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Mill:
elementos para uma teoria da explicação dos fenômenos sociais
Jordão Horta Nunes (texto didático para circulação interna)
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As referências específicas à Lógicas das Ciências Morais (doravante LCM) são extraídas da tradução
de Alexandre Braga Massella (. As referências ao Sistema de Lógica (doravante SL) tomam por base a
tradução de João Marcos Coelho feita de textos selecionados do Sistema de Lógica Indutiva e
Dedutiva, publicada na coleção Os Pensadores.
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Mill utiliza o termo "instância", no sentido de ocorrência ou caso experimental de um fenômeno, no
mesmo sentido anteriormente empregado por Bacon. O termo correlato "circunstância" designa as
condições nas quais o caso experimental ocorre.
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mas algumas condições que permitem a ocorrência desses efeitos. A outra forma de
concorrência de causas é a "combinação química", termo escolhido por Mill em
analogia com as reações químicas, onde as propriedades das substâncias produzidas
não correspondem à soma das propriedades das substâncias que reagem. Na
"combinação" a ação conjunta das causas altera as leis apresentadas pelas causas
quando atuavam em separado e um conjunto novo de efeitos substitui ou se incorpora
àqueles que surgem da ação individual das mesmas causas.
A pluralidade de causas ocorre quando um efeito pode ser produzido por
diferentes causas ou ser o conseqüente invariável de diferentes conjuntos de
antecedentes. Da noção de pluralidade deriva uma conseqüência lógica, cujos
desdobramentos dividem os especialistas: se consideramos que um fenômeno pode ser
causado por diferentes conjuntos de antecedentes podemos admitir que nenhum destes
é necessário; portanto, a causalidade é uma condição suficiente, mas não necessária
(Cf. Massela, 1996, p. 79). Poderíamos, perante essa conclusão, relativizar a dimensão
ontológica da suposição da pluralidade de causas e guardar sua validade apenas como
regra metodológica, exigindo maior rigor do pesquisador para que prossiga em sua
investigação até que seja encontrada a verdadeira relação causal, seja por antecedente
único ou por conjunção. Outra alternativa seria admitir que a pluralidade acontece
realmente em certos fenômenos e considerar a causalidade apenas como condição
suficiente nas leis naturais, questionando a teoria indutiva de Mill. Adotamos aqui a
posição de Massela, quando afirma que, qualquer que seja a interpretação escolhida,
"o que os interessa ressaltar é a possibilidade de extrairmos dela a exigência
metodológica, imposta ao investigador, de tentar superar, sempre que possível,
conclusões compatíveis com a pluralidade de causas" (p. 81).
A distinção entre concorrência e pluralidade de causas, com os
desdobramentos metodológicos que acarreta para a investigação dos fenômenos
naturais, embora esclareça as formas de manifestação da causalidade, ainda não
elucida as condições nas quais as leis causais devem ascender ao estatuto de leis da
natureza. A noção de causalidade como seqüência invariável tem como corolário a
afirmação de que todos os eventos que se sucedem invariavelmente, como o dia e a
noite, estariam causalmente relacionados; o dia seria causa da noite, e a noite a causa
do dia, nesse exemplo. Mill argumenta que a noite seguirá o dia apenas na condição
de que o sol nasça no horizonte e que nenhum corpo opaco se interponha entre nós e o
sol (Cf. SL, p. 183). Assim, uma seqüência invariável não significa causação, a menos
que seja incondicionada, ou seja, que "acreditemos não apenas que o antecedente
sempre foi seguido pelo conseqüente, mas que, enquanto durar a presente constituição
das coisas, sempre será assim" (SL, p. 183, destaques do autor). A expressão anterior
designa, para Mill, uma "lei fundamental da natureza", qualquer que seja seu objeto.
