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Disciplina Português
Lê o texto.
Vos estis sal terræ2 (Mateus 5, 13)
1 “Vós”, diz Cristo Senhor nosso, falando com os Pregadores, “sois o sal da terra”: e chama-
-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a
corrupção1, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela,
que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal
não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores
5 não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo
verdadeira a doutrina, que lhes dão, a não querem receber; ou é porque o sal não salga, e os
Pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os
ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem; ou é porque o sal não
salga, e os Pregadores se pregam a si, e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e
os ouvintes, em vez de servir a Cristo servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda
1 mal!
0 Suposto pois que, ou o sal não salgue, ou a terra se não deixe salgar; que se há de fazer a
este sal, e que se há de fazer a esta terra? O que se há de fazer ao sal, que não salga, Cristo
o disse logo: Quod si sal evanuerit, in quo salietur? Ad nihilum valet ultra, nisi ut mittatur foras
et conculcetur ab hominibus2 (Mateus 5, 13). Se o sal perder a substância, e a virtude, e o
Pregador faltar à doutrina, e ao exemplo, o que se lhe há de fazer é lançá-lo fora como inútil,
para que seja pisado de todos. […]
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Isto é o que se deve fazer ao sal que não salga. E à terra, que se não deixa salgar, que se
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lhe há de fazer? Este ponto não resolveu Cristo Senhor nosso no Evangelho; mas temos sobre
ele a resolução do nosso grande Português Santo António, que hoje celebramos, e a mais
galharda, e gloriosa resolução, que nenhum Santo tomou. Pregava Santo António em Itália na
Cidade de Arimino6, contra os Hereges, que nela eram muitos; e como erros de entendimento
2 são dificultosos de arrancar, não só não fazia fruto o Santo, mas chegou o Povo a se levantar
0 contra ele, e faltou pouco para que lhe não tirassem a vida. Que faria neste caso o ânimo
generoso do grande António? […] Pois que fez? Mudou somente o púlpito, e o auditório, mas
não desistiu da doutrina. Deixa as praças, vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar, e
começa a dizer a altas vozes: “Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes”.
Oh, maravilhas do Altíssimo! Oh, poderes do que criou o mar, e a terra! Começam a ferver as
ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos todos por
2 sua ordem com as cabeças de fora da água, António pregava, e eles ouviam.
5 Se a Igreja quer que preguemos de Santo António sobre o Evangelho, dê-nos outro. Vos
estis sal terræ: é muito bom Texto para os outros Santos Doutores; mas para Santo António
vem-lhe muito curto. Os outros Santos Doutores da Igreja foram sal da terra, Santo António foi
sal da terra, e foi sal do mar. Este é o assunto, que eu tinha para tomar hoje. Mas há muitos
dias que tenho metido no pensamento que nas festas dos Santos é melhor pregar como eles,
que pregar deles.
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VIEIRA, Padre António, 2014. “Sermão de Santo António”. In Obra Completa (Direção de José Eduardo Franco e Pedro Calafate).
Tomo II. Volume X (Sermões Hagiográficos I). Lisboa: Círculo de Leitores (pp. 137-139) (1.ª ed.: 1682)
1. degradação; 2. E se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais serve, senão para ser lançado
fora e pisado pelos homens.
4. Justifica a evocação da lenda de Santo António, nos dois últimos parágrafos, relacionando-a
com o título do sermão.
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(L) No Capítulo II, o pregador discorre sobre algumas virtudes dos peixes, «descendo ao
particular».
(M) O facto de os peixes não se deixarem domesticar, preferindo viver longe dos homens,
constitui, para o pregador, um motivo de repreensão.
(N) A referência a Aristóteles, no Capítulo II, consiste num argumento de autoridade.
(O) Na frase «Ah moradores do Maranhão, quanto eu vos pudera agora dizer neste caso!»,
há uma apóstrofe.
(P) O elogio ao peixe de Tobias relaciona-se com o facto de este fazer tremer o braço do
pescador.
(Q) Tal como a Rémora, Santo António orientou os homens, mostrando-lhes o caminho do
bem.
(R) O pregador afirma que compreendeu uma verdade importante (olhar para o Céu, sem
esquecer o Inferno) quando viu um cardume de quatro-olhos.
2. Estabelece a correspondência entre cada peixe, a característica que lhe está associada e o
modo como essa característica foi exemplificada na vida de Santo António.
Parte C – Gramática
Lê atentamente o texto.
1 Cresci acompanhado por uma frase silenciosa, em letra arrebicada1, num pequeno
quadro pendurado ao lado do televisor lá de casa. O nicho por baixo do guarda-louça era
o ponto de fuga dos olhares à mesa. As atenções convergiam para o ecrã iluminado, entre
duas garfadas e conversas de circunstância. A frase ficava na sombra.
5 Uma parte da minha adolescência fez-se do confronto com aquelas três palavras
cercadas por uma moldura de madeira castanha: “Querer é Poder”.
O aparelho de televisão nem sempre ali esteve. O quadrinho, sim. Pelo menos na
minha memória. Mesmo no tempo em que eu ainda tinha de pedir autorização para ir à
taberna do fundo da rua ou a casa de um vizinho ver a série de aventuras que dava aos
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10 sábados à tarde. Queria muito acompanhar o folhetim dos irmãos Cartwright. Queria mas
nem sempre podia.
