. Eu
dividiria essa realidade para você, mas isso poderia fazer você dormir.

Todos apanhados agora? Boa.

De volta à costura.

― Enfim, então eu perguntei sobre o russo, imaginando que um deles


entraria em contato com o cara, já que a maioria está disfarçada com a
multidão. ― Ah, sim, eu mencionei que a maioria do grupo seleto que
compra minhas coisas ilegais aqui em cima trabalha na aplicação da lei? Eu
tenho Seven para agradecer por essas conexões. ― Eles dizem que não
conseguem se aproximar dele. Eles tentaram. Ele mantém tudo perto do
peito, mas tem alguém entrando em contato com ele, pois ele está sempre
um passo à frente. Então, eu estou pensando, você sabe, eu tenho Jameson
no meu bolso porque ele trabalha com crime organizado, mas eles não
estão construindo um caso, são os locais, o que me diz que quem deveria
estar investigando os russos deve estar trabalhando com o cara.

― Faz sentido. ― Diz Seven. ― Provavelmente um detetive na área.

― Ding, ding, ding, temos um vencedor. ― Termino de costurar aquele


buraco, avaliando a perna do urso, a parte inferior bem fodida e um pedaço
queimado. ― Como eu vou consertar isso?

― Encobrindo. ― Sugere Seven.

― O que, costurar uma meia nele ou algo assim?

― Não, faça um remendo, ― diz ele ― como quando você faz um


buraco nas calças.

Olho para o meu jeans, coberto de buracos.


Eles foram feitos assim. Sem remendos.

― Às vezes você parece muito mais velho que eu, Seven.

Ele ri. ― Você é apenas jovem no coração.

― Essa é a sua maneira de dizer que eu sou imaturo?

― Só estou dizendo que você não parece ter pressa de crescer. ― Diz
ele. ― O que não há nada de errado. Mas eu? Eu me acomodei na minha
vida. Você ainda está encontrando a sua.

― Bem, eu aprecio a avaliação, mas isso não está ajudando a consertar


esse maldito urso.

― Por que você está consertando isso?

Cara... essa é uma boa pergunta. A única resposta que ele recebe é, ―
Quem sabe?

Ele ri. Novamente. ― Olha, encontre um tecido, corte ele para caber no
espaço, termine as bordas cruas e costure-o.

Jogo o urso em cima da mesa ao lado do kit de costura quando ele diz
isso. Parece muito trabalho com uma alta probabilidade de algo dar errado.
Também não dá fazer muito pelo resto do urso. Não posso substituir a
orelha. Não é possível colocá-lo na lavadora sem despedaçar. E certamente
não posso devolver o olho perdido, considerando que eu só tenho um.

Está apenas fodido.

― Ela tinha um arquivo sobre mim, você sabe. Scarlet.

Os olhos de Seven se arregalam.

― Ela roubou do escritório de um detetive. Gabriel Jones. Você o


conhece?

Seven faz uma careta. ― Infelizmente.

― Alguma chance de ele ser nosso Senador Palpatine?8

― Quem?

8
Personagem de Star Wars.
Suspirando, me levanto, tirando meus óculos e colocando sobre a
mesa. ― Só estou dando um passe pra você nisso por causa do prequel9,
mas se você me disser que nunca viu O Império Contra-Ataca10, estou lhe
dando um tiro na cara.

― Vi algumas vezes.

― Bom, agora vamos lá. ― Eu digo, puxando minhas chaves do bolso


e jogando-as para Seven. ― Vamos nos encontrar um pouco com nosso
pequeno detetive Sith11 está manhã.

― Não sei se é uma boa ideia, chefe.

Essas são as primeiras palavras que saem da boca de Seven quando


pisamos na delegacia perto de Coney Island. Eu meio que esperava, sendo
quem ele é. Ele está mais desconfortável aqui do que em um clube de strip-
tease, e isso está dizendo algo, já que o homem tem aversão a qualquer
mulher nua que não seja sua esposa. Alergia a boceta desconhecida.

― Você pode esperar no carro. ― Digo a ele. ― Não irei segurar isso
contra você.

― Eu estou bem. ― Diz ele. ― Apenas deixando claro que, quando as


coisas derem errado, você não pode me culpar.

― Oh, eu ainda posso te culpar. Você provavelmente vai, também.

Ele balança a cabeça, passando por mim, naturalmente assumindo a


liderança, já que ele está familiarizado com os procedimentos nesses locais.
Ele se aproxima de uma mulher de uniforme, sentada atrás de uma mesa,
pigarreando antes de dizer com firmeza, ― Estamos aqui para conversar
com o Detetive Gabriel Jones.

9
Prequel é uma obra que conta alguma história anterior em relação ao filme original.
10
Filme da saga Star Wars.
11
Os Sith são uma ordem de guerreiros seguidores do Lado Sombrio da Força que se
opõem aos Jedi no universo de Star Wars.
Ohhh, sua voz de policial - sem besteira, sem humor. Acho que se
estamos fazendo a coisa de policial bom/policial mau, isso me torna o bom.
A ironia...

A oficial o observa com cautela, como se ela pudesse ter uma ideia de
quem ele é. ― Nome?

― Bruno Pratt. ― Diz ele.

O reconhecimento brilha em seus olhos.

― Vou avisar ele que você está aqui. ― Diz ela, apontando para o
saguão. ― Sente-se, alguém vai...

― Não se preocupe com isso. ― Ele interrompe. ― Eu posso encontrar


o escritório dele, sem problemas.

Seven se afasta da mesa, indo imediatamente para um elevador


próximo. A oficial na mesa me olha por um momento, aquela expressão
familiar demais de pavor que a envolve enquanto desvia os olhos.

Minha reputação também deve me prevalecer aqui.

― Oficial. ― Eu digo, acenando em saudação enquanto passo pela


recepção, seguindo Seven.

O elevador se abre e entramos. Ele pressiona o botão número três.

― Terceiro andar, hein? ― Eu pergunto.

― Apenas um palpite. ― diz ele.

Um palpite de sorte, ao que parece, porque encontramos o escritório


do detetive na parte de trás contra a parede, persianas fechadas, seu nome
destacado na porta.

― Parece que não tem ninguém em casa. ― Eu digo.

― Oh, não, ele está aqui. ― diz Seven. ― Provavelmente deve desviar
o olhar, a menos que você queira dar uma olhada.

― Não brinca?

Seven me lança um olhar que diz exatamente isso: não brinca.


Não desvio o olhar, porque sou curioso. Além disso, eu já vi tudo isso
antes. Nada vai me chocar. Seven agarra a porta, abrindo-a, um grito agudo
ecoando por dentro enquanto interrompemos o que está acontecendo. Uh-
oh.

― Uoou amigo! ― Eu digo, soltando uma risada enquanto o detetive


luta para se recompor. Suas calças estão embaixo dos tornozelos, quase
tropeçando nela, sua bunda desajeitadamente peluda em exibição. ― Pode
querer raspar essa merda, Pé-grande.

Ele está xingando baixinho enquanto puxa as calças, a mulher de


joelhos o empurrando para se levantar. Loira, magra e doentia, o que eu
acho que é cortesia da cocaína, a julgar pelo olhar alto do caralho em seu
rosto. Ela foge do escritório, e eu faço uma careta quando ela passa
correndo por mim, sentindo um cheiro de algo desagradável.

― Cristo. ― Resmungo, entrando no escritório, sem esperar um


convite, pois provavelmente não estou recebendo um. ― Eu nem sei o que
dizer agora, detetive.

― Nada estava acontecendo. ― Diz ele enquanto mexe no cinto. ― Não


era o que parecia.

Eu caio em uma cadeira em frente à sua mesa, esticando as pernas, me


sentindo confortável. ― Eu espero que não, porque achei que você tinha
um gosto melhor do que isso. Quero dizer, não me interprete mal, eu fodi
minha parte justa de mulheres questionáveis, mas isso é como enfiar seu
pau em um compactador de lixo.

Ele olha para mim. ― Não tenho tempo para visitantes hoje. Estou
ocupado.

― Eu vi. ― Eu digo. ― Você está trabalhando em algo para aquela


garota? Uma chupadinha, uma bucetinha, e o que? Você vai dar uma
atenção extra ao caso dela?

― Parece ele. ― diz Seven, ainda à espreita na porta.

O detetive parece apenas notar agora a presença de Seven, um olhar


de desprezo passando pelo rosto do homem. ― Pratt.

― Jones.
― Vejo que sua escolha de amizades não melhorou.

― E eu vejo que você ainda tira proveito das pessoas.

― Sempre foi você, Pratt. Rápido em vender todo mundo por um


dólar.

― Eu? ― Seven entra mais no escritório, deixando a porta aberta, seu


rápido avanço fazendo o detetive recuar. ― Você quer falar sobre vender
pessoas?

Olho entre eles enquanto eles disparam punhais um para o outro. ―


Vocês dois estão... flertando? Porque isso está me excitando.

Ok, agora esses punhais estão sendo direcionados para mim.

― Sente-se, Seven. ― Eu digo, empurrando a cadeira ao meu lado em


direção a ele antes de apontar para o detetive. ― Você também, Detetive
FuckFace12. Plante sua bunda em uma cadeira. Vamos conversar.

Nenhum homem me ouve imediatamente, mas o bom senso de Seven


entra em ação depois de um momento. Ele se senta, sem dizer outra
palavra.

O detetive segue sua liderança, se sentando atrás de sua mesa, com os


olhos fixos em mim. ― Lorenzo Gambini, eu presumo? Ou você prefere ser
chamado...

― Senhor. ― Interrompi antes que ele pudesse dizer Scar. ― Você pode
me chamar de senhor, se isso lhe der arrepios. Caso contrário, vamos ficar
com Gambini.

Ele fica quieto por um momento, estufando, antes de perguntar ― O


que você quer? Hã? Você acha que pode aparecer aqui e me ameaçar?

― Ameaçar você? ― Eu olho para Seven. ― Eu o ameacei e já esqueci?

― Não ouvi uma ameaça. ― Diz Seven.

Olho de volta para o detetive. ― Acho que eu também não. Estou aqui
apenas para checar um caso.

12
É uma pessoa que ninguém gosta de ter por perto. É uma pessoa “babaca e muito
irritante”, só de olhar para a cara da pessoa já dá nojo.
― Marque um horário. ― Diz ele.

― Eu prefiro não fazer, ― digo ― então apenas vou sentar aqui e


esperar.

Acho que ele pensa que vou desistir e ir embora, ou que farei algo para
justificar que eu seja expulso do prédio, mas sou mais esperto do que isso
e sou teimoso. Ficarei aqui por uma semana em silêncio, se isso significa
que eu irei ganhar.

Mas não leva uma semana. Inferno, leva apenas alguns minutos.
Alguns minutos dele tentando ignorar minha presença antes que ele ceda.
Fraco.

― Bem! ― Ele joga as mãos para cima. ― Me diga o que você quer de
mim e depois vá embora.

― Kassian Aristov.

Ele apaga.

Completamente, fodidamente mais branco do que a cara de poker.

Há algo que as pessoas fazem quando a morte é iminente, esse olhar


que as invade. Às vezes, dura apenas um segundo. Toda a cor se esvai. Os
olhos se arregalam. O queixo fica frouxo. Eles quase parecem mortos, a
vida não existe, quando a percepção os atinge de que eles estão
completamente fodidos e não há como impedir que isso aconteça.

Esse é o olhar que ele tem no rosto agora.

Homem morto andando ...

― Não posso falar com você sobre um caso que não envolve você. ―
Diz ele, escolhendo suas palavras com cuidado.

― Oh, você tem um caso que me envolve? Porque eu adoraria ouvir


sobre isso.

Ele olha para mim, ainda branco como um fantasma.

― Bem, então, nesse caso, podemos nos concentrar em Aristov. ― Eu


digo. ― Na verdade, estou aqui em nome de outra pessoa, então não se
preocupe com sua mente pequena... você pode me contar sobre tudo isso.
― Você está aqui em nome de quem?

― Morgan Myers.

Lá ele vai apagar novamente. Em pânico.

― Bem? ― Eu estalo meu dedo para ele. ― Quanto mais cedo você
começar, mais cedo eu irei embora.

Ele limpa a garganta e desvia o olhar, mudando distraidamente as


coisas sobre a mesa. ― Myers não consegue mais falar por si mesma? Ela
tem que enviar você para me machucar?

― Jesus, porra. ― Eu olho para Seven. ― Eu me esqueci que o agredi


agora? O que está acontecendo aqui?

― Me venceu. ― Diz Seven, braços cruzados sobre o peito. ― Estou


surpreso que ele não tenha contado tudo pra você. Ele sempre foi bom em
entregar as pessoas.

Algo me atinge então, algo no tom cortante de Seven, e eu rio quando


volto para o detetive. Filho da puta. Acontece que eu posso estar lidando
com um traiçoeiro Lando.13 ― De jeito nenhum você? Me diga que você não
denunciou um colega.

― Ele não deveria estar trabalhando para os italianos. ― Diz o detetive.


― Ele traiu o distintivo.

― Pergunte a ele como ele soube. ― Seven diz. ― Pergunte a ele como
ele descobriu que eu estava na folha de pagamento deles.

― Oh, não preciso perguntar. ― Digo. ― Ele entregou você para salvar
a própria bunda.

Ninguém diz nada, o que realmente diz tudo.

― E você não retribuiu o favor? ― Eu pergunto ao Seven. ― Não o


derrubou com você?

Seven balança a cabeça.

13
Personagem de Star Wars.
― Ele teria, ― disse o detetive ― se pensasse por um momento que eles
acreditariam. Eles me chamaram de herói por essa prisão. De que outra
forma você acha que eu tenho esse escritório privado e confortável?

― Claro que não, é porque você é bom em ajudar as pessoas, não é? ―


Eu rio de novo, sentando na cadeira, me cansando bastante de lidar com
esse idiota. Não é de admirar que Scarlet desligava sempre que ele a tocava.
Eu quero quebrar todos os ossos em suas mãos por fazer o que ele fez, um
pedaço desprezível de merda. ― Morgan Myers... você vai me dizer o que
está acontecendo com o caso dela.

O detetive está quieto, como se estivesse pensando em como


responder antes de dizer, ― Não há um.

Acabei de ouvir isso certo? ― O que você acabou de dizer?

― Não há caso. ― Diz ele. ― Nós investigamos, não deu em nada. A


senhorita Myers foi aconselhada a lidar com isso sozinha, já que é uma
questão civil.

Não é muitas vezes que fico sem palavras, mas isso vem acontecendo
bastante ultimamente, e sempre parece ter algo a ver com Scarlet

Está soprando minha maldita mente.

― Uma questão civil. ― Eu digo. ― Qual parte? Porque eu só estou me


perguntando se assassinato ou sequestro é uma questão civil, legalmente
falando. Eu posso estar interessado em participar de um ou outro, se for
esse o caso.

― Olha, eu não sei o que ela disse, Gambini, mas não houve sequestro.
Aristov tem direito à filha. Morgan escondeu a garota dele por anos antes
disso, e ela também não foi acusada de sequestro. Então, como eu disse, é
uma questão civil. Se ela quer que façamos alguma coisa, ela precisa o
processar pela custódia e obter uma ordem arquivada nos tribunais, algo
que pode ser cumprido. E da última vez que verifiquei, a senhorita Myers
ainda estava muito viva, o que significa que não houve um assassinato.

― Tentativa de assassinato, então.

― Não há provas de que ele tentou matar ela. ― Diz ele. ― No máximo,
com apenas o testemunho dela em que confiar - se ela testemunhar, o que
ela não vai fazer - é aceito como um ataque simples. Ele paga uma multa,
a raiva assume o controle, e esse é o fim. Ela também pode pedir aos
tribunais uma ordem de restrição. Novamente, isso é algo que podemos
fazer.

Ele tem uma resposta para tudo, uma desculpa do por que eles não
estão fazendo nada para ajudá-la.

― É justo, ― digo ― mas me diga o seguinte: se ela deu à luz aos


dezesseis anos, com idade inferior a consentida, por que ele não foi cobrado
por isso? Tenho certeza de que esse é um crime horrível.

― Nunca houve qualquer queixa de estupro estatutário.

― Nem quando um homem com mais do dobro da idade dela assinou


a certidão de nascimento da criança?

Ele olha para mim em silêncio.

― Huh, então você ignorou esse pequeno fato ou ele nunca assinou a
certidão de nascimento, o que significa que ele é culpado de estupro
estatutário ou culpado de sequestrar sua filha. Qual é, detetive?

Ele ainda não diz nada.

Sabendo o que sei, aposto que é o sequestro. Algum pedaço de papel


de merda emitido pelo governo não significaria nada para Aristov. Ele não
precisa da validação.

Mas isso também significa que ele não tem direito legal sobre ela.

― Você gosta disso? ― Eu pergunto depois de um momento de silêncio


tenso. ― Isso faz você ficar duro, se curvando para os russos, deixando-os
te foderem?

Ele olha para mim.

― Está tudo bem, você pode admitir. ― Continuo. ― Todos nós temos
nossas esquisitices. Aposto que você ama quando eles veem você pelas
suas costas e o tratam como uma putinha.

― Foda-se. ― Ele rosna. ― Você não sabe de nada.

― Eu sei que você vendeu uma mãe de luto e sei que você deu a ela
um monte de besteira sobre como você iria ajudar. Eu sei que ela deixou
você enfiar nela, porque ela ama sua filha, pensando que você era um cara
legal que iria ajudá-la com isso. Mas você nunca planejou fazer nada por
ela, não é?

― Estou fazendo tudo o que posso por Morgan. ― Diz ele com os
dentes cerrados, as narinas dilatadas. Parece que ele quer me despedaçar.
Impressionante. ― Você acha que eu não gostaria de poder pegar a criança
de volta pra ela? Se fosse de alguma forma possível, eu teria feito, mas
minhas mãos estão atadas. Você simplesmente não atravessa Aristov.

― Cuidado, detetive. ― Eu digo. ― Você está parecendo um covarde


agora.

― Estou sendo realista. ― Diz ele, passando as mãos pelo rosto. ― Ao


contrário da Morgan, que parece pensar que ela pode ir contra ele e não
perder tudo. Quero dizer, Cristo... o que ela espera? Ela está viva. Ela
escapou com vida. Ela deveria ser grata por isso! A garota... a garota está
bem. Eu entendo que é uma merda, mas ela está com eles, e ela está... bem.

― E você acreditou nas palavras do russo?

― Claro que não. ― Ele resmunga. ― Eu não sou um idiota. Eu o fiz


provar. E a criança, você sabe... ela está bem. Ele a tem. Ela está bem.

Estou começando a questionar se ele acredita em suas próprias


palavras. Ele disse que ela estava bem tantas vezes que eu acho que ele
pode estar tentando se convencer disso.

― Entendo que você a viu?

Ele olha para mim, ficando branco de novo. Oh-oh.

― Onde ele a está escondendo?

― Eu não sei.

― O que você sabe?

― Nada.

Mentiroso filho da puta...

Me levanto, erguendo-me sobre a mesa. ― Você quer saber o que eu


sei, detetive?
― O que?

Agarrando a camisa dele, eu seguro o colarinho e puxo ele da cadeira.


Ele agarra a mesa quando bate nela, preparando-se enquanto eu o puxo
para mim. Eu o encaro diretamente em seus olhos, cara a cara, tão perto
que nossos narizes quase se tocam.

― Eu sei que se você colocar outro dedo em Morgan, vou cortar seu
pau e te foder com ele. ― Eu digo. ― E então, quando terminar, vou enfiá-
lo na garganta de sua mãe enquanto a fodo. Você me entendeu?

Piscando rapidamente, ele assente.

Eu o empurro de volta em sua cadeira, e ele quase cai fora dela,


alarmado. Cara, você nem sabe o quanto eu quero atirar na virilha dele
agora, basta lançar bala após bala nas bolas insignificantes do homem.

― Vejo você por aí, detetive FuckFace. ― Eu digo. ― Da próxima vez,


porém, você pode não gostar tanto de mim.

― Veja, isso foi uma ameaça. Seven diz se levantando. ― Eu ouvi dessa
vez.

Eu rio, saindo, partindo da delegacia sem me preocupar com mais


ninguém.

Saindo para a calçada em frente à delegacia, puxo a pequena lata do


bolso para pegar um baseado.

― Uh, chefe. ― Diz Seven, parando ao meu lado. ― Pode não ser o
melhor lugar para aceder isso.

Eu dou de ombros, acendo, inspiro profundamente e seguro a fumaça


por um momento antes de dizer ― O que eles vão fazer, me prender?

― Provavelmente.

Eu tomo outro golpe, acenando com a cabeça, antes de sair da entrada,


indo para onde o carro está estacionado. Eu sento no banco do passageiro,
fumando constantemente, deixando-o acalmar meus nervos e clarear
minha mente enquanto Seven dirige. As janelas estão fechadas, então ele
provavelmente está ficando um pouco alto, mas ele não reclama.
― Ele viu a garota, ― digo depois de um momento ― o que significa
que Aristov a mantem por aqui.

Eu posso sentir o olhar de Seven piscar em meu caminho enquanto ele


diz baixinho, ― A geladeira dele.

A geladeira dele.

Que porra é essa?

― Sério? Você acha que ele a está mantendo em sua geladeira? Jesus
Cristo, Seven, quem é ele, Jeffrey Dahmer?

― Não, eu não estou dizendo que ele... você sabe. Mas quando
estávamos na casa dele, quando fui à cozinha esperar... havia um papel na
geladeira. Um desenho, bonequinhos e uma casa. Você sabe, coisas que as
crianças desenham.

― E você não pensou em mencionar isso até agora?

― Não. ― Ele admite. ― Eu nem sabia que estávamos procurando por


uma criança. Você não me contou, então eu não percebi que era importante.

Estou pensando nisso quando voltamos para o Queens, nos


aproximando da minha casa, meu olhar constantemente observando os
retrovisores, me certificando de que ninguém está nos seguindo. Nunca se
pode ter tanta certeza. Está me incomodando, o que Seven acabou de dizer.
― Quantos bonequinhos?

Ele entra na minha garagem, me lançando um olhar curioso. ― O que?

― Quantas pessoas estavam no desenho?

― Uh... dois. Um cara e uma criança, parecia isso.

Merda.

Eu sento lá, mesmo depois que ele desliga o motor do carro, olhando
pelo para-brisa para minha casa. É depois do nascer do sol agora, o que
significa que Scarlet provavelmente está acordada, vagando por aí.

― O que você está pensando, chefe? ― Seven pergunta.

Acho que a vida continua sem Scarlet, o mundo ainda está girando e
isso vai machucá-la. Veja bem, isso é o luto... parece consumir tudo. Faz
parecer que o tempo para, porque para você, faz. A vida como você
conhece deixa de existir, mas para todos os outros, ela continua. E, às vezes,
você sabe, se parar por muito tempo, não há muita chance de você se
atualizar.

Porque no momento em que seu mundo se move novamente, todo


mundo já está longe demais.

― Pensando que eu poderia fazer algumas panquecas esta manhã. ―


Eu digo. ― Talvez um pouco de bacon também.

Seven me segue para dentro. No momento em que abro a porta da


frente, a música me cumprimenta, passando pela casa do andar de cima.
2pac. Eu caminho até lá, o barulho estridente do quarto do meu irmão, alto
apesar da porta estar fechada. Tenho certeza de que sei que outros ruídos
a música está abafando, por isso não o incomodo, ao invés disso, vou até o
meu quarto.

A porta está aberta e eu a empurro ainda mais, encostando no batente


da porta.

Um sorriso lentamente vira meus lábios.

Scarlet está arrumando minha cama, dançando enquanto ela joga


lençóis sobre ela, tentando fazer com que os cantos fiquem parados, mas
eles são uma cadela para permanecer. Uma camiseta muito grande,
calcinha de renda e um par de meias puxadas até os joelhos é tudo o que
ela está vestindo, com os cabelos por todos os lados. I Get Around14. Ela
tenta fazer rap com a música, apenas conhecendo metade das palavras,
fodendo o resto apenas fazendo merda.

Seus olhos se voltam para mim depois de um momento, e ela se


assusta, o canto para quando ela congela. Leva apenas alguns segundos
antes que o refrão entre em ação e ela encolhe os ombros, cantando
novamente enquanto ela finalmente coloca o lençol no lugar, passando
para o resto.

14
Música do Tupac
Não digo nada, apenas a observo. A música muda para Hit ‘Em Up.
Ela conhece menos ainda essa, vomitando parte de uma linha de vez em
quando, violenta e vulgar, tão deslocada com sua voz melosa que eu rio.

― Você está rindo de mim? ― Ela pergunta, cortando os olhos na


minha direção. ― Isso é sujo.

― É fofo, ― digo ― você está tentando parecer hardcore.

Ela faz uma careta quando se aproxima de mim, parando quando


estamos frente a frente, sem sequer hesitar enquanto seus braços me
envolvem, suas mãos se encontrando na nuca do meu pescoço, dedos
correndo pelo meu cabelo.

Ela me encara de cara séria, sua expressão muito fria quando diz ―
Vou cortar um filho da puta.

― Eu não duvido disso por um segundo. ― Digo a ela, me inclinando,


beijando-a. ― Minha pequena belladonna15, linda, mortal, tão tentadora para
continuar provando, mas tão malditamente tóxica a cada toque é apenas
demais.

Algo brilha em seus olhos, suas bochechas ficando rosadas, um rubor


tomando conta de sua pele quente.

― Isso é uma preliminar? ― Ela pergunta. ― Porque não estou


realmente de bom humor.

― Mentirosa. ― Eu rio, passando o nariz pela bochecha dela. Ela cheira


a baunilha quente e talvez até um pouco como eu. ― Você está esquecendo
o que acontece com as pessoas que mentem para mim?

Revirando os olhos, ela se afasta, caminhando de volta para terminar


de arrumar a cama. ― Como você sabe que estou mentindo?

― Parece que você pode desfrutar de uma boa foda. ― Eu digo. ― Além
disso, lençóis limpos... não há melhor momento do que agora para foder
pela cama toda.

15
Mulher Bonita.
Ela joga o edredom em cima dele, fazendo um trabalho meio merda
no resto, antes de cair no chão sobre suas mãos e joelhos, olhando embaixo
da cama.

Andando, estendo a mão, passando a mão sobre a curva de sua bunda


antes de deslizar mais para baixo, esfregando sua buceta através da
calcinha. ― Você está assumindo a posição?

Ela ri. ― Estou procurando por Buster.

― Ah, está lá embaixo na minha biblioteca.

Ela se levanta, me dando um olhar estranho enquanto passa por mim.

― Onde você vai? ― Eu pergunto, pegando o braço dela.

― Indo pegar Buster. ― Diz ela.

Eu a encaro enquanto ela se afasta, saindo da sala.

É fodidamente inacreditável.

Pau bloqueado por um ursinho de um olho.

Você está vendo a ironia aqui?

A música muda, Picture Me Rollin está tocando pela casa, mas nesses
três segundos que leva para a música voltar, eu ouço o som inconfundível
de gemidos.

Andando até o quarto do meu irmão, bato com o punho contra a porta,
forte o suficiente para tremer ela, antes de agarrar a maçaneta e empurrar
a porra da coisa aberta.

― Whoa, Pretty Boy! ― Inclino minha cabeça quando a porta bate na


parede. ― Eu não sabia que a Firecracker16 era tão flexível.