Tais leis, referentes a uniformidades incondicionais, permitem deduzir leis derivadas
e, portanto, constituir ciências dedutivas. As leis fundamentais e as derivadas
compõem um complexo que Mill designou metaforicamente como "rede de
regularidades", que constitui o próprio universo da investigação das causas, embora
nem todas sejam de interesse específico da ciência. Eleger, ainda que provisoriamente,
algumas regularidades como causais em meio a inúmeras outras uniformidades exige
o emprego de métodos de indução por eliminação (por observação ou experimentos
artificiais) e a possibilidade de relacionar dedutivamente as leis obtidas por seu
intermédio.
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O termo hipótese apresenta aqui um sentido relacionado à função de sugerir variáveis a serem
experimentadas na investigação. Entretanto, nas ciências dedutivas ou no estágio dedutivo da
investigação, as hipóteses têm a função de auxiliar na procura das leis gerais que servirão de suporte
para a dedução das leis derivadas.
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esta seja obtida de acordo com MC. A concorrência de causas, por sua vez, não afeta a
certeza da conclusão se for gerada por MD.
A limitação dos métodos de indução por eliminação conduz Mill a propor um
método dedutivo que preencha as lacunas que a impossibilidade de aplicação dos
métodos experimentais nos fenômenos complexos deixa na investigação das causas.
Podemos resumir a crítica de Mill à indução por eliminação nos seguintes termos: a
aplicação direta dos métodos é sempre preferível nos fenômenos complexos, quando
esta é possível; a experimentação artificial é aconselhável em MR e MD, mas deve ser
aplicada a cada uma das causas em separado, o que sugere a sua complementação pela
dedução, uma vez que a separação das causas é muitas vezes impossível de ser
realizada artificialmente; os métodos experimentais são, portanto, impotentes, em sua
maioria, para determinar relações causais, mas são indispensáveis na obtenção de leis
empíricas e generalizações aproximadas, que serão articuladas por dedução a leis
causais superiores, verificadas e integradas no corpo sistemático de ciências em
estágio dedutivo.
1. o conhecimento das causas: quando a identificação destas não for simples ou óbvia,
é necessária a verificação;
2. o estudo em separado de cada causa; quando o isolamento das causas não puder ser
realizado o método indutivo conduz à determinação de leis empíricas, ou leis dos
fenômenos. Esta condição implica não só uma insuficiência dos métodos indutivos
por eliminação para determinar leis causais, mas compromete também a edificação
de ciências dedutivas nas áreas de conhecimento que estudam fenômenos que não
atendem a esses requisitos.
O estágio dedutivo consiste em, supondo que a indução direta foi realizada de
forma satisfatória, determinar, segundo as leis das causas, o efeito produzido por uma
combinação dada dessas causas. Essa operação é executada por meio de um cálculo,
que pressupõe que o conhecimento das causas tenha atingido um grau de abstração
suficiente para a determinação de leis numéricas precisas que regem a produção dos
efeitos. O cálculo toma como premissas "os teoremas da ciência dos números em toda
a imensa extensão desta ciência" (SL, p. 224). O raciocínio que toma por base uma lei
geral para determinar as condições particulares que satisfaçam essa lei depende de que
a composição de causas prevaleça como origem dos efeitos do fenômeno estudado,
para que exista uma possibilidade de calcular o resultado conjunto das causas. Ainda
assim, prevê-se um acúmulo de cálculos matemáticos em casos mais complexos, que
ultrapassa as possibilidades humanas, por exemplo, na investigação de fenômenos
sociais.
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vincular uma uniformidade que não é uma lei de causação às leis de causação de que
ela resulta, ou uma lei complexa de causação às leis mais simples e mais gerais de que
pode ser inferida dedutivamente; pode-se, se não há uma lei conhecida que preencha
essa condição, imaginar ou fingir uma que satisfaça a isso; eis como se faz uma
hipótese (SL, p. 229).
conhecidas. A causa, no início inacessível, deve ser conhecida mais tarde e a hipótese,
sugerindo observações e experiência, encaminha-nos a provas independentes que
possam permitir o reconhecimento da existência da causa e da ligação com o efeito.
Recupera-se, assim, o efeito ampliativo da indução em outra perspectiva, pois a
possibilidade de articular teorias diferentes à procura de uma mesma causa fica
preservada.
