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Q
UE Na página 446:
viviam no Extremo Oriente nos séculos XVI e XVII? "O Arcanjo Uriel" (dado como São
Miguel). Pintura sobre tábua. Semi-
A questão provavelmente nunca se pôs a essa variegada
nário de São José. Museu Diocesano
mistura de grupos residentes ou em trânsito, de soldados de Macau.
de fortuna e embarcadiços, minúsculas comunidades de mercado-
res e de artífices, ou uma elite de capitães, funcionários públicos
e missionários, perdidos entre multidões dignas de BabeI: malaios,
chineses, baneanes do Gujarate, tamis do Sul da Índia, jaus,
escravos de tribos primitivas, e tantos mais. Os próprios ..Portu-
gueses" estavam longe de constituir uma comunidade homogénea:
havia-os de todas as classes e proveniências, e apenas lhes servia de
coesão - porém com a força que esses ténues vínculos de solidarie-
dade podiam assumir diante da pressão externa - a língua, os costu-
mes, a religião e uma remota fidelidade ao nome pátrio.
Absorvidos pelo comércio ou pela guerra, as preocupações de
ordem estética, naturalmente, andavam-lhes longe. Mas a « necessi-
dade da arte" conatural ao homem não estaria de todo ausente, em
formas disseminadas ou subliminares, até pelo exemplo próximo
dos potentados e patriciados locais com quem estavam em directo
contacto. Numa primeira análise, é sob a forma dos presentes ofi-
ciais, essas obrigatoriamente espontâneas oferendas cerimoniais
(tanto de estado como particulares) que em tal tipo de sociedades
mercantilistas asseguravam a reciprocidade de serviços e a inserção
numa teia de relações económicas ou diplomáticas; e das transacções
comerciais por troca pura ou pelos mecanismos do mercado, que
os bens artísticos circulavam e eram apreciados, sob a pauta do
seu valor simbólico ou económico'; a que devemos juntar, após os
primeiros sucessos da missionação, a categoria especial das ..obras
portadoras de mensagem. visando o proselitismo linguístico e reli-
gioso, de mais forte carga cultural, mas mais espaçadas no tempo
e limitadas à penetração em determinados sectores sociais. Assim
circulavam objectos de prestígio - verdadeiros tesouros, por vezes
- e as mercadorias espirituais mais ou menos subreptícias con-
forme as circunstâncias o aconselhavam, em saudável competição
(ou promiscuidade) entre Deus e Mammon, numa problemática
moral que não podia deixar indiferente o feitor da Casa da Índia
João de Barros (Ropica Pnefrna, Coimbra, 1532).
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Não podemos dizer o mesmo dos tempos de hoje. Se passar-
mos os olhos pela historiografia mais recente, tanto a portuguesa
como até a estrangeira, encontramos de parte dos historiadores da
arte um olímpico desprezo pelas realidades extra-europeias,
reduzidas, quando muito, a um mero apêndice de «arte ultramari-
na ..vista sempre sob o prisma deformante da óptica metropolitana;
enquanto os historiadores tout court, mesmo os mais jovens, têm
ignorado todo o manancial de informações originais e de ideias a
recolher do mundo da arte e que nenhum documento de arquivo
pode substituir (o que, diga-se, só acresce os méritos da obra que o
leitor tem entre mãos), não será exagero dizer que o estudo da
essencial contribuição artística - que não é apenas reflexo mas pro-
posta, e até antevisão - para a história da nossa expansão marítima
está ainda nos seus primeiros passos.
É certo que as obras artísticas luso-orientais - que apresentam
um altíssimo interesse, para não dizer qualidade, do ponto de vista
estético, valendo por direito próprio - têm sido objecto do desvelo
quase heróico de coleccionadores, antiquários conscientes e con-
servadores de museus, que as têm localizado, analisado com fino
discernimento e traçado já os primeiros quadros classificativos e
cronológicos'. Mas continua a faltar o indispensável corpus, sem o
qual qualquer visão será sempre prematura e as conclusões
aleatórias, como uma melhor atenção às condicionantes históricas,
em particular às das regiões do mundo não ocidental que cons-
tituem o seu lugar de origem e verdadeiro contexto. Subsistem nos
nossos conhecimentos enormes lacunas - além das «Artes decora-
tivas » que têm monopolizado as atenções - e extensas zonas obs-
curas, que o talento e boas-vontades pessoais não poderão nunca
colmatar sem apoios institucionais e contactos internacionais nor-
malizados. Quase tudo está, pois, ainda por fazer, nesta área tradi-
cionalmente olhada com suspeição e algum desdém.
Dizia-nos o saudoso Prof. André Chastel que o grande desafio
da historiografia da arte do século XXI será o dos paralelos e cruza-
mentos intercivilizacionais, acrescentando que poucos estão melhor
posicionados para o levar a cabo do que Portugal. Mas impõe-se
uma justificação prévia. A falta de instrumentos úteis de trabalho
e de uma metodologia acertada obriga-nos, por enquanto, a nave-
gar à vista da costa e de conserva, a reboque dos trabalhos mais
sólidos e das provas já dadas pelos historiadores da política e da e consríruírarn
economia; e a adoptar uma perspectiva sociológica como a mais o conrrãrí
prudente e adequada a um tipo de abordagem que não se queira
meramente factológica ou descritiva (como tantas vezes tem sido
velas e gaíeões,
r.raz.iam
=s=
feito). Produto social total, que vai das técnicas a funções objecti- tos das ~nxmix>=:-=
vas e à dimensão estética, englobando em simultâneo os registos dos nas ferras
do ideológico, do simbólico e da sensibilidade, a obra de arte é
um signo da conjuntura material tanto quanto um fenómeno de
gosto e de cultura, que só pode ser interpretado na acção recí-
proca desses elementos.
450
e passar-
-,
~ - -;a a portuguesa ~.
451
As novidades absolutas introduzidas no Índico pelos
Portugueses eram, paradoxalmente, de signo antagónico (apesar de
tantas vezes irmanadas): o pensamento racional mecânico expres-
so na tecnologia militar, quer nas armas de fogo e consequentes
tácticas, quer nos novos meios defensivos; e uma grande força
espiritual: o Cristianismo. No' colosso da China elas tinham escas-
sas possibilidades de penetração, ou sequer de constituir um atrac-
tivo visual, sendo apenas mais tarde, e por via intelectual, que con-
quistarão alguns prosélitos. A perfeita ordem centralista do governo
e os princípios do Confucionismo rejeitavam as inovações dos «bár-
baros", vistas como uma afronta à sua imensa (e indiscutível) supe-
rioridade civilizacional; e os padrões estéticos eram muito outros,
tornando impossível o diálogo. Enquanto, por exemplo, as imagens ratura. onde :
e peças decorativas dos cristãos apresentavam formas pouco práti- tas, e até e:-:
cas e possuíam um estatuto «de distância", como objectos de culto de razoáveis "'-~.:....L
e contemplação, para o chinês a cada função correspondia uma cartilhas e ~TI~
forma fixada milenarmente e os valores tácteis «de uso" eram afgo ciativa de :cE~=o
essencial: transportavam esculturas em jade e marfim familiarmente
no bolso para serem toca das e afaga das, como amuletos ou peças fidalgo hllT2""~
mágicas para transmitir força e coragem ao seu possuidor, que difi- como feíror ~ ~. ~.,-
cilmente estaria disposto a desfazer-se delas. no De Ami .
Era, pois, nas franjas do império Ming mais acessíveis por mar, Coimbra erc :5:::
beneficiando da situação confusa na Indochina e Japão provocada parente João ce C-..>
pela ascensão dos reinos de Pegu e Sião e por conflitos internos, tratado de paz
que os Portugueses se estabeleceram com algum sucesso. Segundo (Birmânia. err; ::.==::. ~
o autor da Fatalidade Histórica da Ilha de Ceilão, em princípios do fazer as vezes óe ~
século XVII havia nessa costa mais de cinco mil mercenários por- de Resende ~ ~
tugueses. Eram piratas, aventureiros, foragidos à justiça, renegados, Luís de Caziões
funcionários corruptos e inescrupulosos, uma população de mar- do .víekoog
ginais que justifica a designação de «império-sombra" dada por G. escrito, tal
Winnius a essa metade oriental do Estado da Índia; mas também dense D. _loão ~
mercadores, soldados de guarnição, bons capitães e colonos pací- Xão ac...,.,...
ficos tentando a sua sorte numa época em que a iniciativa privada Herédia::~ -
havia suplantado largamente a política oficial. Mais intermediários ir realizar a G
do que produtores, a sua actividade consistia sobretudo na redis- fronto coe;
tribuição de bens nos portos menores: sedas da China, batiques do cambiantes e
Coromandel e boiões de Pegu e Sião eram trocados por prata no culrura ~~
Japão; roupa branca de linho, louça da China e bacias de latão
japonesas por cravo e pimenta em Macáçar; e na Cauchin-china recepção c;.:e ~~
(Golfo de Tonquim), segundo Pedro Barreto de Resende, roupas -pena e a e:5':•..•
--""
por cobre em Turão e boiões negros da China por pau-preto em -se, e se
Champá. Um tráfico local de modesta incidência, mas que bastava damem:e
para fazer prosperar as cidades de Malaca e Macau. Há cue
Essas características essencialmente distributivas, dispensando
a produção e a criatividade, não fomentavam a presença de artis-
tas em sentido próprio nas comunidades portuguesas, a não ser os ~
mesteirais dedicados a suprir normais necessidades de consumo
em objectos de uso comum: correeiros, seleiros, alfaiates, carpin-
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teiros, calafates. É por isso que, ao contrário de Goa e dos centros
maiores do Índico Ocidental (ou das Filipinas espanholas no sécu-
lo XVII), aqui não se desenvolveu nenhuma escola ou estilo artís-
tico próprio baseado no hibridismo de formas luso-orientais,
como o indo-português, o cingalo-português ou o luso-persa. Os ar-
tesãos nativos bastavam para o diário, o comércio suprindo o res-
tante. O que significava uma muito menor exigência da demanda e
a crescente adaptação aos modos de vida e padrões de gosto local
por parte dos "portugueses", dado o seu afastamento da metrópole
e mestiçagem. Uma arte colonial, sem dúvida, mas em que os
colonos foram os colonizados ...
É curioso constatar que o mesmo se não passava com a Lite-
ratura, onde foi mais forte - ou mais fácil - o apego às formas cul-
tas, e até eruditas, trazidas da Europa. Temos notícia da existência
de razoáveis bibliotecas, cuidou-se em instalar imprensa e redigir
cartilhas e dicionários - o que não se faria, mesmo que por ini-
ciativa de religiosos, sem um clima cultural propício -, e manteve-
-se a chama de interesses literários tão viva a ponto de permitir ao
fidalgo humanista Duarte de Resende, nos seus momentos de ócio
Rt'rRKI'O:DIt::F;MANVÉL:aODiNH .
. ., "·
como feitor de Ternate, nas Molucas, traduzir em 1522 o ciceronia- DE: :EltÊDíA:
no De Amicitia e o neoplatónico Sonho de Cipião (que publicaria em
Coimbra em 1531), em erudita troca de correspondência com o seu
parente João de Barros; ou o.conhecído episódo do juramento do
tratado de paz com o rei de Pegu por António Correia em Martavão
iIf
~"
""
453
ramos artísticos), comerciados segundo as regras de funcionamen-
to do mercado e seus sistemas de valores. Lado a lado com as
sacas de drogas, especiarias e produtos naturais da terra que for-
mavam o essencial das «fazendas» de trato - e em particular o
«ouro e pedrarías- que mais que tudo atraíam -, circulavam os
tecidos (sedas e brocados da China, algodões estampados do
Coromandel, linhos finos de Cambaia, os bordados do Gujarate e
de Bengala) tão apreciados em toda a parte, o marfim de Ceilão,
peças metálicas e cerâmicas, mobiliário portátil, jóias. A oferta era
grande nos centros de produção do artesanato local e a demanda
inesgotável, alimentando grandes mercados e um intenso tráfico,
em que os Portugueses souberam imiscuir-se e canalizar em seu
proveito, optimizando o transporte entre o subcontinente indiano e
o mundo oriental até então partilhado entre mercadores muçul-
manos e chineses. i
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e avidamente ambicionadas pelos amadores europeus de exotica e
de curiosidades raras, o que fazia delas autênticas preciosidades.
Obviamente, não se tratava de categorias estanques, um mesmo
objecto concreto podendo facilmente passar de um a outro estatu-
to consoante o seu uso social e a eficácia da situação.
Tomemos, para exemplificar, alguns casos mais significativos.