Gritos, em pânico, enquanto eles se mexem, jogando cobertores sobre


si mesmos, Firecracker se cobrindo inteiramente enquanto ela empurra Leo
para fora dela. Na verdade, não vi nada, mas se estou tendo o pau
bloqueado, meu irmão terá também.

Sim, tanto faz... ninguém nunca disse que eu era maduro.

16
Fogo de artifício ou Foguete.
― Jesus, mano! ― ele brada. ― Você se importa?

― Mantenha a porra dos barulhos baixo. ― Digo a ele. ― Algumas


pessoas estão ocupadas sem foder e não querem ouvir essa merda.

Eu me afasto quando ele grita algo comigo, algo que tem a ver comigo
sendo um idiota, como se eu já não soubesse desse pequeno fato sobre
mim. Desço as escadas, indo para a biblioteca, quase batendo em Scarlet.

Ela joga o urso em mim, empurrando-o bem na minha cara. ― Que


diabos, Lorenzo?

Afasto a mão dela. ― O que?

― Quem fez isto?

― Quem fez o que?

― Isso... costurou.

Olho para o urso na penumbra da manhã, para as grossas linhas de


fios pretos entrelaçados, antes do meu olhar se voltar para Scarlet, que
aperta a coisa com tanta força que parece que ela pode abrir os buracos.

Lágrimas nadam em seus olhos.

Minha pele começa a se arrepiar.

Eu deveria saber melhor.

É por isso que eu não faço merda assim. Por que não tento ajudar as
pessoas. Por que eu não me preocupo. Eu acho que é importante para ela,
vamos fazer algo a respeito, porque talvez eu nem sempre seja um idiota,
talvez eu possa ser um cara legal às vezes, mas eu deveria saber melhor do
que pensar em qualquer coisa que meu lado legal faça poderia ser bom o
suficiente para outra pessoa.

― Então, o que, eu não posso costurar nada. ― Eu digo, passando por


ela para a biblioteca.

Ela vira na porta, olhando para mim. ― Você costurou? Você fez isso?

― Sim, e daí?
Sento na minha cadeira, olhando para ela enquanto ela pisca
rapidamente, como se de repente ela não entendesse inglês, me encarando
como se eu fosse um estranho, como se ela não soubesse quem eu sou.

― Olha, fique chateada o quanto quiser, Scarlet. Vá chorar em outro


canto do caralho, se é isso que você quer fazer, mas se você começar comigo
porque eu estraguei tudo ainda mais, sou capaz de perder o controle e te
dar um motivo para chorar, então vá fazer essa merda em outro lugar.

― Sério? ― Ela fica boquiaberta para mim. ― Você está fodendo


comigo, Lorenzo?

Fechando os olhos, passo as mãos pelo rosto, murmurando ― Eu


queria estar...

A porta bate e eu olho para cima, tenso. Ela ainda está de pé na sala,
ainda me encarando.

Ela vem em minha direção, segurando o urso. ― Eu mudei de ideia.

― Sobre o que?

― Estou de bom humor agora.

― O que?

Ela sobe direto no meu colo, forçando seu caminho na cadeira, jogando
o urso em cima do meu quebra-cabeça sobre a mesa enquanto ela me
monta. Sem hesitar, a mulher revira os quadris, moendo contra mim,
enquanto passa os dedos pelos meus cabelos grossos.

Eu preciso de um corte de cabelo. Desesperadamente.

Está caindo na minha cara.

Segurando firme as mechas, puxando até o ponto de dor, Scarlet puxa


minha cabeça para que eu olhe para ela.

― Como você pode ser tão fodidamente denso? ― Ela pergunta. ―


Você acha que estou brava agora? Sério?

Ainda há lágrimas nos olhos dela. ― Parece que você quer chorar.

― Porque é a coisa mais legal que alguém já fez por mim, Lorenzo.
Você está tentando consertar as coisas.
Eu agarro suas bochechas, emoldurando seu rosto com as mãos, e a
encaro diretamente nos olhos, muito sério, quando digo ― Se você vai
começar a chorar, eu preciso que você não faça isso enquanto está sentada
meu colo.

Ela solta uma risada leve, agarrando meus pulsos, puxando minhas
mãos para longe de seu rosto, forçando meus braços ao redor dela.

― Eu não vou chorar. ― diz ela, se mexendo entre nós, desabotoando


minha calça. ― Em vez disso, vou mostrar minha gratidão.

― Você não precisa dar a buceta para mostrar gratidão. ― Digo a ela.
― Um simples "obrigado" será suficiente.

― Eu sei. ― Ela sussurra. ― Obrigado. Mas eu quero dar a buceta para


mostrar que sou grata, porque do jeito que me sinto quando você está
dentro de mim? Não há mais nada assim. Você me faz sentir viva.

Essas palavras me torcem, e eu quero dizer algo sobre isso... sobre


como eu preciso que ela não coloque tanto em mim e fique tão
sentimental... mas meu pau bate na minha voz em termos de liberdade, e
no segundo em que ela começa a me acariciar, tudo o que consigo pensar
é 'foda-se... foda-se... foda-se isso'.

Como eu vou recusar sua buceta...

Ela desliza a renda para o lado para afundar em mim, montando em


mim, sem hesitação. Foda-se, parece o céu. Quente e molhado, e tão
malditamente apertado em volta do meu pau. Eu sempre pensei que seria
tedioso, foder a mesma mulher repetidamente, mas nada sobre Scarlet é
sempre entediante.

Trinta segundos. É o tempo que passou antes que alguém abra a porta
da biblioteca sem bater. Filho da puta. Eu puxaria minha arma por
princípio, como sempre, mas Scarlet está sentada nela, então eu tenho que
tirar ela primeiro.

Isso está fora de questão.

Olho por cima, vendo meu irmão na porta, bem a tempo do choque
passar pelo rosto dele enquanto ele levanta as mãos. ― Sério? Como você
se sente sendo interrompido? Hã?
― Não me incomoda. ― Digo a ele, mas ele sabe disso. Meu olhar se
volta para Scarlet, que ainda está olhando para mim. ― Isso te incomoda?

Ela zomba, sem parar o que está fazendo. ― Perdi as contas de quantas
vezes fui assistida.

A porta bate novamente cerca de dez segundos depois, quando meu


irmão grita ― Vocês dois estão loucos!

― Acho que ele não queria assistir, afinal. ― Diz Scarlet.

Eu a deixei ficar no controle, deixando-a fazer o que ela quer fazer.


Alcançando entre nós, eu esfrego seu clitóris, até ela chegar antes de eu
finalmente gozar. Fechando os olhos, grunhindo, eu afundo dentro dela.
Porra, é bom, nada entre nós.

Ela para de se mover depois de um momento, sua testa descansando


contra a minha enquanto respira profundamente.

― De nada. ― Digo depois de um pouco de silêncio.

Ela ri, saindo do meu colo.

Me afasto, fechando as calças antes de me levantar da cadeira.

― Então, você está com fome? ― Eu pergunto enquanto ela olha para
o urso. ― Eu vou fazer panquecas.

― Uh... claro.

Eu saio, deixando ela se recompor e vou para a cozinha para encontrar


Seven sentado à mesa, lendo o jornal de hoje.

Olha, vou ser sincero com você - esqueci que o cara estava aqui. Ele é
bom em ser invisível. ― Sua esposa cozinhou para você hoje de manhã,
Seven?

Ele olha para mim. ― Claro.

Claro.

Eu arrumo as coisas para cozinhar, e sim, antes que você pergunte, eu


realmente lavei minhas mãos. Não há sucos de buceta nas panquecas.
Estou mexendo a massa, jogando algumas malditas lascas de chocolate
para o inferno disso, quando Seven fala novamente.
― Ele guardou alguma coisa, você sabe. ― Diz ele em voz baixa, ainda
folheando o jornal.

― Quem?

― Jones. ― Diz ele. ― Ele tem algo sobre Aristov, algo incriminador,
por precaução.

Quase pergunto como ele sabe disso, mas é uma pergunta estúpida e
tento nunca fazer essas perguntas eu mesmo.

Estive lá, fiz isso.

― Um arquivo, talvez fotos, talvez uma gravação... alguma coisa. E ele


o manterá em algum lugar onde Aristov não consiga chegar. No trabalho,
provavelmente... se escondendo à vista de todos. Dessa forma, se alguma
coisa acontecesse com ele, a polícia encontraria. Algo que poderia derrubar
Aristov, para que Jones desse a última risada. Pode ser benéfico colocar as
mãos no que quer que seja.

Um movimento na porta chama minha atenção. Olho por cima do


ombro, vendo Scarlet à espreita, ouvindo nossa conversa. Bruxinha
intrometida. Seven olha para ela, desviando os olhos rapidamente quando
a vê parada apenas de camiseta e roupa íntima.

Ela nem está nua e a alergia dele está agindo.

― Eu vi o arquivo que Gabe tem sobre Kassian. ― Diz ela. ― Estava na


mesa dele com todos os outros. Eu olhei através dele, mas não havia nada
que valesse a pena.

― Ele manterá os bens reais em outro lugar. ― Diz Seven. ― Uma


gaveta da mesa, uma caixa trancada... ele tinha algumas fotos guardadas
no armário em um pen drive da última vez.

Scarlet franze a sobrancelha. ― Última vez?

― Ah, Seven aqui e o detetive FuckFace são velhos amigos. ― Explico.


― Fizemos uma visita a ele hoje de manhã e descobrimos que ele está
pegando no rabo do seu russo.

― Espere o que? Ele está trabalhando para Kassian?


― Parece que sim. ― Eu digo. ― Ele me deu um discurso de besteira
sobre nenhuma prova de um crime, blá blá blá, seja grata por ela estar viva,
blá blá blá, mas ei, tudo é bom porque a criança, ela está bem, então seja o
que for. Eu queria atirar na porra da cara dele, mas então eu teria que culpar
o Seven, então eu mantive a calma por causa dele.

― Eu aprecio isso, chefe. ― Diz Seven. ― Tenho certeza que você terá
muitas chances depois para atirar nele.

Começo a fazer panquecas, espalhando a massa, enquanto Scarlet se


afasta, desaparecendo.

― Eu não acho que ela aceitou bem. ― diz Seven depois que ela se foi.
― Talvez você deva ir falar com ela.

― E dizer o que?

― Diga a ela que tudo ficará bem, que as coisas vão dar certo. Talvez
isso a faça se sentir melhor.

― A única coisa que a fará se sentir melhor, Seven, é ter o problema


resolvido, e é isso que eu vou fazer.

― E então o que?

Viro uma panqueca antes de me virar para ele. ― E então ela consegue
a vida de merda de conto de fadas que quer com a filha.

― E você?

Eu rio secamente. ― E eu posso finalmente terminar meu maldito


quebra-cabeça.
―――――――――――――

Mais meses.

Mais semanas.

Mais dias.

Tantas horas.

A garotinha não sabia contar tão alto, mesmo que o Leão Covarde
ainda tentasse fazer ela aprender o tempo todo. Ela não falou muito,
fazendo o que lhe foi dito, comendo seu mingau e usando suas palavras.
Ela não chorou mais, como se tivesse esgotado todas as lágrimas, e
enfrentava o Homem de Lata sempre que ele estava por perto, porque não
queria que ele a assustasse.

Enfrente seus medos e limpe suas lágrimas.

Ela se lembrou dessas palavras, mesmo que não as ouvisse mais em


sua mente. Ela não conseguia ouvir a voz da mãe, por mais que tentasse.

O dinheiro se espalhou ao longo do balcão quando o Leão Covarde


esvaziou o bolso, jogando tudo na frente da menina. Ela pegou uma moeda
de prata antes de rolar, a empurrando de volta para a pilha.

― Bem? ― Ele se sentou em frente a ela. ― Quanto é isso?

O jogo de dados ficou fácil demais para ela, afirmou ele, então agora
ela somava seu dinheiro todos os dias. Na maioria dos dias eram dólares e
moedas, mas alguns dias eram papéis mais coloridos. Dinheiro engraçado,
ela chamou.

Este dia foi uma mistura.

Seria difícil.
Ela começou a separá-lo em pilhas, as coisas que sabia e depois tudo o
mais. Ela pegou uma das notas - uma vermelha - e seus olhos se
arregalaram com o grande número. ― Uau! Quanto é isso?

― Cinco mil. ― Disse ele.

― Cinco mil dólares?

― Não, é mais como oitenta dólares.

― Mas por que disse o cinco e os zeros?

― Rublos17.

― O que?

― São rublos.

― Como rubis?

Ele riu disso enquanto passos seguiam para a cozinha onde estavam
sentados. O homem de Lata. Ele estava carregando alguma coisa, mas a
garotinha não olhou, cuidando de seus próprios negócios, para que ela não
o provocasse.

― Pindos18. ― disse o Leão Covarde, apontando para ela. ― Eu juro,


Vor, ela é tão americana, assim como sua mãe.

O Homem de Lata não respondeu a isso quando se enfiou no balcão


ao lado dele, em frente à menininha, colocando algo ao lado do dinheiro
que estava contando. Curiosa, ela espiou, os olhos arregalados quando ele
rasgou a tampa de um recipiente de plástico que continha o que parecia
muito com um bolo. ― O que é isso?

― Com o que se parece?

― Bolo. ― Disse ela.

― Medovik19. ― Disse o Homem de Lata. ― Bolo de mel.

― Para que é isso?

17
Moeda Russa.
18
Um termo popular russo levemente pejorativo para cidadãos dos EUA, muitas vezes
imaginado como um patriota americano estereotipado e gordo.
19
Bolo russo de Mel.
― Seu aniversário.

A garotinha o observou com surpresa enquanto ele pegava algumas


velas, colocando-as através da camada superior do bolo marrom claro. Não
pareciam os bolos de aniversário que ela viu antes, mas ainda era bolo, e
era isso que importava. ― Meu aniversário?

― Hoje é seu aniversário.

A testa dela franziu. Como poderia ser? Ela pensou que seu
aniversário foi antes do Natal. Já era quase mais um ano de novo? ― Como
você sabe?

― Porque eu estava lá quando aconteceu. ― Disse ele com uma risada.


― Como é que você não sabe?

Ela encolheu os ombros. ― Não sei que dia é hoje.

Ele acendeu as velas. ― Faça seu pedido.

― Você vai cantar?

― Não.

― Eu cantarei. ― O Leão Covarde entrou na conversa antes de começar


uma música atrevida, alta e vulgar.

― Essa não é a música certa. ― Disse ela, estendendo a mão pelo balcão
e passando a mão na boca dele, tentando detê-lo. ― Não cante isso!

Ele riu, afastando a mão dela, ainda cantando.

― Chega. ― Disse o Homem de Lata, o silenciando com essa simples


palavra. ― Apague as velas, gatinha.

Ela olhou para as velas tremeluzentes, suspirando. Eu quero ir para casa,


com Mamãe e Buster. Era a única coisa que ela queria.

Ela soprou com força, apagando todas elas com uma respiração. O
Homem de Lata retirou as velas, jogando-as no lixo antes de ir embora.

Assim que ele se foi, o Leão Covarde pegou um par de garfos, jogando
um para ela enquanto puxava o bolo para mais perto. Ele pegou um pedaço
do recipiente, enfiando na boca. ― Bem, o que você está esperando? Coma!
A garotinha se levantou novamente no balcão e deu uma mordida no
bolo. Não era tão doce e realmente não tinha cobertura, mas tinha um sabor
muito melhor do que tudo o que ele a fazia comer.

Ela ficou sentada ali, com o Leão Covarde, rasgando o bolo, comendo
tudo, não deixando nada para mais ninguém.

― Você acha que papai queria um pouco? ― Ela perguntou, migalhas


cobrindo-a.

― Não. ― Ele respondeu. ― Ele não gosta de coisas doces... nem


mesmo as mulheres dele, especialmente sua mãe.

Ele riu de sua própria piada, mas ela apenas fez uma careta para ele
enquanto jogava o garfo no balcão. Às vezes ele podia ser legal, mas outras
vezes ele dizia coisas ruins que a menininha não gostava.

― Ah, não me olhe dessa maneira. ― Disse ele, colocando a mão no


rosto dela e a empurrando de brincadeira. ― Eu só falei a verdade.

― Por que você está aqui? ― Ela perguntou, arrancando a mão dele. ―
Você está sempre está aqui.

― Por que você está aqui?

― Porque ele é meu pai. Ele me faz estar aqui.

― Sim, bem, ele é meu irmão. ― Disse ele. ― E ele meio que me faz
também.

O Leão Covarde começou a recolher suas coisas enquanto ela ofegava.


― Isso significa que você é minha família?

― Receio que sim. ― Disse ele, enfiando o dinheiro no bolso antes de


entregar a nota vermelha de 5000 a ela. ― Feliz aniversário, doce Sasha...
embora, apenas entre nós, seu aniversário tenha sido meses atrás. Eu
apenas disse a ele que era hoje para que você pudesse fazer outro pedido.

Ele saiu, deixando ela lá, segurando o dinheiro e completamente


confusa, coberta de bolo.
―――――――――――――――――――

Sasha gostaria de lascas de chocolate em suas panquecas.

É isso que estou pensando, sentada na mesa da cozinha ao lado de


Lorenzo, mastigando lentamente uma pequena mordida. Eu nunca fiz
panquecas do zero. Inferno, nunca fiz nada do zero. Eu gostaria de ter pelo
menos tentado antes, no entanto.

Sasha as comeria todas as manhãs, se pudesse, e eu sei, sem dúvida,


que ela adoraria as panquecas de Lorenzo.

Eu me pergunto se Kassian as fez para ela.

Eu me pergunto o que Kassian está fazendo com ela.

Eu me pergunto se Kassian está alimentando ela.

O dia todo, todos os dias, está no fundo da minha mente.

Ela está comendo?

Ela está dormindo?

Ela está respirando?

Nós vamos fazer isso?

Eu a verei novamente?

Será que ela ainda se lembra de mim?


Eu me perco na minha cabeça, me afogando nesses pensamentos,
forçando mordidas, tão consumidas por essas perguntas torturantes sem
resposta que quase não ouço as palavras ditas do outro lado da mesa.

― Estou indo embora.

Piscando algumas vezes, saindo do meu estupor, olho para Leo e me


pergunto se estou imaginando coisas, porque whoa...

Leo olha para o prato, para o café da manhã intocado. Ele parece
nervoso.

― O que você acabou de dizer? ― Lorenzo pergunta, seu tom cortante.

― Estou indo embora. ― Diz Leo novamente.

― O diabo que você vai. ― Diz Lorenzo, deixando cair o garfo com um
estrondo. ― Você não vai a lugar nenhum.

― Eu vou. ― Diz Leo. ― Mel e eu, vamos conseguir um lugar juntos.


Nosso próprio lugar. Estamos conversando sobre isso há um tempo e, bem,
acho que está na hora.

― Você acha que está hora, não é?

― Sim.

― E como você vai fazer isso, hein? Como você vai pagar por isso?

― Eu tenho meu emprego. Diz Leo. ― Posso pegar turnos extras, se


precisar, mas tenho dinheiro economizado. E Mel, ela está prestes a se
formar, então, em breve, conseguirá um emprego, o que significa que não
há razão para que não possamos...

Antes que Leo possa terminar, Lorenzo bate as mãos contra a mesa, o
estrondo ecoando pela cozinha, sacudindo pratos e derrubando bebidas. ―
Existem várias razões pelas quais você não pode sair. Você precisa que eu
as nomeie para você, Leonardo?

Um silêncio tenso e doloroso invade a sala. Ninguém se mexe.


Ninguém fala. Inferno, eu não sei se alguém está respirando. Lorenzo olha
do outro lado da mesa para seu irmãozinho... um irmão cujo nome ele
acabou de usar. Eu nunca o ouvi fazer isso antes. O som é absolutamente
arrepiante.
Eu tremo.

― Eu devo ir. ― Sussurra Melody, esfregando o braço de Leo enquanto


ela se levanta da cadeira ao lado dele. ― Eu vou deixar vocês falarem.

― Todos nós provavelmente devemos fazer isso. ― Diz Seven, de onde


ele espreita do outro lado da cozinha. ― Morgan?

Olho para ele quando ele diz meu nome, observando enquanto ele sai
da cozinha, percebendo que ele está me dizendo para levantar minha
bunda e sair também. Meu olhar pisca pela cozinha, aterrissando em
Lorenzo, que parece estar a alguns segundos de virar a mesa. Merda.

Me levanto sem dizer uma palavra e saio da cozinha, mal chegando ao


corredor quando o caos irrompe. Eu vou em direção à biblioteca, onde
Seven fica na porta, parecendo preocupado enquanto ele olha de volta para
a cozinha.

― Quais são as probabilidades que isso termine bem? ― Eu pergunto.

― Depende.

― Do que?

― Para quem você quer que acabe bem.

Penso nisso por um momento, enquanto a voz furiosa de Lorenzo ecoa


da cozinha, seguida por Leo gritando de volta.

― Quais são as chances de terminar bem para alguém?

― Não é muito bom. ― Seven admite, virando-se para mim. ― Eu


deveria ir para casa. Tome cuidado, Morgan.

Ele se afasta, indo para a porta da frente, enquanto entro na biblioteca.


Buster deitado sobre a mesa, cercado por uma dispersão de agulhas e
linhas. Ele comprou um kit de costura. Inacreditável. Balançando a cabeça,
pego o urso, passando os dedos pelos pontos ásperos do lado e no peito.

Agarrando uma agulha, a enfio cuidadosamente, enfiando no que


resta da orelha danificada de Buster antes de fazer o meu melhor para
costurá-la fechada, para que não se solte mais. Estou tentando ignorar as
brigas na cozinha, mas nenhum dos dois está se segurando.

Mesmo os lares mais felizes nem sempre são felizes.


Quanto mais irritados eles ficam, mais desconfortável eu fico, então,
depois de um tempo, pego o resto do kit de costura e levo o urso para o
andar de cima. A porta do quarto de Leo está aberta, Melody sentada no
final da cama, ouvindo os sons do andar de baixo.

Olha, eu sei que não sou mais velha que ela, mas já passei tanto que
parece que tenho algumas vidas sob o meu cinto. Quando olho para
Melody, vejo muito uma criança que passou a vida protegida do mundo e,
no momento, ela parece assustada.

Isso agita a mãe em mim, a mulher que ensinou sua filhinha a


enfrentar seus medos. Monstros são reais, mas eles só têm poder se você
ficar com medo.

― Vai ficar tudo bem, você sabe. ― Eu digo, parando na frente do


quarto, capturando a atenção de Melody.

Ela suspira. ― Acredito que sim.

― Vai. ― Eu digo. ― Não importa o que.

― Leo sabia que ele não aceitaria bem. ― Diz ela. ― É por isso que ele
não falou sobre isso até agora, mas eu o empurrei para isso... sinto que a
culpa é minha.

― Não é sua culpa. ― Digo a ela. ― Leo tem permissão para ter sua
própria vida, então não se sinta culpada. Lorenzo é apenas...

― Insano. ― Melody murmura.

Eu rio. ― Bem, sim, mas principalmente ele está apenas preocupado.


Ele vai se acalmar.

― Você tem certeza disso?

― Tenho certeza. ― Eu digo. ― Ele pode não gostar, mas vai lidar com
isso.

Ela sorri quando digo isso, mas não dura muito tempo, quando um
ruído alto ecoa pela casa, o som de algo batendo, coisas barulhentas.

Sim, ele virou a mesa.

Adeus, panquecas.
Melody parece preocupada novamente, mas eu rio levemente, me
afastando. ― É claro que ele tem que fazer sua pequena birra primeiro, mas
tudo dará certo no final.

Vou para o quarto de Lorenzo, entrando no banheiro dele, procurando


nas gavetas e armários um kit de primeiros socorros. Ele pelo menos
deveria ter um desses, certo? Ele pode não se dar pontos, mas deve ter
ataduras. Consigo desenterrar um rolo de gaze e levá-lo para o quarto,
sentando na cama para terminar de arrumar o urso. Envolvo a gaze em
torno de sua perna queimada, cobrindo ela como um molde improvisado,
e costuro uma linha de fio ao longo da borda para prendê-la ao urso.

Eu ouço passos nas escadas, eventualmente, antes da porta do quarto


de Leo bater, seguida momentos depois por outro conjunto de passos. Eu
ouço enquanto eles hesitam no topo da escada, como se ele estivesse
decidindo para onde ir ou o que fazer, largar ou manter a luta por aqui.

― Não faça isso. ― Murmuro baixinho. ― Apenas deixe ir.

Lorenzo fica lá por um minuto inteiro, debatendo, antes de exalar alto,


quase um rosnado frustrado, e faz o seu caminho para o quarto onde eu
estou. Ele parece casual, tranquilo, mas posso dizer que é tudo um ato.

Meu coração dispara, a pele formigando quando seu olhar encontra o


meu. Ele oscilando na beira. Eu sei como é me desconectar da realidade,
me desligar para não sentir as coisas. Tenho pena de quem atravessar esse
homem se ele realmente deixar que a frieza o consuma. Ele está agarrado
a um bote salva-vidas agora. No momento em que ele dizer ‘foda-se’ e
soltar, todo mundo vai se afogar nas ondas que ele cria porque não está
caindo sozinho.

Isso deveria me assustar? Provavelmente.

Faz isso? Não.

― Eu sei como você está se sentindo. ― Digo baixinho.

― Eu estou bem. ― Diz ele, parecendo bem, mas eu sei que ele não
está. Ele está tão longe de estar bem que não há nenhuma palavra sobre
como esse homem está.

― Eu tenho uma filha.


― Estou ciente.

― Então, eu sei como você está se sentindo. ― Digo novamente. ― Você


deseja envolvê-los em plástico bolha e protegê-los do mundo, mas você é
apenas humano. Só podemos fazer o máximo por eles.

― Sua filha tem o que, quatro?

― Cinco. ― Eu digo. ― Ela fez cinco anos depois que ele a levou.

― Cinco. ― Ele repete, entrando no quarto ― O Pretty Boy tem vinte e


poucos anos. Além disso, ele não é meu filho.

― Verdade. ― Eu digo. ― Mas não muda como eu sei que você está se
sentindo. Você o criou. Você quer impedir ele de fazer escolhas erradas.

― Quero que ele não seja tão fodidamente idiota. ― Diz Lorenzo,
sentando-se ao meu lado.

― Ele está esperançoso, ― digo ― e ele está apaixonado.

― Ele é fodidamente idiota. ― Diz Lorenzo, deitado na cama, cobrindo


o rosto com o antebraço.

― É doce. ― Digo a ele. ― Só porque você não quer tudo isso não
significa que não vale a pena. E sério, vamos ser reais... você esperava que
ele morasse com você para sempre? Ele cresceu, e você e ele... vocês são
pessoas diferentes. Ele quer abraçar e assistir filmes românticos com a
namorada. Você quer atirar em coisas e roubar sofás molestados por
strippers. Isso foi meio inevitável.

O braço dele se move. Eu posso sentir seu olhar.

Eu não olho para ele, apenas obtendo um vislumbre pelo canto dos
meus olhos. Se o que eu disse o irritou, ele não diz uma palavra sobre isso,
apenas me olha em silêncio enquanto mexo no urso.

Depois de um momento, ele estende a mão em minha direção, sua mão


nas minhas costas, esfregando-a suavemente, enviando faíscas pela minha
espinha. Eu me viro, pega de surpresa pelo toque carinhoso, e finalmente
olho para ele.
― Você está tentando foder agora? ― Eu pergunto. ― Porque nós
acabamos de fazer sexo, tipo, uma hora atrás, antes de você estragar o café
da manhã.