As leis psicológicas são vistas por Mill como verdades empíricas, tornadas
certas pela indução direta e pela introspecção, assim como os axiomas da geometria
euclidiana são indutivos (Cf. Whitacker, 1975, p. 482). Apesar de sua concepção
associacionista da psicologia ser apenas esboçada em LCM, Mill "claramente
transcende o simples hedonismo. Cada homem é imbuído, por meio do treinamento e
da experiência, de um caráter –um conjunto de hábito e propósitos arraigados,
largamente dissociado dos estímulos de dor ou prazer" (Whitacker., p. 483). Existem,
entretanto, leis universais de formação do caráter, apesar da evidência da diversidade
de caráter nos indivíduos; tais leis constituem o principal objeto do estudo científico
da natureza humana.
As leis do caráter, evidentemente, não podem ser obtidas por indução direta,
pois o caráter e as circunstâncias a este associadas são fatos muito complexos, em cuja
investigação, como estabelecemos anteriormente, só compete o método dedutivo. Mill
apresenta uma série de razões para descartar a possibilidade do emprego dos métodos
experimentais indutivos à determinação de leis do caráter, que consideramos supérfluo
reproduzir aqui. Podemos, contudo, mencionar duas das principais razões: a
impossibilidade, por motivos éticos e práticos, de realizar experimentos artificiais com
seres humanos durante muito tempo, como se requer para examinar, por exemplo, as
circunstâncias relacionadas à educação; a imprecisão dos resultados obtidos por
observação, já que inúmeros casos ficariam fora de seu alcance. Segundo Mill, "as leis
da formação do caráter são, em suma, leis derivadas resultantes das leis gerais da
mente e, para obtê-las, devemos deduzi-las dessas leis gerais, supondo dado um
conjunto qualquer de circunstâncias e considerando então qual será, de acordo com as
leis da mente, a influência dessas circunstâncias na formação do caráter" (LCM, p.
39). Embora de natureza hipotética, como todas as leis obtidas por dedução, as leis do
caráter permitem prever a produção de um fato sob determinadas condições, i.e., na
medida em que os efeitos de determinada causa não sejam contrariados ou anulados
por outras circunstâncias. Como afirma Vaysset-Boubien, as leis do caráter já
possuem um valor científico (que as leis empíricas do caráter, também freqüentes no
senso comum, não apresentam imediatamente), como as leis gerais de que são
deduzidas, além de desempenharem importante papel na verificação, controlando as
induções parciais, as generalizações inferiores e os resultados da dedução (Cf.
Vaysset-Boubien, 1941, p. 67). Já as leis empíricas do caráter dependem, para ser
consideradas verdadeiras, da verdade das leis dedutivas do caráter das quais são
conseqüência. Elas têm o papel de fornecer a verificação das conclusões da teoria
etológica por via das leis dedutivas do caráter.
A etologia é uma ciência que tem finalidades práticas, como todas as ciências
morais. Mill explicita o seu utilitarismo quando afirma que a etologia deve
fundamentar as regras da Arte correspondente, ou seja, da formação do caráter dos
homens:
uma ciência que possui princípios médios desse tipo, arranjados em ordem, não das
causas, mas dos efeitos que se deseja produzir ou evitar, está devidamente preparada
para ser o fundamento da Arte correspondente. Quando a Etologia estiver assim
preparada, a educação consistirá na transformação daqueles princípios em um
sistema paralelo de preceitos e na adaptação destes à soma total das circunstâncias
existentes em cada caso particular (LCM, p. 43-44).
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A metodologia de J.S. Mill constituiria um notável exemplo que confirmaria os argumentos de
Mandelbaum no sentido de contestar a dicotomia simplista individualismo-holismo. Mill, embora
defendendo a natureza individual humana como determinante primária dos estados de sociedade,
admite elementos do holismo metodológico, como a analogia organicista e a perspectiva história na
determinação da dinâmica social.