O famoso espólio recolhido por Afonso de Albuquerque do saque
de Malaca em 1511, perdido ao largo de Samatra no naufrágio da
nau Flor de la Mar, era «o mais rico despojo que nunca se viu
depois da Índia descoberta» (Comentários, III, capo 43): além das
muitas bordadeiras e meninos que trazia para serviço da rainha
Dona Maria, incluía os «castelos de madeira emparamentados de
brocado» que o rei de Malaca usava no dorso dos seus elefantes,
«andares mui ricos todos forrados de ouro», e muitas jóias de ouro
e pedra ria - entre as quais a misteriosa pulseira num osso do Sião
que fazia estancar o sangue -, tudo destinado a D. Manuel, bem
como uma mesa «com seus pés, forrado tudo d'ouro- que o rei de
Onor lhe ofertava, e os seis leões de ferro achados «em humas
sepulturas antigas dos Reys de Malaca-, que Albuquerque preten-
dia para a sua própria sepultura.
Nesta ostentação espectacular de dádivas régias, que superam
em riqueza as próprias presas, é sobremaneira instrutivo acom-
panhar a lógica dos mecanismos de troca e o valor simbólico dos
presentes, como fundamento e penhor de um tipo bem determi-
nado de relação política e diplomática, que vai da fraternidade ou
amizade à vassalagem e submissão. Assim, enquanto Albuquerque
recebia de mercadores jaus e chineses ofertas particulares (em
sândalo, sobretudo) e as retribuía, enviava como oferta de aliança
ao rei siamês uma espada portuguesa "toda guarnecida de ouro e
pedraria, feita ao nosso modo», a que este respondeu com um anel
de rubi «e huma coroa e espada de ouro» em sinal de aceitação, e
Albuquerque reforçou ofertando-Ihe ramos de coral com "muita
valia naquela terra» e produtos portugueses de luxo: elementos de
armadura com tecidos ricos e um belo conjunto de peças em prata
(salva, albarradas, caldeirinha e taças) lavradas de -bastiaes-; en-
quanto os reis de Campar e de java se submetiam com presentes
de índole local - entre os quais uma pintura javanesa em rolo mos-
trando o rei e seu exército -, retribuídos adequadamente com um
elefante Cibid., capo 25 e 36-37). Uma complicada linguagem ritual,
nossos cro- que o conquistador bem percebia.
- presentes di- Não menos elaborado era o código das capturas de guerra,
--::e de um sistema para o qual existia mesmo um escrivão encarregado de inventários
1'-"-"_..A.:;1UO no Extremo e partilhas, o "feitor das presas". Alguém que viveu por dentro esse
colecção, signos mundo bizarro da pirataria luso-malaia, o escritor Fernão Mendes
oriental nada ti- Pinto, recorda das suas andanças em 1540 com António de Faria,
alores constitui, herói aventuroso como um Sandokan, alguns dados que ilustram
choque entre os todo um sistema de subornos, presas legítimas, represálias e puros
~,aXi..t1e(:eclores locais roubos à mão armada, que fazem lembrar os «princípios" da guer-
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ra de corso europeia. No Extremo Oriente, porém, talvez pela ori- fabrico por ec~
gem nobre de muitos dos seus praticantes, os interesses artísticos -portugueses- e :: f:
parecem ter sido mais pronunciados: dava-se preferência aos pro- temática exótica .~
dutos belos e vendáveis (peças de damasco e seda da China, artigos de luxo
manilhas de ouro maciço, diamantes ou ... jovens escravas) com eram peças de apasz»;
um apurado sentido estético mais próprio de senhores que de giosas ou em
piratas grosseiros, como nas razias marroquinas. imperial que se r==--
Mendes Pinto não esconde a admiração pelos quinze caixotes tido, tinham o se-.:
de barras de boa prata japonesa roubados por Coge Acém, e nota, dralícios e de ig
com humor, que o usual para captar a amizade dos corsários era solares faustosos,
enviar-lhes -hurn presente de boas peças, mandadas em nome del onde alguns rrxne
Rey nosso Senhor & à custa de sua fazenda, como he custume fa- presente
zerem os Capitães todos naquelas partes" (cap. 36), de que o vul- estrangeiras. COlIl
gar eram espadas de ouro e os mais apreciados - quase um sinal p olítica - perante :::::::il -
de código - uma arqueta de tartaruga, decerto goesa, contendo Sabemos qee ~
aljôfar e um número determinado de pérolas (ibid., 18, 39 e 45). rados com credêcoas
A Peregrinação regista os inventários de algumas dessas presas e o dos preciosos e
seu destino. Assim, um renegado malaio carregava no seu junco quase conde tinha díreízo =- ~
duas toneladas de seda, cetim e damasco, "afora muyta soma de porce- se expunham essas
lanas finas", e outro roubara a Cristóvão Sardinha três arcas encouradas prata dourada,
com colchas e vestidos portugueses e sua baixela de prata dourada, serviços de mes:: =: ~~
com prato e gomil, saleiro, castiçais, cinco copos <evinte e duas co- guardanapos
lheres (ib., 43 e 52). A fartura era tamanha que os marinheiros jogavam Portugueses
aos dados apostando roupas de damasco chinês. domínio impem :3
Mas nem tudo se vendia: muitos faziam gala em exibir peças e ricas do
portuguesas (mais provavelmente indo-portuguesas) no seu uso Francesco dei _
pessoal - como a grossa corrente de ouro com cabeça de esmalte e trionfi fatti in Pt;:.J.,r,,:,
verde e preto usada pelo luso-malaio Francisco de Sá, a couraça "de em 1565 no
laminas de citim cramesim franjada d'ouro- envergada por Coge embaixada de _~
Acém, ou as "couraças de veludo roxo de cravação dourada do como bebida
tempo antigo" que haviam pertencido ao embaixador Tomé Pires, Ganges e -di u
usadas pelo manda rim dum porto chinês em tempo de guerra Cib., montagne der- T.
46, 59 e 65) -; ou, num rebate de consciência, ofereciam-nas a um outros rios. Ia",
santuário, como as "boas peças e ricas" que António de Faria pro- nerais eram f~
metera à igreja do Outeiro em Malaca (ib., 48). Por toda a parte se uma forma !né
encontrariam destes objectos de luxo, que de presas de guerra apercebeu ao .<::..-eL. _
assim se tornavam em cobiçadas insígnias e acabariam, porventu- a mais excelerze ~
ra, como autênticas peças de colecção - quem sabe se nas nossas gastronómico -óe
igrejas ou até arribarem a museus actuais. Tal como f
O desenvolvimento de um coleccionismo apurado na Europa em -bellecasi d~
do Renascimento permite pensar que a rápida circulação de jóias-, é natural ç..1=:
muitas peças, quer de origem portuguesa reutilizadas no Extremo lhantassem ~
Oriente, quer do melhor artesanato indo-português - que aí vemos rente de ~
em grande número e largamente apreciadas -, após uma história colecções p .
rica em peripécias, possa ter tido esse destino. Sob a forma de em Florença.
despojos, oferendas, presentes de estado, ou correspondendo a Tirol no seu ~,
pedidos expressos, viriam aportar nas colecções reais que se em Viena oc ~ ~
começavam a constituir desde finais do século xv. De facto, já o os servidores C.ac~
456
talvez pela ori-
I:'-Ol.ll..::~:;""" fabrico por encomenda nas costas guineenses dos marfins -afro-
&..-.CH~es artísticos -portugueses- e a produção em série de salvas manuelinas com
- -erência aos pro- temática exótica destinavam-se a satisfazer as necessidades em
;. seda da China, artigos de luxo de uma sociedade cortesã cada vez mais refinada:
- escravas) com eram peças de aparato, para exibição nas grandes solenidades reli-
senhores que de giosas ou em ocasiões festivas de corte, simbolizando um poder
imperial que se pretendia estender à roda do mundo. Nesse sen-
- quinze caixotes tido, tinham o seu lugar tanto nas mesas reais, nos tesouros cate-
.: Acérn, e nota, dralícios e de igrejas da maior devoção dos navegadores, ou em
- corsários era solares faustosos, como nas galerias de «maravilhas» e de exotica
F:;e:~rs- em nome del onde alguns começavam a coleccionar essas curiosidades e nos
e cusrume fa- presentes enviados com embaixadas às principais cortes
. de que o vul- estrangeiras, como forma de ostentação - e evidente afirmação
- - quase um sinal política - perante uma Europa deslumbrada.
. contendo Sabemos que nos saraus em dias de festa os salões eram deco-
_ 1 . 39 e 45). rados com credências ou aparadores em degraus cobertos de teci-
dos preciosos e em número conforme à qualidade do anfitrião (um
conde tinha direito a três prateleiras e um duque a cinco), sobre que
se expunham essas peças segundo a sua dignidade matérica: ouro,
prata dourada, prata maciça, porcelanas. Acompanhavam-nas
serviços de mesa e iguarias preparadas por cozinheiros indianos e
guardanapos de damascos finíssimos, como então só os
Portugueses seriam capazes de obter, com um significado claro de
domínio imperial sobre reis e potentados das regiões mais distantes
e ricas do mundo. Como refere, impressionado, o capitão
Francesco dei Marchi na sua Narratione particolare delle gran Jeste
e trionfiJatti in Portogallo (Bolonha, 1566), no banquete oferecido
em 1565 no Paço da Ribeira pela rainha-avó Dona Catarina à
embaixada de Alexandre Farnese, chegou-se ao cúmulo de servir
como bebida aos atónitos convidados a água dos rios Indo, do
Ganges e «di un altro gran fiume cbe dicono nascere dalle altissime
montagne delle Isole Moluccbe- - talvez Ceram -, além de «muitos
outros rios, lagos, fontes e lagoas da África e Ásia», cujas águas mi-
nerais eram temperadas com -sucos de ervas distiladas e especiarias»:
uma forma inédita de diplomacia, de cujo alcance Marchi bem se
apercebeu ao referir que a água do Tibre, tida pelos Italianos como
a mais excelente, perdeu à sua comparação, nesse autêntico festival
gastronómico «de que a potência da antiga Roma nunca se gloriou».
Tal como foram servidos refrescos e tisanas em águas exóticas
em -belle vasi d'India- [porcelanas] «tidos em tanto preço quanto
jóias», é natural que outras peças trazidas do Extremo Oriente abri-
lhantassem também essas ocasiões, e fossem depois alimentar a cor-
p:::~~.:.:"'~-
- que aí vemos rente de presentes oficiais, terminando por ir enriquecer as
- - uma história colecções privadas de amadores de alta estirpe, como as dos Médici
~ - a forma de em Florença, dos Farnese em Roma e Parma ou do arquiduque do
espondendo a Tirol no seu castelo de Ambras, até terminarem nos museus de hoje
- - reais que se em Viena ou na Alemanha. Se as plantas, os animais amestrados e
- Je facto, já o os servidores domésticos podiam migrar para serem exibidos como
457
símbolos de poderio universal, a velocidade das comunicações não hierarquizado e:::::::
deixaria de fazer chegar a Portugal e espalhar-se pela Europa os mais zado, a que nada -
belos produtos artísticos do outro lado do globo. pas, estados &
remse em noso ~
notava com.
dental tudo se cc:c::::::r
guardava segredes
Marco Polo a ~Ie:x:c:::::
Por isso, o rm
FEITORIAS, FORTIFICAÇÕES E CIDADES dade em formas -......,..~
afinal, por ser
dução e CirCUÍi:05
Nesse estranho mundo periférico, em que a iniciativa particular rante séculos uma
e local e a liberdade de aventureiros e elementos marginais predo- Ao invés, a
minava claramente sobre os ditames da política oficial, emanada e tais foi incapaz de
controlada a partir de Goa, os pontos de apoio para a sua acção rendo em dODlÍIriG-
eram grupos de solidariedade (tantas vezes formados à margem da a profundidade >-
458
hierarquizado em extremo, despótico mas admiravelmente organi-
zado, a que nada faltava -asy na terra como jemtes, riquezas, pom-
pas, estados & cousas outras, que mais se creriam com verdade ave-
remse em noso Portugall que nom na China», como já em 1512-1515
notava com pasmo Tomé Pires. Se nos empórios do Índico oci-
dental tudo se comprava e vendia, a oriente, a China dos Ming
guardava segredos inacessíveis, a que as descrições fabulosas, de
Marco Polo a Mendes Pinto, não faziam senão atiçar a curiosidade.
Por isso, o mundo indo-português resolveu o problema da alteri-
dade em formas tranquilizadoras de encontro no outro - acabando,
afinal, por ser uma arte eurocêntrica - e criou estruturas de pro-
dução e circuitos de distribuição estáveis, capazes de manter du-
- . tiva particular rante séculos uma crescente demanda de massa.