Ele ri, sentando, sua mão deixando minhas costas para, em vez disso,
bagunçar meu cabelo. Que diabos? Ele se levanta da cama, caminhando em
direção ao banheiro.

― Eu preciso tomar banho. ― Diz ele. ― Eu cheiro a buceta.

― Você vai fazer isso. Eu vou... fazer alguma coisa, eu não sei.

― Faz o que você quiser, Scarlet. ― Diz ele, que está rapidamente se
tornando sua frase favorita - mesmo que ele tenha se arrependido
totalmente da última vez que disse isso. ― Apenas me faça um pequeno
favor e se mantenha longe de problemas, porque não estou com vontade
de brincar de Cavaleiro Branco agora.

Kassian costumava me dizer que eu era burra.

Tão bonita, mas tão estúpida. É por isso que não se pode confiar em você para
tomar decisões, suka.

Quantas vezes ele me disse isso? Quantas vezes ele usou essas
palavras para justificar a brutalidade que infligiu à minha vida?

Tantas vezes que eu perdi a conta.

Eu nunca comprei uma vez, nunca acreditei nas besteiras dele, mas
sentada aqui em uma mesa de piquenique de madeira no calçadão de
Coney Island, fico imaginando se talvez ele gostou de algo sobre mim.

Estúpida. Tão estúpida.

Eu não deveria estar aqui.

O calçadão está lotado, apesar do clima ainda estar frio, o parque de


diversões não muito longe atrás de mim, tão perto que consigo ouvir o
estrondo do ciclone e o leve ruído da roda das maravilhas correndo, gritos
animados e crianças rindo e tocando música... o som da felicidade.

Ainda me lembro da primeira vez que senti, da primeira vez em que


vi as luzes iluminando o céu noturno de Coney Island e ouvi as risadas e
pensei: 'é aqui que eu devo ficar para sempre'. Parada bem aqui neste
calçadão, suja e cansada, sem comida ou dinheiro, quatorze anos e sozinha.

Ainda era uma criança no coração, mas parecia muito com uma
mulher do lado de fora.

O suficiente para capturar sua atenção.

O suficiente para despertar seu interesse.

O ar do final de julho tinha sido sufocante, um toque de queimadura


de sol na minha pele suada, areia grudada nas minhas pernas sob meus
shorts jeans cortados. Eu estava com sede e com fome, meu estômago
roncando com raiva enquanto eu caminhava, passando de vendedor em
vendedor no calçadão, a variedade de cheiros me atacando.

Eu só queria comida.

― Com licença, você tem algum trocado que possa me dar? ―


Perguntei repetidamente às pessoas que passavam, recebendo cinco
centavos aqui, vinte e cinco centavos ali, mas a maioria não me ofereceu
nada além de repulsa. Arrume um emprego. Sai da minha frente. Escória de
merda. Pedaço nojento de merda. As palavras ricochetearam em mim, nunca
ficando sob minha pele, porque eu estava na cidade dos sonhos.

E sonhos? Eu tinha muitos desses.

Levou mais de uma hora para eu juntar um bolso cheio de trocados.


Me sentei contra uma grade na sombra, fora do caminho da multidão,
contando.

Eu precisava de quatro dólares para um cachorro-quente cobiçado do


Nathan’s.

Só recebi pouco mais de três dólares.

Suspirando, empurrei os trocados de volta. Eu tentei ser uma boa


pessoa, mas o desespero tem uma maneira de mudar a moral. Mentir,
trapacear, roubar... Eu odiava fazer isso, mas às vezes ficava sem opções e
tinha que fazer o que tinha que fazer, confundindo as linhas. Mendigar
dependia da compaixão de outras pessoas e aprendi rapidamente que as
pessoas nem sempre tinham compaixão. Eu tive que cuidar de mim
mesma.

Sombras se moveram ao longo do calçadão enquanto eu contemplava


meu próximo passo. Um par de sapatos pretos brilhantes apareceu na
frente de onde eu estava sentada. Antes que eu pudesse reagir, um flash
de papel verde nítido balançou na minha cara.

Eu pensei que era um dólar... até ver os zeros.

Nota de cem dólares.

Meus olhos dispararam para o homem que a segurava. Ele era bonito,
quase como uma obra de arte, com tinta escura cobrindo seus dedos e parte
do pescoço, vestindo um terno escuro, apesar do calor.

― Pegue ― ele disse, acenando com o dinheiro para mim, seu sotaque
estrangeiro forte.

― Eu... eu não posso. ― Balanço a cabeça. ― Isso é muito dinheiro.

Ele curvou uma sobrancelha. ― Muito?

― Eu só preciso de mais um dólar. Apenas o suficiente para comprar


um cachorro-quente hoje à noite.

Ele se agachou, ainda segurando o dinheiro. ― O que você fara


amanhã? E no dia seguinte?

Dei de ombros. ― A mesma coisa que fiz hoje.

― Mas você não vai pegar meu dinheiro?

― Não.

Ele riu, isso o divertiu, antes de se levantar. ― Vamos lá, eu vou


comprar o cachorro-quente que você quer, menina bonita, e não aceitarei o
não como resposta.

Bem ali. Bem ali. Apenas a alguns metros de onde estou sentada agora.
Kassian Aristov tinha me observado por mais de uma hora enquanto eu
implorava por trocados, faminta, antes de entrar no meu mundo e dominar
minha vida.

Ele me disse uma vez que era minha resistência que o intrigava. Eu era
firme, determinada a me cuidar, e isso o deixou curioso.

Ele sabia, naquele momento, que eu seria dele. Ele não queria nada
além de me quebrar.

― Com licença, tem alguém sentado aqui?

Olho para o som da voz masculina... Sotaque de Nova York, graças a


Deus. Um homem está parado lá - cabelos escuros, olhos claros, sombra de
uma barba de cinco horas ao longo de sua mandíbula. Há uma garotinha
com ele, segurando a mão dele. Quatro, talvez cinco anos, com olhos
brilhantes e um grande sorriso, seu cabelo escuro em uma trança francesa.

― Não. ― Eu digo baixinho, oferecendo um sorriso. ― Fique à vontade.

― Obrigado. ― Diz ele quando se sentam à minha frente na mesa de


piquenique, instalando-se com cachorros-quentes e um prato de batatas
fritas com dois garfos.

― Papai, olhe! ― A menina diz animadamente, agarrando a manga da


camisa dele e puxando ela enquanto olha para mim, em direção aos
passeios. ― Olhe para aquelas coisas que rodam e rodam sem parar!

Ele ri. ― Eu sei, Jenny. Entendo. Precisamos comer agora, para que
possamos chegar em casa. Voltaremos outra vez, prometo.

A garotinha está animada demais para comer, tagarelando sobre


parque de diversões, subindo por toda a mesa, dando a seu pai um inferno
de tempo. Ela não é cuidadosa em um ponto, agitando os braços ao redor,
batendo na sua bebida e a derrubando sobre a mesa de piquenique,
espirrando em mim.

― Jesus, Jenny, você precisa se acalmar! ― O homem diz, pegando


guardanapos, tentando limpar a bagunça, enquanto me lança um olhar de
desculpas. ― Eu sinto muito. Ela pegou em você, não é? Ela está animada...

― Está tudo bem. ― Eu digo baixinho, olhando para a menina, que


parece estar à beira das lágrimas. ― Eu tenho uma filha. Eu sei como é isso.
― Sim? ― Ele ri. ― Quantos anos?

― Cinco.

― Ah, então você sabe como é.

― Tenho seis! ― A menina entra na conversa.

― Uau, seis? ― Eu finjo choque. ― Eu aposto que isso significa que


você pode contar muito alto, hein?

― Até cem! ― Ela exclama. ― Você quer me ouvir fazer isso? Eu posso!

Estou prestes a dizer que sim, porque você não rejeita uma proposta
como essa, quando o pai dela fala. ― Por mais que gostássemos de ouvir,
querida, precisamos ir embora.

― Da próxima vez. ― A menina me diz, assentindo. ― Contarei


quando voltarmos porque papai disse que faríamos!

Eu sorrio para ela. ― Certifique-se de praticar.

― Eu vou. ― Diz ela.

O pai dela me lança um olhar que diz que ele não gostou muito da
minha sugestão, como se talvez ela já praticasse demais, mas eu não me
sinto mal por ele, nem um pouco.

Ele não sabe o quão sortudo ele é.

Ele não sabe o quão bom ele conseguiu.

O que eu não daria para viver em uma casa novamente envolvida na


conversa incessante de uma garotinha que só quer que você compartilhe
sua empolgação...

Eu sento aqui depois que eles se foram. Outros vêm e vão,


descansando um pouco antes de seguir em frente, algumas pessoas
educadamente me cumprimentando, mas na maioria das vezes, fico
sozinha. Seis horas se aproxima, a praia fecha.

Me levanto, enfiando as mãos nos bolsos do moletom, mantenho a


cabeça baixa enquanto desço o calçadão. A apenas alguns quarteirões da
delegacia, a escuridão cai quando eu chego. Mudança de turno. A oficial
Rimmel, que geralmente trabalha na recepção, está saindo, um rapaz está
sentado ali, um que eu nunca encontrei.

Eu sempre venho de manhã.

Eu nunca estive aqui a essa hora.

― Olá. ― Eu digo, sorrindo docemente, tentando ligar o encanto. ―


Alguma chance de o detetive Jones ainda estar no prédio? Eu pretendia dar
uma passada mais cedo e, bem, fiquei um pouco envolvida com as coisas
e acabei de chegar.

― Não tenho certeza. ― Diz ele, pegando o telefone. ― Eu posso ligar


para o escritório dele. Quem devo dizer a ele que está aqui?

― Eu, uh... Scarlet. ― Merda. ― Alguma chance de eu conseguir correr


lá em cima rápido? Levará apenas um momento. É uma surpresa, se você
entende o que quero dizer.

As travessuras de Gabe são conhecidas. Até um novato na recepção


saberia tudo sobre como ele é com as visitantes do sexo feminino. O policial
hesita antes de desligar o telefone, fazendo uma careta e apontando para
os elevadores. ― Vá em frente.

Não me demoro, não querendo que ele mude de ideia, subindo no


elevador e indo direto para o terceiro andar. Gabe está trancando seu
escritório para sair quando eu chego lá, e eu assisto, seguindo-o até o
vestiário nos fundos.

Eu deslizo para dentro atrás dele.

O armário dele está na parte de trás, escondido no canto. Ele se


aproxima, começando a desfazer a fechadura combinada enquanto eu me
aproximo. Ele vira a maçaneta, olhando para trás, um olhar brilhando em
seu rosto quando ele me vê. Meu estômago cai ao vê-lo. Raiva. Fome. Algo
que eu não gosto. Há um brilho sinistro nos olhos dele. No entanto, ele não
dispara nenhum alarme, continuando o que está fazendo, retirando a trava
para abrir o armário.

Está uma bagunça lá dentro.

― Bem, se não é a senhorita Myers. ― Diz ele, seus olhos observando


ao meu redor. ― Você está sozinha?
― Claro. ― Eu digo. ― Pensei em te pegar antes de você sair. Eu me
senti mal por como agi da última vez, mal por como deixamos as coisas.

Ele é tão fácil. Isso é tudo o que preciso. Eu posso ver a desconfiança
em seus olhos, mas ele não perderá uma oportunidade se achar que existe.
Assim que estou ao seu alcance, ele me agarra, me arrastando para mais
perto. Envolvo meus braços em volta dele, fazendo uma careta quando ele
enterra o rosto no meu pescoço, beijando e mordendo a pele.

Ugh. Ugh. Ugh.

Eu sei, eu sei... ugh... olhe para longe.

― Onde está o seu pequeno cão de ataque? ― Ele pergunta, uma pitada
amarga em sua voz. ― Você sabe, o vira-lata que você enviou aqui para me
ameaçar esta manhã?

― Quem?

― Scar. ― Diz ele - embora não muito tempo atrás ele alegou nunca ter
ouvido falar de alguém com esse nome. ― Me diga que você não se
envolveu com esse cara, Morgan. Eu te disse...

― Qualquer pessoa chamada Scar é um problema, eu sei. ― Eu digo.


― Ele tem suas próprias motivações, no entanto. Não tem nada a ver
comigo.

― Claro que tem. ― Diz ele. ― Ele me disse que cortaria meu pau se
eu te tocasse novamente.

Meus olhos se arregalam. Ele disse o que?

Gabe se afasta um pouco para olhar para mim, suas mãos vagando.
Faz minha pele arrepiar, e eu fecho minhas mãos em punhos, me
impedindo de dar um soco nele.

― Não importa. ― Diz Gabe, sorrindo. ― Kassian... Scar... não importa


que eles pensam que possuem você. Nunca vai nos parar. Não é verdade?

― Certo. ― Eu sussurro quando ele me vira, me empurrando contra a


fileira de armários enquanto ele mexe nas calças. Porra. Porra. Porra. Meu
coração dispara quando entro em pânico, meu corpo treme, entre ele e o
metal frio.
― Espere... Gabe, espere... camisinha.

Ele suspira, passando por mim, colocando as coisas de lado em seu


armário, mas não achando nenhuma. ― Droga.

― Você não tem algumas no seu escritório?

― Sim, mas...

― Apenas pegue uma.

Ele geme, se afastando e dizendo, ― Espere aqui.

Meu estômago revira quando ele se afasta, me deixando aqui sozinha.


No segundo em que ele está fora de vista, eu mergulho direto no armário
dele, sabendo que só tenho trinta segundos até ele voltar e então estou
fodida.

Figurativamente. Talvez literalmente, dependendo do tempo que eu


levar.

Prefiro que nada aconteça, para ser sincera.

Então eu mexo nas coisas, procurando por algo que possa ser alguma
coisa, mas tudo parece não ser nada. Sem arquivos, sem documentos, sem
diários, sem pen drives. Merda. Estou prestes a desistir, a ponto de entrar
em pânico, quando minha mão bate em algo preso ao longo do fundo na
parte inferior.

UM DVD.

Eu pego, o coração disparado. Está enfiado em uma capa protetora


gasta, uma palavra solitária escrita na frente com um marcador preto
desbotado: Aristov.

― Obrigado Deus, e Jesus, e até mesmo Krampus 20. ― Murmuro,


enfiando o DVD no bolso do moletom, segurando ele com força enquanto
eu me afasto.

Chego à porta do vestiário no momento em que ela se abre. Gabe.

20
Krampus é uma criatura mitológica que acompanha São Nicolau durante a época do
Natal, segundo lendas de várias regiões do mundo.
― Whoa, para onde você está indo? ― ele pergunta, agarrando meu
braço para me parar. ― Venha aqui.

― Eu não posso fazer isso. ― Digo, tentando me afastar. ― Me


desculpe, eu apenas... eu não consigo. Eu pensei que podia, mas não posso,
então saindo agora.

― O que? ― Ele agarra mais forte o meu braço. ― Do que você está
falando?

― Isso. ― Eu digo, me afastando dele. ―Não me toque. Eu já te disse


antes... nunca mais me toque.

― Que porra é essa? Que diabos está errado com você?

― Eu sinto muito.

Acho que parte de mim significa essas palavras. Deus sabe que eu
provavelmente não deveria. Eu não deveria me arrepender de nada,
especialmente se ele estiver trabalhando para Kassian, e este DVD no meu
bolso certamente está sugerindo que pode realmente ser o que está
acontecendo.

Mas ainda assim... eu sinto muito.

Sinto muito pelo que nos levou a este momento.

Eu costumava acreditar nele, e a parte triste de mim ainda acha que


uma parte dele pode ser boa.

Mas é o que é, e não posso ficar por aqui, então saio do vestiário para
me afastar da delegacia... rápido. Provavelmente tenho um minuto antes
de Gabe descobrir o que estou fazendo.

Não tenho tempo para esperar o elevador, então vou para as escadas,
descendo elas o mais rápido que minhas pernas me levam até o primeiro
andar do prédio.

Eu quase consigo, já passei pelo funcionário da recepção, quando a


voz frenética de Gabe soa da escada. ― Pare ela!

Merda.

Eu corro, passando pelas pessoas. Eu posso ouvir outras pessoas me


seguindo, gritando para eu parar, mas continuo me afastando da delegacia
e descendo a quadra, longe do metrô, correndo para o primeiro beco que
me deparo.

Eles estão bem atrás de mim.

Merda. Merda.

Olhando em volta, frenética, minha mente trabalha rápido. Eu poderia


me esconder, mas eles me encontrariam. Eu poderia correr, mas eles me
alcançariam. Meu olhar muda para a lixeira no canto. Ugh. Com o coração
acelerado, arranco o DVD e o jogo embaixo da lixeira, me afastando assim
que alguém vira a esquina.

Merda. Merda. Merda.

Oficiais aparecem, minhas mãos estão no ar e eu não sei o que está


acontecendo, mas armas estão na minha cara do nada.

Armas.

Ok, não é a primeira vez que alguém aponta uma arma para mim e,
como a minha vida foi para o inferno, acho que provavelmente também
não será a última vez. Mas, no momento, existem três, e parece que eles
podem atirar.

Gabe passa por eles, no beco, e vem direto para mim, respirando
pesadamente, com o rosto vermelho. Oh, cara, ele está chateado.
Instintivamente, dou um passo para trás, minhas mãos vacilando, até os
policiais começarem a gritar ― Não se mexa porra!

― Está bem, está bem! ― Eu congelo. ― Nossa, relaxem.

Gabe me segura, me machucando quando ele me dá um tapinha,


procurando em lugares onde suas mãos não deveriam ir, antes que ele me
empurre contra a lateral de um prédio próximo, batendo meu rosto nos
tijolos com tanta força que minha visão borra.

― Nossa, detetive. ― Eu me encolho quando ele puxa meu braço atrás


das minhas costas, ficando colado contra o meu corpo, me prendendo lá.
― Tenho certeza de que isso quebra o protocolo.

― Cadê? ― Ele pergunta, sua mão livre ainda procurando. ― Onde


você colocou, Morgan?
― Não sei do que você está falando.

― Não se faça de idiota comigo. ― Ele rosna. ― Eu juro, se você não


me der agora...

― Você vai fazer o que? ― Eu pergunto, cortando-o. ― Você vai me


foder aqui, no beco, na frente desses policiais. Me ensinar uma lição?
Mostrar ao mundo o homem grande e poderoso você é?

― Não. ― Ele sussurra, sua boca perto da minha orelha. ― Vou ligar
para Aristov para que ele possa vir buscar sua pequena fugitiva... assim
como eu fiz com sua filha quando ela chegou ao meu escritório no mês
passado.

Essas palavras arrancam a respiração dos meus pulmões.

Ou talvez seja o fato de ele me empurrar com mais força contra o


prédio.

Eu quase desmaio.

― Você não faria. ― Eu digo. ― Me diga que você não...

― Ah, mas eu fiz. ― Diz ele. ― Ela fugiu dele, chorando sobre como
queria sua mãe. Você a perdeu por cerca de dez minutos naquela manhã.
Pena, realmente, já que provavelmente é o mais próximo que você poderá
chegar dela novamente, sua puta idiota.

Algo em mim se quebra quando ele diz isso, meu último pingo de
civilidade em relação a esse homem se foi.

Não sinto muito mais.

Eu me afasto da parede, jogando minha cabeça para trás, batendo-o na


porra do nariz com a parte de trás do meu crânio.

BAM.

Ele solta seu aperto em mim, grunhindo, pego de surpresa pelo golpe,
e eu torço meu próprio braço, quase quebrando ele para me afastar dele.
Ele se recompõe, mas não é rápido o suficiente, porque levanto o pé e o
chuto nas bolas.

BAM.
Ele se agacha, soltando um grito infernal, enquanto eu o empurro para
fora do meu caminho, mal dando três passos antes que a realidade me
atinja.

Armas, lembra?

Oh, me foda...

Eu levanto minhas mãos novamente, me rendo, mas é tarde demais


para ir em paz. Alguém me ataca, me jogando de cara no beco, joelhos nas
minhas costas enquanto algemas seguram meus pulsos. Minha bochecha
arde, o asfalto raspando a pele do meu rosto, armas ainda apontadas para
mim enquanto homens gritam ordens que eu não posso cumprir desde que
estou presa no chão.

Fico de pé depois de um momento e fico cara a cara com Gabe. O


sangue escorre de seu nariz, seu rosto se contorce com uma mistura de
raiva e dor, mas ele não sente nem um pingo da dor que sinto.

Foda-se ele.

― Fiche ela. ― Diz ele, me olhando sem expressão no rosto enquanto


tenta parar o sangramento. ― Agressão a um policial.

O processo de prisão é besteira.

Eu respondo o que preciso, mas tenho o direito de permanecer em


silêncio, por isso estraguei o resto das perguntas.

Não estou com vontade de conversar.

Eles me transferem para a Central Booking em outra parte da cidade,


onde sou movida de cela em cela, de um lugar para outro, em um prédio
com cheiro de mijo e cheio de muita gente intrometida.

Horas.

Tantas horas.
As placas postadas em todos os lugares garantem que o processo
terminará dentro de vinte e quatro horas, mas, quando supero as vinte e
três, começo a pensar que as placas estão mentindo para mim.

Finalmente... finalmente... estou autorizada a fazer uma ligação,


arrastada para uma sala por um policial insatisfeito e empurrada na frente
de um telefone.

Minha acusação não parece trazer simpatia da parte deles, com


certeza.

― Você pode fazer três ligações. ― Diz o oficial, olhando para mim. ―
Faça elas rapidamente.

Existe realmente apenas um número que posso pensar em ligar.

Eu ligo uma vez. Sem resposta.

Eu ligo duas vezes. Sem resposta.

Então, eu tento pela terceira vez, pensando que estou sem sorte. Ou o
número está bloqueado no identificador de chamadas ou ele reconhece o
número e não aceita chamadas da prisão. Toca, toca e toca, e eu franzo a
testa, prestes a desistir quando a linha clica e sua voz corta, aborrecimento
em cada sílaba. ― Gambi...

― Não fale. ― Eu digo, interrompendo-o. ― Estou sendo gravada. Há


uma grande placa logo acima do telefone que diz isso. Então, eu não teria
ligado, mas precisava ligar, ok?

Ele não diz nada, mas eu sei que ele está ouvindo.

Ou então, ele ainda não desligou, então eu sei que ele ainda está lá -
fingindo ouvir, pelo menos.

― Fui visitar o meu distrito favorito e fui presa no beco perto dele. Eu
serei acusada amanhã em algum momento. Mas realmente, isso não vem
ao caso. Eu só... ― Merda, como digo isso sem abrir mão da mercadoria? ―
― Lembra da época no meu apartamento em que caímos do telhado do
prédio e eu joguei um pouco de esconde-esconde? Meu esconderijo era tão
bom que eles não me encontraram, mas você... você me encontrou
facilmente. Eu estava esperando jogar novamente, você sabe, se você
quiser fazer alguma busca, o mesmo esconderijo desta vez.
Ele ainda está quieto.

Não sei se ele entende.

Não sei se estou fazendo sentido.

Mas não posso apenas dizer 'olhe para a merda da lixeira ao lado da
delegacia', porque quem sabe quem mais está ouvindo e pode ir olhar por
si mesmo?

― Eu entendi você. ― Diz ele depois de um momento, sua voz baixa.

― Você me entendeu?

― Entendi.

Ele desliga sem outra palavra.

Não sei se ele me entendeu de verdade, mas espero que ele faça isso.
Desligando, olho para o oficial, que me observa com curiosidade, como se
eu estivesse falando em enigmas e ele está tentando decifrar o código.

― Então, tem alguma ideia de quando vou sair daqui? ― Eu pergunto,


apontando para um daqueles cartazes de ‘vinte e quatro horas’. ― Com
certeza o tempo acabou.

― O tempo acabou quando dizemos que acabou. ― Diz ele. ― Podemos


segurar sua bunda aqui pelo tempo que quisermos... especialmente se
perdermos sua papelada.

― Ah, então você é um daqueles...

Os olhos dele se estreitam. ― Daqueles o que?

― Aqueles caras grandes que se divertem pegando mulheres. O que


sua mãe não te amava o suficiente, então você precisa acabar com a gente?

Parece que ele quer me dar um soco, mas como há câmeras em todos
os lugares, ele não pode. Em vez disso, ele agarra meu braço e me arrasta
de volta para uma cela, sussurrando, ― Você provavelmente deveria ficar
confortável. ― Antes de me empurrar.

Mais horas.

Muito mais horas.


Eu cochilo, deitada no chão imundo de concreto, mas isso não me
incomoda muito, considerando que eu morava nas ruas. Você sabe quantas
noites dormi no chão frio aos quatorze anos?

Pfftt, isso não é nada.

Você sabe quantos dias eu sobrevivi acorrentada em um porão?

Acabo sendo acordada, levada para outra cela. O tempo passa, quase
mais um dia inteiro, antes que alguém grite meu nome. ― Morgan Myers!

― Hora do show. ― Murmuro, cambaleando para uma pequena sala,


onde vejo um cara careca atrás do acrílico com uma pasta minha. Defensor
público.

― Eles estão oferecendo um acordo: Se declara culpada de


contravenção que perturba a paz e você sai daqui como uma mulher livre,
o resto das acusações serão retiradas.

― Espere o que? Que outras acusações?

O homem lê uma série de ofensas, como se estivessem tentando me


pregar por cada infração minúscula em que pudessem pensar.

― Ok, espere... e se eu não quiser que essas acusações sejam retiradas?

Ele olha para mim como se eu fosse louca. ― Você provavelmente vai
acabar em Rikers por anos.

Ugh, também não quero isso, mas não tenho certeza de que sair daqui
é algo possível. Estou parada por muito tempo sob meu nome real, o que
significa que Kassian teve quarenta e oito horas para farejar minha
localização muito pública.

E minha suspeita é confirmada alguns minutos depois, quando sou


levada ao tribunal e o vejo.

Ele.

Eu congelo.

Meus pés não se mexem mais, cimentando direto no chão. Merda.


Kassian fica no canto de trás, vestido impecavelmente em um terno escuro.
Eu ouvi a voz dele e respirei o mesmo ar, mas é a primeira vez, em tantos
meses, que nós dois ficamos cara a cara. A primeira vez que olhei para ele
ao mesmo tempo em que ele estava olhando para mim, nossos olhos se
encontraram por não mais do que alguns segundos, mas pareceu uma
eternidade.

Sou afastada, forçada a seguir em frente e desviar o olhar quando sou


levada à frente da sala do tribunal.

O promotor e o juiz trocam palavras, mas não estou prestando muita


atenção. Eu continuo olhando por cima do ombro, em direção ao canto de
trás. Eu não posso me ajudar.

Kassian não está sorrindo. Ele não está rindo.

Ele apenas olha para mim, sua expressão uma máscara em branco.

― Senhorita Myers?

Eu me viro para o juiz quando ele chama meu nome. ― Sim?

― Você precisa se declarar à acusação de conduta desordeira.

― Oh. ― Eu hesito. ― Culpada.

Ele diz outra coisa. Eu não sei. Meus ouvidos estão entupidos, tudo
enevoado quando meu coração bate loucamente. Olho para trás
novamente, parando desta vez quando encontro o canto traseiro vazio.

Kassian se foi.

O juiz ainda está falando, mas tudo que eu fico pensando é que
Kassian está aqui em algum lugar, escondido nas sombras, esperando para
atacar.