Talvez o cético que há em mim tenha nascido numa dessas tardes de sábado em que
não pude acompanhar as peripécias de Bonanza. Durante muito tempo alimentei a
suspeita de que a frase em letra desenhada estava ali só para mim. Mais ninguém a via.
Quem a teria dito? De onde viria aquela certeza? Que garantias poderia eu ter de que
15 comigo não seria diferente?
Não me lembro de alguma vez alguém, lá em casa, ter comentado aquela máxima ou
de ter sequer referido a existência do pequeno quadro. Aquilo não era mais do que um
elemento adicional na paisagem doméstica, como os bibelôs sobre os naperons.
Assim que aprendi a ler, descobri-me rodeado de segredos. A frase do quadro era
20 apenas mais um. Ali estavam eles à vista de todos, ignorados por toda a gente. Era como
se mais ninguém se apercebesse das palavras que, espalhadas por todo o lado, me
consumiam a atenção: em papéis soltos, em pedaços de jornal velho, nas inscrições de
embalagens de todo o tipo. Não havia livros em minha casa, mas o mundo parecia cheio
de coisas escritas à espera de serem decifradas e de alguém que lhes perguntasse o que
25 tinham para revelar. Por isso, eu revirava frases simples do avesso como um alfaiate
virando um casaco velho para lhe inspecionar o forro. “Querer é Poder” foi a minha
primeira obsessão desse tipo.
Na altura, ainda não entendia o que era um lugar-comum e estava longe de saber que
distâncias inverosímeis certas banalidades são capazes de percorrer. A australiana
30 Rhonda Byrne4 não era ainda milionária e famosa. O segredo era só meu. Ainda assim, eu
já duvidava dele e daquela certeza que a realidade se empenhava em contrariar sempre
que os meus desejos não eram atendidos.
Só muito mais tarde, com outras leituras, percebi de onde vinha a frase. “Se quiseres,
podes”, promete o Evangelho Segundo São Mateus. Trata-se, pois, de matéria de fé.
35 Embora haja formas mais subtis de entender a máxima do evangelista reproduzida pelo
quadrinho da minha infância.
O Padre António Vieira explicou num dos seus sermões que interrogar o poder é
também, inevitavelmente, interrogar o querer: “O querer, e o poder, se divididos são nada,
juntos, e unidos são tudo”, pregou na Sé de Lisboa, em Janeiro de 1662, aquele a quem
40 Fernando Pessoa atribuiu o título de Imperador da língua portuguesa. “O querer sem o
poder é fraco, o poder sem o querer é ocioso, e deste modo divididos são nada. Pelo
contrário o querer com o poder é eficaz, o poder com o querer é ativo, e deste modo
juntos, e unidos são tudo.”
MARQUES, Carlos Vaz, 2016. “Editorial”. Granta, n.º 2, maio de 2013 (pp. 7-8)
1. ornamentada; 2. divisão de um armário; 3. série de televisão norte-americana, dos anos 50 a 70 do século XX; 4.
escritora australiana que se tornou famosa com a publicação do livro O Segredo.
1. De acordo com o conteúdo dos três primeiros parágrafos, o “pequeno quadro” (ll. 1-2) e o
“televisor” (l. 2)
(A) surgiram em casa do narrador aproximadamente na mesma época.
(B) partilhavam o interesse humano à hora das refeições.
(C) desencadeavam “conversas de circunstância” (l. 4).
(D) suscitavam atenções distintas.
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4. As expressões “para o ecrã iluminado” (l. 3) e “de madeira castanha” (l. 6) desempenham as
funções sintáticas de
(A) modificador e complemento oblíquo, respetivamente.
(B) complemento agente da passiva e complemento do adjetivo, respetivamente.
(C) complemento oblíquo e complemento do nome, respetivamente.
(D) complemento do nome e modificador do nome restritivo, respetivamente.
5. Os processos de formação das palavras “confronto” (l. 5) e “lugar-comum” (l. 29) são,
respetivamente,
(A) derivação e amálgama.
(B) composição e truncação.
(C) amálgama e composição.
(D) derivação e composição.
6. Os processos fonológicos que intervieram na evolução da palavra MATERĬAM para “madeira” (l. 6)
foram
(A) a apócope, a vocalização e a epêntese.
(B) a aférese, a dissimilação e a metátese.
(C) a apócope, a sonorização e a metátese.
(D) a prótese, a sonorização e a assimilação.
9. Classifica a oração subordinada presente na primeira frase do sexto parágrafo (l. 20).
10. Indica a função sintática desempenhada pelos constituintes “por uma frase silenciosa” (l. 1) e
“atendidos” (l. 33).
b) “Trata-se, pois, de matéria de fé. Embora haja formas mais subtis de entender a máxima
do evangelista reproduzida pelo quadrinho da minha infância.”
c) “Pelo contrário o querer com o poder é eficaz, o poder com o querer é ativo, e deste
modo juntos, e unidos são tudo.”
d) “Não havia livros em minha casa, mas o mundo parecia cheio de coisas escritas à espera
de serem decifradas e de alguém que lhes perguntasse o que tinham para revelar.”
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