-- - marginais predo- Ao invés, a menor penetração no labirinto dos potentados orien-
00al. emanada e tais foi incapaz de organizar uma estrutura comparável, apenas ocor-
a sua acção rendo em domínios precisos (como a artilharia e a imprensa) e com
~::::::;!dc1S à margem da a profundidade ditada pelos protagonistas locais; e, num paradoxo
~ só rardiamente apenas aparente, a acção dos agentes oficiais preponderou sobre a
~ úcleos fixos e encomenda particular. Por razões opostas, no caos da humanidade
z: o=- forte individua- «às avessas» do Novo Mundo e na milenar utopia do Império do
,c;...o.:....;;~'-"entepredatório Meio, os resultados da intervenção dos Portugueses foram igual-
jX50 da popu- mente de quase paralisia artística até finais do século XVII.
-= explica sem lu- A arte é um produto da cidade. Ela nasce na e para as comu-
= -- na actividade nidades de maior nível de civilização que a produzem e con-
:::!:I:íJém eles -aven- somem. E é a debilidade da infraestrutura urbana no Extremo
1"""---'-"-'-"--~. por contraste, Oriente português que permite explicar a inexistência de uma arte
Esrado da Índia, -luso-malaía-, tal como as limitações (e restrições ao próprio concei-
c::!:::....-j-~·,çào desde os to) do «sino-português» e o caso-limite do Japão, onde se processou
so-índiana viabi- o fenómeno inverso na arte namban, em que os Portugueses eram
zparecimento de objecto e não sujeito.
Mas a cidade é, ela própria, uma obra de arte. A sua implan-
tação no terreno, a paisagem natural e atmosfera humana que cria
em redor, as fortificações com que se defende, o traçado das ruas
e praças, a orgânica dos bairros, as formas de crescimento e dinâ-
míca da expansão, são expressões de criatividade tão válidas e sig-
nificativas quanto um vaso ou uma estátua. E talvez, aqui, tenha-
mos uma das mais fortes (e esquecidas) marcas do génio lusitano
nas paragens extremo-orientais.
Até ao surto de desenvolvimento de Macau pelo incremento das
relações de Portugal com a China sob D. Pedro II, coincidindo com
a consolidação duma sociedade -macaense- que constituiu, com
Timor, a única verdadeira comunidade lusíada no Extremo
Oriente, diversas experiências ocorreram, mais ou menos fracas-
sadas ou efémeras, mas nem por isso menos interessantes. As rela-
ções exemplares com a Tailândia e o Japão, a penetração científica
na China, as intermitentes tentativas na Birmânia (Sirião) e Camboja,
tal como o recuo na Malásia, as frustrações indonésias (Molucas,
Solor, Flores) ou o «caso»timorense, constituem a ponta aparente de
459
De facto, a rrrrioji<
sabor das círo JD~.c=::I
secundados por ~ ~=
tos, quase sempre =~
cepção foi a CO~~
leza, ou -castelo-, ~ ~:::
capitão Jordão de z~
fícação em ma~ _
nhada pelo capizão
pedreiro do .\(3J,,~
Fortaleza de Santiago, Sirião (actual em 1601), hoje a
Myanmar). Início do século XVII.
a fortaleza dos Re!5 _
Planta, desenho sobre papel.
-mais he urn pomazl
Holandeses e Espr3:X
fortes passaram •
depois, assim ~
realidades sociais e culturais muito diferenciadas e complexas que
assentam no relativo insucesso - ou inadequação? - das nossas for-
mas de vida urbana nas costas do Índico Oriental e nos mares da
China, antecâmara do Pacífico. Nessas águas traiçoeiras, a cidade
colonial portuguesa só vingou por excepção; mas deixou atrás de
si um rico passado que não podemos esquecer, cuja lição os
Espanhóis e Holandeses souberam bem aprender. A observação
de Braudel, de que a história poderia ter conhecido um desfecho
diferente se Portugal houvesse apostado em Malaca em vez de
Goa", não parece poder manter-se à vista de uma realidade adver-
sa, que impunha as próprias regras, que o incipiente capitalismo
português não possuía meios de modificar.
Às primeiras feitorias, quer de funcionários régios residentes,
quer em viagens ocasionais ou periódicas - de que o exemplo
acabado era a feitoria flutuante da «nau do Japão" -, seguiu-se a
inevitável criação de pontos fortificados, destinados a proteger o
comércio e atrair e fixar as populações, para terminar, como con-
sequência lógica desse processo, na transformação das feitorias
em agregados urbanos estáveis. Foi assim por toda a parte, da
Mina à Amazônia; mas aqui a dispersão e os mais do que com- Enquanto na
pensadores resultados da acção individual tiveram por corolário a cristãos repo
fraqueza das cidades. As concessôes de viagens eram empresas ilhas de Sonda 6E
altamente lucrativas, pelo conluio de interesses entre a coroa e os modo forçados _
agentes privados, mas que não só não criavam raízes como 1562 erguiam err; 3
ficavam à mercê das variações da conjuntura local. O Estado não da Cruz converter;
tardou em aperceber-se da fragilidade do sistema, mas foi-lhe difí- outra em 1595 ~ ;e'
cil assumir as suas responsabilidades em garantir uma acção mais tangulares co
estável e politicamente segura, como nos restantes lugares, na costa canar::- .-
preferindo deixá-la a cargo da iniciativa de aventureiros ou de am provir os 00 -
capitães entregues a si próprios - como os perfeitos arquitectos de defesa: o C"..!C
Jorge Cabral e João Magalhães, como deles dizia em 1547 D. João evacuadas. oe
de Castro - e, tão logo possível, dos missionários. de Timor no sé.":."VI:;
460
De facto, a maioria dessas fortificações foi sendo construída ao
sabor das circunstâncias e graças a esforços pessoais, raramente
secundados por um efectivo apoio oficial. Após os primeiros intui-
tos, quase sempre frustrados, do rei D. Manuel - de que a ex-
cepção foi a construção nas Molucas, em 1522, da pequena forta-
leza, ou «castelo», de Ternate, evacuada cinquenta anos depois -, o
capitão jordão de Freitas fundou em 1544 em Amboíno uma forti-
ficação em madeira substituída em 1576-1588 pela actual, dese-
nhada pelo capitão Sancho de Vasconcelos e construída por um
pedreiro do Malabar, à roda da qual nasceria Ambon (feita cidade
em 1601), hoje a capital das Molucas. Deve-se ao mesmo capitão
a fortaleza dos Reis Magos em Tidore (578), da qual se dizia que
-rnais he um pombal que outra cousa-'; mas, com a disputa entre
Holandeses e Espanhóis pela posse das Molucas, desde 1606, estes
fortes passaram para o controlo de Manila, primeiro, e Batávia,
depois, assim escapando à órbita portuguesa.
461
sob traça de frei António de São Jacinto, e apenas em 1769 um
posto militar na nova capital, Díli, agora já sob iniciativa do go-
verno. Fontes documentais e a tradição local atribuem possível
origem portuguesa a outras construções no Extremo Oriente, so-
bretudo na actual Indonésia: Rum, Tidore nas Molucas, o -Tamen
Sari- de Jogjakarta, até Bornéu e as Celebes",
Talvez melhor que nessa rede fortificada, a debilidade da pre-
sença portuguesa e a dependência em que se encontrava dos sem-
pre instáveis equilíbrios regionais revela-se na história das suas ci-
dades no Extremo Oriente reduzida a um superficial verniz sempre
pronto a estalar. Elas, também rodeadas por um sistema defensivo
mais cuidado que em todo o restante território e em permanente
estado de alerta, eram cidades assediadas e desprovidas de binter-
land com um mínimo de extensão.
Apenas duas cidades, gozando desse título oficial, estatuto jurí-
dico e consequentes privilégios concedidos aos seus cidadãos, exis-
tiram no Extremo Oriente sob o directo domínio da Coroa portu-
guesa: Malaca - tal como Goa, uma cidade nova (fundada em 1403)
de cujo dinamismo se procurava tirar partido - conquistada em 1511
e tornada sede de diocese por bula papal de 1557; e Macau, nas-
cida como feitoria privada por 1557, elevada a bispado (576) e
oficialmente baptizada com o nome de Cidade do Santo Nome de
Deus pelo reconhecimento do seu "Leal Senado» em 15867 De
certo modo, uma substituíu a outra, como etapas históricas suces-
sivas na busca de um centro unificador.
De facto, Malaca pouco apresentava de característico do
urbanismo português. Essa metrópole comercial maior do que
Lisboa (quase 200 mil habitantes no momento da conquista) era
um imenso conglomerado de colónias de mercadores e artesãos
da mais diversa origem, em que os mal aios constituíam mino-
ria. Esvaziado o seu centro com a fuga do sultão e da aristo-
cracia malaia, Albuquerque fez de imediato derrubar o palácio
e a mesquita principal e edificar no seu sítio, com os materiais
das demolições e de antigos túmulos reais descobertos em
escavações no local - de que recuperou os leões em ferro que
destinava ao seu próprio túmulo - uma imponente fortaleza
que ficaria como símbolo do poder português, a que deu o
nome inusitado de A Fermosa, que o uso logo mudou, signi-
ficativamente, para A Famosas.
Numa lápide sobre a porta mandou inscrever os nomes dos
fidalgos que mais trabalharam na sua fundação, e na outra face o
versículo dos Salmos "Lapidem quem reprobaverunt edificantes-
(SI. 117, 22: ,A pedra rejeitada pelos edificadores, esta foi posta
por pedra angular-), que bem denuncia o seu intento, tanto na
referência profética a David, com quem o rei D. Manuel era
simbolicamente identificado, como na interpretação que os
exegetas faziam dessa passagem: ela era vista, de facto, como
uma alusão aos grandes impérios antigos que durante séculos
462
haviam disputado entre si a Ásia, desprezando Israel, mas que na
mão divina se tornaria na «pedra angular» do reino messiânico do
Salvador". Sita junto à praia e encostada a um morro, foi seu
arquitecto, sem dúvida, o pedreiro Tomás Fernandes, que aí re-
novou as experiências já logradas em Goa e Ormuz, erguendo em
seis meses uma das mais impressionantes realizações da arqui-
tectura militar manuelina.
Tal como a conhecemos pelos levantamentos de Herédia
(Declaraçam de Malaca, 1613, Biblioteca Real de Bruxelas),
posteriores de um século mas muito fiéis, a fortaleza era cons-
tituída por uma torre de menagem de extraordinária altura - um
verdadeiro «arranha-céus» a dominar o porto e podendo ser
visto de longe - cujos quatro andares (logo em 1514 elevados
para cinco) disparavam artilharia pesada e serviam de morada
ao capitão. A porta, defendida por um preto-baluarte curvo
(como em Orrnuz), abria para um vasto pátio de armas com cis-
terna e poço, à volta do qual se dispunham a prisão, armazéns
e os aposentos da feitoria e guarnição, como qualquer castelo
colonial do tempo.
Gaspar Correia dá à torre cinquenta e cinco pés (uns dezassete
metros) até ao terraço, onde se erguia ainda um coruchéu cónico
mui alto ladeado por quatro mais pequenos (como hoje surge,
por exemplo, nas torres manuelinas de Vila da Feira e das Águias,
em Brotas) cobertos por placas de chumbo e estanho 10; mas de
facto ela atingiria os cento e trinta palmos, isto é, quase vinte e
oe erí tico do sete metros de altura.
F:.i"::d~ maior do que Como se vê no desenho feito pelo mesmo autor em 1550-1560 I ' ""':' ' :t ~
t:=:::::::t1::!::! conqui ta) era - a mais antiga representação da cidade -, ao lado da monumen-
.PLANTA I D:E'fORn'FÍCAc.M-l' DA!
1;;:::=C!Jc!o~e artesãos tal fortaleza erguia-se a igreja paroquial de Nossa Senhora da CinADt:nE:MALACA.
sziruiam mino- Anunciada, fundação de Albuquerque, depois Catedral, enquanto
da aristo- o pelourinho foi posto na outra banda, a seguir ao Terreiro da " ,. "I":r-..··"·"
..··
P LXN'F'A' DA' FOR'lA L:BZ,Ar.
o palácio Alfândega, decerto para atrair a essa parte os casados. Mas os . D:t~1ALA:éAl
~ o materiais acontecimentos ditaram uma evolução diversa do seu urbanismo.