― A senhorita Myers está ordenada a ser mantida para ser levada para
a décima sétima delegacia...

Uau.

Olho para o juiz, confusa, antes de me voltar para o defensor público.

― O que?

― Você tem um mandado pendente. ― Diz ele.

Isso só me confunde mais. ― Um mandado? Para quê?

Ele encolhe os ombros.


O homem encolhe os ombros.

Como se ele não desse a mínima.

Eu levanto minha mão, tentando chamar a atenção do juiz antes que


ele possa bater seu martelo.

― Abaixe sua mão. ― Assobia o defensor público. ― Inferno ele vai


manter você por desobediência se você interromper o processo dele.

Ignoro isso, porque, na verdade, pelo menos essas acusações fariam


sentido. O décimo sétimo distrito fica em Midtown, Manhattan. Não há
motivo para eu ter um mandado lá.

― Desculpe? ― Eu chamo. ― Sua excelência?

O juiz olha para mim.

Cara, ele parece que gostaria de me bater com o martelo, mas, em vez
disso, ele diz ― Sim, senhorita Myers?

― Um mandado? ― Eu pergunto. ― Que tipo de mandado?

― Conspiração. ― Ele responde.

É isso aí.

Conspiração.

― Que tipo de conspiração? ― Eu pergunto, mas isso não importa,


porque o homem bate o martelo e eu sou arrastada.

Rebocada para outra cela para esperar novamente.

Voltando a ser observada pelo oficial descontente, que pessoalmente


parece estar me monitorando, um fato que não é realmente surpreendente.

Ele provavelmente está na folha de pagamento de alguém.

Cem dólares dizem que é de Kassian.

― Então, há alguma chance de você saber o que é essa acusação de


'conspiração'? ― Pergunto a ele.

― Isso significa que você conspirou para fazer alguma coisa.

― Bem... não brinca. Mas o que?


Ele encolhe os ombros.

Outro encolher de ombros.

Impressionante.

É apenas uma hora dessa vez para alguém vim me pegar, dois homens
à paisana, apenas os distintivos entrega eles como oficiais. Grandes e
construídos, do tipo áspero. O policial que estava me observando recua,
soltando um assobio baixo. ― O esquadrão criminoso violento, hein? Você
deve ser problema.

Meu estômago está em um nó quando uma sensação de afundamento


me consome. Nada disso parecia certo, mas isso sem dúvida está errado.
Esses caras caçam os assassinos sanguinários. Eu nunca sequer disparei
uma arma.

Embora, tudo bem, eu provavelmente faria, se eu tivesse uma.

Mas eu não, então não tenho.

O que significa que não há motivo para eles virem para mim.

Estou presa e algemada, como uma criminosa perigosa, antes de ser


conduzida para fora pelos fundos do prédio, onde os presos são carregados
para serem levados para Rikers. Um homem branco mais velho, de terno
cinza, permanece na escuridão, por mais casual que seja, esperando ao lado
de um Crown Vic21 não marcado, um SUV preto estacionado atrás dele em
ângulo, bloqueando minha visão da saída da garagem subterrânea.

O homem de terno abre a porta traseira do carro e sou imediatamente


empurrada para dentro, a porta bate. É como uma pequena cela, grades me
separando da frente, as janelas todas escuras.

― Seguiremos, apenas por precaução. ― Diz um dos policiais à


paisana. ― Qualquer problema, nos avise por rádio.

― Você sabe que eu vou. ― Diz o homem de terno.

O homem sobe ao volante e sai da garagem, sem dizer uma palavra


para mim. É noite, já passou o pôr do sol, talvez até da meia-noite. É difícil
dizer. Olho em volta, olhando para trás, vendo o SUV, de fato, seguindo.

21
É o mesmo modelo do carro da polícia.
― Tudo isso é realmente necessário? ― Eu pergunto, minhas algemas
tilintam quando me viro para o homem de terno, olhando para ele através
das barras da cela.

Ele me olha pelo espelho retrovisor. ― Você quebrou o nariz de um


detetive há dois dias, não foi?

― O nariz dele está quebrado?

― Sim.

― Hã. ― Estou agradavelmente surpresa. ― Bem, quero dizer, em


minha defesa, ele mereceu... fora de registro, é claro. Você não pode me
processar pelo mesmo fato duas vezes, certo? Espere, merda, essa não é a
acusação de Conspiração, é? Isso é algo especial do promotor, fazendo de
mim um exemplo por agredir seu detetive premiado?

O homem ri. ― Não tenho interesse em ver você processada.

Essas palavras me esfregam errado. ― O que exatamente você está


interessado em fazer?"

― Apenas entregando você para onde você precisa ir.

Meu coração dispara tanto que meu peito começa a doer. Olho pelas
janelas a vizinhança ao nosso redor, mas é difícil ver muita coisa. Eu sei
que não estamos na cidade, no entanto. Ainda não cruzamos uma ponte,
mas deveríamos ter feito agora, acho que ainda estamos no interior do
Brooklyn.

― Oh, foda-se ― eu murmuro, me inclinando para frente, batendo


minha cabeça contra as grades. Ele está me entregando em algum lugar,
mas com certeza não parece ser Midtown para um mandado.

― O que você disse? ― O homem de terno pergunta.

Eu olho para cima, encontrando seus olhos no espelho retrovisor. ―


Você sabe que ele é uma pessoa terrível, certo?

As sobrancelhas dele se enrugam. ― Quem?

― O idiota que você está me levando.

Um olhar de surpresa passa por seu rosto. ― Como você sabe...?


― Oh, me dê um tempo. ― Eu digo, interrompendo-o. ― Ao contrário
da crença popular, não sou burra. Dê-me algum crédito aqui, oficial.

― Detetive. Ele me corrige.

― Detetive. Claro. Bem, detetive, você não é o único que pode detectar
merdas, você sabe, e eu estou detectando que essa pequena excursão que
estamos fazendo não é para a décima sétima delegacia para um mandado
de conspiração.

― Você estaria correta. ― Diz ele.

― Então você vai me levar até ele, hein? Quanto ele está pagando? Seja
o que for, vou dobrar. Triplicar. Apenas me deixe sair aqui e o dinheiro é
seu.

― Boa tentativa, mas não.

― Por quê?

― Porque ele vai me matar se eu não te entregar.

― Sim, bem, ele vai me matar se você o fizer.

Ele ri disso. Ri. ― Ele não vai te matar... ou, bem, eu acho que não.
Espero que não. Ele disse que não iria, de qualquer maneira. Eu disse a ele
que não iria me envolver se isso estivesse levando a um assassinato.

Suspiro, exasperada, enquanto me inclino para trás no assento,


tentando sair das algemas, mas elas estão muito apertadas, cortando meus
pulsos.

O SUV ainda está logo atrás de nós, encostada na traseira

Há um estalo então, o som de um rádio, mas não o rádio da polícia,


não... é um maldito Walkie-Talkie.

Eles estão falando fora do ar. Claro.

― Temos um carro atrás de nós por alguns minutos. ― Uma voz


interrompe. ― Pode ser uma coincidência, mas vamos voltar para trás e
parar o trânsito, para estarmos seguros.

― 10-4. ― Diz o detetive. ― Estamos quase lá. Se encontre no local.

Quase lá.
Isso significa que estou ficando sem tempo. Eu preciso descobrir algo
rápido. O SUV recua e vejo luzes piscando, mas antes que eu possa dar
uma boa olhada no que está acontecendo, fazemos uma curva fechada.

Então outra.

E outra.

Algumas voltas depois, estamos entrando em uma antiga garagem.


Seguimos as setas, girando e girando e girando, fazendo o nosso caminho
até o topo. O Crown Vic não marcado sobe para a cobertura, os carros
diminuindo mais a cada nível que passamos. Não há nenhum aqui em
cima. O carro se arrasta pelos espaços vazios, parando em algum lugar ao
longo da borda do espaço, onde não há luzes.

Também acho que não há câmeras.

Sem testemunhas.

Quando o detetive estaciona o carro, um pensamento passa pela


minha mente, algo que eu não consegui pensar até aquele momento.

O mal estar cresce dentro de mim.

Um nó se forma na minha garganta.

Ele disse que estava me entregando onde eu deveria estar, mas e se


onde eu deveria estar é... morta?

Antes que eu possa entender essa possibilidade, luzes piscam na


cobertura, carros se aproximando. Carros, plural. Eu vejo o SUV, mas os
outros são um borrão. Mais dois, eu acho. Eu realmente não posso dizer.
Minha visão está embaçada e está muito escuro.

O detetive sai sem hesitar e abre a porta dos fundos, estendendo a


mão. Me afasto, movendo-me pelo assento. ― Não me toque, porra.

Ouço portas batendo perto, passos se aproximando. Suspirando, o


detetive chega mais perto, agarrando meu braço e me arrastando para fora.
O pânico borbulha dentro de mim. Ele está bem ali, na porta. Eu tenho
pouca amplitude de movimento, mas mais agora do que em alguns
segundos.

Foda-se isso.
Agora ou nunca.

Deitando, me movo rapidamente. Assim que o homem me alcança


novamente, tentando me forçar a sair do banco de trás do carro, empurro
minhas pernas para fora, meus pés batendo contra ele.

BAM.

Ele cambaleia para trás, ofegando, de olhos arregalados enquanto


aperta o peito.

Tirei o ar dos pulmões dele.

Eu me balanço para fora do carro, me levantando. Sombras se movem


ao meu redor. Eu não posso escapar deles, não enquanto estiver algemada,
mas vou ser amaldiçoada se cair sem lutar.

Antes que o detetive possa recuperar o fôlego, eu pulo nele,


derrubando-o de costas no chão do estacionamento. Eu caio em cima dele
com um grunhido, e ele tenta me empurrar para longe, tenta me empurrar
para o lado, mas não estou desistindo.

Eu não posso dar um soco, não posso chutar, mas diabos, eu posso dar
uma cabeçada, então bato minha testa bem no rosto dele. BAM. Toda essa
segurança extra que ele trouxe e eu ainda vou quebrar a porra do nariz
dele, como fiz com o de Gabe. O detetive grita e minha visão fica embaçada,
a dor ecoando em mim, então eu sei que ele está com dor.

― Jesus, porra! ― Uma voz chama enquanto braços me envolvem, me


arrancando dele. ― Eu disse ao cara que ninguém iria morrer hoje à noite,
então não o mate.

Essa voz corre através de mim quando estou de pé. Estou tonta, mas
consigo me afastar daqueles braços para me virar, olhar para ele.

Lorenzo.

― Sério? ― Eu grito, olhando para ele com descrença enquanto ele está
na minha frente. ― Era você?

― Sim. ― Diz ele, agarrando a mão do detetive para ajudá-lo a


levantar. ― Por quê? Quem você achou que era?

Eu apenas olho para ele.


― Algum idiota que quer matar ela. ― O detetive murmura, cobrindo
o rosto com as mãos. ― Pelo menos, foi o que ela disse.

Os olhos de Lorenzo se arregalam antes que ele solte uma risada. Uma
risada. Ele está rindo. Que porra é essa?

― Isso não é engraçado! ― Eu rosno, investindo contra ele, batendo


nele, empurrando-o para trás, quase o derrubando.

Os caras dele, todos os presentes, vêm direto para nós, como se fosse
uma reação instintiva para proteger o chefe, mas Lorenzo os interrompe
levantando uma mão, a outra agarrando meu quadril. ― Uau, fiquem
parados, pessoal. Ainda somos todos amigos aqui. Scarlet está um pouco
chateada. Nada demais.

Ele olha para mim, sua mão ainda me tocando, seu rosto a centímetros
do meu. Quero quebrar o nariz dele também, enquanto estou nisso, por
causa do brilho divertido nos olhos dele.

Mas não posso negar o alívio que corre por mim ao perceber que
provavelmente não vou ser jogada desta cobertura hoje à noite, a
percepção de que alguém pulou através dos aros para colocar as mãos em
mim, mas que esse alguém não era Kassian.

Lorenzo salvou minha bunda. Novamente.

― Ainda não é engraçado. ― Eu digo. ― Eu pensei que ele me tivesse


seriamente.

― Eu tenho você. ― Diz Lorenzo. ― Quantas vezes eu tenho que lhe


dizer isso antes de acreditar?

― Provavelmente mais algumas vezes.

― E eu pensei que tinha dito para você ficar longe de problemas. Diz
ele, me xingando. ― Eu até falei gentilmente.

― Sim, bem, o problema com problemas é que nem sempre parece


problemas, Lorenzo.

― Obviamente esse foi um problema, mulher.

Mulher. Ele lança essa palavra para mim como se fosse um termo
carinhoso. ― Não posso me ajudar, eu acho.
Ele estende a mão, afastando os cabelos do meu rosto, passando as
costas da mão ao longo da minha bochecha macia. Ele não parece zangado.
Ele nem parece mais divertido. Não, ele parece preocupado. ― Você parece
um inferno.

― Eu sinto isso.

Sua mão desce para o meu pescoço, as pontas dos dedos acariciando
um lugar lá. ― Me diga o que aconteceu.

― Você pode, uh... eu não sei... me soltar primeiro? Remover as


algemas também, talvez?

Lorenzo afasta a mão, apontando para alguém para me ajudar. Um


dos policiais à paisana puxa um conjunto de chaves e remove as algemas.
Flexiono meus pulsos, esfregando-os, aliviada por estar livre. O detetive
me lança um olhar cauteloso enquanto se move para encostar no carro.

Ele ainda está respirando meio engraçado.

― Ele está bem? ― Eu pergunto, preocupada que ele esteja tendo um


ataque cardíaco ou algo assim.

― Você está bem, Jameson? ― Lorenzo chama.

― Tudo bem. ― O detetive murmura.

― Ele está bem. ― Diz Lorenzo. ― Agora me diga o que aconteceu.

Ugh, eu não quero, mas sei que preciso contar a ele, então apenas
despejo toda a coisa, começando por ir para Coney Island e vacilo quando
reconto o confronto no beco.

Lorenzo absorve cada palavra, esperando até que eu fique quieta antes
que ele diga ― Eu vou matar ele.

Simples assim. Bem desse jeito.

Eu vou matar ele.

O detetive geme. ― Sério, Gambini? Eu gostaria de não ter ouvido isso.

― Por quê? Você vai me prender por isso?

― Não, mas agora tenho que fingir que você nunca disse isso.
Lorenzo ri, se virando para os policiais, agradecendo-lhes por sua
assistência, dizendo-lhes para sair dali. Ele gira o dedo indicador no rosto
do detetive quando o cara se afasta do lado do carro para subir nele. ― Me
envie a conta do nariz, Jameson.

― Você sabe que eu vou. Diz o detetive. Oops

O Crown Vic vai embora, seguido pelo SUV, me deixando aqui com
apenas Lorenzo e seus caras, que parecem estar me observando com
cautela por algum motivo. Até o Seven está mais tenso que o normal, ao
lado, meio atrás de Lorenzo. Distante.

Não sei bem o que fazer.

― Seven, preciso que você encontre o detetive FuckFace. ― Diz


Lorenzo. ― Quero o endereço dele. Quero o endereço da mãe dele.

― Sim, chefe. ― Diz Seven.

-― O resto de vocês... quero vocês em Aristov. Quero saber para onde


ele vai, o que faz e com quem fala. Sei onde ele mora e sei onde ele trabalha,
mas quero saber tudo o mais que o homem faz. Vocês me entenderam?

Eles murmuram de acordo.

― Bom, saiam daqui. ― Diz Lorenzo. ― Informe quando tiverem algo.

Os caras se dispersam sem dizer mais nada, se amontoando nos carros


e nos deixando aqui sozinhos, na cobertura da garagem sem carro.

Lorenzo enfia a mão no bolso de trás quando eles se retiram, puxando


algo e segurando.

O DVD que eu joguei embaixo da lixeira, Aristov está escrito nele com
um marcador preto desbotado.

― Você achou?

― Eu fiz. ― Diz ele. ― Levei um minuto para adivinhar o que você


estava falando, mas juntei as peças e lá estava.

― Eu me pergunto o que há nele. ― Eu digo, estendendo a mão pro


DVD, mas Lorenzo o puxa de volta antes que eu possa colocar minhas
mãos nele.
― Algo que você não quer ver.

Meu estômago afunda. ― Você viu?

Ele assente uma vez.

― O que é isso? ― Eu pergunto. ― Me conte.

Lorenzo não diz nada por um momento, apenas me encarando, antes


de estender cuidadosamente o DVD para que eu possa pegar ele desta vez.

― Assista ele, se você sentir necessidade. ― Diz ele, com a voz baixa.
― Só não diga que eu não te avisei, Scarlet.
―――――――――――――――――――

Eu sempre preferi me perder em silêncio, mas eu acho que as pessoas


gostam de ouvir suas próprias vozes. Blá, blá, blá, apenas vomitando
besteiras; não importa o que é, já que ninguém ouve.

Veja bem, as pessoas realmente não ouvem mais, não... elas ficam
sentadas esperando que todos os outros calem a boca, esperando até que
seja finalmente a sua vez de conversar. Para frente e para trás, um ciclo
interminável que não nos leva a lugar algum, porque ninguém realmente
se importa com o que está sendo dito.

Silêncio, no entanto... o silêncio fala de maneiras que as palavras


simplesmente não conseguem.

Estamos na minha biblioteca há mais de uma hora agora, só eu e


Scarlet, a sala lançada na luz do brilho da lâmpada. Sem som, a menos que
você conte a suave ventoinha giratória do laptop no colo de Scarlet, que ela
pegou emprestado de Melody.

Ruído branco.

O silêncio fala alto.

Eu a avisei. Eu disse que ela não queria ver, mas, contra o meu
conselho, ela colocou o disco na unidade e olhou para o pequeno filme
caseiro.

Um filme de horror, realmente.


Uma jovem Scarlet - talvez dezesseis anos - sendo torturada pelos
russos, os homens se revezando brutalizando-a. Um bebê chora ao fundo,
gritando assassinato sangrento, mas Scarlet não faz barulho.

Não, ela desapareceu. Sumiu.

Eu mal conseguia me sentar por um minuto. Isso virou a porra da


minha barriga, e isso está dizendo algo, porque eu já vi homens serem
massacrados antes sem vacilar.

O que você diz sobre isso? Vai ficar tudo bem? Queixo pra cima, botão
de ouro, pelo menos você está viva? Foda-se isso. Palavras não significam
nada, elas não apagam o que está no DVD, então eu apenas fico aqui,
trabalhando no meu quebra-cabeça, mergulhando nele.

― Chefe?

Eu olho para a porta. Seven fica parado, segurando meu telefone,


acenando para mim.

― Os caras estão a caminho. ― Diz ele. ― Só queria lhe dar o aviso.

― Eu aprecio isso. ― Eu digo, olhando para trás. ― Alguma sorte nesse


endereço já?

― Ainda estou trabalhando nisso. ― Diz ele.

Concordo com a cabeça, pegando uma peça do quebra-cabeça,


tentando mais alguns lugares. O silêncio novamente toma conta da sala
quando Seven se afasta.

― Eles assistiram? ― As palavras de Scarlet são calmas enquanto ela


quebra seu silêncio. ― Os caras ... eles viram?

Encaixo um pedaço no lugar antes de pegar outro. ― Eu não os deixei


assistir. Eu parei quando percebi o que era.

― Mas eles viram.

― Eles viram.

Ela fica quieta por mais um momento antes de perguntar. ― Você


assistiu?
― Eu não estourei uma porcaria de pipoca e fiz uma noite de cinema,
se é isso que você está perguntando. Vi o suficiente para saber que não é
algo que eu gostaria de assistir acontecer com você.

― Obrigado. ― Ela sussurra.

Eu me viro, olhando para ela com descrença. Ela parece genuinamente


grata, com certeza, mas há algo mais em seu tom, uma nota abatida. Eu não
gosto disso. Essa não é a mulher que eu conheci.

― Você está me agradecendo, ― aponto ― por não fazer uma noite de


filme com seu filme de quase morte. Você percebe isso, certo? Você está me
agradecendo por não sair vendo você ser violada.

― Estou lhe agradecendo por ser um ser humano decente.

― Eu não iria tão longe, Scarlet.

― Eu faria. ― Diz ela. ― Pense o que você quer sobre si mesmo,


Lorenzo, mas há decência em você.

Eu zombo, voltando ao meu quebra-cabeça. ― Eu deveria atirar em


você por dizer essa merda.

― Mas você não vai.

― Eu não vou. ― Eu concordo. ― Porque garanti a Jameson que hoje


à noite não levaria a um assassinato.

― Quão decente da sua parte.

Balançando a cabeça, tento minha peça do quebra-cabeça em alguns


lugares, forçando-a onde não pertence, quase rasgando metade do quebra-
cabeça enquanto a puxo de volta. Frustrado, eu a jogo na mesa, observando
enquanto ela pula na mesa, e corro minhas mãos pelo meu rosto, puxando
meus óculos e jogando-os sobre a mesa também. ― Eu gosto mais de você
quando você não fala.

Ela ri. ― Eu aposto que você diz isso para todas as meninas.

― Sim. ― Eu digo, virando-me para ela enquanto entrelaço minhas


mãos no topo da minha cabeça, surpreso que ela possa estar rindo agora,
pela noite que teve. ― Mas a maioria delas eu nem gosto quando estão
quietas. Você, eu posso tolerar.
― Você pode me tolerar.

― Sim.

― Bem, para constar, eu também posso tolerar você, Lorenzo. ― Diz


ela, olhando para a tela do laptop. ― A maioria dos caras que eu conheço
teria assistido.

― Eu já disse antes... você se envolve com as pessoas erradas.

― Sim, estou tentando melhorar isso. ― Diz ela. ― Acho que encontrei
alguns decentes.

Eu a encaro, mas não respondo, ouvindo barulho ecoando pela casa


quando os outros chegam. Saio da biblioteca, deixando Scarlet fazendo
suas coisas e encontro os caras na sala de estar. Eles estão irritados. É disso
que eu mais gosto neles, por que eles sobreviveram tanto tempo na minha
empresa... estão tão fodidos quanto eu. Dinheiro, claro, eles adoram,
querem, mas a emoção e a adrenalina não têm preço. Eles se arriscam com
a promessa de um dólar em um piscar de olhos.

Bem, com exceção do Seven, talvez. Ele tem esposa e filhos, lembra?
Ele é muito mais cauteloso que os outros.

― Senhores. ― Eu digo, os cumprimentando enquanto eles se instalam


e pegam garrafas de rum, percebendo imediatamente que alguém está
desaparecido. ― Onde está Three?

― Fugiu para ver uma mulher. ― Diz Five. ― Disse que ele tinha que
cuidar de algo rápido.

― Sim, o pau dele. ― Four diz com uma risada.

Balançando a cabeça, sento-me no sofá e ligo alguma música antes de


recuperar um baseado da lata no bolso. Acendo-o, inspirando
profundamente, segurando nos pulmões, antes de passar para Five
enquanto ele se senta ao meu lado.

― Sempre deixando uma buceta tirar o melhor dele. ― Eu digo. ― Ele


nunca vai aprender?

― Não é provável. ― Diz Five, tragando o baseado antes de devolver.


― Se ficar acorrentado em um porão não foi suficiente para impedi-lo de
brincar com essas mulheres, nada além de uma bala no cérebro vai lhe
ensinar essa lição.

Eu rio secamente, dando uma tragada profunda, exalando devagar


enquanto digo, ― Eu poderia providenciar isso.

Five me lança um olhar. Ele sabe que estou falando sério, mas ele ri,
independentemente. ― Você poderia.

Seven desliza em uma cadeira próxima e limpa a garganta. ― O amor


é cego.

― O amor é cego. ― Eu digo, repetindo sua merda de provérbio. ― E


o que, Three ama buceta, então isso desculpa seu comportamento?

― Não desculpa, apenas explica. ― Diz Seven. ―Declan é um otário


para uma mulher de salto alto. Ele não pensa direito no que diz respeito a
eles. Todos nós ficamos descontrolados em algum momento, e geralmente
o que faz isso é uma mulher. Foi assim que me casei há muito tempo. Amor,
às vezes nos esquecemos de nós mesmos.

― Eu vou fodidamente beber. ― Diz Four, levantando uma garrafa de


rum.

― Malditas mulheres. ― Diz Five, erguendo sua própria garrafa. ―


Elas são cianeto para os sentidos.

Balançando a cabeça, olho em volta para esses idiotas brindando, meu


olhar para na porta, vendo Scarlet à espreita.

― E você, Scarlet? ― Eu pergunto enquanto os caras tomam goles,


tilintando suas garrafas. ― Você vai beber à cegueira da boceta, também?

Ela se afasta do batente da porta, entrando na sala. ― O amor é uma


desculpa terrível. É perigoso se perder em outra pessoa.

― Ah, a isso eu vou beber. ― Eu digo enquanto ela desliza na minha


frente, sentando na mesa de café, seus joelhos tocando os meus. Five bate
no meu braço com essas palavras, me passando uma garrafa de rum, e
tomo um gole antes de oferecê-la a Scarlet.

Ela a encara por um segundo antes de arrancá-la da minha mão, dando


um grande gole, o suficiente para fazê-la fazer uma careta.
Ela parece nervosa, olhando para os caras... não preocupada, mas
talvez se sentindo vulnerável. Eu ofereço a ela o baseado, que ela pega
alegremente, aceno para ela quando ela tenta devolver ele.

― Mantenha. ― Eu digo, pegando outro da minha lata e acendendo.


― Eu tenho mais.

Eu chuto meus pés, plantando-os de cada lado dela na mesa de café,


prendendo-a entre as minhas pernas. Os caras estão rindo, brincando ao
redor, falando besteiras, agindo como sempre, o que ajuda Scarlet a relaxar
um pouco.

Parece que ela pensou que eles a tratariam de maneira diferente, mas
eles não. Eles não são assim. Eu não os deixaria entrar na minha casa, perto
do meu irmão, se eu pensasse que eles podem ser uma variedade de
mentirosos traiçoeiros. Eles viram não mais que trinta segundos do DVD,
e cada um deles ficou furioso além das palavras, tenso e nervoso e pronto
para matar alguém por isso.

Não demora muito para que a fumaça encha a sala, meus olhos
vermelhos, ardendo, enquanto meus músculos formigam. Sinto como se
estivesse flutuando, muito alto, uma sensação de euforia se instalando no
meu peito.

Não sinto dor.

É bom não ter uma britadeira na minha cabeça pela primeira vez.

Não dura muito, no entanto.

Faróis piscam quando um carro entra na garagem. Seven se levanta


para olhar, olhando pela janela, dizendo ― Parece Declan ... e uma mulher.

E uma mulher.

Os olhos se voltam para mim, aguardando minha reação, mas eu


apenas sento aqui, sem fazer nada ainda. Three caminha em direção a
entrada da casa, arrastando uma morena magra junto com ele, sapatos de
salto altos ruidosos batendo no chão enquanto ela arrasta os pés. Ela não
parece feliz por estar aqui. Muito pelo contrário. Ele a puxa para a sala, a
empurrando na frente dele. Seu olhar aterrorizado observa ao redor,
fixando-se em Scarlet, seus olhos escuros se arregalando em
reconhecimento. Oh-oh.

Scarlet desvia o olhar, virando as costas para a garota, olhando para


as mãos enquanto cutuca o esmalte vermelho lascado nas unhas.

― Companheiros. ― Diz Three casualmente, cumprimentando a todos,


sua atenção virando na minha direção. ― Chefe.

Os caras murmuram em resposta.