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Alguém que domine, com o grau de perfeição alcançável, as leis que, sob a livre
concorrência, determinam a renda, os lucros e os salários recebidos pelos
proprietários da terra, pelos capitalistas e pelos trabalhadores numa sociedade em
que as três classes são distintas, não terá dificuldade em determinar as leis muito
diferentes que regulam a distribuição do produto entre as classes interessadas em
qualquer dos estados de cultivo e propriedade agrícola mencionados na citação
anterior (LCM, p. 74)
Mill concebe uma ciência geral da sociedade como aquela que se refere às
causas que produzem e aos fenômenos que caracterizam os estados de sociedade em
geral. Portanto, o problema fundamental das ciências sociais é encontrar as leis de
acordo com as quais um estado de sociedade produz o estado que o sucede e substitui.
A linha de sucessão dos estados está relacionada a uma noção específica de
progresso? Sim, pois os estados de sociedade são caracterizados pelo caráter social,
por sua vez formado pelas circunstâncias; tais circunstâncias determinam o caráter
que, por sua vez, graças a incluir entre suas circunstâncias a liberdade moral e a
vontade humana para alterá-lo, gera novas circunstâncias. Esse desenvolvimento
cíclico constitui o progresso, que deve ser entendido como uma tendência ao
aperfeiçoamento. Essa concepção de progresso não se reduz a uma idéia de sucessão
entre fatos gerais em perspectiva histórica, uma uniformidade reduzida a lei da
natureza, que é capaz de previsões. Esse tipo de lei do progresso constituiria apenas
uma lei empírica independente, que não pode ser o objetivo de uma ciência. A
sucessão de estados de sociedade que caracteriza o progresso deve depender de leis
psicológicas e etológicas e ser verificada pela evidência histórica para que seja
transformada de lei empírica a lei científica, oferecendo garantia para predições. A
história, portanto, é que permite a vinculação de nossas generalizações com as leis
causais das ciências morais e apresenta, à luz de procedimentos adequados,
regularidades que configuram leis empíricas da sociedade. O problema da sociologia
geral é determiná-las e conectá-las com as leis da natureza humana, por meio de
governantes, seja pelo efeito que o estado do sentimento e da opinião nacional têm na determinação da
forma de governo e na formação do caráter dos governantes (Cf. LCN, p. 75).
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deduções que mostrem que tais eram as leis derivadas que se deveria naturalmente
esperar como conseqüências das leis últimas (Cf. LCM, p. 86). O procedimento
anterior constitui uma real verificação no método dedutivo inverso, capaz de corrigir
as errôneas e apressadas generalizações que vem sendo realizadas no decorrer da
história.
As regularidades históricas são verificáveis através da estatística. Mill
considera que o grau singular de regularidade na apresentação dos fenômenos em
grande quantidade, evidenciado por meio da estatística, combinado com a extrema
irregularidade dos casos que compõe a massa, é "uma feliz verificação a posteriori da
lei de causação na sua aplicação à conduta humana" (LCM, p. 101). Realmente, os
índices estatísticos vem eliminar, no método indireto, a grande desvantagem que a
verificação pela experiência única representava no método direto. Como toda ação do
homem social depende das circunstâncias gerais do estado de sociedade (fatores
morais, educacionais , econômicos, que incidem sobre a totalidade da população) e
das influências especiais do indivíduo (temperamento, parentesco, relações sociais,
afecções, etc.), podemos dizer que, num espaço determinado de tempo (como o ciclo
de um ano) as circunstâncias gerais praticamente não variam e as influências especiais
tem seu escopo de variação por meio de uma média estatística. Se há uniformidade
dos resultados considerados no intervalo de tempo podemos efetuar previsões e, ao
mesmo tempo, confirmar a teoria geral da causalidade no âmbito das ações humanas.