- aberto em A população portuguesa preferiu concentrar-se, por razões de
- =.- -- em ferro que segurança, em torno à fortaleza, nas faldas do monte e junto ao
=;;(;,:;.<~[e fortaleza mar, num traçado que em grande parte devia obedecer ao da ante-
que deu o rior urbe.
udou. signi- A tradicional «Rua Direita» e uma artéria paralela, decerto aber-
tas pelo conquistador, seguem em linha recta ao longo do rio, no
- nomes dos que devia constituir a principal zona comercial; e uma terceira con-
OUITaface o duzia ao topo do outeiro onde em 1521 o mercador Duarte
edificantes- Pacheco fundou a ermida de Nossa Senhora da Graça (mais conheci-
foi posta da por Nossa Senhora do Outeiro ou do Monte), doada em 1549
o, tanto na aos Jesuítas, que aí estabeleceram uma casa e em 1567 refizeram a
Manuel era igreja, já paroquial, com o nome de São Paulo. É a de que se con-
~-,"-o que os servam as ruínas destelhadas, em nave única, muito simples como Declaração de Malaca e India
facto. como qualquer igreja portuguesa no «estilo chão» tardo-clássico, de que Meridional. Manuscrito de Manuel
apenas avultava a torre, a competir com a da fortaleza. Foi em 1574 Godinho de Herédia, 1613.
(e éculos
463
rodeada por rerrap
SABAC. numa fortificação,
que os jesuitas
-se outras igrejas :},--
~•••• ::.:.: e , a
'.'
rodeada por terra plenos com canhões que quase a transformaram Na página anterior:
Declaração de Malaca e lndta
numa fortificação, curiosamente criando o tipo defensivo-religioso
Meridional. Manuscrito de Manuel
que os Jesuítas pouco depois utilizariam em Macau. Conservam- Godinho de Herédia. 1613.
-se outras igrejas nos arredores - como a de São Pedro em Bunga
~
. .. ....•
465
do O fizeram, as suas ideias não tiveram sequência. Foi um deles
o milanês Giovanni Battista Cairati, ou João Baptista Cairato,
engenheiro-mor da Índia (1583-1596), que em 1588 desenhou
uma ampliação moderna da cerca para o interior com quatro
fortes baluartes. Mas o seu projecto - que conhecemos por uma
planta de Herédia - caiu no esquecimento. O "provedor das for-
talezas» António Pinto da Fonseca (1615-1635) concebeu um sis-
tema defensivo em profundidade já quase barroco, que incluía a
construção dum fortim triangular na vizinha Ilha das Naus e o
reforço do perímetro amuralhado, de que apenas resta a estrutu-
ra murária da dita "Porta de Santiago», cuja feição actual é indis-
cutivelmente tardia", Porém de nada valeu, pois a cidade, ísóla-
da por terra e asfixiada pelo mar, acabaria por ser tomada pelos
Holandeses em 1641.
Macau estava então no ponto máximo do seu processo de
arranque. Nascida como posto clandestino - única cidade portu-
guesa de criação particular - e tomando rumo irreversível como
Fone de São Paulo em Macau. Portal escala da rota do Japão, o povoado (que não passava dum grupo
com data de 1626. de barracas com pouquíssimas casas de portugueses, segundo o
bispo D. Melchior Carneiro) crescera de modo caótico e natural,
em urbanismo espontâneo, seguindo as linhas do relevo e de aces-
so às facilidades portuárias. Apesar do seu enriquecimento rápido,
da presença civilizadora dos Jesuítas e da erecção precoce e inten-
sa de defesas graças ao imposto camarário - a primeira das quais
parece ter sido o forte de Patane (1612-1622) e a mais importante
a Fortaleza de São Paulo ou Nossa Senhora do Monte, com o por-
tal datado de 162614 -, não passava duma feitoria hipertrofiada,
mantendo a estrutura de aglomerado informe a que apenas davam
uma aparência de ordem as casas religiosas - quase todas, aliás,
refeitas em data posterior, quando se generalizou a prosperidade".
A excepção, a beneficiar da experiência adquirida em Goa e
Malaca, é a igreja jesuíta de São Paulo, cuja monumental fachada
ainda hoje caracteriza o prospecto da cidade: exemplar perfeito
Cm~c:?~
entrea ~~~
da de peças, •.
ofereciam ~" -
Panta ele Macau ele Antônio Mariz beradamen;
Carneiro, 1639. formes a,
466
p=:::;.:::t!.. :01 um dele duma -arquítectura catequética-, que apenas se compara, ou mesmo
~-'qa Cairato, ultrapassa, o das misiones do Paraguai e do Sul do Brasil, suas
~;:;-~ desenhou exactas contemporâneas.
A planta de Macau de Pedro Barreto de Resende (1630-1632)
revela maior volume construído de obra religiosa e militar do
que profana, como se a península se tivesse tornado uma vasta
missão ancorada num campo entrincheirado; e os edifícios civis
que adivinhamos (poucos dos quais assumem destaque pela
posição ou dimensões, ou sequer se diferenciam dos restantes)
espraiam-se por embarcadouros, encostas, adros de igrejas e ele-
vações, encostando-se às muralhas protectoras mais do que a
alinhamentos de ruas, deixando entre si vastos espaços vazios.
Como em 1623 reconhecia o escrivão da Câmara Diogo Caldeira
do Rego, «cada um edificava para si e a seu modo aonde lhe
5CL processo de melhor estava, sem respeito ao comum, com que ficou esta
de porru- cidade mui espalhada [...]»'6. A riqueza comercial não trouxe,
_c -er:5Í\-el como pois, uma consciência urbanística - e embora ultrapasse os
,.-,.-.",,-,.-...,
dum grupo propósitos deste estudo, interessaria saber porquê ... Só a mais
;a::.~~S2S.segundo o decidida intervenção do poder real nos séculos seguintes daria
~.:>-;co e natural. forma a uma verdadeira urbe.
:c:.,C'U e de aces- Diferente é o caso de Nagasáqui, essa «cidade ideal» dos
_.-ê:".::r:::::.em:o rápido. Jesuítas erguida no pequeno porto cedido em 1580 pelo senhor
--:-;:-coce e inten- local convertido ao Cristianismo. Como exemplo dum urbanismo
~dasquai missionário, poder-se-ia comparar às reduções sul-americanas de
~ importante regularidade disciplinadora e racional, mas, na verdade, ela
e_ com o por- in creve-se numa velha tradição nipónica de cidades de traçado
_ --pe:uofiada. rectilíneo perfeito". Um biombo de 1672 e uma gravura francesa
davam de'1680 mostram longas ruas ligeiramente curvas a conduzirem ao
- _~_"'ê rodas. aliás, cais com a ilha artificial de Deshima (<<anteporto»)a que foram con-
_ _ _ sperídade>. finados os Portugueses e, depois, os Holandeses. De qualquer ma-
.r- .••.--=.=,::..:. em Goa e neira, a presença lusa (ou antes, cosmopolita, com muitos padres
~fachada italianos e inúmeros goeses) não durou mais que poucas décadas,
~~ ;>l3r perfeito até à expulsão dos europeus em 1639, e a cidade seria tragica- -
mente aniquilada no fim da II Guerra Mundial com o bombardea- Nagasáqui. Desenho sobre papel.
mento atómico de 9 de Agosto de 1945. Ca.1660.
AS ENCOMENDAS
467
ser ínsigaí tIc:?;-.;:-;=
de mercadores
468
a produção local nos centros controlados por portugueses devia
ser insignificante e de menor qualidade: os ofícios mecânicos aí
eram tradicionalmente exercidos por escravos, abundantíssimos
em Malaca, e esse facto não encorajava a criatividade de pintores,
escultores ou artífices. Havia pois que recorrer a uma longa cadeia
de mercadores e traficantes até chegar aos grandes centros de produ-
ção. embora já em 1531 fosse uma missão feitoriar para a Rainha.
_-\excepção parece ter sido constituída pelo emprego de metal
e:n peças de tipo utilitário. A artilharia de Jogo conhecera uma
_ pidíssima expansão, quer pelo envio de peças da Índia ou Pró-
ximo Oriente - o rei de Malaca desde antes de 1510 possuía um
íro grande» enviado pelo de Calecute, e o rei do Achém tinha
mesmo um engenheiro turco a seu serviço (Peregrinação, capo 26)
-. quer pela captura de despojos e presas de guerra, como os doze
canhões com as armas de França tomadas pelo Achém a uma nau
cesa, trazida em 1526 por um piloto de Vila do Conde (ibid.,
::6 e 20). O grande centro da metalurgia era Malaca, onde existiam
minas de cobre e estanho e consumados artífices. O seu arsenal
i!:Jba. no momento da conquista, dois mil tiros de bronze e mil em
ferro. da feição dos nossos berços, fora outros cinco mil em uso e
--:s: os interme-
o=:iciaistão bons fundidores como em Alemanha (Coment., III, 28),
~ ·-r"""'~-:::::::02.Il[es como
ee que Albuquerque levou consigo sessenta para trabalharem na
= - -.:e de expor-
?.ibeira de Cochim.
.L:::.cw..,.._.=.-~.~ zêcníca. quer
_.ão admira, pois, que aí estabelecesse uma Casa da Moeda,
I-~'-"'--_-"-'os de origem
oode até aos Filipes se cunharam em calaim (liga de estanho com
-= conhecímenro
2umbo) belos exemplares de moeda própria - os bastardos, sol-
-e dinheiros- que constituem, com a luso-indiana, «uma numária
em apre-
óe características únicas no rnundo-"; e um Arsenal régio para
- - - csqaece: que o
reparação da artilharia em uso no Extremo Oriente e fundição de
:~~~-~-~. parn não
-ai canhões. A sua actividade foi notável, nomeadamente sob a
."..,.-
.•..
~--?-o expeaa-
C::ecção dos fundidores goeses da família dos Bocarros". Algumas
--= alimentado
--- -ecanismos de eas bocas de fogo saídas de suas mãos por encomenda real (ou
~-real) são inquestionáveis obras de arte: por exemplo, o meio-
- -e com as
-canhão desenhado e fundido em 1640 por ordem do governador
==r:-f- - rízadas pelas
-"'.'W"r~- __ :não-de-obra
, :adia António Teles de Meneses por Manuel Tavares Bocarro
?ZL-a a -Cidade do Santo Nome de Deus», ornado com as armas
ce compra direo-
. e uma flor de lótus (Museu Militar de Lisboa, n.? R/1).
~ século X\- com
_-\.0 mudar-se para Macau o foco da cultura, a habilidade meta-
~~·ca foi aproveitada no fabrico dos caracteres móveis de im-
~ não se fize-
:;rensa (de que um conjunto completo viera de Roma), permitindo
_ --"= =:::::. bem diversas
esrabelecimento pelos Jesuítas da mais antiga tipografia no
dificul-
Orí e. de que o primeiro exemplar conhecido, o manual
~ !.::êS aumentasse a
,r;. ristiani Pueri Institutio, saiu a lume em 1588. Embora sem deixar
t.=~= que. vinda
óe recorrer aos tradicionais processos da xilografia, seriam publi-
x::x. sucessiva-
- arê o meado do século seguinte mais de cento e vinte títulos.
- Holandeses
'GI;;::::::,;:::.u::!aCllOS o seu
_-= são. acima de tudo, um aspecto da arte tipográfica missionária.
obras de importação claramente fabricadas sob encomenda, Moedas em calaim cunhadas em
~ como na Índia (mas em quantidade muitíssimo inferior), foram Malaca.
-"-""-''-''''-'
~gêacias -exô-
.--,.":;'-,~ milenares.
469
quase exclusivamente de artigos de luxo, como aliás era lógico.
Falta-nos uma listagem sequer aproximada, mas os seus géneros
foram muito variados e sempre de excelente nível estético. Eram
peças para ornamentos de igrejas e alfaias religiosas, e em particu-
lar vestimentas litúrgicas, cortadas e bordadas por artesã os chine-
ses segundo modelos fornecidos pelos encomendantes europeus,
como a dalmática em seda bordada que se conserva no Museu
Nacional de Arte Antiga (e o respectivo capuz no Museu do
Caramulo) com as imagens da Virgem, São João Baptista, São
João Evangelista, São Tomé, Santo André, São Paulo, São Pedro e
Santo António, com o rosto realçado a tinta nanquim como na arte
Ming, sob um de cujos bordados foi recentemente encontrado ~m
papel escrito em carateres chineses, já do século XVII. OU, ainda~ o
espectacular conjunto de dez peças do Museu de São Roque".