― Que bom que você se juntou a nós. ― Eu digo, estudando a mulher.


― Vejo que você trouxe uma convidada.

― Sim, essa é, uh... merda. ― Three estala os dedos, como se estivesse


tentando lembrar, antes de desistir e cutucá-la. ― Diga a eles quem você é.

― Alexis. ― A garota diz, sua voz trêmula.

― É isso aí! Lexie sexy... ― Three sorri, como se estivesse orgulhoso de


si mesmo por se lembrar desse apelido. ― Lexie trabalha na Limerence.
Acabei no porão por causa dela.

― Sinto muito. ― Ela diz imediatamente, olhando para ele. ― Eu te


disse, eu...

― Você não teve escolha. ― Diz Three, interrompendo-a. ― Sim, eu sei,


eu ouvi você.

― Eu não queria fazer isso. ― Diz ela na defensiva. ― Eu juro que não.
Eu gosto de você, Declan. Você sempre foi tão legal, mas o Sr. Aristov...

― É seu chefe. ― Diz Three, interrompendo ela novamente antes que


ele olhe para mim, levantando uma sobrancelha. ― Você ouviu isso? Ela
trabalha para o russo.

― Eu ouvi. ― Eu digo.

― Eu não tenho escolha. ― Ela sussurra, olhando para mim.

― Nós sabemos. ― Diz Three, colocando a mão no ombro dela. ― O


que Aristov diz vale; sem desculpas sobre isso, não é? Ele diz para você
foder alguém, você faz isso, sem dúvida. Se ajoelhar pra ele? Você fará isso
também, como uma boa garotinha. Ele diz para você colocar alguma coisa
na bebida de alguém, drogá-la e você não hesita, não é? Você fará o que ele
disser. Ele faz as regras.

Quanto mais Three fala, mais a mulher parece que vai ter um colapso...
mas ela não é a única. Scarlet fica rígida, e antes que a última sílaba saia
dos lábios de Three, sua voz interrompe. ― Isso é o suficiente.

Todo mundo olha para ela.

― Basta. ― Diz Scarlet novamente. ― Entendemos. Apenas... deixe-a


em paz.

Os olhares se voltam para mim, novamente aguardando minha reação.


Veja bem, por aqui, eu faço as regras, e eles não seguem ordens, a menos
que venham da minha boca.

― Vá direto ao ponto. ― Eu digo, apontando para Three continuar. ―


Tenho certeza que sua mãe lhe ensinou a não brincar com sua comida.

Three aperta o ombro da mulher enquanto ele se inclina para mais


perto dela, dizendo ― Diga a eles o que você me contou sobre seu chefe,
Lexie.

A mulher abre a boca antes de fechá-la várias vezes. ― Apenas cuspa,


Twenty Bird.22― Eu digo. ― Diga-me o que o Puddy Tat23 fez.

― Ele às vezes tem essas festas em casa, ele e os caras que trabalham
para ele... eles se reúnem e algumas meninas são levadas, mas nem sempre
voltam. Às vezes... bem, às vezes...

― Às vezes nunca mais são vistas?

Ela assente, demorando um momento, não continuando até que Three


a cutuca mais uma vez. ― Há alguns meses, fui a uma das festas dele. Eu
não queria, mas nenhuma de nós realmente quer. Ele tem sido... diferente.
Mais frio. E nós sabíamos... ouvimos que ele tinha encontrado a Morgan.
― Seu olhar muda para Scarlet, sua voz mais baixa. ― Eles disseram para
nós que ele te encontrou, que ele te matou. Todas nós pensamos que você
estava morta.

22
Piu-Piu personagem do Looney Tunes.
23
Personagem de Looney Tunes, nome que Piu-Piu dá ao Frajola.
O lábio inferior de Scarlet treme, mas, fora isso, ela não reage, ainda
não está olhando para a mulher.

― Ei, olá, olhos em mim. ― Digo, estalando o dedo, chamando a


atenção da mulher novamente. ― Por mais que eu esteja emocionado pela
hora da história, preciso que você chegue ao ponto antes que minha brisa
acabe e eu pare de ouvir."

― Havia uma garota lá, ― ela deixa escapar ― uma garotinha. Sua
filha. Ela estava lá. Ele a estava escondendo, então nenhuma de nós sabia
que ela estava por perto, mas ela desenhou uma foto para ele e queria dar
a ele, então esgueirou-se escada abaixo.

― Você a viu?

Ela assente.

― Ela estava bem?

Ela assente novamente.

Olho para Scarlet, imaginando como ela está levando isso, mas ela está
sentada, ouvindo em silêncio, ainda cutucando as unhas.

― Bem, eu aprecio que você esteja nos cantando, Birdie.24 ― Eu digo,


olhando para a mulher enquanto me sento, minha mão esquerda
descansando no joelho de Scarlet. ― Verdadeiramente. Tem sido
esclarecedor. Então, obrigada.

― De nada. ― Ela sussurra.

― Você tem mais alguma coisa que deseja compartilhar? ― Eu alcanço


minha cintura e puxo minha arma, inclinando-a e apontando para ela. ―
Alguma palavra de despedida?

Three pula para trás alguns passos, se afastando, porque ele sabe que
minha mira é uma merda e se ele estiver muito perto, ele poderá levar um
tiro. Além disso, acho que ele ainda está traumatizado por ter sido sujo
com matéria cerebral da última vez. A mulher fica tensa quando o terror
corre através dela. Eu posso ver, o horror em seus olhos, seu corpo
tremendo. Ela não levanta as mãos, não se mexe, olhando diretamente para

24
Passarinho.
mim, mas as comportas se abrem. Lágrimas cobrem suas bochechas,
palavras saindo de seus lábios.

― Por favor, não faça isso. ― Ela chora. ― Por favor... eu estou te
implorando... você não precisa fazer isso!

― Mas eu vou. ― Eu digo. ― Eu deixo você sair daqui, você corre de


volta para o seu chefe, e então o que? Hã? Vou lhe dizer uma coisa: você
abre a boca.

― Eu não vou. ― Diz ela. ― Eu juro. Eu nunca. Morgan... por favor...


Morgan, diga a ele.

Scarlet fecha os olhos com força.

― Chefe. ― Three chama quando ele dá um passo para trás em direção


à mulher. No segundo que ele faz, eu aponto a arma para ele. Pelo menos
ele tem o bom senso de levantar as mãos. ― Talvez você não precise fazer
isso...

― Você a trouxe para minha casa, Three. ― Eu digo. ― Você sabe


melhor. Talvez eu devesse estar atirando em você por isso.

― Mas talvez você não precise atirar em ninguém. ― Diz ele. ― Ela é
de dentro. Podemos usá-la de alguma forma.

― Como?

Three fica branco quando eu pergunto isso.

Pode ser a arma apontada para ele.

Difícil pensar enquanto isso está acontecendo.

Tick-tock. Tick-tock. Pressão, filho da puta.

― No próximo mês. ― A mulher deixa escapar. ― Há outra festa. Eu


posso ir. Eu serei voluntária. Eu posso ajudá-lo, o que você precisar que eu
faça. Eu vou fazer isso. Eu juro.

― Veja? ― Three diz. ― Problema resolvido.

O problema não está resolvido, ao contrário do que ele pensa.


Ele apenas transformou o dominó em uma série de outros problemas
para mim. Lentamente, porém, abaixo a arma, tirando a bala da câmara,
meu dedo deixando o gatilho. ― Bem.

Three abaixa as mãos.

― Isso é com você, no entanto. ― Eu o aviso. ― Ela me fode, eu te


fodo... e eu quero dizer isso em todos os sentidos dessa palavra, Three. Eu
vou te foder enquanto te fodo, então é melhor você ficar de olho nela.

― Eu vou. ― Diz ele. ― Não se preocupe.

Eu guardo a arma de volta, acenando para ele. ― Tire-a da minha casa


antes que eu mude de ideia e mate vocês dois.

― Sim, chefe.

Ele agarra o ombro dela, puxando-a para longe, arrastando ela para
fora da casa, assim como ele a arrastou para dentro. Agarrando a garrafa
de bebida, eu tomo um grande gole antes de bater de volta na mesa de café
ao lado de Scarlet.

― Bem, isso foi alguma coisa, hein? ― Five pergunta, levantando-se.


― Nós também devemos ir, garantir que ele não esteja nos fodendo demais
aqui.

― Sim, você vai fazer isso. ― Eu digo, esfregando as mãos no rosto com
frustração. Cego por boceta. É o Three, sem dúvida. Ele vai se matar por
uma mulher. ― Mantenha contato.

Os caras vão embora, embora Seven permaneça.

― Não tenho certeza de que seja uma boa ideia. ― Diz Seven. ― Essa
coisa toda... é um grande risco. Tem certeza de que é isso que você quer
fazer?

― Tanta certeza quanto eu normalmente tenho, Seven.

O que significa que não tenho certeza.

Estou inventando merda neste momento.

Assentindo, como se ele não estivesse surpreso, Seven sai, deixando


Scarlet e eu sozinhos. Minha cabeça está começando a latejar novamente,
latejando no meu crânio atrás do olho, manchas coloridas estragando
minha visão. Porra. Inclinando-me, cotovelos nos joelhos, entrelaço
minhas mãos na parte de trás do meu pescoço, fechando os olhos enquanto
abaixo a cabeça.

A última coisa que preciso agora é uma enxaqueca.

Imediatamente, sinto algo, um formigamento ao longo do couro


cabeludo, unhas ásperas arranhando quando os dedos de Scarlet correm
pelo meu cabelo, enviando um calafrio pela espinha.

Eu não posso evitar.

Eu gemo.

― Porra, isso é bom.

Scarlet ri levemente e continua fazendo o que está fazendo,


acariciando gentilmente meu cabelo, a sensação quase me colocando para
dormir. Vodu, juro... Eu nunca vou não acreditar nisso.

O toque da mulher é bruxaria.

É um pecado ceder, mas como pecar é minha especialidade, deixo que


a magia negra me consuma, porque o que tenho a perder? Minha cabeça?
Eu quero cortar a merda na maioria das noites, de qualquer maneira.

Eu sou sacudido eventualmente, meus olhos se abrindo, a cabeça


disparando enquanto o barulho ecoa pela casa. Eu olho para cima, os olhos
borrados indo direto para o meu irmão quando ele aparece na porta com a
namorada. Eu devo ter cochilado, talvez apenas por um segundo, porque
o movimento repentino me deixa tonto.

Abaixo minha cabeça novamente, cobrindo meu rosto com as mãos


quando tudo começa a girar.

― Ei, Morgan. ― Diz Leo. ― Não vejo você há alguns dias.

A mão de Scarlet agarra minha coxa enquanto ela se vira. ― Sim, eu


estava um pouco indisposta.

― É bom ter você de volta. ― Diz ele. ― Ele está... ele está bem?

― Uh, sim... claro.


― Eu posso responder por mim. ― Eu resmungo. ― Estou bem aqui,
você sabe.

― Estou ciente. ― Diz Leo. ― Noite difícil?

― Vida difícil. ― Eu corrijo, olhando para ele, grato por tudo ficar
parado. ― Vou sobreviver.

― Tenho certeza que sim. ― Diz Leo, franzindo a testa, olhando para
seu pequeno Firecracker, que parece extremamente nervosa agora por
algum motivo.

Eu me sento direito. ― O que é isso? Desembucha.

Leo hesita. ― Encontramos um apartamento.

― Você encontrou um apartamento.

― Sim, em Manhattan... Midtown. É meio pequeno, apenas um quarto,


mas tem uma excelente vista. Nós fizemos uma oferta. Eu acho que temos
uma boa chance.

Ele me encara, como se esperasse que eu tenha mais a dizer, mas como
há mais de um milhão de apartamentos na cidade de Nova York, não é
exatamente uma notícia chocante que eles encontraram um, é?

Qualquer idiota com alguns dólares poderia encontrar um


apartamento, se ele quisesse.

Suspirando, me levanto, pegando a garrafa de rum enquanto passo


por Scarlet, saindo da sala de estar. Faço uma pausa perto da escada,
olhando para meu irmãozinho... não tão pequeno, francamente. Eu tenho
apenas cinco centímetros e talvez 5 quilos a mais, mas em termos de
maturidade, ele me superou há muito tempo, com sua linda namorada
loira e seu emprego de besteira e agora seu apartamento cheio de tinta que
provavelmente tem vista para a Times Square.

― Parabéns. ― Eu digo, indo para as escadas.

― Sério, mano? É tudo o que você vai dizer?

― O que você quer que eu diga, Pretty Boy? Que eu espero que você
não seja alérgico a baratas, porque Deus sabe que com o que você faz
provavelmente você estará dividindo a porra do aluguel com milhares
delas.

― Ah, sim... ― Leo joga as mãos para cima. ― Aí está.

― Ratos também. E fodidos vagabundos. Ainda bem que a Firecracker


praticou com pessoas ouvindo você transando com ela todas as noites,
então as paredes finas como papel e os vizinhos intrometidos não serão um
problema, hein?

Subo as escadas, meus passos pesados, ouvindo meu irmão murmurar


― Eu sabia que você tinha algo a dizer sobre isso.

― Claro que você fez. Claro que eu faria, certo? Não é como se eu fosse
uma pessoa decente. ― Eu rio secamente. ― Só passei os últimos vinte anos
do caralho cuidando de você depois que seus pais de merda tentaram me
colocar no chão.

Ele diz algo em resposta.

Eu não sei. Não estou mais ouvindo.

Vou para o meu quarto, bebo o rum, e bato a garrafa na cômoda antes
de cair na cama de costas. Olho para o ventilador de teto, observando-o
girar e girar, esperando que me acalme para dormir, mas estou tenso e
nervoso.

Eu quero matar alguma coisa.

Eu quero foder alguém.

Eu quero foder alguém depois que eu matar alguma coisa.

― Ele não merece isso, você sabe.

A voz de Scarlet é determinada. Ela está parada na porta. Não a ouvi


me seguir, mas não estou surpreso que ela tenha feito.

― O que estou ouvindo aqui, ― digo ― é que eu mereço isso.

― Não foi o que eu disse. ― Ela argumenta, entrando no quarto. ―


Você está apenas fingindo ouvir novamente.

― Eu ouvi você, Scarlet, alto e claro.


― Você só ouviu o que queria ouvir, Lorenzo. Você não ouviu o que
eu disse.

― Estou lendo nas entrelinhas.

― Não, você está distorcendo a merda. ― Diz ela, sentando-se na beira


da cama. ― Eu odeio romper isso pra você, e você pode não gostar, mas o
sol não nasce por sua causa todas as manhãs. Você não é toda essa entidade
poderosa que o mundo gira. Nem tudo tem a ver com você. Leo, ele tem
esperanças e sonhos, e merece ser capaz de segui-los sem que você mije em
tudo.

― Olha, podemos não fazer isso? ― Eu pergunto, jogando meu braço


sobre o meu rosto enquanto fecho meus olhos, porque ela abrindo a boca
está atrapalhando o ventilador de teto fazendo o que deveria fazer. ―
Vamos pular a parte em que discutimos sobre besteiras, como se realmente
nos importássemos um com o outro, porque não estou com disposição para
isso hoje à noite.

― Você é um idiota. ― Ela resmunga, deitando ao meu lado, perto o


suficiente para tocar, mas não estamos nos tocando. Ela está a quilômetros
de distância agora, a frieza se instalando naquele espaço entre nós.

― Sim, bem, pelo menos você sabe...

― Sim, e é realmente uma pena, porque eu me vi começando a me


importar com você.

Ela não diz mais nada.

Também não digo nada.

Ficamos ali em silêncio.

Pela primeira vez, eu não prefiro ele.

Quero que ela diga outra coisa, qualquer outra coisa, apenas para
apagar essas palavras que agora assaltam minha mente.

Eu me vi começando a me importar com você.

Não gosto nada disso, porque, quando ela diz essas palavras, percebo
que, no momento, esse sentimento pode ser mútuo.
― Quando foi a última vez que você dormiu?

Essa pergunta é como unhas em um quadro-negro. É como Jim Carey


em Debi & Loide. É como uma loirinha burguesa falando sobre seu maldito
guarda-roupa.

Isso irrita todos os meus nervos.

Eu me contorço com o som disso.

Seven fica ao meu lado no antigo armazém, me olhando com cautela,


esperando uma resposta para sua pergunta. Estamos chegando ao meio-
dia e descarregamos algumas caixas, um caminhão chegando esta manhã
com as armas para uma das conexões de Jameson. Não consegui encontrar
Three, mas Five apareceu em seu lugar, fato que também me irrita.

― Hoje de manhã ― Digo a ele, deixando de fora o fato de que não foi
mais de uma hora. Eu tinha muito em mente. ― Você vai me perguntar
sobre meus sentimentos a seguir, doutor? Talvez me prescrever um
calmante para manter os pesadelos à distância?

― Estou apenas cuidando de você. ― Diz ele, nada perturbado pela


minha atitude.

― Sim, bem, eu não preciso de cuidados, obrigado. ― Digo, pegando


um pé de cabra para tirar a parte superior de uma caixa, imaginando que
eu mesmo farei o inventario de tudo.

Deixei Scarlet em casa, na cama, dormindo.

Ela provavelmente poderia usar o dinheiro extra, mas eu preciso de


um espaço para clarear minha cabeça, para que eu possa tentar pensar
direito quando se trata de tudo isso. Há trabalho a ser feito, coisas que
precisam ser tratadas e não posso me preocupar com as pessoas ao meu
redor quando preciso me preocupar com as que estão no meu caminho.

Meu telefone toca quando começo a vasculhar as armas. Pego do


bolso, olhando para a tela. Three Entrego para Seven, dizendo: ― Lide com
esse bastardo antes de eu matar ele.

Seven acena com a cabeça, pegando o telefone e atendendo, dizendo


tudo o que precisa ser dito, menos as ameaças que eu estaria lançando se
tivesse que lidar com ele diretamente. Ele dá palestras para o garoto como
se fosse seu pai, o que é meio engraçado, você sabe.

É assim que o Seven age. Como uma figura paterna.

Como se ele soubesse o que é melhor para nós.

Ele geralmente faz.

Seven desliga eventualmente, suspirando, ainda segurando meu


telefone. ― Ele disse que seu telefone estava descarregado, ele esqueceu de
carregá-lo porque estava preocupado em lidar com aquela mulher.

― Isso soa muito como uma desculpa para mim.

― É verdade. ― Diz Seven. ― Ele pediu desculpas.

― Ele teve dois strikes já. ― Eu digo. ― Se chove em mim, ele está
pegando a culpa e é isso para ele.

― Compreensível.

Volto ao inventário, abrindo as outras caixas antes de dispensar Five,


pagando a ele pelo trabalho manual. Eu quase terminei tudo quando o
telefone toca mais uma vez e destrói o silêncio.

― Se for Three de novo...

Seven olha para o meu telefone, sua expressão cautelosa enquanto ele
o segura.

― Número do Brooklyn.

Filho da puta.

― Coloque no viva-voz. ― Ordeno, esperando Seven apertar os botões,


sabendo imediatamente que não será outro senão Aristov. ― Gambini.

― Ah, senhor Scar, eu esperava que você estivesse aceitando ligações


hoje.

― Para você, Yogi? A qualquer momento. Agora me diga o que você


quer, para que possamos continuar com nossos dias.

― Estou curioso se você está com Morgan agora, ― diz ele ― se ela
estiver aí, onde quer que você esteja.
― Você não pensa seriamente que eu vou lhe dizer isso, não é?

― Espero que sim.

― Bem, merda difícil, porque você não está recebendo nada de mim.

Ele solta um suspiro dramático. ― Isso é uma vergonha. Você poderia


ter deixado uma menininha muito feliz, mas prefere partir o coração dela.
― O telefone muda, sua voz baixa quando ele diz, ― Sinto muito, minha
gatinha, mas você não pode falar com sua mãe no aniversário dela.

Este conivente filho da puta ...

― Você acha que eu sou burro? ― Eu pergunto. ― Você acha que eu


vou me apaixonar por essa besteira? Que eu realmente acredito que você
tem a garota aí com você?

O telefone muda de novo, sua voz aguda quando ele diz: ― Diga olá
para o homem.

Balanço a cabeça, levantando uma tampa e a batendo de volta no


último caixote, o estrondo ecoando pelo armazém tão alto que quase sinto
falta do som da voz suave que entra pela linha. ― Olá.

O tempo parece que para.

Eu me viro, olhando na direção do meu telefone. Seven ainda o segura,


de olhos arregalados, me encarando. Acho que ele também não esperava
ouvir a garota.

― Olá. ― Eu digo, sem ter ideia do que mais dizer, se eu deveria dizer
alguma coisa.

― Mamãe está aí? ― ela pergunta, um tom esperançoso em sua voz


suave que eu sei que estou prestes a esmagar.

― Não, ela não é, ― digo ― mas ela sente sua falta.

― Eu também sinto falta dela. ― Diz ela, e eu posso ouvir sua voz
enquanto ela treme, a esperança substituída por devastação. ― Você sabe
onde mamãe foi?

― Coloque seu pai de volta no telefone. ― Eu digo, porque não posso


responder a essas perguntas para ela, mas ela não me escuta mais do que
Scarlet.
― Por favor! ― Ela diz, começando a chorar. ― Eu quero a mamãe!
Não quero mais ficar aqui! Por favor, não...

Ela solta um grito abafado quase instantaneamente. Eu posso ouvir


uma luta através da linha, soluços frenéticos, tossindo, como se a garota
não conseguisse recuperar o fôlego. Meu estômago afunda. Seven olha
para mim horrorizado, como se ele esperasse que eu fizesse alguma coisa,
mas que diabos eu devo fazer sobre isso?

De repente, sou grato que Scarlet não está aqui, que ela não está
ouvindo isso.

― Calma, gatinha. ― diz Aristov, voltando ao telefone. ― Papai está


conversando com o novo brinquedo da mamãe.

A garota fica quieta.

Não ouço um pio dela.

― Você acabou de machucá-la? ― Eu pergunto, tentando manter a


calma, quando quero o alcançar através da linha e arrancar suas bolas de
merda.

― Eu a silenciei.

― Você a sufocou.

― Bobagem. ― Diz ele. ― Elas devem ser ensinadas, senão correm


soltas. É para o seu próprio bem.

Para seu próprio bem.

― O que você quer? ― Eu pergunto. ― Estou começando a perder a


paciência com você e você realmente não vai gostar de mim quando isso
acontecer.

― Você sabe o que eu quero. ― diz ele. ― Eu quero que minha gatinha
tenha sua mãe de volta.

― Bem, então, estamos na mesma página. ― Eu digo. ― Terei prazer


em ir buscar a criança e reuni-las para que possam seguir seu caminho
alegremente.

― Tsk, tsk. Você sabe que não vai funcionar assim. ― Ele ri. ― Diga-
me onde encontrar a suka. Eu também estou me cansando deste jogo e não
vou jogar por muito mais tempo. Se você não me der o que eu quero, todos
que você conhece pagarão o preço. Seus amigos, suas famílias... até seu
próprio irmão. Sim, eu sei sobre ele, senhor Scar. Eu não quero machucá-
los, então não me faça fazer. Tudo o que quero é minha linda garota de
volta para casa, para que possamos ser uma família.

Antes que eu possa responder, a linha cai.

Ele desligou na minha cara.

― Eu vou gostar de ver esse homem morrer. ― Murmuro, balançando


a cabeça.

― Chefe...

― Agora não, Seven. ― Eu digo, ouvindo a preocupação em sua voz.


― Salve isso, seja o que for, até que eu durma mais e possa lidar com essa
merda.

Eu saio do armazém, parando no beco para puxar um baseado e


acender enquanto Seven checa tudo, trancando as portas.

― Ligue para Jameson. ― Digo quando ele se junta a mim. ― Diga a


ele para me encontrar naquele bar, o buraco na parede...

― Whistle Binkie. ― Diz ele.

― Sim, esse. ― Eu murmuro, indo em direção ao carro. ― Eu preciso


de uma porra de bebida.

Seven faz o que eu peço, sem me questionar mais, dirigindo para a


cidade, para a Lower East Side, onde fica o bar. Ele para no meio-fio em
frente, encontrando aquele raro estacionamento na rua.

Talvez minha sorte esteja mudando.

― Precisa que eu entre? ― Seven pergunta, desligando o carro, mas


deixando as chaves penduradas na ignição.

― Você pode esperar aqui fora. ― Eu digo. ― Tire uma soneca para
mim ou algo assim.

Ele ri. ― Verei o que posso fazer.


O lugar não está tão cheio assim no início da tarde, algumas pessoas
sentadas ao longo do bar, mas a maioria das mesas está vazia. Deslizo para
um banquinho vazio, e o barman olha para mim, dando uma olhada dupla.
É o mesmo cara de todas as outras vezes que estive aqui. Eles têm outros
funcionários?

― Não vejo você há um tempo. ― Diz ele. ― Garrafa de rum, certo?

― Certo.

Ele entrega, sem argumento, rasgando o bico para mim. Eu bebo direto
da garrafa, apenas sentado em silêncio, mexendo com uma montanha-
russa até Jameson aparecer.

Ele puxa o banquinho ao meu lado para se sentar. ― Com sede?

Tomo um gole da garrafa, encolhendo os ombros, antes de olhar em


sua direção. No segundo em que vejo o rosto dele, eu rio. Seu nariz está
inchado e machucado, fita adesiva o cobrindo.

Eu ofereço a ele a garrafa. ― Parece que você pode precisar de um


pouco disso.

Ele acena para mim, dizendo. ― Não posso mexer com essas coisas
fortes. ― Antes de apontar para o barman, pedindo o que quer que esteja
na torneira.

Ele bebe sua cerveja quando é entregue, suspirando, encostando ao


longo do bar.

― Então, como você explicou seu rosto? ― Eu pergunto.

― Disse aos caras do trabalho que meu neto me bateu com uma bola,
mas eu contei a verdade para minha esposa. ― diz ele, cortando os olhos
para mim. ― Fui atingido por um criminoso.

― Um criminoso, hein? Isso resume tudo.

― Conte-me sobre isso. ― Diz ele. ― Consegui com o juiz rescindir o


mandado esta manhã, e ele foi varrido do sistema. Ouvi dizer que o russo
apareceu e fedeu quando ninguém pode lhe dizer para onde ela foi.

― Ele me ligou pouco tempo atrás.

― Sim? O que ele queria?


― Usar a criança para me fazer cooperar. ― Eu digo. ― Ele mandou ela
me pedir a mãe dela.

Jameson faz uma cara de dor. ― Ele deve estar ficando desesperado.

― Ele está, o que significa que provavelmente ficará feio em breve. Vou
tentar manter tudo sob o radar, então você não é puxado, mas eu queria
lhe dar um aviso, para que você não seja pego de surpresa.

Ele assente, bebendo sua cerveja. ― Faça o que você tem que fazer pela
sua garota, Gambini.

― Ela não é minha garota.

― Poderia me enganar. ― Diz ele. ― Você está enfrentando muitos


problemas para uma garota que não é sua.

― É princípio. ― Digo a ele. ― Quanto mais cedo isso acabar, mais cedo
minha vida pode voltar ao normal.

― Normal. ― Ele ri disso. ― Quando diabos sua vida já foi normal?

Eu cortei meus olhos para ele, mas ignorei sua pergunta.

Bebemos em silêncio por um tempo.

Jameson empurra seu copo para o lado quando está vazio. ― Eu


preciso da sua garantia de que Aristov é o fim disso.