O uso da estatística por Mill não se confunde com seu emprego como
instrumento de generalização indutiva, em procedimentos que hoje designaríamos por
projeções estatísticas. Os cálculos estatísticos constituem uma parte do método
dedutivo inverso, são instrumentos de verificação, não de descoberta. Podem
expressar, contudo, tendências. Ainda a respeito da estatística como confirmadora da
explicação causal dos fenômenos sociais, convém assinalar que o argumento de Mill a
favor da excepcionalidade do papel que os "grandes homens" desempenham na teoria
da uniformidade na história, da tendência ao progresso. Parece-nos que a teoria dos
"grandes homens" reproduz a lacuna que existe entre o universo das leis mentais e da
natureza individual em relação à articulação entre circunstâncias e fatos que rege o
caráter social, ou seja, constitui outro exemplo da problemática hierarquia de leis
causais que rege o sistema de lógica das ciências morais. Considerar os esforços de
seres privilegiados como responsável por uma aceleração no progresso, que é
concebido como progresso intelectual coletivo, é contraditório com a suposição da
uniformidade histórica e também com a teoria da causalidade aplicada à sociedade.
A aceitação do método dedutivo inverso como método mais apropriado à
ciência social geral evidencia, sem dúvida, a influência que Comte exerceu sobre Mill.
Em sua autobiografia, Mill reconhece essa influência:
Mill deriva de Comte outras concepções teóricas, como a teoria dos três
estados na sucessão natural do conhecimento humano, além da concepção dos
métodos das ciências sociais em analogia com os métodos da ciência física. No que se
refere a LCM, a contribuição de Comte foi tardia, pois quando Mill leu o Cours de
Philosophie Positive já havia concluído o Livro VI, sendo conduzido a realizar
alterações substanciais em edições posteriores. Entretanto, devemos ressaltar que a
incorporação que Mill faz das teorias de Comte é sempre crítica e talvez devamos
considerar que o primeiro complementa aspectos que foram negligenciados pelo
segundo. Mill afirma, em sua autobiografia, que sua teoria da indução foi completada
após a leitura do Curso de Filosofia Positiva, mas SL contém, além de sua
determinação, uma redução do processo indutivo a regras estritas e a um teste
científico, como o silogismo o faz com o raciocínio. Mill propõe, em SL, o que Comte
não atinge em sua obra, apesar de ser sempre "preciso e profundo em seus métodos de
investigação": uma definição exata das condições da prova.
Recorrendo a Comte e inclusive citando um longo trecho do livro IV do Curso
de Filosofia Positiva, Mill classifica as leis empíricas da sociedade em dois grupos:
as de uniformidade de coexistência, que constituem uma estática social (condições de
repouso e equilíbrio e das ações e reações mútuas dos fenômenos em analogia com o
mundo físico) e se referem às condições de estabilidade da vida social, ao consensus;
as leis de sucessão, que compõem a dinâmica social, (em analogia com a biologia e o
mundo orgânico) referente ao progressivo movimento.
A exposição que Mill faz da estática social vale-se freqüentemente da analogia
com o mundo natural, mais especificamente com o mundo orgânico, para ilustrar a
interdependência das causas e elementos. O fato de Mill não apresentar uma
concepção mecânica dos procedimentos da estática social (o que seria previsível, visto
que na sociedade predomina a composição de forças) pode ser interpretado como uma
tentativa de explicar que as leis empíricas passíveis de se tornarem verdadeiras não
podem ser obtidas exclusivamente através da perspectiva da estática social.
Afirmando a idéia de que as previsões bem sucedidas indicam o progresso de uma
teoria científica, Mill declara que as previsões da sociologia nos permitirão inferir
uma a partir das outras (sujeitas a verificações posteriores pela observação direta) as
marcas distintivas de cada modo de existência social, em analogia com o que se faz
atualmente na anatomia do corpo físico. Esse ramo da especulação sociológica é a
base da teoria do progresso social e pode, por si mesmo, ser imediatamente
empregado para substituir a observação direta, que não pode ser constantemente
efetuada sobre certos elementos da sociedade. Entretanto, essas relações necessárias
entre os diferentes aspectos da sociedade devem sofrer uma apreciação exata dos seus
limites de variação, tanto no estado são como no estado mórbido, em analogia com a
anatomia do corpo natural. (Cf. LCM, p. 88) A estatística representa, portanto, uma
ferramenta indispensável no ramo da estática social, para fixar o escopo da variação
dos aspectos sociais. Entretanto, para verificar o grau de dependência entre os
elementos sociais (consensus), que varia conforme esses elementos estão direta ou
indiretamente conectados, um estudo diacrônico é mais, o que exige a perspectiva da
dinâmica social.