Os tecidos e trajes do Império Celeste eram cobiçados e a
Dalmática. ·elegância da mulher chinesa unanimemente reconhecida, embora
com evidente perplexidade ao enquadrá-la nos padrões ociden-
tais: Pires compara-a à gentileza das espanholas, e Barbosa diz que
os seus trajes são como de alemães. À falta de termos de referên-
cia mais exactos para a moda, era sobretudo a riqueza dos tecidos
e adereços que chamava a atenção, como o cetim, provindo do
nome árabe (Zaitun) de Quanzhu".
Peças de vestuário, além de têxteis e elementos decorativos,
foram sem dúvida produzidos por encomenda régia, como artigos
de colecção ou curiosidades a fim de serem expostas no Paço.
Só assim se explica o enorme número de botões de prata possuí-
dos pela rainha Dona Catarina, para quem só de uma vez, em
1570, a nau Chagas trouxera de Goa nove «ramos de botões de
prata feytos na China», com um peso total de mais de 300 gramas,
avaliados em 11 520 reais. Os cortes de seda e de brocados -
decerto mais para exibição ou decorações do que para serem real-
mente usados - também surgem com frequência nos inventários
do guarda-roupa régio".
Ao mesmo gosto pela posse de objectos preciosos e exóticos
vorazmente solicitados pela Rainha, num sentido mais táctil que
visual, de apropriação do imaginário das -maravílhas- narradas na
literatura de viagens, obedece a constante encomenda de objectos
de mobiliário chinês, que em quantidade inusitada guarneceria os
seus aposentos privados. São ainda as listas dos inventários reais
que no-los mostram chegando a cada ano nas naus da Índia -
sobretudo após a abertura dos portos chineses ao comércio por-
tuguês (554) - assim fornecendo uma pálida imagem do esplendor
oriental das salas do paço de Lisboa, então sem paralelo na Europa.
Além de fornecimentos em lacas do Pegu recebidos desde 1553,
registam-se em 1561-1562 recibos de duas cadeiras da China em
laca preta e dourada, à maneira de cadeiras de descanso, um
grande escritório chinês, doze leques de marfim, dois cofres da
China dourados e cinco tigelas de porcelana montadas em pernas
470
ógico,
géneros
- _ - i'Sético. Eram
=--:õ'""'-"""'-::>"- ;:: em partícu-
:-..esios chíne-
'::::::;:::l:::::;(3:!::::f-"'"':5 europeus.
':!. ao ~!usee
- := dos e a
~:::Càa..embora
- diz que
.::...o.~O<..:=- no Paço,
Antônio Moro, "Infanta D. Maria",
1551: primeira representação na arte
europeia de um leque japonês como
símbolo imperial.
471
lha pregueada (ao invés dos abanos rígidos da Índia) que eram Malaca) - ainda '"---
vendidos pelos habitantes das ilhas Ryukyu, os Léquios - de onde devem ter sido cs
provém a nossa palavra «leque"... estético dessas ~
Provavelmente eram fabricados por artífices do japão>, que já Extremo Oriente
Tomé Pires elogiava comparando-os à indústria de Milão (o que avestruz, chifres
ainda hoje podia manter'), acrescentando que são gramdes debu- cológico mosrr .
xadores e fazem aba nos mui riquos e bem obrados. Introduzido o quinhentistas q--:e ,-
seu fabrico em Goa, difundiu-se pela Europa a partir de Portugal; museus provêm
e não deixa de ser insólito que estes objectos de elegância femi- por via da fi<
nina, que espontaneamente associamos à França do século XVIII e É digno de n
à época romântica, tenha a sua origem em remotas ilhas do Mar a discriminação e '~'
da China trazidos por portugueses - assim associados à cultura rentes produtos ~
galante europeia, tal como com o «chá das cinco" e as Orangeries eram genericamerxe
dos jardins barrocos ... cepção se disting---''''''
Outros leques mais ricos vinham da China, de um luxo impe- -de Portugal- oe
rial. Um interessante documento (ANTI, C. c., 1-106-10) assinala a que considerava
recepção por Dona Catarina, em Junho de 1561, «de quatro abanos Dürer com os
de marfim lavrados [.. .l e dourados a partes e são de feyção de Flandres em :52:'.
abanos Lequios e tem pola roda huns frocos de seda crernesym-, nossa documeczzçã, ;
acabados de chegar da China, como oferta ou encomenda em o Pegu de Sião, e ::.E
bloco pois não houve pagamento. Em 1570 assinala-se uma cor- um resultado
rente de ouro obra da China e uma bela jóia de âmbar metida em sintoma de interesse "'-
outra caixa redonda da China. É curiosa a ausência de peças em Embora o aces.....", _
jade, mas talvez este material se considerasse um tipo de cristal e artesanato - do -=-x:::::::!!
não fosse especificado. ciadores não Ce:rr!:-:""""
Muitas dessas peças passariam a Espanha, como presentes ré- por muito que ~"">""" ~
gios ou levados em 1583 (embora também aí chegassem pela via tassem por oorê-êzs -
do comércio nas Filipinas). O inventário por morte de Filipe Il, em (k.akemono) que
1598, regista vestidos (sayos y ropas) da China, cortes de seda e Ming, ilustrando •..••.-.;;:
brocado, armas, instrumentos de música, escribanías e escritorios tícias mais compi'e:"!5
hechos en la China, caixas de laca, figuras de marfim, e até pin- ávídos colecooesccses
turas, como o notável conjunto de vinte e seis quadros bordados Embora
em ouro e seda com figuras de homens, dragões, pássaros e ou- suas ideias sobre ~
tros animais" - ainda uma encomenda de prestígio, que antes de peia, pouco Iep_:::-
Madrid deve ter ornado as paredes do Paço da Ribeira. na escultura} a
Um tipo diferente de importações, mas não menos apreciadas, refinado da ""
eram as conchas de madrepérola e búzios nacarados provenientes seda, quer poõ -
do Mar das Filipinas, tão ao gosto dos gabinetes de curiosidades e por deliberada ~~
das elaboradas peças de ourivesaria maneiristas. Entre as ofertas Oriente. Seria. de
que o Cardeal D. Henrique enviou em 1579 a Mulei Hamet para pessoal do que
resgate dos cativos de Alcácer-Quibir incluíam-se -hurn buzio da nal, era uma z.
China de madre perola guarnecido de prata dourada, tem por pé cado regular e se
huma unha de aguia com duas bocas por olhos e na volta da aza imperial -, Ill2S ~..r . ,-
hum cavallo marinho; e mais outro buzio da China lavrado e guar- ral e critérios Ge ';5:'
necido de prata dourada, tem por pé huma unha de aguia, em quer que [~
sima huma cabeça de serpente com azas-". Os nossos joalheiros e alguém que
ourives não só apreciavam os rubis de Pegu (na realidade das pois a escolha i5
minas de Mogok, no reino de Ava, trazidos através de Goa e gosto ocídenzal e
472
ca) - ainda hoje os mais valorizados do mundo - como
e=em ter sido os primeiros artistas europeus a saber tirar partido
eszêtíco dessas estranhas formas naturais pescadas nas águas do
~o Oriente, na linha dos naturalia medievais (ovos de
_ estruz, chifres de unicórnio, bezoares, etc). Um estudo mala-
lógico mostraria, sem dúvida, que muitas das mais belas peças
.:!inhentistas que hoje enobrecem as principais colecções e
:::"JSeUS provêm dessas regiões, tendo atingido as cortes da Europa
via da nossa extensa rede comercial.
É digno de nota que Portugal era, então, o único país que fazia
discriminação e correcta identificação da origem desses dife-
produtos orientais. Ao contrário da Espanha, onde em regra
eram genericamente classificados como «das Índias» (só por ex-
cepção e distinguindo as «de Espanha-, isto é, o Novo Mundo, das
-oe Portugal» ou Oriente), e - muito menos - da restante Europa,
~:;e considerava indiano qualquer objecto exótico (como fazia
__:'!reI com os presentes que recebeu do feitor português na
~dres em 1521, de papagaios do Brasil a marfins africanos ...), a
documentação distingue cuidadosamente a China do Japão,
Pegu de Sião, e as diversas zonas da Índia: o que constitui tanto
resultado dos conhecimentos geográficos exactos quanto um
torna de interesse artístico.
Embora o acesso a verdadeiras obras de arte - mais que de alto
...::esanato - do Extremo Oriente fosse limitado e tardio, os apre-
. dore não deixariam de se aperceber do seu valor decorativo,
muito que lhes escapasse o significado estético profundo, e lu-
i::!sseIIl por obtê-las: nomeadamente, as pinturas verticais sobre seda
izJkemono) que constituíam o género supremo em voga na época
_~~' ilustrando temas ou poesias da literatura clássica. À falta de no-
mais completas, tomemos como exemplo os dois mais cultos e
coleccionadores activos em Lisboa no meado do século.
Embora sem possuir obras «de autor» (uma característica das
ideias sobre coleccionismo que aplicava à própria arte euro-
oeia, pouco representada na pintura de cavalete e de todo ausente
escultura), a rainha Dona Catarina soube penetrar no mundo
:5Jnado da grande arte chinesa ao adquirir pinturas Ming sobre
:'.'C: quer por oferta de missionários com bom discernimento, quer
_ deliberada encomenda aos seus agentes e intermediários no
ríente. eria, decerto, uma opção estética ditada menos por gosto
pessoal do que como «curiosidade» e manifestação de poder - afi-
~ era uma forma de arte que não se encontrava à venda no mer-
regular e se sabia ser exclusiva do mandarinato e da elite
~ -, mas que denota uma apreciável e rara abertura cultu-
- e critérios de escolha muito precisos e bem informados. Quem
_...Er que tenha sido o comprador ou directo encomendante, era
"'::'g' ém que sabia o que estava a fazer do ponto de vista europeu,
'- a escolha recaiu sobre o género de obras mais agradáveis ao
5~-O ocidental e menos chocantes à cultura da Contra-Reforma,
473
pois só assim se compreende que não fossem incluídos nem um
só exemplar da tão sumptuosa e decorativa arte budista.
Com efeito, é hoje aceite a proveniência portuguesa dos quatro
painéis murais sobre seda que se conservam em colecções austría-
cas, para onde passaram por oferta de Filipe II, que os terá obtido
da rainha sua tia, ou, mais provavelmente, pelo saque dos nossos
palácios após a união ibérica. A célebre colecção instalada a par-
tir de 1580 no castelo de Ambras (Innsbruck) pelo arquiduque
Fernando do Tirol, sobrinho de Carlos Vede Dona Catarina,
incluía três desses "panos indianos pintados», já descritos no
primeiro inventário, de 1596. Um, desaparecido, continha «muitas
casas com indianos sentados enquanto um deles escreve-", e os
dois restantes, ainda guardados no lugar primitivo - um armário
com raridades etnográficas de diferentes origens -, representam
um grupo de mulheres tocando instrumentos num palácio à beira
dum lago e um par de cisnes sobre fundo de jardim. O autor anó-
nimo era um bom profissional de meados do século XVI, pintando
no erudito estilo então em voga que consistia em retomar a pin-
tura «clássica» de aves e flores da dinastia Song (960-1127); mas
tratava-se mais de um artífice que de um verdadeiro artista, já que
não deixou assinatura nem a sua marca". Aliás, a falta de qualquer
selo mostra que as obras não passaram anteriormente por nenhum
proprietário, devendo ter saído da China imediatamente a seguir à
sua execução - o que significa que corresponderam a uma expres-
sa encomenda. No canto superior direito do painel dos cisnes lê-
-se a abreviatura P. o em caracteres latinos, que Whitfield interpre-
tou como alusão a Filipe II (?), mas mais depressa será um «Pero»,
o seu comprador ou encomendante português.
Dois outros painéis, provenientes da colecção de Rodolfo II de
Praga, sobrinho de Fernando, e de Ambras, hoje no Museu de
História de Arte de Viena, apresentam temática similar - paisagens
com homens e cavalos - e as mesmas características de estilo.
Faziam, sem qualquer dúvida, parte do mesmo lote, devido a um
imitador da maneira de Qiu Ying (ca. 1490-1552), o mais célebre
dos pintores do círculo de letrados de Suzhou", perto de
Nanquim, mas talvez executado em Cantão. Sem a finura dos ori-
ginais - mas por isso mesmo mais acessível - o seu comprador
Pero sabia o que fazia ao encomendar obras no estilo do grande
mestre recém-falecido: o que indica um bom conhecimento da
pintura chinesa contemporânea. O seu colorido forte e brilhante
como um bordado tornava-as particularmente atraentes, e permite
pensar que a série dos vinte e seis «bordados» possuída por Filipe II
fosse na realidade de quadros que, antes de passar a Madrid, ti-
vesse ornado as paredes do Paço da Ribeira". Assim, elevar-se-ia
a mais de três dezenas o número de pinturas Ming cuja origem pode
ser traçada com fortes probabilidades a encomendas régias de Lisboa.
