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ROCHA & MACIEL

ADVOGADOS ASSOCIADOS

FILOSOFIA NO PERÍODO MEDIEVAL: SANTO AGOSTINHO E SÃO


TOMÁS DE AQUINO

A filosofia no período medieval é desenvolvida pela renovação da


filosofia grega, em nítido abandono aos postulados romanos que precederam
esse momento histórico. Em paralelo, soma-se uma mudança radical nos
valores mundanos, advindos da ascensão do cristianismo enquanto religião
dominante, da queda do Império Romano em decorrência das invasões
bárbaras e do processo de êxodo urbano. O pensamento da época é marcado
por dois teóricos principais: Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.
Santo Agostinho promove um resgate do pensamento platônico e o
adapta para o cristianismo. Daí o autor gerar uma divisão entre o conhecimento
produzido pelos homens, que utilizam da vida contemplativa para se aproximar
de Deus, e daquele conhecimento pertencente ao divino, enquanto criador do
universo. Ainda, o cristianismo irá nortear a vida humana, afastando o homem
das falsas premissas de uma vida secular voltada ao avanço tecnológico como a
forma de fazer o bem.
Na verdade, para Santo Agostinho, o pecado original demonstra
exatamente a percepção de que o bem e o mal habitam, de maneira
conflituosa, a essência humana. Por isso, o filósofo prega a renúncia ao mal, a
moderação da curiosidade e a humildade perante a Deus, pois só haverá uma
verdade e um acesso ao conhecimento se a filosofia e a teologia estiverem
aproximadas, afinal, Deus é a única salvação possível ao homem.
Em outros dizeres, o homem deverá renunciar as coisas terrenas
(cupiditas) e desejar somente aquelas de natureza celestial (caritas). Assim, o
homem tanto poderá usar do seu livre-arbítrio para corrigir as pechas e os erros
impregnados na alma pelo pecado original, aproximando-se de Deus, quanto se
corromper com as paixões humanas e com o pecado. A vida terrena servirá, de
acordo com o teórico, para que o homem salve a sua alma perante o divino.

Prof. Me. Carlos André Maciel Pinheiro Pereira


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Na divisão entre a lei divina (Lex Aeterna) e a lei humana (Lex


Temporalem), Santo Agostinho afirma que o direito natural é fruto da
racionalidade divina, manifestada na vontade de Deus. Na condição de
verdadeiro autor da história, Deus exorta seus comandos através da lei divina,
sendo o Estado e as interações políticas do homem uma pequena parcela de
algo maior. Por isto que o conceito de justiça agostiniano não está preso a uma
situação política – inclusive o Estado é produto do pecado humano – ou ao
desenvolvimento das virtudes humanas, mas sim atrelado à máxima de dar a
cada um aquilo que lhe é devido, tendo como ponto de partida a dignidade
obtida pelo homem ao se relacionar com Deus.
De outro talante, a justiça humana é realizada entre os próprios
homens, tendo como esteio a necessidade destes de se relacionarem. As leis
humanas correspondem ao controle do comportamento humano, sendo a única
forma de autoridade imediata que o homem consegue exercer – diferentemente
de Deus, que, com o seu poder infinito, controla a todos os homens e ao
universo. As leis criadas pelo homem deverão se espelhar ao máximo nas leis
divinas.
Por serem imperfeitas, as leis humanas estão sujeitas a realizar
injustiças, pois é uma obra do espírito humano apodrecido. Na verdade, a
corrupção é algo que impregna todos os homens, sob a ótica de Santo
Agostinho, a qual se estende para todas as organizações humanas, daí falar-se
em uma injustiça viciada desde a origem. Por fim, Santo Agostinho pontua que
o Estado deverá ser um meio para concretização da lei eterna, pois cumpre
àquela instituição a garantia da paz social, aproximando-se da paz eterna
pretendida por Deus. É daqui a metáfora entre a Cidade dos Homens, eivada de
pecados, e a Cidade de Deus, onde os escolhidos gozam da mencionada paz
eterna.
O outro teórico do período medieval é São Tomás de Aquino, para quem
o homem é composto pelo corpo – matéria perecível – e a alma – produto da