Mill finaliza suas considerações sobre a estática social examinando
detalhadamente um princípio que considera passível de ser estabelecido por esse ramo
da ciência social: a correlação necessária entre a forma de governo existente numa
sociedade e o estado contemporâneo de civilização. Segundo Mill, analisando os
inúmeros resultados de articulação entre sistemas de governo e condições de
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existência (no início meras leis de fenômenos), é possível constatar que alguns deles
resultam das leis naturais da natureza humana com tanta verossimilhança que a
consonância dos dois procedimentos eleva a evidência à prova e as generalizações à
posição de verdades científicas (Cf. LCM, p. 90). Referências a elementos da história
das civilizações, enfocando o início da obediência a um tipo de governo, são
relacionadas com a exposição de condições que deveriam ser necessariamente
satisfeitas para a submissão à lei e ao governo, todas elas concernentes às leis da
natureza humana: sistema de educação, existência de um sentimento de fidelidade ou
lealdade, princípio de coesão entre os membros de um mesmo estado ou comunidade.
A respeito deste último aspecto, Mill constata que as nações mais poderosas são as
que tiveram esse sentimento em mais alto grau, enquanto as mais problemáticas em
seu desenvolvimento são aquelas onde as partes de um mesmo estado estão
debilmente ligadas umas com as outras (como ocorreu na América do Sul).
Mill apresenta um certo ceticismo quanto à possibilidade de explicar a
dinâmica social (sucessões de estados sociais no curso da história), pois é considerável
a dificuldade lógica e prática de comparar as causas de um estado social com outro
que lhe antecede: o consensus é tão completo na história moderna que, de uma
geração para outra, "é o todo que produz o todo, mais do que uma parte uma parte"
(LCM, p. 94). Assim, as leis empíricas obtidas por generalização, mesmo que
verificadas a priori (método inverso), são impotentes para a investigação na dinâmica
social, a não ser que intermediadas por leis imediatas ou derivadas, os axiomata media
da sociologia geral, que aprsentam a mesma função lógica e metodológica que as leis
etológicas, como axiomata media das leis da natureza. Essas leis determinam como os
estados sociais se sucedem aos outros, em direção ao progresso. Notamos que a
diferença de grau entre as leis empíricas sociais, que não podem expressar mais que
tendências, e essas leis médias é muito grande. Mill prevê várias etapas intermediárias
até que se possa apresentá-las como corolários dos princípios de ordem superior (leis
psicológicas e etológicas) e convertê-las finalmente em leis do desenvolvimento
social.
A determinação das leis médias, que permite a conexão das tendências aos
princípios psicológicos e etológicos ainda não completa o percurso na determinação
das leis da ciência social geral, que exige, em sua base, leis empíricas de
correspondência entre estados de sociedade simultâneos e estados de sociedade
sucessivos, compreendendo os enfoques estático e dinâmico do corpo social. Essa lei
de correspondência, devidamente verificada a priori, viria a ser a verdadeira lei
científica derivada a respeito do desenvolvimento da humanidade e dos
acontecimentos humanos (Cf. LCM, p. 95).
Procurando ilustrar uma possibilidade de aplicação do método dedutivo
inverso à sociologia, Mill examina, a partir de evidências históricas, a hipótese do
desenvolvimento intelectual humano como determinante em relação ao progresso
social. Sob a ótica da estática social, a observação das circunstâncias num dado estado
social, à luz de procedimentos estatísticos, evidencia que o estado das faculdades
especulativas da humanidade, incluindo a natureza das crenças que o homem alcançou
a respeito de si mesmo e do mundo está positivamente relacionado com o estado
material, político e moral da comunidade. Sob o enfoque da dinâmica social, a história
demonstra que todo avanço material foi precedido por um avanço no conhecimento e
quando uma grande mudança social ocorre, sempre tem como precursora uma grande
mudança de opiniões e maneiras de pensar, e.g. sistemas religiosos como politeísmo,
judaísmo, cristianismo, protestantismo (estado teológico); a filosofia crítica (estado
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Observações finais
ciências sociais no estágio atual da ciência. Porém, tal tarefa exigiria mais
propriamente um trabalho mais abrangente. Podemos, contudo, abordar um aspecto do
problema, que consiste numa breve apresentação das críticas que a metodologia das
ciências gerais de Mill recebeu. Procuraremos, então, aplicar as questões que julgamos
mais importantes ao caso específico das ciências sociais.