Seriam, em todo caso, em grande número. Um retrato, recen-
temente revelado, do rei D. Sebastião como soberano universal,
474
pintado na corte portuguesa por Cristóvão de Morais em 1572,
:nostra ao fundo um troço de paisagem «com a aparência suaviza-
de uma pintura chinesa sobre seda» com que o retratista régio
-o deixaria de estar familíarízado". Essas encomendas de alto
~o criaram um gosto na corte portuguesa, que as tornou em
objectos de admiração e cobiça para coleccionadores e amantes
arte que nos visitaram nos meados do século XVI. Foi o maior
deles o cardeal Giovanni Ricci da Montepulciano, núncio papal em
- ísboa de 1544 a 1550, que regressou a Itália carregado de obras
de arte e curiosidades exóticas, algumas das quais (como os qua-
íros de Bosch hoje no Escorial) ofereceria depois a Filipe lI.
_.o seu palácio da Via Giulia em Roma (actual Palazzo
- ocheti) fez pintar a fresco nos salões nobres as mais atraentes
peças dessa colecção, como um cenário ideal para expor os
próprios originais (entretanto perdidos). Aí se vêem, entre nichos
com bustos de imperadores romanos, painéis ilusionistas figuran-
do as típicas pinturas chinesas suspensas e um bom número de
;xues altos de celadons, num conjunto excepcional que só pode-
ter adquirido em Lisboa". Registada para a posteridade em
:--2-1553 pelo pintor romano Francesco Salviati e alguns -estu-
cadores portugueses» (entre os quais António Carnpelo), a colecção
_Iontepulciano constitui, assim, outra fonte de difusão destas sin-
gulares peças de luxo pela Europa.
Mas o grosso dessas encomendas ao Extremo Oriente foi consti-
~o como se sabe, pela misteriosa porcelana, a rainha das cerâmicas,
oue exerceu o seu fascínio sobre o mundo extra-chinês durante
séculos. O que importa reter é que os Portugueses, ao consegui-
rem penetrar na sua rede de comercialização e distribuição, que
desde há muito se estendera a todo o Índico, de lava ao Cairo e à
_::;.:ncaOriental (Quíloa), não se tenham limitado a comprá-la, trans-
portar e revender com altos lucros, mas interferiram no próprio
;mx:es o produtivo (que, apesar de sucessivas tentativas, continuou
-"-guardar os seus segredos) através de uma crescente demanda de
peças sui generis. Furando o bloqueio do estrito controlo imperial,
duma burocracia implacável e da produção estandardizada em enor-
znes quantidades, a pressão da encomenda conseguiu - por meios
e vias que ainda nos escapam - insinuar-se e abrir brechas no
:nonolitismo da máquina pré-industrial de seu fabrico, dando
~_- em a novos tipos de grande originalidade e beleza.
É certo que já existiam, fora das maiores oficinas imperiais
~e monopolistas de ]indezhen desde o século XI, alguns focos
marginais dotados de certa autonomia, dedicados a abastecer a
cada vez maior demanda do estrangeiro, sobretudo dos países do
_lédio Oriente (como a Pérsia, de onde vinha o cobalto empregue
pintura). Mas foram os pedidos, propostas, subornos e pressões
dessa nova e exigente clientela do extremo ocidental que levaram
_ introduzir novas regras, impor mudanças e alterar a multíssecu-
rotina da mais prestigiada das formas artísticas do Extremo
475
Oriente, abrindo assim caminho à arte da «porcelana de expor-
tação» que chegou aos nossos dias. Poder-se-ia dizer que os
-azul-e-branco- IE:l~J
Portugueses se lançaram à sua conquista com sofreguidão com-
parável à das especiarias e do ouro, tecendo lendas, empreen-
cia da porcelana =
escavações sub-:!.......--.
dendo viagens exploratórias, primeiro entrando no jogo do comér-
os Portugueses-
cio, depois procurando seduzir com as primeiras compras em
centraram nela 25 _.
condições especiais, até, por fim, conseguir revolucionar as rotas
dução em brancos
da porcelana com a encomenda em massa. Não admira, por isso,
constituíam a :
que a seguir à Pérsia (com o Tesouro de Ardebil, no Museu
mais categoriz2.6
Arqueológico de Teerão) e à Turquia (Museu Topkapi), esteja em
moda que ~
Lisboa a mais importante colecção de época de porcelanas anti-
fornos de Fujíar; e ~
gas existente fora da China: o tão precioso quão pouco co-
desde algumas é.,.,,:-d
nhecido Salão das Porcelanas do Palácio de Santos (hoje
Era, afinal, um ~es:
Embaixada de França), -témoignage unique en Occident de la pro-
mo preço nos r'"~
duction de la dynastie Ming au cours du XVI e siêcle», Com os seus
Tudo começoc.
duzentos e sessenta e um pratos de 1500-1613 embutidos no testo
nhecern-se dois g
Salão das Porcelanas. piramidal da sala mandada construir por D. José Luís de Lencastre
Palácio de Santos, Lisboa. (1664-1687), afora os setenta e quatro inventariados no resto do
palácio, constitui em grande parte o vestígio do recheio da que até
1587 foi uma das principais residências régias de Lisboa, e permite
pensar o que não haveria no Paço da Ribeira ...
Já Vasco da Gama trouxe em 1499, entre as cargas de especia-
rias, peças de porcelana compradas em Calecute para D. Manuel
e Dona Maria, tal como Pedro Álvares Cabral na viagem seguinte
(Gaspar Correia, Lendas da Índia); e é natural que o mesmo fizes-
sem todos os capitães sucessivos, para presentes ou para uso pró-
prio. Somado aos pedidos e encomendas que não se fariam espe-
rar - sobretudo após a conquista de Malaca e o comércio directo
com os Chineses -, assim se fizeram aquisições em ingentes quan-
tidades e se constituíram colecções, tanto régias como privadas, de
que, apesar das perdas, destruições e vendas em proporções incal-
culáveis, chegaram até nós raros vestígios em museus estrangeiros
ou nacionais (com destaque para os reunidos pelos Drs. Anastácio
Gonçalves e Medeiros e Almeida): uma gota de água no oceano,
sem dúvida, porém suficiente para constituir uma significativa
amostragem do panorama global. Muitos milhares de peças de por-
celana devem ter aportado a Lisboa no século XVI, e em número
ainda maior no seguinte.
Esse apetite insaciável vinha na sequência dum velho interesse
da Europa meridional pelos produtos dos ceramistas chineses" e
era subsidiário da rede comercial e das preferências estéticas do
mundo islâmico, onde a porcelana do tipo «azul-e-branco» triun-
fara a toda a linha. Começada a produzir sob influência persa nas
primeiras décadas do século XIV na manufactura imperial de Jig-
dezhen, e logo de seguida nos fornos de imitação de Fujian
(Qanzhu) para exportação em vasta escala, copiada na Pérsia e
na Turquia, pela delicadeza da pasta e da pintura a cobalto, que
combinava o decorativismo islâmico com motivos chineses, o
476
-azul-e-branco- tornou-se desde o século xv a forma por excelên-
cia da porcelana, e a mais apreciada no exterior, como recentes
escavações sub-aquáticas têm demonstrado. Essa a razão pela qual
os Portugueses - como de resto, mais tarde, os Holandeses - con-
centraram nela as suas atenções e desprezaram a encantadora pro-
dução em brancos vidrados (blanc-de-Chine) e a polícroma, que
con tituíam a forma mais perfeita da arte Ming - e socialmente a
mais categorizada -, interessando-se exclusivamente por essa
moda que havia pouco mais de um século fazia o sucesso dos
fornos de Fujian e as delícias dos consumidores persas e turcos, e
desde algumas décadas despertava a cobiça da nobreza europeia.
Era, afinal, um investimento seguro, no que se sabia atingir altíssi-
mo preço nos mercados de Veneza e Génova.
Tudo começou, como era natural, com a encomenda régia. Co-
nhecem-se dois gomis Ming-manuelinos em porcelana azul-e-bran-
ca - «as mais antigas peças de encomenda feitas para Ocidentais-"
- que devem ter sido solicitados expressamente pelo rei D. Manuel,
pois sabemos que o fizera já ao vice-rei D. Francisco de Almeida,
que em 1508 respondia não poder contentá-lo porque «se encon-
eram muito mais longe->, Não existia, ainda, uma noção exacta do
seu local de fabrico, que nesse ano o rei mandava investigar em
_lalaca; e seguramente só após a conquista deste entreposto houve
condições de fazer tramitar as encomendas. Depois, o procedi--
mento generalizou-se. Num primeiro momento, seriam sobretudo
pedidos oficiais, partidos de agentes da administração régia; mas
:ogo particulares e ordens religiosas começaram a querer também
usufruir desse alto privilégio. As encomendas eram concentradas na
índia - inicialmente em Cochim, depois em Goa - e seguiam por eta-
pas intermediárias, que por enquanto desconhecemos (mas decerto
pela via marítima de Malaca, embora pudessem também passar pelo
interior através do comércio árabe). Só quando, ao longo do sécu-
lo XVII, a pressão da concorrência holandesa se tornou avassalado-
ra. causando a passagem das primeiras encomendas indivi-
dualizadas portuguesas, de efervescência criadora, para uma pro-
dução maciça e estável, Macau se afirmaria como o grande centro
distribuidor, de que acabou por deter quase o monopólio.
Os dois gornis (Fundação Medeiros e Almeida, em Lisboa, e
colecção Alpoim Calvão, em Cascais) apresentam no bojo a divisa
de D. Manuel: a esfera armilar com a inscrição IN DEO SPERO. Sob a
aparência dum vulgar vaso para água usado na China desde o
século XIV por cópia de protótipos metálicos do Médio Oriente, a
análise artística revela a presença de motivos ornamentais
manuelinos - as línguas de fogo e o friso de palmetas do gargalo,
além da esfera armilar - e de uma visão organicista da forma, que
denota uma concepção inteiramente portuguesa, transmitida pelo
autor do debuxo que lhe serviu de modelo e totalmente oposta ao
modo de ver oriental. O bico é interpretado como o pescoço de Gomil manuelino. Porcelana Ming de
um monstro marinho emergindo das mandíbulas de um animal fe- encomenda. Ca. 1515-1520.
477
roz (javali?) e a asa como a cauda dum peixe, em híbrida meta-
morfose de seres fantásticos inspirada já nos grotescos do
Renascimento e idêntica à dos gomis portugueses em prata doura-
da de inícios do século XVI. O que faz com essas peças possam ser
vistas como obras de arte do mais genuíno estilo manuelino, ape-
sar de fabricadas no outro lado do mundo ...
A sobreposição formal (correspondendo a uma atitude de
imposição cultural) do modelo tipo português ao novo suporte
físico é, pois, absoluta e até brutal, ao ponto, quase, de uma certa
ingenuidade; e o seu resultado só foi esteticamente conseguido
graças à extrema habilidade e versatilidade do artista chinês, que
solucionou de modo muito feliz o problema da disposição de
ornatos cujo significado lhe devia escapar por inteiro. Esse
processo mental de «tradução" duma forma exótica noutra mais
familiar encerra, aliás, muito do sentido profundo da própria
expansão portuguesa.
Outras peças com esfera armilar podem pertencer ao mesmo
grupo, encomendado entre a viagem em 1513 de Jorge Álvares -
«o primeiro português que foi à China" (L. Keil) - e a morte do Rei
em 1521: um prato do Museu Metropolitan de Nova York e outro
do Princessehof Museum de Leeuwarden (mas comprado em Djedá,
na Arábia), a que se devem juntar uma garrafa piriforme e um prato
do Museu Nacional de Jacarta, talvez mais tardios. As doze porce-
lanas que em 1512 D. Manuel mandava entregar ao Mosteiro de
Belém não cremos que fossem o que hoje entendemos por tal",
mas sim as estátuas de terra cota vidrada vindas de Itália. O escas-
so número de peças que hoje subsiste é, pois, indício de uma fase
pioneira, em que se estabeleceram os primeiros contactos em
busca das vias de acesso, durante uma década repleta de peripé-
cias 0511-1521) que acabaria com o corte de relações oficiais
com a China. A sua pasta pesada e espessa e o azul pouco inten-
so mostra que não se atingiram os grandes centros porcelaneiros,
mas talvez apenas os fornos marginais de Fujian, que produziam
mercadorias menos cuidadas para os mercados da Ásia de Sueste,
a Indonésia e Filipinas, a que os mercadores de Malaca teriam
acesso fácil.