Eu olho para ele, mas não digo nada.

― Eu já olhei para o outro lado pra muita merda, Gambini. ― Ele diz.
― Eu enterrei muitas evidências para você voltar anos atrás. Deixei seu
amigo fazer o caminho pra levar todos aqueles chefes, porque você veio a
mim, um favor por um favor, quando eu tinha mais do que o suficiente
para prendê-lo pelo resto da vida. Então, preciso que essa situação em
particular termine com os russos, ok?

Ele não está falando sério, mas eu sei sobre o que ele está falando. ―
Você quer que eu deixe o detetive FuckFace em paz.

― Nós tínhamos um acordo, você e eu... sem policiais. Você se lembra


disso, não?
Eu não faço promessas, mas eu disse a ele anos atrás que não iria
atingir nenhum garoto de azul. Era o seu limite rígido. Eu poderia criar o
inferno que quisesse, mas se eu matasse um policial, estaria tudo acabado,
com nosso acordo.

― Você realmente quer lucrar a seu favor por esse desprezível?

― Não. ― Diz ele rindo secamente. ― Eu me senti mais seguro sabendo


que você me devia, então esperava manter esse cartão por um longo tempo,
mas não tenho muitas opções a menos que queira o sangue de um policial
nas minhas mãos.

― Eu posso fazê-lo desaparecer, sem sangue.

Ele corta os olhos para mim.

Aparentemente, ele não gostou dessa ideia.

― Está bem então. Se o cara parar de respirar, não será por mim. É isso
que você quer ouvir?

― Sim.

― Bem. Combinado. ― Tomo um gole de rum antes de empurrar a


garrafa para o lado, jogando algum dinheiro no bar para pagar enquanto
me levanto. Dou alguns passos para longe, parando para olhar para ele. ―
Só para esclarecermos... os ventiladores contam? Porque eu posso causar
muitos danos se deixarmos um respirador fazer respiração dele por
enquanto.

Os olhos de Jameson se estreitam. ― Não coloque um dedo nele,


Gambini. Quero dizer.

Eu levanto minhas mãos. ― Apenas checando. Tenha um ótimo dia,


detetive.

Ele murmura algo antes de acenar para o barman para lhe trazer outra
cerveja.

Saio, vendo meu carro ainda estacionado na calçada, Seven ao volante,


mexendo no meu telefone. Eu subo ao lado dele e ele corta os olhos na
minha direção, cuidadosamente colocando o telefone para baixo.

― Alguém ligou? ― Eu pergunto, pegando ele.


― Sim. ― Ele liga o carro. ― Uma agência de aluguel. Seu irmão
colocou você como referência em seu pedido de apartamento.

― Você lidou com isso para mim?

― Claro. ― diz ele. ― Disse a eles que ele era um ótimo garoto,
trabalhador, responsável e respeitável.

― Bom. ― Eu digo com um aceno de cabeça, me estabelecendo. ―


Obrigado.
―――――――――――――

Buster ainda estava sentado na verga.

Uma camada de poeira o cobria, um pouco de fuligem da lareira


riscando seu pelo marrom irregular. Ele parecia tão triste, coberto pela
escuridão, a lareira não acesa e as luzes não acesas.

A garotinha se aproximou, caminhando pela sala vazia e olhou para


ele, franzindo a testa. Ela perguntou-se se ele ainda cheirava como a mãe
dela, ou se ele cheirava todo empoeirado. De pé na ponta dos pés, ela
estendeu a mão, as pontas dos dedos roçando o pé queimado do urso.

― O que você está fazendo?

A voz aguda atravessou a sala, instantaneamente derrubando-a de


volta nos pés dela. Ela se virou, de frente para a porta. ― Nada.

O Homem de Lata estava bem dentro da sala, os braços cruzados sobre


o peito enquanto a olhava.

― Nada. ― Ele repetiu, indo na direção dela, seus passos medidos. Oh-
oh. Ele parou bem na frente dela, agachando-se ao nível dos seus olhos. ―
Nada parece mentira, gatinha. Deseja mudar sua resposta?

― Eu não toquei nele. ― Disse ela. ― Eu juro!

― Outra mentira. ― Ressaltou. ― Eu vi você.

Sua voz estava baixa quando ela disse ― Mas eu apenas sinto falta
dele.

― Diga-me, por que ele é tão especial para você? Ele é velho, feio e
fede. Por que ele importa?
Ela encolheu os ombros. ― Eu não sei.

― Mais uma mentira. ― disse ele. ― Minta mais uma vez e você viverá
para se arrepender de ter aberto sua boca para mim, tenha muito cuidado.
Vou perguntar novamente e quero uma resposta... o que torna o seu Buster
tão especial?

Ela hesitou antes de sussurrar ― Mamãe o deu para mim.

― Ela também te deu a sua vida, mas você não parece se importar com
isso. ― Disse ele, segurando o queixo dela, apertando as bochechas com os
dedos, como costumava fazer. ― Você não me leva a sério? Esse é o
problema? Você acha que eu estou apenas brincando com você? Porque o
que eu disse que aconteceria se você tocasse naquele urso?

Ela tremeu, com os joelhos trêmulos. ― Que você o queimaria.

― E?

― E...

E... ela não sabia.

Ela não conseguia se lembrar.

Lembrar estava ficando tão difícil.

― E eu também te queimaria. ― Disse ele, erguendo as sobrancelhas,


com o rosto tão perto que o nariz quase tocou no dela. ―O que faz você
pensar que eu não vou empurrá-la naquela lareira e acendê-la?

― Você me ama. ― Ela sussurrou, sua voz trêmula.

― Eu faço. ― Disse ele. ― Você é especial para mim, gatinha, pela


mesma razão... sua mãe me deu você. Você é o meu Buster. E oh, como eu
gostaria de poder colocar você na verga, mantê-la longe de problemas, mas
há um fogo em você. Você é a filha da suka. Ela também teve um incêndio,
e você quer saber a melhor maneira de apagar o fogo?

― Como?

― Você abafa ele.

Antes que a garotinha pudesse dizer outra palavra, ele atacou. A mão
esquerda dele agarrou a parte de trás do pescoço dela, prendendo-a no
lugar, enquanto a mão no queixo dela se mexia, os dedos apertando o nariz
dela enquanto a palma da mão cobria sua boca.

Ela tentou inalar, mas não conseguiu.

Com os olhos arregalados, ela lutou, agarrando seus braços, tentando


arrancar a mão dele para que ela pudesse respirar um pouco, empurrou
ele o mais forte que pôde, quase o derrubando.

Gemendo, ele se levantou, seu aperto afrouxando por tempo suficiente


para ela respirar, soltando um grito agudo que ele silenciou ao agarrá-la.
Puxando-a para uma cadeira de couro preto, ele a jogou sobre ela,
pressionando o joelho dela, o forçando contra a almofada, enquanto a mão
dele passava por sua boca novamente.

― Vor!

A voz do Leão Covarde gritou da porta. A garotinha reconheceu. Sua


presença repentina não parou o Homem de Lata, no entanto. Ele continuou
sufocando-a.

― Kassian! Pare antes de matá-la!

O Homem de Lata tirou a mão e a garotinha inspirou bruscamente,


com a visão embaçada. Ela piscou, tremendo, quando ele se inclinou, o
nariz perto do nariz dela novamente. ― Você nunca terá seu Buster de
volta, gatinha, e você não tem ninguém para culpar além de si mesma.

O Homem de Lata se levantou e foi embora, parando perto da porta,


onde o Leão Covarde espreitava.

― Você está esquecendo seu lugar novamente, Markel. ― Disse ele,


olhando para ele. ― Eu dou as ordens. Se você não gostar, vá para outro
lugar.

A menininha se encolheu na cadeira, chorando, quando o Homem de


Lata saiu, desaparecendo. Depois de um momento, o Leão Covarde se
virou, aproximando-se cuidadosamente. Parando na cadeira, ele se
abaixou, afastando os cabelos do rosto dela, limpando as lágrimas de sua
bochecha.

― Eu sempre odiei quando ele fazia sua mãe chorar. ― Disse ele. ―
Tantas noites, ela chorava, mas encontrou coragem por você. E eu sei que
você quer aquele urso, doce menina, mas não é o urso que você ama. É sua
mãe.

― Sinto falta dela. ― A menina sussurrou.

― Eu sei. ― Ele disse, suspirando. ― E, da sua maneira distorcida, ele


sente falta dela também.
―――――――――――――――――――

A porta da frente se abre quando eu saio da escada e entro no saguão


silencioso da casa. Meu olhar cintila no momento em que Lorenzo entra.
Ele está sozinho e ninguém mais está em casa, o que significa que somos
apenas eu e ele no momento.

Faço uma pausa lá, observando-o cautelosamente.

Ele se foi quando eu acordei, apesar de eu ter vencido o nascer do sol.


O ar da casa estava sufocante ontem à noite e não me sinto mais confortável
esta manhã. Não tenho certeza se é sobra da tensão ou se estou apenas
projetando.

De qualquer maneira, eu não gosto.

Não quero gastar o meu bem-vinda.

Lorenzo olha na minha direção, hesitando um momento antes de


fechar a porta.

― Você está bonita.

Olho para mim mesma, para o pequeno vestido casual listrado preto
e branco com mangas compridas. Vai quase até os joelhos. Comprei porque
tem bolsos, o que é quase um milagre para as roupas femininas. Os bolsos
são como homens que comem buceta por diversão - unicórnios.

― Sim, ultimamente eu tenho enlouquecido, com todos os moletons e


porcarias, então eu pensei, você sabe, por que não me vestir como eu outra
vez?
Seu olhar lentamente me examina. ― Você é linda, não importa o que
vista.

― Obrigado. ― Eu digo, o elogio me surpreendendo. Não havia um


ponto de sarcasmo nele. Esquisito. Ele está vestindo jeans desbotados e
botas de combate frouxamente amarradas com uma camisa Henley preta
desabotoada e um casaco preto. É estranho como o homem pode parecer
tão bem vestido com o que quer que esteja usando, sem pensar em nada. ―
Você está bonito também.

Lorenzo olha para si mesmo, fazendo uma careta, antes de cortar os


olhos na minha direção. ― Não faça essa merda estranha, Scarlet.

Eu ri quando ele tira o casaco, colocando-o sobre o braço. Ele dá alguns


passos, em direção a sua biblioteca, antes de parar no corredor.

Ele fica lá, de costas para mim, como se algo o tivesse surgido, antes
que ele lentamente se virasse novamente. ― Você está indo para algum
lugar?

― Sim, eu imaginei que iria tomar um ar. ― Eu digo, apontando para


a porta da frente. ― Você sabe, sair do seu cabelo por um tempo.

― Sair do meu cabelo por um tempo.

― Sim.

― Pena. ― Diz ele. ― Eu meio que gosto de você no meu cabelo.

Ele se afasta, desaparecendo em sua biblioteca, deixando a porta


aberta atrás dele. Eu fico aqui por um momento, meu olhar se deslocando
entre o corredor e a porta da frente, antes de segui-lo, meus saltos pretos
estalando contra o chão de madeira, então eu sei que ele me ouve se
aproximando.

Ele está sentado na cadeira, as mãos entrelaçadas no topo da cabeça,


as mangas da camisa afastadas nos cotovelos. Suas pernas estão esticadas,
cruzadas nos tornozelos. Enquanto ele parece relaxado, sinto a tensão. Ela
sai dele como ondas, escritas em seu silêncio.

Eu paro lá, a maior parte ainda no corredor, e me inclino contra o


batente da porta enquanto o encaro.
Ele olha para mim por um momento antes de dizer, ― Você pode
entrar, você sabe.

― Eu sei.

― No entanto, você está aí, ― diz ele ― tornando a merda estranha.

Eu sorrio suavemente. ― Eu estava pensando se talvez você queira vim


comigo.

― Ir com você.

― Sim.

― Para sair do meu cabelo.

― Sim.

Ele não diz nada.

Ainda está tenso. E estranho. Eu posso sentir isso. Você pode? Quero
dizer, olha, eu sei o quão estúpida provavelmente estou soando no
momento, mas estou tão fora do meu elemento aqui. Não é exatamente
como seu eu fosse fluente em relacionamentos. Não tenho amigos...
nenhuma família além da minha filha... nunca tive um namorado, se
estamos sendo técnicos. Apenas uma série de homens que me usaram pelo
meu corpo e agora eu o tenho, e o que quer que seja, e tudo é tão estranho.
Mas as coisas parecem estranhas, ele está certo, e eu realmente não sei
como melhorar.

― Quero dizer, sem ofensa, mas você é um idiota. ― Eu digo. ― Achei


que você poderia querer ficar longe desse cara por um tempo.

Mais uma vez, ele não diz nada.

― Ou não. ― Murmuro, dando a ele um pequeno sorriso que ele não


retorna antes que eu me afaste do batente da porta, voltando para o
corredor. Vou para a porta da frente, abrindo-a e estou prestes a sair
quando ouço um movimento atrás de mim.

Olhando por cima do ombro, vejo Lorenzo enquanto ele veste o


casaco, vindo em minha direção, passando por mim, andando do lado de
fora sem dizer uma palavra. Eu me junto a ele, fechando a porta da frente
enquanto o observava peculiarmente. Está setenta graus, mas ele está
embrulhado como se ainda fosse inverno.

― Você está com fome? ― Eu pergunto quando começamos a nos


afastar da casa, deixando o carro estacionado na garagem, pois acho que o
metrô será suficiente. Ele segue minha liderança, como se estivesse apenas
seguindo em frente.

― Depende. ― Diz ele. ― Você está oferecendo?

― Claro. ― Eu digo. ― Você já jantar e correr25?

Ele ri disso. ― O tempo todo.

― Impressionante.

Nós vamos para a cidade, trocando de metrô duas vezes. Demora


quase uma hora antes de finalmente sairmos pela Broadway. Não sei para
onde estamos indo, nem o porquê, mas em algum momento ao longo do
caminho Lorenzo assume a liderança como se tivesse um destino em
mente.

Acabamos em um restaurante perto do Central Park, um daqueles


lugares elegantes para garotas de programa bilionárias, o vinho, o jantar e
sessenta e nove tipos de garotas, onde você a trata com champanhe e caviar
antes de levar ela ao The Plaza até o seu Viagra ceder.

Você chegou aonde eu vou com isso?

Eu, com meu rosto todo raspado pela briga do beco, e ele sendo, bem...
ele. Estamos fora do lugar aqui, mas Lorenzo parece não perceber. Ele entra
pela porta como se fosse o dono do lugar, aproximando-se da anfitriã e
dizendo ― preciso de uma mesa para dois ― como se latir isso anulasse a
placa ‘somente com reserva' pendurada perto de nós.

A anfitriã murmura impacientemente a política de reservas antes de


olhar para cima, silenciando no meio da frase. Ela fica quieta por um
segundo, pega de surpresa, antes de dizer ― Claro, Sr. Gambini. Mostrarei
o caminho.

Oh okay.

25
É uma expressão usada quando você sai de um restaurante sem pagar.
Ela nos mostra uma pequena mesa no canto de trás, deixando dois
pequenos menus de uma página cheios de merda que são estranhas para
mim, como Miyazaki Wagyu (algum tipo de bife chique, de acordo com
Lorenzo). Estou lendo, fazendo caretas enquanto tento decifrá-lo. ― Você
já comeu aqui antes?

― O tempo todo. ― Diz ele.

Claro, faz sentido, uma vez que o reconheceram. ― Você sabe, jantar e
correr só funciona se você conseguir fugir, o que não é um bom presságio
para nós, já que eles sabem o seu nome.

Ele ri. ― Eu sei.

― Então porque estamos aqui?

Ele não precisa responder isso, não, porque o universo me diz


exatamente por que estamos aqui quando olho para cima e fico cara a cara
com Leo. Ele está vestindo um smoking seu uniforme de trabalho.

Percebo imediatamente que ele é nosso garçom. Oh garoto.

― O que você quer? ― Ele resmunga, parado ao lado da mesa, olhando


para o irmão. Ele é meio adorável, com aquela pequena gravata preta,
especialmente com ele fazendo beicinho no momento.

Me faz querer apertar suas bochechas.

― É assim que você cumprimenta todos os seus clientes? ― Lorenzo


pergunta. ― Porque se assim for, eu teria demitido sua bunda há muito
tempo.

― Olha, já foi um dia longo e estou trabalhando o dobro então você


pode me dar um tempo? ― Leo pergunta. ― Estou fazendo o meu melhor
aqui.

― Eu sei. ― Diz Lorenzo, arrancando o cardápio da minha mão,


descartando-o. ― Vamos querer o menu de degustação.

Eu faço uma careta. ― Você está pedindo para mim?

Lorenzo corta os olhos na minha direção. ― Isso é um problema?

― Depende. ― Eu digo. ― O que você pediu?


― Menu de degustação. ― Leo diz. ― É um pouco de tudo, como uma
amostra ou o que for.

― Oh, bem, então... ― Eu aceno para Lorenzo. ― Não é um problema.

― Você quer um pouco de vinho ou algo assim? ― Lorenzo pergunta.

― Ou algo assim. ― Murmuro, pegando o menu de bebidas, que é


cento e cinquenta vezes maior que o de comida. Nem é brincadeira. Cento
e cinquenta páginas de álcool. Eu folheio, fazendo mais uma careta. Vinho.
Vinho. Vinho. Vermelho. Branco. Locais e de anos e quem diabos sabe o que
todos em francês significa. Meus olhos percorrem a lista de preços. ― Oh
Deus, quem pode se dar ao luxo de cheirar metade desses?

― Eu posso. ― Diz Lorenzo.

― Isso significa que você está pagando?

Ele encolhe os ombros.

Eu tomo isso como um sim.

― Bem, nesse caso... ― Eu fecho o menu de bebidas, empurrando-o


para o lado. ― Uma garrafa do seu mais caro, seja lá o que diabos estiver
nesse menu, obrigado.

Leo ri, enquanto Lorenzo pega o cardápio. ― Whoa, whoa, eu serei


maldito... isso é como vinte mil dólares, Scarlet. Tire alguns zeros, mulher.

Reviro os olhos, me virando para Leo. ― Você tem algo frutado, como
a porcaria que vem com pequenos guarda-chuvas?

Leo assente.

― Me traga um desses. ― Eu digo. ― Me surpreenda.

Leo olha para o irmão novamente. ― O que você vai querer?"

― Rum.

Rum. Claro.

― Copo do nosso melhor rum. ― Diz Leo.

― Rum mais barato. ― Diz Lorenzo. ― E a garrafa inteira será bom.


― Copo do nosso pior rum. ― Murmura Leo. ― Garrafa inteira, minha
bunda...

Leo se afasta, enquanto Lorenzo o encara.

Minha bebida não vem com um pequeno guarda-chuva, ao contrário,


é decorada com algumas cascas de laranja em formas encaracoladas. Eu
tiro uma, olhando-a peculiarmente enquanto tomo um gole do que quer
que seja. Doce, frutado e forte.

― Essas são as minhas laranjas. ― Salienta Lorenzo enquanto toma um


gole de rum do pequeno copo que Leo lhe trouxe. Sem garrafa. Eu olho a
casca. ― Direto dos bosques de Gambini?

― Sim.

― Huh, se isso não é algo. ― Eu digo. ― Você deve se orgulhar de ter


um negócio tão bem-sucedido.

― Está tudo bem.

― Está tudo bem. ― Eu digo, repetindo. ― Nossa, cara, contenha seu


entusiasmo.

Ele sorri levemente. ― Me perdoe por não gritar como uma putinha
sobre isso. É muito trabalho para não render muito. É meio deprimente,
depois de passar mais de quinze anos trabalhando de sol a sol,
arrebentando minha bunda para manter os negócios da família
funcionando e não bancando nem uma fração do que fiz desde que cheguei
a Nova York. E eu nem sequer suo aqui, você sabe. Vale a pena ser um
idiota não sentimental.

― Mas ainda assim você mantém os bosques. ― Eu indico.

― Eles são minha casa.

Essa resposta me surpreende. Casa. ― Você pensa neles como sua


casa?

― Por que não?

― Uh, eu não sei. ― Eu digo. ― Talvez por causa do que você passou
por lá, com seu padrasto e sua mãe e...
― Não importa. ― Diz ele, me cortando. ― Meu pai construiu o local
e deixou para mim. Nada que eles pudessem fazer arruinaria isso. Eu me
recuso a deixar.

― Então porque você está aqui?

― Eu já te disse o porquê. ― Diz ele. ― O mesmo motivo que você... eu


vi um filme.

Eu sei que ele está mentindo. Como eu sei disso? Porque foi quando
eu disse isso a ele no telhado todas aquelas semanas atrás, que eu vim para
Manhattan por causa dos Muppets.

― Há, o que... oito milhões de pessoas na cidade de Nova York? ― Eu


pergunto.

― Algo parecido.

― Eu apenas pensei, você sabe, que muitas pessoas, eu era obrigada a


encontrar alguém para dar a mínima para mim. É por isso que eu vim. Eu
era jovem, solitária e cansada de ser ignorada e esquecida. Eu queria
importar para alguém.

Lorenzo me encara, como se talvez ele não soubesse o que dizer sobre
isso. Começa a ficar estranho de novo, com ele não falando, então sou
muito grata quando a comida começa a chegar. Graças a Deus. Leo deixa
dois pratos, e eu faço uma careta quando ele explica o que é - algum tipo
de molho de nata com ostras e caviar.

Parece mais arte do que algo para comer.

Eu tento, no entanto, porque foda-se. Não gosto de desperdiçar


comida. É salgado, e peixe, e ugh... não obrigado. Ele gradualmente piora,
com mais peixe e algumas alcachofras de aparência artística, um pouco de
carne agradável com um caldo de sabor forte, antes que haja ainda mais
frutos do mar. E mais. E mais. E mais. Tem uma salada com molho que tem
gosto de molho agridoce e uma porra de aipo e alho-poró, algo grelhado
com trufas.

Trufas.

As únicas trufas que como são as de chocolate.


Lorenzo, no entanto, devora tudo.

Nós não conversamos.

O último prato chega, e eu suspiro de alívio pôr a sobremesa parecer


sobremesa e não ser uma merda estranha de peixe. Biscoitos, sorvetes e
chocolate, oh meu Deus... eu como tudo, sem hesitar. Eu ainda estou
morrendo de fome.

― Fiquei entediado. ― Diz Lorenzo, eventualmente, sem tocar sua


sobremesa.

Olho para ele, com a testa franzida. ― O que?

― É por isso que estou aqui. ― Diz ele. ― Eu sei que isso soa falso, mas
é verdade. Fiquei entediado e queria uma mudança. Laranjas não eram o
único legado de meu pai. Ele cresceu na máfia, dirigiu essas ruas por anos,
até que a família Genova o expulsou da cidade... foi assim que ele acabou
na Flórida. Mas, mesmo assim, eles não o deixaram ser. Então eu pensei,
você sabe, por que não voltar de onde ele parou? Então eu apareci, tirei
todos eles, e aqui estou eu, entediado de novo... ou pelo menos estava.

― Não está mais entediado?

― No momento, não.

― É bom saber. ― Eu digo. ― O que acontece quando você ficar


entediado de novo?

― Eu volto para casa.

Leo aparece novamente antes que eu possa responder, deixando a


conta que eu prontamente pego. É quase oitocentos dólares. Pelo almoço.
― Whoa, amigo...

Lorenzo pega da minha mão e joga de volta na mesa antes de se


levantar. ― Vamos.

Ele começa a se afastar, e eu apenas fico boquiaberta, porque ele está


saindo legitimamente, como se estivéssemos jantando e correndo, porque
ele não está pagando a conta, e eu certamente não consigo. Eu não tenho
tanto dinheiro. Eu me levanto da cadeira, seguindo ele, mantendo a cabeça
baixa e sem fazer contato visual com ninguém, enquanto ele olha as
pessoas sem expressão no rosto.

Ele é louco.

No segundo em que sai, ele pega sua lata e pega um baseado,


sacudindo um fósforo para acendê-lo, fumando na calçada enquanto olha
em volta. ― Então, para onde agora?

― Cadeia, provavelmente. ― Eu digo, parando ao lado dele,


carrancuda enquanto ele sopra a fumaça na minha cara. ― Eu não sei como
diabos você evitou uma cela até agora, porque você é terrível em voar sob
o radar.

― Quem disse que estou tentando voar sob o radar? ― Ele pergunta.
― Quero dizer, vamos lá, baby... olhe meu rosto. Não há sentido em me
esgueirar por aí.

Eu olho para ele, não porque ele acabou de me dizer, mas por causa
da palavra que ele usou. Baby. Faz o tipo de coisa no meu peito que me
deixa desconfortável – o espremer, apertar e o tamborilar de merda. Ugh,
pare com isso, coração. Você não tem nenhum negócio reagindo a ele.

Aponto para o rosto dele, acenando com o dedo. ― Sim, bem, isso não
significa que você precisa se exibir.

Lorenzo pega minha mão, afastando-a do rosto, ainda segurando-a


enquanto diz. ― Mas é isso que torna tudo tão divertido.

Eu reviro meus olhos. ― Há algo errado com você.

― Eu sei. ― Diz ele. ― Então, para onde?

Ele está me olhando como se quisesse uma resposta, mas eu apenas


dou de ombros, porque não tenho certeza. Eu realmente não saí de casa
com um plano, sabe?

Além disso, ele está tocando minha mão. Segurando minha mão.
Esquisito.

Lorenzo suspira, finalmente deixando ir e continuando a fumar,


apontando com a cabeça para a rua antes de começar a andar. Não sei para
onde ele está indo, e ele com certeza não me diz, mas eu o acompanho de
qualquer maneira.

― Então a sua história da Broadway era besteira? ― Ele pergunta. ―


Os Muppets não fizeram você querer se juntar à linha do coro?

Eu sorrio. ― Não era besteira, por si só. Eu me apaixonei pela


Broadway.

― Sim?

― Sim. ― Eu digo. ― Eu gostaria de ter esse tipo de talento... o tipo em


que alguém me pagaria para dançar com minhas roupas... mas eu não
tenho, então deixo para os profissionais.

― Qual é a sua peça favorita... musical... qualquer coisa?

― O Rei Leão.

― Sim?

― Sim.

Ele ri, como se achasse minha resposta engraçada. ― Eu vi o desenho


algumas vezes.

― Eu também. ― Mais do que algumas vezes. ― Mas nunca vi o


musical.

Seus passos vacilam tanto que eu quase esbarro nele. ― Como é o seu
favorito, se você nunca viu?

― Eu nunca vi nenhum deles, ― digo ― mas ouvi dizer que é bom e vi


clipes.

― Você viu clipes.

― Sim.

― Isso é...

― Patético?

― Eu estava indo mais para besteira.

― É a vida, ― digo ― que, ao contrário do que você parece pensar, nem


sempre pode ser divertida.
― Veja, agora isso é besteira.

Ele tira o telefone do bolso e começa a mexer nele, como se a conversa


tivesse terminado agora, mais nada a dizer sobre isso. Caminhamos por
quem sabe quanto tempo, vagando pelas ruas até meus pés começarem a
doer. Eu tiro meus sapatos e os carrego, porque foda-se, o que me rende
um olhar peculiar de Lorenzo. Ele afasta o telefone eventualmente, mas
ainda não conversamos.

Eu o deixei liderar, e talvez seja estranho, mas estou gostando do


silêncio. É pacífico em um sentido e me deixa à vontade.

Eu precisava disso hoje.