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criação divina. Na visão tomista, o homem será dotado de livre arbítrio e total
liberdade para escolher os meios que usará para perseguir o bem, finalidade da
existência humana de acordo com a vontade divina.
Dentro dos diversos meios possíveis, alguns oferecem diferentes
caminhos para alcançar a felicidade. Assim, o homem necessitará da ética para
distinguir qual caminho oferece um bem verdadeiro (virtude) e qual leva a um
bem aparente, optando sempre pelo primeiro. A escolha do bem em detrimento
do mal é um ato moral, racional e que se consubstancia na ética. Além do mais,
a virtude também decorre do equilíbrio entre os extremos que se mostram na
saciedade dos desejos humanos.
De acordo com o autor, a sociedade civil carece de ética, não porque
tenha optado por valores ruins, mas sim porque já se está determinada a
escolha. O bem comum é a finalidade perseguida através da sociedade
enquanto meio, na forma de um arranjo entre pessoas, que compreende a
unidade familiar como núcleo base. Os rumos da sociedade para o bem comum
serão direcionados pelas escolhas praticadas pelos governantes, dirigentes que
lideram a todos. A estes caberão, sim, pautar sua atuação na ética para escolha
do melhor caminho.
Para São Tomás de Aquino, a justiça é uma das virtudes naturais do
homem, expressa no equilibro entre razão e experiência e que é projetada como
a relação de igualdade entre as pessoas. Não se trata de um elemento reflexivo,
mas sim do hábito de dar a cada um o que é seu – nem mais e nem menos. É o
comportamento do homem em discernir o meu do seu.
A justiça vai interessar ao direito, pois este irá buscar concretiza-la,
dando ao homem o que lhe é natural, ou seja, o bem comum. Por isso, a
divisão do direito como Lex e a justiça como Jus. O primeiro é fruto do labor
humano de uma razão prática, e a segunda está posta na razão natural e na
razão divina. Daí a divisão, pela teoria tomista, de diversos tipos de justiça.
A primeira forma de justiça é a lei eterna, que vem de Deus e é pura,

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pois não contempla nenhum vício. É o imperativo que rege todo o universo a
partir da razão divina, podendo ser parcialmente revelada pelas leis divinas,
contidas nas escrituras sagradas.
Na segunda modalidade legal, tem-se a lei natural, como parcela da lei
eterna referente ao homem e que é obtida pela observação falível do que está
posto na natureza e é mutável por excelência.
Por fim, a última modalidade é a lei humana, a qual é fruto das
convenções sociais, sendo produzida pelo legislador e aplicada pelo juiz. Ora, a
lei humana deverá espelhar a lei natural, com o legislador na condição de
observador legítimo da natureza. Tudo o que é contrário à natureza se mostrará
como injusto. Além do que, o direito preserva sua imperatividade, de modo que
mesmo as normas em desacordo com a natureza devem ser cumpridas pelo
homem. Somente devem ser descumpridas aquelas que violem a lei eterna.
De seu lado, o direito deverá ser edificado considerando que o
legislador irá prever, em sua atuação, casos em abstrato, que ocorrem no
cotidiano humano e o julgador deverá individualizar objetivamente o direito a
um determinado caso concreto e efetivar a justiça. Ainda, os juízes devem estar
presentes em um número compatível com a amplitude da sociedade – quanto
maior for a sociedade, mais juízes serão necessários.
Em síntese, no período medieval, o direito é consequência dos desígnios
divinos e sua legitimidade provê de Deus, enquanto ser fundamental de toda a
existência terrena. Por isso, toma como base a posição de superioridade que o
homem detém enquanto centro do mundo, proporcionando a manutenção dos
valores humanos como estáveis. Assim, o ser humano tem no direito uma forma
dada por Deus para dominar o mundo e são as leis que irão regular as condutas
humanas para que elas fiquem tal qual como o divino deseja.

Questões para reflexão:

Prof. Me. Carlos André Maciel Pinheiro Pereira


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1) As leis divinas devem influenciar as leis humanas? Qual o papel deverá ser
ocupado pela religião, considerando a estruturação do estado laico?
2) Como o direito e a justiça devem se relacionar? A justiça pode se reduzida a
concretização de um bem comum?
3) A classificação das normas abstratas e gerais e as normas individuais e
concretas ainda faz parte do sistema jurídico? É uma distinção relevante?

Questões para revisão:

1) Santo Agostinho confere uma relevância importante tanto para o pecado


original quanto para o livre-arbítrio. Como esses elementos estão vinculados a
sociedade e a pretensão do homem salvar sua própria alma?
2) Quais motivos justificam uma divisão entre Lex Aerterna e Lex Temporalem?
Como justificativa, explique cada uma dessas leis.
3) O que significam a ética e o livre-arbítrio em São Tomás de Aquino? A ética é
relevante para a sociedade civil? E para o governante? Explique.
4) Qual a diferença entre lei e justiça em São Tomás de Aquino? Como
justificativa, explique o papel dos agentes estatais na formação da lei.
5) Quais os tipos de lei são identificados por São Tomás de Aquino? A lei eterna e
a lei divina são sinônimos?

Prof. Me. Carlos André Maciel Pinheiro Pereira

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