Nas três décadas seguintes, o comércio ilegal praticado nas
costas e ilhas do golfo de Cantão não impediu o acréscimo das
encomendas, que começam a ser feitas por particulares. D. João
III não parece ter tido nenhuma atracção especial por estes pro-
dutos, e é a Rainha sua mulher que surge como compradora em
larga escala após o meado do século.
Datam desse período de relações conturbadas e de contraban-
do em Cantão algumas interessantes encomendas privadas, a mais
antiga das quais parece ser em 1541 a de Pero de Faria, capitão de
Malaca 0537-1543), representada por três escudelas (Museus de
Beja, Duca di Martina em Nápoles e Topkapi em Istambul); a que
Escudela de Pêro de Faria, 1541. se segue em 1552 a de Jorge Álvares, natural de Freixo de Espada
478
à Cinta, rico mercador e capitão do navio que transportou Fernão
_lendes Pinto e S. Francisco Xavier, com seis garrafas com a legen-
da ãs avessas, ligeiramente diferenciadas pela decoração (Museu do
Caramulo; Victoria and Albert de Londres, proveniente de Istambul;
\\a1ters Art Gallery de Baltimore; Ardebil na Pérsia; e colecções par-
ticulares de Lisboa e de Paris). De execução mais fina - possivel-
mente em Jindezhen - são duas garrafas com o bojo preenchido por
um brasão atribuído ao navegador António Peixoto, descobridor do
_apão em 1543 (Victoria and Albert e Fundação Medeiros e
Almeida). É curioso, ainda, assinalar que a escudela de Pero de
Faria hoje em Nápoles tem no interior as armas do seu compa-
nheiro António de Abreu, capitão-mor do mar de Malaca em 1540-
-1542: o que talvez signifique uma encomenda conjunta, ou que
este tenha servido de intermediário àquele. As pequenas dife-
renças de peça para peça mostram que os desenhos não eram
fíelmente cumpridos, e em certos casos terão sido guardados nas
oficinas para reutilização posterior.
E tas encomendas pessoais representavam extravagâncias de Garrafa de porcelana. China, 1552.
lIXO. fruto excêntrico de circunstâncias favoráveis: não por acaso,
479
,~~;
importariam mais
ostentação, seriam um meio de iniciar a projectada invasão espi- É claro que r--._-.=:
ritual da China que S. Francisco Xavier deixara preparada antes de gadoras (podendo o
morrer, à vista de Cantão, em 1552; pelo que, seguramente, tais pras de peças ~
encomendas são posteriores à reabertura do comércio legal, esca- de D. Sebastião as ~
lonando-se no tempo por alguns anos. Outras ordens, aliás, o fa- rente saída dos ;:
riam, como os Agostinhos, de que se conhecem dois potes com a flecha, atíngíndo c _
águia bicéfala (Museu Nacional de Arte Antiga e col. Alpoim Calvão) astronómicas. Pro&~-::S
decerto encomendadas para o seu convento de Macau fundado em
1589, e os Franciscanos, com duas garrafas e um vaso com os sím-
bolos da Paixão de Cristo encomendados já em meados do século
XVII para a sua casa macaense estabelecida em 157938•
Ao mesmo tempo, retomava a encomenda régia pelas vias ,ofi-
ciais, embora lentamente: além de uma peça com as armas de
D. Sebastião (Leeuwarden), só após 1580 aparecem as garrafas
de corpo circular, como um cantil de peregrino, com o escudo de
Filipe II enquadrado numa cruz de Avis, de que restam sete exem-
plares idênticos. A qualidade melhora, sinal de que se tinha aces-
so a fornos mais especializados; e com esse contacto mais directo
e uma maior pressão e controlo do produto pela clientela, já cen-
tralizada em Macau, surgem novas tipologias, adaptadas a funções
determinadas. Curiosamente, dada a dificuldade em fazer entender
pelo ceramista a forma que se pretendia, serviram de modelo uten-
sílios de viagem e recipientes metálicos, como os dois pratos em
gomos de D. João de Almeida, capitão de Macau em 1570 (Museus
do Caramulo e Guimet), outros dois preenchidos pelas armas de
Matias de Albuquerque, que governou Malaca em 1577 - onde a
encomenda deve ter sido feita -, Ormuz 0584-1587) e a Índia em
1591-1596 (Museu de Arte Antiga e fragmento em Ormuz) e as duas
garrafas em porcelana com as armas de D. Álvaro Vilas-Boas,
capitão da armada da Índia (Museu Britânico e Fundação Medeiros
e Almeída)>, Não se tratava de peças soltas mas de autênticas bai-
xelas, decerto encomendadas para uso pessoal.
Muitas outras sê-lo-iam, mas sem marcas identificadoras e para
fins específicos: por exemplo, os pratos de grande formato - des-
conhecidos da etiqueta de mesa chinesa - da colecção do palácio
de Santos, e outros idênticos em museus europeus, a que
Mme. Goldschmidt atribui origem portuguesa e uma data em
torno aos meados do século XVI; um gomil com fonte renascentista
do Museu Guimet; ou o estranho prato, também de Santos, com a
divisa da hidra de sete cabeças copiada duma obra de Camillo
Camilli CImprese illustri, Roma, 1586) e a legenda Sapienti nihil
novum (Nada é novidade para os sábios-) que figura noutras pe-
ças da época. Deviam ser encomendas com um sentido e fim
determinados, que nos escapain mas os documentos confirmam:
assim, no recibo de 1564 atrás citado, a rainha Dona Catarina man-
dava dar à sua botica -corernta boyões de porcelanas com suas
tapadouras-, além de dois foles de canudos e um -escrítoryo da
China», em que o formato e as dimensões adequadas a um fim
480
importariam mais do que a decoração.
É claro que prosseguiam, em proporções cada vez mais esma-
gadoras (podendo ocupar até um terço da carga dos navios), as com-
pras de peças comuns, da mais luxuosa à mais simples. No reinado
de D. Sebastião as importações de louça da Índia - a produção cor-
rente saída dos fornos chineses e embarcada em Goa - sobem em
flecha, atingindo na passagem do século XVI para o XVII quantidades
astronómicas. Produtos de série, o preço ficava convidativo e tornava-
-as acessíveis a uma classe mediana até então afastada do seu con-
sumo: é assim que figuram com destaque na pintura do tempo (desde
a jarra Ming numa -Anuncíação- de Garcia Fernandes no Museu
oares dos Reis, de ca. 1550, à ênfase de talhas azul-e-branco no
•Milagre de São Francisco Xavier-, de 1619-1620, na sacristia de São
Roque em Lisboa e no Museu de Ponta Delgada), e era em 1563
recomendada pelo arcebispo de Braga D. Frei Bartolomeu dos
..\lártires ao próprio Papa para o uso diário em sua casa, como
endo preferível à prata pela sua limpeza e barateza. Em 1580 Bento Coelho da Silveira, "Milagre de
havia na Rua ova dos Mercadores seis lojas de porcelanas; São Francisco Xavier". Pintura a óleo
quarenta anos depois o seu número elevava-se a dezassete". sobre tela. Século XVII.
481
Esse afluxo tornou-a tão comum que, não sendo as impor-
tações já suficientes para satisfazer a demanda criada, começaram
a aparecer (ainda no século XVI, pois Filipe II adquiria em 1582
algumas peças) e a multiplicar-se com enorme sucesso as imita-
ções em faiança produzida habilmente em Lisboa contrafeita da
China, como observava em 1619 o cronista Lavanha. No ano se-
guinte, frei Nicolau de Oliveira refere a existência de vinte e oito
fornos na capital portuguesa, o que significa uma produção média
anual de trinta mil peças. Assim, não só se abastecia o mercado
nacional como abriam linhas de exportação muito lucrativas para
a Europa do Norte, no que as comunidades de judeus portugue-
ses parecem ter desempenhado um importante papel. Escavações
recentes em Amsterdão trouxeram à luz enormes quantidades des-
sa faiança azul e branca", que circulava em proporções tais nas ci-
dades nórdicas que durante muito tempo foi conhecida por «louça
de Hamburgo» por se julgar ser ali produzida, sabendo-se hoje
com plena certeza que o era em Lisboa.
Esta superabundância, aliada às peças trazidas do Oriente pelos
próprios Holandeses, que as designavam por kraak porselein (isto
é, «porcelana de carracas-) pelo tipo de navios de carga por-
tugueses em que começaram a ser apresadas no mar - como a
nau Santa Catarina, tomada em 1603 no estreito de Singapura
carregada de porcelanas, donde a designação parece ter nascido -
e mais tarde as importações directas da V.O.c. (Companhia das
Índias Orientais holandesa), parecem ter suscitado uma quebra nas
encomendas, coincidente com o "período de transição» 0620-1670)
do fim da dinastia Ming e um eclipse de quase vinte anos, em que
a produção de Lisboa e a da nova faiança de Delft supriam os
mercados.
Ao passar a ser adquirida e transportada pelas companhias de
comércio das novas potências marítimas, a encomenda viria a ser
retomada no final do século XVII, porém como produção em massa
e com carácter diferente. É a porcelana habitualmente designada
(aliás impropriamente) por Companhia das Índias, feita de acordo
com regras de fabrico já quase industrial, controlada por grandes
empresas capitalistas e seguindo novos modelos, mais elaborados
e polícromos, que obedeciam aos padrões de gosto do Barroco
europeu.
mos o termo
primordial <XlCl
um ínreressarce
ARTE MISSIONÁRIA resultados ~~
Aqui
Um dos aspectos mais atraentes da presença artística por- campo Pi'''' S-.::::&i
tuguesa no Extremo Oriente é constituído pela arte de conteúdo e jesuítas. o
função religiosa. Pela primeira vez a Europa teve a possibilidade, Coimbra~5 .... ~....r:;::.
tal como estabelecera o Concílio de Trento em 1563, de colocar a Cochim.. ~~~
482
ão artística inteiramente ao serviço da Fé como veículo e
~ o de evangelização cristã, entregue a si própria e livre
ce entraves do poder político.
:;:::"-a uma ituação apenas comparável à que, quase em
=i:1!.!.iC-2:-meo. ocorreria nas missões dos «Vinte Povos» da República
-=-- do Paraguai, fundada em 1609 no outro hemisfério (e
--- ída barbaramente em 1750), organizada como uma
==~ utopia. O paralelo é revelador, porque em ambos os casos
surgir uma arte catequética esmagadoramente dominada
~ - - concepções do humanismo e pela ideologia missionária con-
:::!-,.-CrrE:mista, sobretudo jesuítica. E é tanto mais instrutivo quan-
zs situações com que se confrontava nos extremos oriental e
CX:JCJ=Lal eram diametralmente opostas: uma velha civilização alta-
culta e sofisticada num caso, uma humanidade simples e
~. no outro. As respostas, como não podia deixar de ser,
~ diferenciadas, embora o objectivo final e os métodos fossem
- zoesmo . Mas até que ponto a experiência (e os erros) no
ze podem ter servido de lição à arte das Missões sul-arneri-
- é uma tentadora interrogação.
~;araYa- e, nas colónias asiáticas como nas «reduções» arnerín-
=-: da bacia do Prata, de trazer à fé cristã toda uma sociedade
-; = se pensava especialmente predisposta para tal - ao invés das
_* w er5Ões forçadas ou dos baptismos em massa dos Hindus ou
- :acas. Os meios usados eram essencialmente idênticos: o agu-
" curiosidade por formas culturais a que se sabiam sensíveis
- íca para os índios guaranis, os utensílios mecânicos para os
H:iI<::l[:;:-2.lS" ). uma consequente infiltração em sectores sociais mais
.:!::4l!1os ou politicamente mais influentes, a progressiva desarticu-
- de suas estruturas mentais pela catequese, o papel didáctico
e cerimónias de impressionante aparato, com represen-
reatrais e espectáculos de poesia ou solenes procissões.
- illlha de Aristóteles, ao uso retórico da palavra e da oração
~ de comover até às lágrimas juntava-se a função da arte como
de sensibilização e de ensino, criando uma envolvência psí-
rasínuante que, pela lenta habituação às formas da vida quo-
e sociabilidade, pela aprendizagem dos idiomas locais, pela
~.~...J.""çào e a persuasão verbal e intelectual, partindo de núcleos
;.C recúmenos, acabariam por impor a religião e reformar as
-e;:Z31idades. Nesse contexto, a arte ..missioneira- (para empregar-
o [ermo usual na América Latina) desempenhava um papel
i'!:'i~:Y.Tti~1 como meio de atracção, expressão e ensino" e constitui
---'-' ínzeressante termo de comparação, nos processos como nos
dos estéticos, com a sua congénere do Extremo Oriente.