Precisava disso.

Serenidade.

Acabamos na Broadway no meio da tarde e eu olho para cima,


olhando as placas amarelas de O Rei Leão ao longo do Teatro Minskoff.
Lorenzo vai direto para o lugar, se aproximando... mais perto... mais perto,
mas eu agarro seu braço para detê-lo enquanto ele se aproxima de uma
multidão reunida. ― O que você está fazendo?

― Estou indo ver o rei leão.

― Eu, uh... o que?

Começo a argumentar, mas ele não para para ouvir uma palavra da
minha argumentação, entrando exatamente no mesmo momento em que
outros entram. O homem que trabalha na porta olha para Lorenzo,
desviando os olhos rapidamente em reação.

Eu fico tensa. Isso me deixa mal do estômago.

Lorenzo, no entanto, não parece incomodado.

O cara pede nossos ingressos, mas Lorenzo fala sobre ele sair do
caminho dele, passando por mais dois trabalhadores e por um funcionário,
como se eles estivessem com muito medo de dizer "não" a ele. Encontramos
alguns lugares vazios nos fundos, lá em cima, mas não vou reclamar nem
um pouco. Estou muito chocada por estar no teatro. O intervalo está
terminando, o segundo ato é iniciado. Perdemos todo o começo, mas foda-
se... Eu nunca pensei que veria tanto.

A música começa, e eu fico fascinada com o segundo ato, mostrando a


tarde, ignorando o olhar das pessoas ao nosso redor que sabem muito bem
que não estávamos aqui antes. Os primeiros minutos, estou no limite,
esperando ser jogada para fora, mas, eventualmente, o desenrolar que está
acontecendo no palco é demais.

Eu assisto, lágrimas nos meus olhos que eu luto para segurar, uma
pressão no meu peito como se meu coração fosse explodir. Estou
estourando de sentimentos e não sei o que fazer. É como ser arrastada por
um tornado e estou esperando que ele me deixe em algum lugar.

E eu quebro no segundo em que acaba.

Estou de pé do meu assento roubado, torcendo alto, batendo palmas,


gritando e chorando, porque é a coisa mais linda que já vi tirando minha
filha. Nada será mais bonito que ela, mas este momento é um segundo
próximo, e tudo o que consigo pensar aqui é o quanto ela amaria isso, quão
feliz isso a faria ver algo tão tocante.

Eu me viro para Lorenzo. Ele está apenas olhando para frente. Ele
corta os olhos para mim, como se pudesse sentir minha atenção e faz uma
careta porque estou chorando.

― Vamos lá, fuddy-duddy26. ― Eu digo, empurrando contra ele. ―


Vamos dar o fora daqui.

Ele não precisa ser avisado duas vezes. Ele está fora da cadeira e
caminhando pela multidão enquanto os artistas ainda estão se curvando.
Eu limpo meu rosto enquanto saímos, sabendo que minha maquiagem
deve estar uma bagunça.

― Isso foi... uau. ― Digo quando nos afastamos do teatro. ― Eu nem


tenho palavras agora.

― Mas você está falando. ― Ele faz um boneco com a mão enquanto o
segura, bem na minha cara, dizendo: ― blá, blá, blá, blá, blá...

26
Uma pessoa velha, chata, sem humor, ranzinza, sem imaginação.
Afastei a mão dele com uma risada. ― Foda-se.

Ele olha para mim e sorri. Ele sorri. É genuíno, não é mais do que um
lampejo de felicidade, mas está lá, e eu vejo, e faz algo comigo.

Há aquele maldito tamborilar novamente.

― Há algo sobre você, Lorenzo. ― Eu digo, balançando a cabeça


enquanto desvio o olhar, inconscientemente retornando seu sorriso. ― Às
vezes acho que você pode ser apenas humano.

― Você está tornando essa merda estranha de novo, Scarlet.

Eu reviro meus olhos. ― Tanto faz.

― Então, para onde agora? ― Ele pergunta, parando na esquina


próxima ao teatro, esperando a luz mudar para atravessar a rua.

― Eu não sei... em lugar nenhum, eu acho? ― Dou de ombros,


acenando de volta para o teatro. ― Não sei como isso pode ser superado.

Ele olha para mim, erguendo as sobrancelhas. ― Isso é um desafio?

― Oh não...

― Parece um.

― Bem, não é.

Ele sorri, um sorriso malicioso assim que a luz muda, inclinando-se


mais para sussurrar ― Desafio aceito, ― antes de se afastar, atravessando a
rua.

Não tenho certeza do que ele está pensando agora, mas meu estômago
revira. Merda.

Eu tenho um mau pressentimento sobre isso.

Mas tenho que admitir... eu meio que gosto disso.


Seven mora em uma pequena casa marrom no formato de cortador de
biscoitos. Vasos de plantas alinhados nos degraus, as flores neles
começando a florescer.

Roxas. E rosas.

Sério, ele tem flores roxas e rosas levando à sua porta da frente.

Ele está parado na porta, vestido como sempre, mas descalço, seus
olhos nos examinando com confusão, como se fossemos as últimas pessoas
que ele esperava ver quando a campainha tocou um momento atrás.

― Bruno, amor, quem é? ― A voz de uma mulher chama por trás dele
de dentro da casa.

― É...

Seven não termina, mas ele realmente não precisa, porque a mulher
aparece na porta ao lado dele. Ela é tudo o que você espera de alguém com
vasos de plantas que leva à sua porta, o tipo de mulher que parece fazer
lanches saudáveis para o marido antes de enviá-lo para o trabalho - blusa
bordada Borgonha, saia lápis preta, com cabelo loiro perfeitamente liso,
usando o tipo de maquiagem que não se parece com maquiagem.

Você sabe o que eu estou dizendo?

Ela olha para nós, os olhos arregalando apenas um pouco. Ou ela tem
uma cara de pôquer ou se acostumou a Lorenzo. ― Olá, Sr. Gambini.

Ele apenas acena para ela.

Seu olhar muda para mim enquanto ela sorri. ― Olá! Eu sou Sarah.
Você é...?

― Morgan. ― Eu digo, um pouco pega de surpresa pela sua cortesia.


― Morgan Myers.

― Prazer em conhecê-la, senhorita Myers. ― Diz ela.

― Você também. ― Digo, porque não sei mais o que dizer sobre isso.

― Morgan é... a namorada de Lorenzo.

Oh, uau, cara...


Meus olhos disparam para Lorenzo, atordoados, e vejo que ele está
fazendo uma cara semelhante à que ele faz quando me vê chorando. Ele
está perturbado. Provavelmente isso deveria me ofender, certo?
Provavelmente deveria me fazer querer bater nele. Em vez disso, me faz
rir.

― Oh, uau, isso é ótimo. ― Diz Sarah, ainda sorrindo para mim. ― Eu
estava terminando o jantar. Nós estamos comendo tacos. Vocês gostariam
de se juntar a nós? Há muito o que fazer.

― Oh, Jesus, sim. ― Eu digo, as palavras saindo da minha boca sem


que eu sequer pense nelas.

Sarah ri. ― Bem, então entre!

Seven parece insanamente nervoso, observando sua esposa enquanto


ela se afasta, antes que ele se vire para Lorenzo. ― Chefe?

Lorenzo apenas fica lá.

Ele não diz nada.

Não tenho como tentar descobrir a troca deles, porque meu estômago
está roncando e a mulher disse tacos. Dando de ombros, subo os degraus,
meu movimento trazendo Lorenzo de volta à realidade.

― Relaxe, Seven. ― Diz Lorenzo, me seguindo para dentro. ― Vai ficar


tudo bem.

Não sei se Seven concorda com isso, porque ele não diz nada, muito
preocupado quando a esposa pede que ele coloque mais dois lugares na
mesa.

Começo a segui-lo, mas Lorenzo agarra meu braço, me detendo no


saguão da casa. Sua voz é baixa quando ele diz, ― Me faça um favor e
esteja no seu melhor comportamento.

Minhas sobrancelhas estão franzidas. ― O que você pensa que estou


planejando fazer aqui, montar no colo da mulher e lanchar seus peitos? É
o jantar.

Lorenzo solta uma risada de descrença, não soltando meu braço. ―


Eles são mórmons.
Ok, isso me para. ― O que?

― Cuidado com o que você fala. ― Continua ele. ― Não fale sobre
roubar, matar ou foder...

― Sobre o que devemos conversar?

― Eu não sei. ― Diz ele. ― O que quer que as pessoas conversam não
é sobre essas coisas.

― Espere, espere. ― Eu digo quando ele finalmente me solta. ― Se ela


é super conservadora, como o cara consegue trabalhar para você?

Percebo, assim que pergunto, que ela não sabe.

― Lidamos com laranjas, Scarlet. ― Diz ele, virando-se. ― É um


negócio lucrativo.

Eu vou para a cozinha, porque bem, não há como fugir disso agora.
Tacos, ao que parece, não são o tipo de tacos que eu estava pensando. Eles
são tacos de frango sofisticados caseiros com algum tipo de molho de
iogurte. Sentamos à mesa e eles abençoam a comida com uma oração.

Sim, eu nos meti aqui...

― Então, me fale sobre você, Morgan. ― Diz Sarah quando começamos


a comer. ― O que você faz?

Oh, garoto.

Estou esperando que um dos caras me ajude, mas não. Estou sozinha
aqui.

― Estou meio que entre shows agora. ― Eu digo. ― Ainda estou


tentando descobrir o que quero fazer da minha vida.

― Você é jovem. Você tem tempo de sobra. ― Ela sorri. Sempre


sorrindo.

― Como vocês dois se conheceram?

Ela aponta para Lorenzo, que está comendo ansiosamente como o cara
nunca comeu antes, evitando ter que conversar. Típico.

― Só encontrei ele na rua um dia. ― Eu digo. ― É uma história


engraçada, na verdade... você vê, ele perdeu a carteira e eu me deparei com
ela, e ele me localizou para recuperá-la. Eu nunca esperava vê-lo
novamente, muito menos de alguma forma me tornar sua namorada.

Lorenzo engasga.

Sem brincadeira.

Ele começa a engasgar, tossir, o rosto ficando vermelho.

Seven pula, como se estivesse prestes a fazer uma RCP, mas Lorenzo
se recompõe antes que o homem possa tocá-lo.

― Eu estou bem. ― Ele resmunga, acenando para ele. ― Sente-se.

O assunto muda, graças a Seven, que finalmente decide conversar e


distrair sua esposa, tirando a atenção de nós. Me mexendo na minha
cadeira, me inclino para Lorenzo, sussurrando: ― É apenas uma palavra.
São apenas palavras, lembra?

Lorenzo corta os olhos na minha direção. Sei que ele tem algumas
palavras para mim agora, mas ele continua com seu melhor
comportamento.

O jantar termina rapidamente, e Lorenzo pede desculpas por ter


trabalho a fazer para fugir da casa. Sarah me puxa para ela em um abraço...
um abraço... antes de me dizer para visitar sempre que eu quiser.

Seven nos leva para fora, parando perto dos vasos de plantas enquanto
eu desço para a calçada para esperar. Tão estranha, a sua pequena e
perfeita vida. Eu não esperava isso.

― Eu preciso daquele endereço. ― Diz Lorenzo ao Seven. ― Você já


conseguiu para mim?

― Sim, espere. ― Seven volta para dentro, retornando um momento


depois com um pedaço de papel de rascunho, algo escrito nele. ― Você
precisa que eu...?

― Não, eu tenho isso. ― Diz Lorenzo, segurando o papel. ― Diga à sua


senhora que apreciamos o jantar.

― Claro, chefe.

Seven volta para dentro, fechando a porta, a visita acabou.


Lorenzo se vira para mim, se aproximando lentamente e não diz nada,
embora eu saiba que há muito que ele poderia dizer no momento.

― Isso não superou totalmente o rei leão. ― Digo a ele.

― Sim, bem, você fez essa merda para si mesma, Scarlet.

Ele se afasta.

Mais uma vez, eu o sigo.

Não sei para onde estamos indo, e ele não me pede ideias dessa vez,
então tenho certeza de que ele tem outro destino em mente.

À medida que avançamos no Brooklyn, meus nervos ficam mais


desgastados. Acabamos em Manhattan Beach após o pôr do sol, em frente
a uma casa cinza de tamanho decente. Aberta e arejada, arquitetura
moderna com janelas enormes e um terraço no segundo andar. As luzes
estão apagadas, ninguém está em casa que eu possa dizer.

― Você já esteve aqui antes? ― Lorenzo pergunta.

― Oh não. ― Eu olho para ele com confusão. ― Eu deveria ter?

Ele encolhe os ombros.

Oh okay.

Antes que eu possa questionar isso, ele escala a cerca ao redor do lugar
e segue em direção a casa. Merda.

Eu sigo, não tão graciosamente, mantendo a cabeça baixa. Lorenzo


circula do lado de fora, inspecionando a casa, antes de focar sua atenção no
terraço.

Eu entrei em prédios abandonados o suficiente na minha vida para


saber exatamente o que ele está fazendo.

― Você quer que eu, tipo, te ajude a subir? ― Eu pergunto. ― Talvez


ficar nas minhas mãos e joelhos e você subir nas minhas costas?

― Você iria? ― Ele pergunta.

Eu dou de ombros. ― Por que não? Não será a primeira vez que um
cara pisou em cima de mim.
Ele ri, balançando a cabeça. ― Na verdade, pode ser mais fácil se eu te
ajudar a subir.

― Para fazer o que, invadir?

― Sim.

Eu suspiro, olhando para o terraço. Foda-se. ― Tudo bem, vamos fazer


isso.

Ele tem a audácia de parecer surpreso, como se duvidasse do meu


compromisso com o crime (sério?). Mas ele se ajoelha, dizendo ― Suba nos
meus ombros.

É estranho, mas eu faço isso, montando em seu pescoço enquanto uso


um vestido, sentada em seus ombros como se estivéssemos brincando de
Briga de Galo27. Eu o agarro com força, segurando-o, enquanto ele se
levanta de novo, me levantando apenas o suficiente para alcançar o terraço.

Olha, eu nem vou fingir que balançar nos postes dia após dia não tem
seus benefícios. Assim que ponho as mãos no parapeito, me levanto, sem
problemas. Escalar é moleza. Descer é geralmente uma história diferente,
no entanto. A gravidade pode ser uma vadia.

Me aproximo da porta do terraço, puxando-a.

Trancada. É claro.

― Apenas balance. ― Ele diz. ― Essas trancas são geralmente uma


merda.

― Sim, sim. ― Murmuro, mexendo no meu sutiã e puxando meu


canivete. Você não achou que eu parei de carregar ele né? Pfftt. Abro a
lâmina, deslizando-a na fenda, brincando com ela por um momento antes
que ela se abra. ― Ha!

― Boa menina.

Eu giro, fazendo uma careta para essas palavras enquanto olho para
ele. ― Sério?

27
Os integrantes de cada dupla devem, então, subir um nos ombros do outro e tentar
derrubar na água o integrante da dupla adversária que estiver em cima. Quem fizer isso primeiro
é o vencedor.
Ele me acena. ― Apenas desça e me deixar entrar, mulher.

Eu simulo uma saudação a ele, entrando no que acabou por ser um


quarto. Um quarto muito limpo. Impecável. Ando na ponta dos pés pela
casa, descendo as escadas onde Lorenzo espera.

Abro a porta dos fundos, deixando-o entrar.

Ele trava logo que entra novamente.

Lorenzo começa a procurar na casa. Não sei o que ele está procurando,
mas apenas vago com ele, vagando pela cozinha e encontrando uma pilha
de correspondência no balcão. Olho para o envelope superior, congelando
enquanto meus olhos brilham sobre o nome nele.

Gabriel Jones.

― Sério? ― Eu assobio, me virando para Lorenzo enquanto ele abre as


gavetas, olhando para dentro delas. ― Nós invadimos a casa de um
detetive? Você quer ser preso?

― Não tenho certeza. ― Diz ele. ― Nunca foi.

― Nunca foi preso?

― Não.

― Como?

Ele ri.

Ele está rindo muito hoje à noite.

― Talvez eu seja apenas bom no que faço. ― Diz ele.

― Isso é loucura. ― Eu digo. ― É como se você lançasse um feitiço que


o tornasse invencível. Você é um maldito bruxo.

Ele corta os olhos para mim. ― Vodu?

― Sim!

Ele ri. Novamente.

― O que estamos procurando, afinal?


Ele encolhe os ombros. ― Imaginei que eu pudesse dar uma espiada
enquanto estivesse aqui, mas, na verdade, eu só queria transar com você
na cama dele.

Ele diz isso de maneira tão descontraída que quase não registro.

― Nós invadimos a casa de Gabe, ― eu digo ― para que você pudesse


me foder na cama dele.

― Sim.

Eu pisco para ele e sei que ele está prestes a rir de novo enquanto se
dirige para mim. ― Você é insano.

― Você está começando a soar como um disco quebrado com essa


merda. ― Diz ele, agarrando meu braço e me puxando para ele. ― É tão
errado eu querer levá-la para o andar de cima e levá-la para onde o imbecil
deita sua cabeça? Fazer você gozar repetidas vezes... fazer você gritar meu
nome no travesseiro dele? Eu querer que os lençóis da cama cheirem como
nós... quero que cheire como essa linda boceta, essa que ele nunca mais
conhecerá, essa que ele nunca mereceu. Isso é realmente tão ruim?

― Sim. ― Envolvo meus braços em seu pescoço, olhando para ele. ― É


demente.

― Você acha?

― Absolutamente, ― digo ― mas isso não significa que não devemos


fazer.

Ele sorri, inclinando-se para mais perto, me beijando suavemente


antes de sussurrar: ― Eu sabia que havia uma razão para tolerar você.

Agora é minha vez de rir.

Agarrando minha mão (sério, ele está segurando minha mão


novamente), Lorenzo me leva para o andar de cima, direto para o quarto
com o terraço. No segundo em que estamos lá dentro, ele está em cima de
mim. Lábios e as pontas dos dedos exploram lugares escondidos, beijando
e tocando, enquanto eu puxo suas roupas. Nós nos despimos rapidamente,
porque quem sabe quanto tempo temos antes de Gabe aparecer, e ele me
empurra na cama, de bruços, sem ser gentil com isso. Ele me acaricia antes
de empurrar entre as minhas pernas, levantando minha bunda da cama
apenas o suficiente para deslizar para dentro.

― Porra. ― Eu gemo quando ele me enche. ― Lorenzo.

Ele beija minhas costas, mordendo minhas omoplatas, chupando a


pele. Sei que ele está deixando marcas, posso sentir a picada, e sei que ele
está fazendo isso intencionalmente, como se estivesse marcando seu
território, mas não me importo. Gabe nunca vai ver, mas eu deixo que ele
tenha seu momento. Se alguém merecesse, com certeza seria ele.

― Esfregue seu clitóris. ― Diz ele, sua voz tensa enquanto empurra. ―
Faça você mesma gozar.

― Tenho certeza de que esse é o seu trabalho.

― Não estou fazendo o suficiente do trabalho aqui?

― Sério? ― Eu rio. ― Seu preguiçoso filho da puta.

Eu chego embaixo de mim, para me tocar, mas ele empurra em mim,


batendo na minha mão. Seu toque é áspero, quase doloroso, enquanto ele
acaricia meu clitóris com força e rapidez. Minha respiração engata, um
grito estridente escapando.

Gozo quase instantaneamente.

― Oh Deus. Porra. ― O prazer corre através de mim enquanto eu


seguro os lençóis. ― Cristo, eu retiro o que disse. Você não é preguiçoso.
Jesus...

Ele me fode. Não há outra maneira de descrever. Dessa forma, dessa


maneira, de cabeça para baixo, de dentro para fora, ele me fode até meus
músculos tremerem e meu corpo doer, meus sentidos todos confusos.
Estou coberta de suor, totalmente exausta e acho que provavelmente levou
apenas alguns minutos, mas parece que foi horas.

― Lorenzo?

― Sim?

― Faça você mesmo gozar.

Ele ri, zombando de mim enquanto diz: ― Tenho certeza de que esse
é o seu trabalho.
Eu aperto em volta dele, apertando seu pau.

Ele geme.

Isso faz.

Ele goza.

Ele não sai, entrando em mim, grunhindo enquanto me enche,


empurrando mais algumas vezes antes de parar. Seus lábios encontram
minhas costas novamente, beijando ao longo da pele suada, enquanto ele
lentamente se afasta. Ele começa a dizer alguma coisa, mas eu não sei o que
é, porque o barulho lá fora o silencia.

O som de um portão se abrindo.

O som de uma porta de carro.

Casa de Gabe.

― A diversão acabou. ― Digo, empurrando Lorenzo de cima de mim


para ficar de pé, lutando pra pegar minhas roupas enquanto jogo as de
Lorenzo nele. Nós nos vestimos e estou olhando em volta, procurando no
edredom. ― Porra, cadê minha calcinha?

― Deixe pra lá. ― Diz Lorenzo, agarrando-me quando uma porta


destranca no andar de baixo. ― Temos de ir.

Eu quero discutir, mas não posso, porque precisamos sair daqui agora.
Lorenzo abre a porta do terraço, acenando para que eu vá, e ele me segue
para fora, fechando novamente a porta.

― Merda. ― Eu olho para baixo. ― Eu tenho que pular, não tenho?

Lorenzo não responde, porque ele não precisa. O homem se balança


sobre o parapeito, pulando, aterrissando na grama.

O babaca faz parecer fácil.

Eu? Eu cai.

Lorenzo tenta me pegar, mas não tem como me ajudar quando me


arremesso pelo ar, caindo de costas com um baque. Eu mostro meus bens
a ele, já que minha calcinha desapareceu, quase o derrubando comigo.
― Você está uma bagunça do caralho. ― Ele diz, me levantando antes
de me empurrar em direção à cerca. ― Agora você pode fazer isso
novamente.

Faço de novo, porque não tenho escolha, conseguindo pousar em pé


desta vez, já que a queda é menor. Lorenzo pousa ao meu lado, sem hesitar,
agarrando minha mão e me arrastando para longe do lugar antes que
alguém nos veja.

Estou distraído quando ele me puxa, olhando para nossas mãos. É


apenas alguns dedos enroscados, mas ainda assim, ele está segurando
minha mão mais uma vez, e isso é apenas... uau.

― Você sabe que ele vai descobrir. ― Digo, sacudindo quaisquer


sentimentos que estejam despertando, porque não é a hora nem o lugar
para isso. ― Quero dizer, ele vai encontrar minha calcinha embolada em
seus lençóis ou algo assim.

― Então?

― Então? Então ele saberá.

― Não importa. ―Diz ele. ― O que ele vai fazer, chamar a polícia?
Haha, nada foi roubado, mas alguém invadiu e fodeu na minha cama.

Eu rio, porque ele está certo.

Ninguém daria a mínima, a não ser ele.

Já é tarde, então fazemos a caminhada de volta ao Queens. Lorenzo


finalmente solta minha mão quando chegamos ao metrô. A casa está
escura, Leo ainda está no trabalho, Melody está em qualquer lugar, então
somos novamente apenas nós dois.

― Obrigado. ― Eu digo, parando no saguão ― Estou feliz que você


veio.

― Sim, eu também. ― Diz Lorenzo, dando alguns passos em direção à


biblioteca antes de fazer uma pausa, como se estivesse esperando por algo.

― Eu me diverti, ― eu digo ― e você sabe, enquanto o sexo foi ótimo,


nada supera a possibilidade de ver O Rei Leão. Acho que a única coisa que
seria melhor do que isso é recuperar minha filha.
Vou para as escadas, precisando tomar banho, quando a voz baixa de
Lorenzo me para. ― Eu falei com ela.

Virando-me, olho para ele enquanto ele permanece no corredor. ― O


que?

― Sua filha. ― Diz ele. ― Eu falei com ela.

Eu olho para ele. Não sei bem o que dizer, o que pensar, o que fazer,
então apenas repito. ― O que?

― Aristov ligou enquanto eu estava no armazém hoje de manhã. ― Diz


ele. ― Ela estava com ele.

― E você falou com ela?

― Ele a colocou no telefone, ― diz ele ― a fez pedir por você.

Eu sinto que estou sendo sufocada. Dói respirar. ― O que você disse?

― Eu disse que você não estava lá, mas que você sente falta dela. Então
eu disse a ela para colocar o pai no telefone, porque ele a estava usando
para tentar obter sua localização, e eu não estava tendo essa merda.

Nada do que ele está dizendo faz sentido, como se eu não conseguisse
entender. Ele falou com ela. Ele ouviu a voz dela. ― Ela estava com ele esta
manhã?

Lorenzo assente.

Quantas vezes liguei para Kassian, desesperada por um momento


assim?

Eu vou chorar. Eu sei isso. Eu posso sentir as lágrimas aumentando,


ardendo em meus olhos. Então eu me afasto, indo embora, subindo as
escadas para que Lorenzo não precise assistir quando isso acontecer.
―――――――――――――――――――

― Sério, mano?

Eu sei, no momento em que ouço essas palavras, exatamente o que Leo


vai me dizer. Saí do restaurante sem pagar a conta. Blá blá blá o que quer
que seja. Claro que não é a primeira vez que isso acontece.

Esfrego as mãos no rosto, grogue, tentando acordar, enquanto olho


para a porta da biblioteca onde meu irmão se encontra. Não sei que horas
são, mas a casa está escura, assustadoramente silenciosa.

Adormeci sentado aqui na minha cadeira, dando a Scarlet algum


tempo para processar as merdas depois que ela subiu as escadas.

― Você usou meu cartão de crédito? ― Eu pergunto.

― Você pode apostar que eu fiz. ― diz ele.

― Bom. ― Eu levanto da minha cadeira, cambaleando em seu caminho.


― Imaginei que você faria.

Não vou ser duro com meu irmãozinho nem ferrar a coisa boa que ele
tem acontecendo naquele lugar. Ele mantém um dos meus cartões de
crédito com ele, para emergências, e ele o usa sempre que eu faço essa
merda.

Ele me dá um inferno por isso, é claro, mas ele lida com essas coisas
como o adulto respeitável que ele é.

Então, sem jantar e correr, tecnicamente falando, e verdade seja dita,


eu pagaria pelo O Rei Leão, mas o show já havia começado e os ingressos
não estavam mais à venda, então eu disse para o inferno com isso, iríamos
assistir de qualquer forma.

― Que horas são? ― Eu pergunto, passando por ele, indo para o


corredor.

― Por volta das onze.

Ainda nem é meia-noite. Hã.

Subo as escadas porque estou cansado demais no momento para lidar


com as palestras de Leo, mas paro quando chego à porta do quarto.

Minha cama está vazia.

Um olhar para o banheiro me diz que também não há ninguém lá.

― Maldição, mulher. ― Murmuro enquanto me inclino contra o


batente da porta, cobrindo meu rosto com as mãos. ― Por que você não
facilita as coisas para variar?

Suspirando, eu me afasto do quarto, voltando para o andar de baixo.

Scarlet não está em lugar nenhum.

Ela tem uma vantagem sobre mim, mas tenho uma boa ideia de onde
encontrá-la.

Espero que eu esteja errado.

Leo me observa da sala enquanto eu puxo minhas chaves. ― Whoa,


você está dirigindo?

― Sim.

― No escuro?

― Sim.

― Só... não mate ninguém.

― Sem promessas.

Ele não gosta dessa resposta, mas eu não fico por aqui e a torno melhor
para ele. Ele é um garoto grande. Ele pode lidar com essa merda.