Uma primeira objeção feita à metodologia de Mill é que as relações causais
podem constituir as principais formas de associação lógica de eventos ou fenômenos,
no que se refere ao interesse da ciência. Acreditamos que essa crítica é hoje pertinente,
não só nas vertentes metodológicas de fundamentação hermenêutica (onde o
argumento se torna óbvio), mas também no interior do próprio positivismo ou de
vertentes de fundamentação analítica.
A metodologia das ciências sociais de Mill parece não possibilitar a
investigação da ação humana investida da vontade, pois, apesar de seus argumentos
afirmando a possibilidade de que o homem altere seu próprio caráter, a explicação
dessa mudança deve ser derivada dedutivamente de leis psicológicas, ou seja, o
conceito de vontade subordina-se ao das características da personalidade. Segundo
Giddens, Mill, assim como, posteriormente, Talcott Parsons, "identificaram o
voluntarismo com a 'interiorização de valores' na personalidade e, desde logo, com a
motivação psicológica" (1996, p. 30).
A limitação dos recursos lógicos à disposição na época de Mill (sua
argumentação utiliza exclusivamente os silogismos da lógica clássica) pode explicar,
em parte, sua teoria da indução causalista. O desenvolvimento da lógica relacional, e
mais tarde, da lógica modal, possibilitaria, mais tarde, a contestação ou a relativização
das teorias causalistas no interior das vertentes analíticas.
Uma segunda objeção recorrente aos métodos de Mill, principalmente aos
métodos indutivos por eliminação, é que a exposição e o reconhecimento do modelo
hipotético-dedutivo difundido principalmente por Popper tornam os métodos
experimentais inseridos no método dedutivo de Mill obsoletos. Mackie argumenta
contra essa crítica, afirmando que "não há qualquer incompatibilidade, hostilidade ou
diferença de espírito entre esses dois procedimentos" (op. cit., p. 320). Embora os
métodos eliminatórios sejam também demonstrativos, o contexto de sua utilização
prática torna suas conclusões apenas hipotéticas, como evidenciamos anteriormente.
Suas suposições requerem confirmação, já que, na maioria das vezes, os próprios
métodos são impossibilitados de prová-las. O princípio de Popper de necessária
corroboração das hipóteses por uma série de testes é ilustrado pela combinação dos
métodos da concordância e da diferença. Aliás, são precisamente esses dois métodos
que apresentam alguma possibilidade de aplicação prática nas ciências sociais.
Entretanto, parece-nos que a conclusão de Mackie não valeria para o caso específico
da lógica das ciências morais. A investigação dos fenômenos sociais pressupõe
algumas premissas básicas que funcionam como suporte para o percurso dedutivo: as
leis da natureza, ou seja, as leis mentais ou psicológicas, das quais derivam
dedutivamente leis etológicas. Em sua lógica da pesquisa científica, Popper é bem
claro na condenação ao psicologismo para a explicação do desenvolvimento
científico: "a questão de como uma nova idéia ocorre a um homem –se é um tema
musical, um conflito dramático ou uma teoria científica –pode ser de grande interesse
para a psicologia empírica; mas é irrelevante para a análise lógica do conhecimento
científico" (1968, p. 31). A observação anterior, combinada a outros argumentos
presentes no mesmo capítulo ("A eliminação do psicologismo"), conduzem-nos a
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concluir que a dedução de leis sociais a partir de leis psicológicas, ainda que
intermediada por leis médias, não seria admitida no método hipotético-dedutivo.
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Referências bibliográficas