_ ~~ desde cedo a passividade oriental parecia oferecer um
~-:--;ca por-
promissor à evangelização: um dos primeiros missionários
reúdo e
o padre icolau Lancilotto de Urbino, formado em
síbílídade.
CCl~'~ (1- 2-1544), reitor do colégio de Goa e fundador do de
- :.. de colocar a
Cocním, num esquecido relato sobre o Japão redigido em 1548
483
...-..
"""
484
::u;:;;orn'ja(com as obras dos padres Rho e De Ursis), ao lado da
=ogrnfta religiosa. Tal como um século depois seriam divulgadas
, recentes conquistas da representação geométrica do espaço
publicação em chinês da Perspectiva do irmão Andrea Pozzo
~JirrL r25 e 1735), a mais perfeita expressão da arte católica
__ "'- pelo grandes mestres do Renascimento, filtrada pela sensi-
""'--"--''''-''- nórdica, simplificada pela gravura e devidamente «orienta-
" atingia assim o coração dos fiéis do Extremo Oriente.
O que até nós chegou da pintura dessa época" mostra o carácter
~;::-.-,"=,-.il' r' 'o das imagens pela procura de um naturalismo mitigado,
óeseando as técnicas europeias do claro-escuro e da perspectiva
imilação de símbolos, atitudes gestuais, tipos faciais e
de expressão distintamente orientais. Essa política de -acul-
~ão das imagens» é sobremaneira patente nas representações da
T- ?11 com o Menino, que não apenas procuram adaptar-se ãs
ções e tilísticas da iconografia Zen como parecem obedecer
cc:':';:liE:a,damentea um mesmo modelo: o famoso ícone de ossa
- - do Pópulo (Salus Populi Romani) da basílica de Santa
, _Iaggiore, em Roma, que teria sido pintado do natural pelo
'o apó tolo São Lucas, tantas vezes copiado (por Francisco de
nda em 1539 e em 1569 a pedido de São Francisco de Borja
-" ferra a Dona Catarina, por exemplo) e replicado em séries de
~ dispersos por várias casas religiosas. Entretanto, a
_~~da dos quatro jovens príncipes japoneses à Europa (1582-
-:~ = , acompanhados pelo padre Duarte de Sande, introduziu no
modelos pictóricos mais evoluídos, como a «Sagrada Farni-
ão João Baptísta- que parece ter conhecido certo êxito"; Virgem com o menino da Capela da
quadrinhos marianos, que não excedem meio metro de Antígua, na Catederal de Sevilha.
- _ continuam a ser os favoritos. Gravura de Marteo Ricci.
485
.-
~--- - - - - - - - - - -"
486
,.::e("(](::io;:lais· fechados
pintados em
- ':e suspender com
_ . como mó-
••••• ;:wa:.-.:.=- cerimónias reli-
- ~=aias em laca e
~ e ter feito
. - . usualmen-
- seus traços fa-
_ das - porven-
esas -, facil-
487
J~:I'
,
~:';.
.•.,
bela estrutura em tijolo, mas é hoje uma ruína em vias de ser tra-
gada pela floresta.
Reduzido o colégio de São Paulo de Maluca às paredes exter-
nas, e ultrapassando a matriz de São José de Pequim o âmbito
cronológico do presente volume, é a magnífica igreja de Nossa
Senhora da Assunção do Colégio da Madre de Deus em Macau
(vulgo de São Paulo) que constitui o exemplar mais representati-
vo do que foi uma intensa actividade construtiva. Arruinada pelo
fogo em 1835, mostra a sua perdida opulência interior' o inglês
Peter Mundy ao descrever em 1637 a riqueza dos altares e do tecto
em painéis de madeira laca da com pendentes dourados de quase
um metro, bem como as alfaias do que era um recheio à altura da
prosperidade da diocese.
Reconstruída em 1602 sob traça do genovês padre Carlos Spí-
nola, bom debuxador e discípulo em Roma do célebre matemáti-
co Cristóvão Clávio, segundo planta em cruz latina que lembra a
basílica do Bom Jesus de GoaS6, no seu cruzeiro fizeram-se os pri-
meiros arcos em pedra erigidos em Macau; mas as obras foram
lentas. Em 1602 Spínola seguia para o Japão (até ser morto em
1622), o corpo fez-se por 1630 e a fachada na década seguinte".
Uma vez mais, é revelador o paralelo com a grandiosa igreja de
São Miguel das Missões, capital dos « Sete Povos» do Rio Grande do
Sul, no Brasil, de desenho mais clássico atribuído ao padre
Giovanní Battista Prímoli (ca. 1730), porém iniciada certamente
ainda em Seiscentos: também reduzida à fachada e adro fronteiro,
derivam ambas do modelo do Gesú (Giacomo della Porta, 1578)
488
-
::..
489
. /
Pormenores da fachada, com o pro- nichos com ~~_':i
grama ornamental posterior a 1624- enquadrados
-25.
alusivas ao·-
entroniza-se
o piso térreo, de entrada dos fiéis, é o mais simples, com ele- cos, emblemas ~
mentos geométricos e invocações sobre as portas (IHS e Mater religiosa (uma
Dei). No segundo andar, entre vãos de janelas, abrem-se quatro Mãe calca a
490
- (uill imagens de Santos jesuítas em bronze - na origem
491
[.
492
NOTAS
--
-- - =-
- Éfesos. 2, 20), o que mostra a profunda cultura bíblica de Albuquerque.
G CoRRELA., Lendas da Índia, lI, I, capo 29. Um excelente estudo A. Viana de
O' Tl:er stataca. Porto: Figueirinhas, 1988.
Hayes HOyT, Old Malacca. Oxford: Univ. Press, 1993, p. 40.
F, -:-Hml-\Z data-a -entre 1527 e 1542- (ob. cit., p. 532) e M. Lo BATOde 1564
p. -C). É provável que ambas estejam correctas e correspondam a duas
. 'as da construção: uma com torreões circulares e cubelos rectos, a ou-
baluartes no evoluído desenho poligonal à italiana.
=-. t:scrição '\'"\",0 1670, o uso erudito das ordens arquitectónicas, a decoração
-- - rperíor, e a própria colocação topográfica, tornam muito problemática a
.lC:D:~:!l:orradicional, e quase certa a origem holandesa. Quando muito, será nosso
e::n que a porta foi aberta Cem sentido contrário, forçando a leitura para
- . ver A... \ ia na de LIMA, ob. cit., pp. '60-62).
_' '" GR.~ç-\, Fortifications of Macau, tbeir design and bistory. Macau, [19841,
493
24 Charles BOXERsustenta que os supostos Léquios não passavam de comer-
ciantes japoneses disfarçados a fim de iludir o bloqueio comercial chinês (Tbe
Cbristian century tn japan, 1549-1650. 3.' ed. Londres, 1993, pp. 10-14). Sobre o
assunto ver Rafael MORElRA,-Leques. um adereço extremo-oriental ã conquista da
Europa- in COLÓQUIOA ARTENAROTADOSDESCOBRIMENTOS PORTUGUESES. Lagos, Abril
1996, Actas. [No Prelo].
25 ]. ]. MARTINGONZÁLEZ,-Obras artisticas de procedencia americana en las
colecciones reales espafiolas, siglo XVI-,in Relaciones artísticas entre la Península
Ibérica y América [...I, Valladolid, 1990, p. 16l.
26 Cit. por Nuno Vassalo e SILVA,in A Pintura Maneirista em Portugal. Arte no
tempo de Camões. Lisboa: CNCDP,1995, p. 169.
TI ]. von SCHLOSSER,Raccolte d'arte e di meraoiglie dei tardo Rinascimento,
(lved., Leipzig, 1908), trad. ital., Florença, 1974, pp. 53-78, e Donald tACH, Asia in
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as Harry M. GARNER,-Chinese paintings of the Iôth century at Schloss Ambras-,
Oriental Art, 22, 1976, pp. 262-264, e R. WHITFIEW,-Chinese paintings from the col-
lection of Archduke Ferdinand Il-, ibid., pp. 406-416. ,
29 Ver cat. Circa 1492[. ..l. Washington: National Gallery, 1992, p. 354 e n.OO 300-
-302.
30 Talvez os que foram trazidos a Lisboa em 1582 para Filipe II pelo capitão de
Manila, e que causaram admiração geral Quan GONzÁLEZDE MENDOZA,História de
las cosas mas notables L ..l de la China. Roma, 1585).
31 Annemarie JORDAN-GSCHWEND, in A Pintura Maneirista em Portugal. Arte no
tempo de Camões. Lisboa: CNCDP,1995, p. 309.
32 Sylvie DESWARTE, -Le cardinal Giovanni Ricci de Montepulcíano-, in La Villa
Médicis, Roma, 1991, vol. 2, pp. 111-169; e -Le cardinal Ricci et Philippe lI: cadeaux
d'oeuvres d'art et envoi d'artistes-, Revue de l'Art, Paris, 88, 1990, pp. 52-63.
33 Daisy LION-GOWSCHMIDT, -Les porcelaines chinoises du palais de Santos-, in
Arts Asiattques. Paris, 1984, r. 39; nova ed. (sep.), 1988.
" A porcelana, do nome da concha nacarada que se pensava ser a sua matéria-
-prima, aplicado pela primeira vez por Marco Polo (298), já em 1343 era vendida
em Veneza. A mais antiga peça que se conserva na Europa (Museu de Dublim) foi
feita na China ca. 1320 e oferecida em 1391 pelo rei da Hungria ao de Nápoles,
tendo pertencido a WilIiam Beckford (Iean-Paul DESROCHES,in Du Tage à la mer de
Chine. Paris: Museu Guimet, 1992, p. 31).
3; Maria Antónia Pinto de MATOS,-Porcelanas de encomenda- [. .. l, in Oceanos,
Lisboa, (4) Junho 1993, p. 44; e ·A cerâmica dos Shang aos Qing - Alguns apon-
tamentos-, in Do Neolítico ao Último Imperador [...]. Lisboa, 1994, pp. 35-55, para
uma visão na perspectiva chinesa.
36 Raffaella D'INTINo, in Du Tage à la mer de Chine, p. 61.
37 José MECO, in jerónimos. 4 Séculos de Pintura. Lisboa, 1992, vol. 1, p. 108.
,. Du Tage à la mer de Chine, 1992, n. 75 e 76.
OO
MNAA,1987.
42 Dalton SALA,-Rcduções jesuíticas de índios guaranis na bacia do Rio da Prata:
função retórica da Arte no processo de catequese-, Barroco, Belo Horizonte, 15,
1992, pp. 369-373; e Anais do X Sirnpôsio Nacional de Estudos Missioneiros. Unijuí,
Santa Rosa, Rio Grande do Sul, 1994.
43 Agostino AURATI,Nicolao Lancilotto. Un gesuita urbinate dei secolo XV7 in
India. Urbino, 1974, p. 58.
"]. FONTEINe M. HICKMAN,Zen Painting and Calligrapby l...l. Boston: Museum
of Fine Arts, 1970-71.
45 Jonathan D. SPENCE, O Palácio da memória de Matteo Ricci. São Paulo,
1986.
494
46 Não nos ocupamos aqui dos pintores matemáticos e astrónomos jesuítas na
de comer-
:;Z:;S!"\"":!ID
.~~aa: chinês (Tbe China do século XVIII,com destaque para Giuseppe Castiglione, que será objecto
~"Ll·D. Sobre o de estudo posterior: para uma primeira abordagem ver Gonçalo COUCEIRO,-Píntores
conquista da
ã
jesuítas na China-, Oceanos, Lisboa (12), Nov. 1992, pp. 92-10l.
P::Ir::=J==- Lagos, Abril " Vejam-se os belos exemplares da Fundação Ricardo Espírito Santo e numa
colecção privada japonesa, de inícios do século XVII(M. H. Mendes PINTO, Lacas
Namban em Portugal ['. .J. Lisboa: INAPA,1990, p. 67, e Via Orientalis. Tóquio,
(184) 1993.
's Lurdes CRAVEIRO,-Ioão de Maiorga, um pintor aragonês em Portugal no sé-
culo XVI-,in Relaciones artisttcas entre Portugal y Espana. Léon, 1986, pp. 91-109.
,. Cf. As Ruínas de S. Paulo, um Monumento para o Futuro. Macau, Lisboa:
Rinascimento, Instituto Cultural, 1994, pp. 68-69.
L\CH, Asia in
so M. H. Mendes PINTO, Lacas Nambam [...l, p. 64, n. 26.
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