Dirijo para o sul, direto para o Brooklyn, apenas arranhando a lateral


em outro carro enquanto caminho em direção a Brighton Beach. Scarlet é
impulsiva, e ela está desesperada para ver sua filha, por isso tenho certeza
de que lhe dei munição suficiente para que ela atirasse nesses filhos da
puta.

Sem uma arma, veja bem.

Há uma linha tênue entre corajosa e estúpida, e ela está seguindo essa
linha indo por ela sozinha.

Eu estaciono longe o suficiente para não chamar a atenção para o meu


carro e ando pela escuridão até a casa de Aristov. Está escura, sem luzes
acesas por dentro, sem carros estacionados na frente, então estou
assumindo que ele não está em casa.

Também não há sinal de Scarlet.

Isso me deixa nervoso.

Eu não gosto disso

Eu círculo a propriedade, olhando para ela, e paro quando chego ao


canto de trás, vendo uma escada encostada na lateral da casa. Porra. Meu
olhar corre para o topo, para o pequeno telhado colonial ao longo do
segundo andar, vendo ela imediatamente.

Ela está sentada lá.

Sozinha.

Suponho que isso significa que ela não encontrou o que procurava, o
que significa que provavelmente está chateada neste momento. Uma parte
de mim quer deixá-la aqui, se afastar e dar-lhe algum espaço, mas a maioria
de mim sabe que ela está agindo loucamente, por isso, se eu for embora,
talvez nunca mais a veja.

E tudo de mim não gosta desse pensamento.

Antes que você pergunte, não, não quero falar sobre o que está
acontecendo, porque foda-se.

Chegando mais perto, pego a escada, subindo para me juntar a ela. Ela
não olha para mim. Ela não me cumprimenta. Eu também poderia ser
Casper, o fantasminha camarada, do jeito que ela não reage a mim. Ela
apenas fica lá, olhando para o nada, então eu a deixo ter seu silêncio
enquanto me sento ao lado dela no telhado. Há uma janela atrás de nós, e
eu me viro, olhando através dela.

Giz de cera quebrado cobre uma pequena mesa ali mesmo com uma
pilha de papel em branco e um gato de pelúcia ao lado. Parece ser um
quarto. Dela, suponho, mas ela não está no momento.

― Você me seguiu, ― Scarlet diz calmamente ― novamente.

― É o nosso tipo de coisa, não é? ― Pego minha lata, pegando o último


baseado. ― Você foge de mim; eu te localizo. Lave, enxágue, repita...

― Quanto tempo isso vai durar? ― Ela pergunta. ― Quanto tempo até
você parar de vir atrás de mim?

Olha, eu sei que é uma piada de sexo esperando para acontecer, mas
agora não é o momento para isso, então mantenha-o na sua merda de
calças.

― Acho que quando a história terminar. ― Digo. ― Quando atingimos


a besteira da cerca branca blá blá blá.

― E se nós nunca fizermos?

― Então acho que passamos o resto de nossas vidas sendo o coiote e o


maldito Papa-Léguas.

Ela ri. É um som triste, como se a merda não fosse engraçada, mas é
rir ou chorar e ela chorou o suficiente esta noite.

Eu acendo o baseado, passando para ela, e nós o fumamos em silêncio.


Queima muito rapidamente, parece um piscar de olhos, o que significa que
o nosso pequeno momento acabou e eu preciso tirá-la daqui enquanto
ainda posso.

― Feliz aniversário, a propósito. ― Eu digo. ― Ou inferno,


provavelmente é depois da meia-noite agora.

Ela vira a cabeça, os olhos arregalados. ― Você sabia?

― Sim. ― Eu digo. ― Um pouco chateado que você não mencionou,


no entanto, você iria deixar passar sem reconhecer a merda.

― Não parecia importante.


― Foda-se. ― Eu digo. ― Meu aniversário é 9 de agosto. Espero um
bolo e alguns presentes.

Ela ri... de novo... mas desta vez é mais genuíno. ― Vou me lembrar
disso.

― Eu até deixo você me dar uma festa. ― Digo a ela, levantando-me. ―


Primeiro, porém, precisamos tirar você daqui antes que Aristov apareça.

― Mas e se ele aparecer com ela?

― E deixar o que vai acontecer na frente da sua pequena pérola? Não


é uma boa ideia. Vai exigir alguma coordenação, Scarlet, e essa merda? ―
Eu aceno ao nosso redor. ― Isso não é coordenado.

― Mas...

― O único 'mas' que eu quero agora é sua bunda saindo desse telhado.

Ela apenas olha para mim.

― Se apresse. ― Eu digo, agarrando seu braço, puxando-a para seus


pés. ― Sua princesa está em outro castelo, Scarlet. Hora de ir.

Ela ainda está me encarando.

― O que? ― Eu pergunto. ― Por que toda essa porra de olhar? Eu tenho


algo no meu rosto?

Ha ha.

Foda-se.

― Essa coisa toda parecia quase paternal. ― Diz ela. ― Isso foi meio
quente.

Sério?

― Olha, por mais que eu adorasse transar com você na cama de


Aristov, vou precisar que você controle seus hormônios. Nós vamos lidar
com os seus problemas do papai mais tarde.

Ela revira os olhos, parecendo bastante irritada, mas minha atitude


vulgar leva a bunda dela a descer a escada e sair do telhado, então estou
chamando de vitória.
Eu a sigo, levando-a para fora da propriedade e para o meu carro
abaixo no quarteirão.

― Você dirigiu? ― Ela pergunta, surpresa, parando na calçada.

― Sim. ― Eu digo. ― O caminho mais rápido do ponto A ao ponto B é


uma linha reta e não pegar os trens C, J, F e um táxi como um idiota, sabia?

― Eu sei. ― Diz ela, estendendo a mão. ― Você quer que eu dirija?

― A menos que você queira morrer hoje à noite, provavelmente é uma


boa ideia.

Eu largo as chaves na palma da mão dela.

Ela dirige em silêncio, para longe da residência Aristov, direto para


minha casa no Queens. Ela desliga o carro depois de estacionar e começa a
dizer algo, mas seu estômago a interrompe.

Rosna. Alto.

Parece um leão bravo.

Ela aperta o estômago. ― Acho que ainda estou com fome.

― Vamos lá. ― Eu digo. ― Há muita comida na cozinha. Não há


necessidade de morrer de fome.

― Você não está cansado de eu comer suas compras?

Eu me viro, olhando para ela, examinando-a. ― Chegando perto, mas


ainda não. Me pergunte novamente amanhã.

Ela ri.

Scarlet vai direto para a cozinha assim que entramos, vasculhando os


armários, pegando um pacote de Trail mix28 e devorando enquanto diz ―
Posso te fazer uma pergunta?

Se há uma pergunta que eu mais odeio, é essa. Posso te fazer uma


pergunta? Que desperdício de palavras ... ― Basta perguntar.

28
Trail mix é um tipo de mix de lanches, normalmente uma combinação de granola, frutas
secas, nozes e às vezes chocolate, desenvolvido como um alimento a ser levado nas caminhadas.
― Todas essas coisas que fizemos hoje. ― Diz ela, gesticulando com o
pacote de Trail mix. ― Foi só porque você sabia que era meu aniversário e
não queria que eu o passasse sozinha?

― Essa é uma pergunta estúpida.

― Eu nunca disse que não era. ― Diz ela, sentando no balcão. ― Ainda
gostaria de uma resposta.

Eu caminho, sentando em uma cadeira à mesa e olho para ela


enquanto ela balança as pernas, os calcanhares batendo contra um armário
abaixo dela. ― Eu pareço o tipo de cara que apenas diverte alguém?

― Talvez.

― Talvez?

― Parece que você gosta de brincar com as pessoas, ― diz ela ― tipo
brincando com a sua comida antes de você comer ela mais ou menos dessa
maneira.

― Isso é diferente. ― Digo a ela, meus músculos apertando enquanto


seus calcanhares continuam a bater no armário. THUMP. THUMP.
THUMP. ― Eu não vou passar o dia inteiro fazendo merda com alguém, se
não for alguém com quem eu goste de fazer merda.

― Então você gosta de estar comigo?

― Às vezes.

Ela ainda está balançando os pés.

― Só às vezes?

― Bem, agora, estou ficando muito irritado. ― Digo a ela. ― Existe uma
razão para você estar batendo no meu gabinete como se fosse um maldito
tambor?

Ela para, assim, pulando do balcão para guardar o Trail mix no


armário. ― Gostaria de saber quanto tempo você toleraria isso.

― Sério?

Ela encolhe os ombros, olhando para mim.

Brincando com a comida dela.


É o que ela está fazendo.

Ela tirou uma página do livro do Leo e está pressionando meus botões
intencionalmente, como se ela achasse que eu não a mataria.

Foda-se, bem ali, balançando sua cabeça para mim. Eu desejo. Só


porque eu não quero dizer que eu não vou. Só porque eu não quero dizer
que isso nunca vai acontecer.

― Eu estou indo para a cama. ― Digo, empurrando para fora da


cadeira.

― Sem mim?

― Foda-se.

Ela ri, me seguindo para fora da cozinha, sem se deixar intimidar pela
minha atitude enquanto se junta a mim na cama.

Seven está mastigando uma cenoura.

Ele a come, como se fosse o maldito Pernalonga, sentado no topo de


uma caixa de armas no armazém. Segunda manhã consecutiva, que nos
encontramos aqui, desta vez para uma entrega de laranjas.

Eu deveria contá-las.

Eu sempre as conto.

Mas eu esqueci de informar o Three, para que ele fazer o inventário, e


não estou com vontade de fazer isso sozinho. É um trabalho tedioso. E
Scarlet, bem... eu a deixei na cama novamente, dormindo tanto que ela
estava roncando.

Não estava com vontade de acordá-la.

Quero dizer, parte de mim queria sufocá-la com um travesseiro,


talvez, mas a deixei roncando, sem perturbar seu sono.
Alcançando meu bolso, pego meu telefone e o jogo para Seven sem
aviso prévio. Ele tenta pegá-lo, mas está muito longe. Bate no concreto
imundo com um baque. A culpa é minha, já que não posso julgar
distâncias. Poderia estar a um metro de mim. Poderia ser o caminho todo
da porra do Taiti. Difícil de dizer.

― Ligue para o Three, ― digo ― e diga a ele para vir contar essas
laranjas.

Seven pega o telefone. ― Sim, chefe.

Enfio a mão no bolso, puxo minha lata e a abro. Vazia. Eu olho para
ela, tendo esquecido de rolar mais baseados, e fecho de volta, empurrando-
a para longe. ― Eu já volto, Seven. Estou indo no carro por um momento.

Saio do armazém, deixando-o lá no meu telefone e chego a meio


caminho do beco antes de parar abruptamente. Meus pés, eles não estão
mais se movendo, meu olhar fixo na frente, bem no final do beco, onde está
um homem familiar.

Aristov.

Meu instinto é pegar minha arma. Eu a seguro, mas não a retiro. Não,
algo me impede. Não tenho muita certeza do que é isso, mas deixo para o
momento, mantendo a calma. Não me aproximo mais, e ele não se
aproxima de mim, nós dois apenas de pé aqui.

― Chefe, Three disse que ele já...

Seven passa para fora do armazém, congelando quando ele vê o que


eu vejo.

― Three disse o que? ― Eu pergunto.

― Ele disse que já está a caminho. ― Diz Seven, com a voz baixa. ― Ele
estará aqui em um minuto.

― Bom.

Continuo andando então, porque foda-se, não estou intimidado. Um


pouco desconcertado com a presença de Aristov, imaginando como ele
encontrou esse lugar, mas ele não me assusta pessoalmente, então eu ando
até ele.
― Senhor Scar. ― Diz ele, me cumprimentando. ― Devo admitir... eu
esperava mais.

Olho para o armazém enquanto ele faz um gesto em direção a ele. É


não-descritivo, despretensioso, parecendo um pedaço de merda, mas faz
tudo o que eu preciso fazer e comprei barato, então o que mais eu poderia
pedir?

― O que você está fazendo aqui? ― Eu pergunto.

― Eu estava no bairro. ― Diz ele. ― Completamente uma coincidência,


não é?

― Não acredito em coincidências.

― Isso é uma pena. ― Diz ele. ― Eu também sou um grande fã de


acidentes felizes.

― O que você está fazendo aqui? ― Eu pergunto de novo. ― Eu


realmente não estou com disposição para conversar, então cuspa o que
quer que seja para que eu possa continuar com o meu dia.

― Estou curioso... você esteve em minha casa ontem à noite, senhor


Scar?

― Por que eu iria lá?

Eu respondi a sua pergunta com uma pergunta.

O homem não é estúpido. Eu estou acenando a bandeira vermelha da


evasão aqui.

― Você não vai encontrar ela lá. ― Diz ele, sem mais rodeios. ― Ela se
foi agora.

― Para onde ela foi?

Um sorriso puxa seus lábios. ― Eu poderia perguntar o mesmo, não


poderia? Parece que nós dois estamos escondendo alguém.

― Oh, eu não estou escondendo ninguém. ― Digo a ele. ― Como eu


disse ao Doodlebob29, você pode verificar meus bolsos, se quiser. Você me

29
Bob Esponja
entendeu? Eu não sou um corredor, nem sou um escondedor. Sou mais um
lobo que um tatu.

Outra rodada de metáforas de animais.

Me dê uma folga aqui.

É cedo ainda.

O importante aqui, caso você não tenha feito as contas, é que o homem
que conseguiu localizar meu armazém, está a um passo de encontrar todo
o resto. Nada que possuo está em meu nome, não... a maioria está sob um
pseudônimo. Oliver Accardi. Mas basta uma simples pesquisa nesse nome
para encontrar todas as outras ações que tenho, incluindo minha casa no
Queens.

Você sabe, onde Scarlet está...

― Não está com disposição para me revistar, hein? ― Eu pergunto. ―


Talvez na próxima vez.

― Na próxima vez. ― Diz ele. ― Você tem certeza de que haverá uma
próxima vez?

― Porra, com certeza.

Aristov olha ao meu redor, como se estivesse pensando no que fazer.


Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, porém, Three entra no beco,
interrompendo ele.

― Ah, senhor Jackson. ― Diz Aristov. ― Já faz um longo tempo!

― Não longo o suficiente. ― Three rosna. ― O que você está fazendo


aqui?

― Somente dizendo olá ao seu chefe. ― diz Aristov. ― Pensei em dar a


ele mais uma chance de devolver o que me pertence antes de começar a
pegar o que não me pertence.

Os olhos de Three se estreitam. ― Isso é uma ameaça?

― Parece uma? ― Aristov pergunta. ― Estou apenas dizendo que, se


não conseguir o que quero, talvez tenha que me contentar com outra coisa.
De fato, já existe uma morena bonita de prontidão, uma pequenina sexy
que chamamos de Lexie... ela não é minha Morgan, mas acho que posso
me contentar com uma substituta por enquanto.

Three parece muito perto de quebrar, prestes a atacar o cara por isso,
que é o que Aristov quer, então sim... não está acontecendo.

― Three, ― digo ― vá trabalhar.

― Sim, senhor ― Ele murmura, fazendo o seu caminho para o


armazém.

― Vá ajudar ele Seven, ― ordeno, sabendo que o homem ainda está


escondido atrás de mim ― para que possamos sair daqui logo.

― Sim, senhor Pratt, vá ajudar seu amigo. ― Aristov fala. ― Tenho


certeza de que sua esposa ficará feliz em recebê-lo em casa mais cedo.
Mulher adorável ela.

― O que você acabou de dizer? ― Seven pergunta, se aproximando em


vez de ir embora.

― Eu disse que ela é uma mulher adorável.

― Vá, Seven. ― Eu ordeno. ― Agora.

Seven ouve minha ordem, invadindo o armazém.

― Ameaçar a família de um homem não faz de você um homem maior.


― Eu digo. ― Isso faz de você uma vergonha.

― Você acha que eu me importo com os nomes que você me chama?


― ele pergunta. ― Além disso, não é uma ameaça. Eu não faço ameaças. Eu
sou um homem de palavra.

― Sua palavra é...?

― Farei coisas inimagináveis àquela mulher, amável ou não. Não seria


difícil. Ela é muito confiante. A maioria das mulheres é. Mas vou deixá-la
sozinha, vou deixar você sozinho, se você devolver minha Morgan.

― Ela não é sua.

― Você acha que ela é sua?

― Eu não disse isso.


― Então, por que importa tanto para você se ela é minha ou não?

Eu não respondo isso, porque foda-se ele.

Não devo a esse homem uma maldita explicação.

― Vou lhe dar uma chance de pensar nisso, ― diz ele, dando um passo
para trás ― mas sua chance não vai durar muito, então pense rapidamente,
senhor Scar.

Ele sai, desaparecendo do beco, assim que Seven reaparece, incapaz


de se conter. Eu sei que ele estava ouvindo. Está escrito em todo o rosto
dele.

― Vá em frente. ― Eu digo antes que ele possa perguntar. ― Verifique


sua esposa e verifique se ele não apareceu lá.

― Obrigado, chefe. ― Diz Seven, seus passos rápidos enquanto ele se


afasta.

Eu volto para o armazém, encontrando Three sentado exatamente


onde Seven estava antes, mastigando uma das cenouras do Seven.

― O que você está fazendo? ― Pergunto-lhe.

― Imaginando aquele idiota sofrendo uma morte horrível.

― Isso é legal e bom, mas ainda há trabalho a ser feito, ― eu digo ―


então vamos contar essas malditas laranjas para que todos possamos ir
para casa.
―――――――――――――

Houve um tempo, menos de um ano atrás, em que a menina ainda


acreditava em contos de fadas. Não aqueles loucos dos livros de histórias,
não... ela acreditava naqueles felizes para sempre, bandidos são punidos como
os heróis perseveram histórias, os dos desenhos animados que sua mãe
assistia com ela.

Ela amava a Cinderela. Ela amava Branca de Neve.

As princesas eram bonitas, felizes e gentis.

Mas mais do que tudo isso, mais do que qualquer outra coisa, a
garotinha realmente amava Toy Story.

Seja como o Buzz e o Woody.

Ela pensou que seus brinquedos eram reais, que eles tinham
sentimentos e também ganhavam vida quando ela não estava olhando,
mas todos esses meses depois, ela não tinha mais certeza.

Porque Buster não havia se mexido da verga. A garotinha não podia


salvar ele, mas ele não estava se salvando.

― Tchau, Buster. ― Ela sussurrou, sendo extremamente silenciosa,


parada na porta da sala na escuridão, enquanto o Homem de Lata dormia
curvado em uma cadeira ao lado da lareira.

Ela deu uma última olhada no urso antes de voltar para o quarto que
eles diziam ser dela.

Era no meio da noite. Um pouco de neve cobria o chão lá fora, o céu


nublado, o ar tão frio que embaçava sua janela. Ela estremeceu quando a
abriu, fazendo uma careta quando emitiu um som estridente, como metal
retificado. Como um homem de lata enferrujado.

Ela estava assustada - muito assustada - mas não deixou que isso a
impedisse. Sua mãe disse-lhe para nomear seus medos, então ela chamou
Buzz Lightyear. Saltando pela janela, para o pequeno telhado, ela se arrastou
ao longo dele, os dentes batendo. Era apenas o segundo andar, mas ela
sentia como se estivesse no céu. Mas ainda assim, ela se sentou,
escorregando até a borda e respirou fundo.

― Seja como o Buzz. ― Ela sussurrou para si mesma. ― Ele pode cair
com estilo.

Levou apenas um momento para reunir coragem para pular - ou mais


como rolar, apenas se encolhendo e caindo em um pequeno monte de neve
na grama abaixo. Ela se encolheu, aterrissando com um baque, todo o
corpo doendo, mas tentou ficar quieta para que ninguém a ouvisse.

Seu braço doía e sua cabeça estava toda tonta, mas ela se levantou e
começou a andar, afastando-se do palácio que odiava.

A garotinha não tinha ideia de onde estava indo, nem onde o Homem
de Lata morava. Mas ela lembrou que era apenas uma estrada para a praia,
por isso seguiu por esse caminho, com nada mais do que a roupa do corpo
e o dinheiro vermelho que o Leão Covarde havia lhe dado.

Ela andou... e andou... e andou, caminhando para sempre, um frio


congelante, o nariz escorrendo, os dedos dormentes, antes de finalmente
chegar ao calçadão. Ninguém estava lá a essa hora. As poucas pessoas que
ela passou pelo caminho estavam ocupadas demais para sequer notá-la.
Estava tão escuro, e ela ainda estava com tanto medo, mas continuou
andando, caminhando para o único lugar que conhecia por lá.

Passando as placas que diziam que a praia estava fechada, ela vai para
a costa, a água fria tocando seus sapatos.

Para onde ela deveria ir agora?

― Ei, você está aí. ― Uma voz chamou, uma luz piscando em sua
direção. ― O que você está fazendo?
A garotinha se virou, vendo um homem se aproximando - um homem
vestindo um uniforme azul. Um policial.

― Você não deveria estar aqui. ― disse ele, aproximando-se.

Oh-oh.

Em pânico, ela se virou e correu, correndo pela praia. O homem a


perseguiu, gritando para que ela parasse, mas ela continuou correndo
tanto que seus pulmões queimaram quando o ar bateu em seu rosto. Ele
era um estranho no escuro, e a mãe dela a avisara sobre isso. Esconde-
esconde. Freneticamente, a garotinha procurou um lugar para se esconder,
mas não chegou muito longe antes que ele a pegasse. Ele agarrou o braço
dela, deixando ela ainda mais em pânico.

A garotinha atacou, balançando e lutando, chutando o oficial no


tornozelo antes de tentar mordê-lo. Ele a prendeu, prendendo os braços ao
lado do corpo, enquanto pedia um apoio por rádio.

― Me deixar ir! ― Ela gritou.

― Jesus, garota, acalme-se. ― Disse ele. ― Você não está com


problemas, então relaxe, ok?

― Me deixar ir! ― Ela exigiu, mais uma vez, ainda lutando. ― Eu só


quero ir para casa de novo!

― Então relaxe, ― ele disse ― e eu posso te levar para casa. Apenas me


diga seu nome. Você pode fazer isso?

Ela balançou a cabeça. Ela não estava usando suas palavras para ele.
Ele era um estranho. Perigo desconhecido.

― Então me diga o nome de seus pais.

Nada.

― Diga-me onde você mora.

Isso ela não sabia.

― Você precisa me dizer alguma coisa, garota. ― Disse o policial. ―


Qualquer coisa.

― Eu quero ir para casa. ― Ela sussurrou. ― Não há lugar como o lar.


―――――――――――――

― O que você acha?

Olho para a porta do quarto ao ouvir essa pergunta, vendo Melody


parada lá. Ela gira, vestindo um vestido preto esvoaçante e uma meia-calça
preta, os lábios vermelhos brilhantes, um laço nos cabelos loiros
encaracolados. Meu olhar a examina, estabelecendo-se em seus pés, em um
par familiar de saltos uns Louboutins vermelhos.

Meu estômago afunda.

― Você está linda. ― Eu digo, porque é verdade. A garota está


deslumbrante. ― Qual é a ocasião?

― Leo está me levando para comemorar. ― Diz ela. ― É o nosso


aniversário de quando nos conhecemos.

― Sim? Como vocês se conheceram?

― Eu estava andando pelo parque uma tarde quando a batida de uma


música antiga de 2pac me cumprimentou, tocando no telefone dele. Foi
amor ao primeiro som. Quero dizer, é claro que não doeu que ele era lindo.
Whoa... no segundo que eu o vi, eu era dele. Parafraseando o falecido
grande, era como Aladdin, vadia... daria a ele tudo o que ele me pedisse.

Eu ri. ― Que fofo. Vocês dois... vocês são fofos.

― Certo? Eu também acho. ― Ela sorri, inclinando-se contra o batente


da porta. ― Então, e você e Lorenzo? Qual é a história? Onde vocês se
conheceram?

― Eu pensei que ele tinha te contado a história.


― Tudo o que sei é que você deu uma de Cinderela com ele. ― Diz ela.
― Ele não é exatamente conhecido por oferecer detalhes.

― Ah, sim... nos conhecemos em um barzinho de merda.

― Conexão bêbada?

― Mais como um grave lapso de julgamento.

Os olhos dela se arregalam. ― Oh não, arrependimentos?

― Sobre ele? Não. ― Estico minhas pernas nuas ao longo da madeira


fria. Estou sentada no chão ao lado da cama, minhas costas contra a parede
enquanto meu telefone carrega, vestindo apenas uma camiseta branca
grande e calcinha. Não me incomoda, e também não parece incomodar
Melody, minha quase nudez, então não tenho pressa de fazer nada a
respeito. ― Eu o julguei mal, imaginei que ele era como todos os outros que
conheci, então levei a carteira dele para casa do bar, em vez dele.

Achei que era impossível, mas seus olhos se arregalaram ainda mais.
― O que?

― Eu peguei do bolso dele. Ele me pegou, no entanto, me fez passar


por um inferno por isso, mas deu certo, eu acho, já que ele eventualmente
me trouxe para casa com ele.

― Isso é... uau.

― Então não, eu não me arrependo, mas cara, como eu fui estúpida,


pensando em me safar disso?

Ela balança a cabeça, afastando-se da porta. ― Você é corajosa, alma


corajosa, Morgan, uma alma mais corajosa que eu. Na primeira vez em que
conheci Lorenzo, eu tinha medo de chegar perto dele.

― Por causa da cicatriz dele?

Ela zombou. ― Não, por causa de como ele olha para as pessoas, ou
seja, como ele olhou para mim.

― Como é isso?

― Como se eu fosse 2pac e ele o Biggie.

― Ah, como se você fosse seu inimigo.


Eu conheço esse olhar.

Ele me deu uma ou duas vezes.

Não é nem mesmo um olhar de raiva. É um olhar vazio, desprovido


de tudo que se possa imaginar, como se ele estivesse preso em sua cabeça
em algum lugar. Frio e calculista, como se ele estivesse planejando remover
você da vida dele. Nada pessoal sobre isso, apenas puta, se foi ...

― Bingo! Esse é o único! ― Ela sorri novamente, virando-se. ― De


qualquer forma, Leo deve estar em casa em breve para me buscar, então
vou esperar minha carruagem.

― Divirta-se. ― Eu digo. ―Feliz aniversário.

Ela desce as escadas e eu sento aqui por um momento antes de pegar


meu telefone. Restam apenas alguns minutos para falar, talvez dez, no
máximo, o que significa que preciso recarregá-lo em breve ou comprar
outro para continuar essa rotina cansativa.

Eu não quero fazer nenhuma das duas opções. A última vez que
comprei minutos, jurei que era isso... Teria minha filha de volta antes de
ficar sem tempo novamente.

Eu quero que isso acabe.

Por que ainda não acabou?

Suspirando, disquei o número, levando o telefone ao ouvido, ouvindo


enquanto ele tocava, tocava e tocava, ignorando a voz no fundo da minha
mente que me implora para desligar. Após o quinto toque, ele finalmente
responde, me cumprimentando. ― Ah, menina bonita, eu estava apenas
falando sobre você.

― Eu aposto.

― Eu estava. ― Diz ele. ― Não mais que uma hora atrás. Todas as
coisas boas, é claro. Eu nunca diria uma palavra ruim sobre você. Prometo.

― Okay, certo.

Ele ri. ― Isso é duas vezes agora que você falou, gatinha. Você deve
estar se senti