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Relatório de leitura de Problemas de Fenomenologia Hermenêutica,

de Paul Ricoeur

O Homem Falível

Problemas de Fenomenologia Hermenêutica


2021/2022
2º Trabalho de avaliação periódica
Docente: Prof.ª Doutora Maria Luísa Portocarrero Ferreira da Silva
1
Discente: Cátia Margarida Mesquita Marques

Introdução

Neste capítulo da obra O Homem Falível, de Paul Ricoeur, vamos estudar e


perceber que o autor faz uma reflexão sobre um homem frágil, interiormente dividido entre
prazer e sentimentos, a partir do conceito de falibilidade. Para tal, Paul Ricoeur dividiu
estes conceitos em dois temas individualmente estruturados, que são:

1. A hipótese de trabalho
2. O patético da “miséria”

Este capítulo intitula-se de O patético da “miséria” e a reflexão pura. Sendo


os subcapítulos temas bastante diferentes, encontram-se relacionados e visam o trabalho
de Ricoeur, nesta obra, que consiste em perceber como o homem é uma realidade mista,
sendo constituído por uma mistura de finito e infinito. Mostra-nos também, como o simples
facto de haver esta mistura de filosofia, vai fazer surgir uma desproporção e, o homem,
não vai conseguir fazer a mediação entre o bem e mal, tendo em conta que o papel
mediador é importantíssimo.

A hipótese de trabalho

Neste subcapítulo, Paul Ricoeur foca-se no conceito de falibilidade. A reflexão


pura, pode atingir um certo início de inteligibilidade, no qual é possível o mal aparecer na
constituição da realidade humana. Aqui, Ricoeur apresenta um conceito de falibilidade, em
que o homem se encontra propicio a poder falhar, sendo que esta ideia é inteiramente
acessível à reflexão pura. O autor faz uma referência a Descartes, sendo que pretende
trazer á compreensão, a forma como o homem se encontra exposto a falhar. De seguida,
Kant pergunta-se como é que vai revelar a ideia de falibilidade do homem, ao qual
responde: “A minha segunda hipótese de trabalho, que desta feita diz respeito à
substância e já não apenas ao estilo de racionalidade da investigação, afirma que esse
carácter global consiste numa certa não coincidência do homem consigo mesma; essa

2
desproporção entre si e si-mesmo representaria a razão da falibilidade”. 1 Assim sendo,
descobre-se então que a falibilidade vai ter de ser procurada na desproporção. Para tal,
Ricoeur afirma que temos de procurar essa desproporção no paradoxo cartesiano do
homem finito-infinito. No entanto, este é um processo bastante enganador, pois já não se
consegue conservar a distinção entre um entendimento finito e uma vontade infinita, como
também já não se pode associar o finito a uma função e o infinito a outra função.

Após uma breve referência a Meditações Sobre a Filosofia Primeira de Descartes,


Ricoeur afirma que a ideia de intermediário suscitada na desproporção, também é muito
enganadora. O autor mostra que não devemos tratar a realidade humana como uma
região, pois dizer que o homem está entre o ser e o nada, faz com que este esquema da
intercalação se torne bastante enganador. Ricoeur conclui então que: “O homem não é
intermediário porque está entre o anjo e a besta. Ele é intermediário em si-mesmo, entre si
e si-mesmo; é intermediário porque é misto, e é misto porque opera mediações. A sua
característica ontológica de ser-intermediário consiste justamente no facto de o seu ato de
existir ser o próprio ato de operar mediações entre todas as modalidades e todos os níveis
de realidade fora dele e em si-mesmo”2, isto significa que, nós somos um ser de mediação
dentro e fora de nós, sendo que de acordo com o método transcendental, a mediação faz-
se entre o que nos aparece, ao olhar, e aquilo que dizemos sobre a linguagem.
Continuando com a sua análise, o autor afirma que a finitude não é a característica global
da realidade humana, pois nenhum filósofo da finitude apresenta um conceito simples e
não dialético do mesmo, sendo que há sempre um sentido da transcendência do homem.
No entanto, a verdadeira questão consiste em saber se a transcendência é somente uma
transcendência da finitude ou se o verso também acontece. Assim, Ricoeur diz que: “A
nossa hipótese de trabalho relativamente ao paradoxo finito-infinito implica que se deva
falar de infinidade tanto quanto de finitude humana. O pleno reconhecimento desta
polaridade é essencial para a elaboração dos conceitos de intermediário, de desproporção
e de falibilidade...”3. O autor pretende então, criar uma nova antropologia filosófica, com
base na relação finito-infinito, partindo do homem, da sua desproporção e da mediação
que opera ao existir.

Para conseguir prosseguir, Ricoeur afirma que terá de se desagregar, em filosofia,


a ideia de método da de ponto de partida. Assim sendo, o autor diz que: “A filosofia não
começa nada em absoluto: impulsionada pela não-filosofia, ela vive da substância daquilo

1
RICOEUR, Paul. O Homem Falível. Edições 70, pp. 26.
2
RICOEUR, Paul. O Homem Falível. Edições 70, pp. 28
3
RICOEUR, Paul. O Homem Falível. Edições 70, pp. 29.
3
que já foi compreendido sem ser refletido” 4, por outras palavras, a filosofia não começa
nada, conseguindo apenas recomeçar algo, sendo então que é a pré-compreensão que
nos guia, de certo modo, à experiência vivida das coisas. Ricoeur, pergunta-se então,
onde deve procurar a pré compreensão do homem falível, sendo que a resposta é: “No
patético da miséria. Esse pathos apresenta-se como a matriz de qualquer filosofia que
faça da desproporção e do intermediário a característica ôntica do homem. Mas é também
necessário tomar esse pathos no seu mais alto ponto de perfeição. Ainda que pré-
filosófico, esse pathos é pré-compreensão; e é o enquanto palavra perfeita, perfeita na sua
ordem e ao seu nível. Procuraremos, por conseguinte, algumas dessas belas expressões
que exprimem a pré-compreensão que o homem tem de si-mesmo enquanto miserável” 5,
ou seja, vai recorrer ao patético da miséria para encontrar a pré-compreensão do homem
falível. Desta maneira, Ricoeur quer criar uma nova antropologia filosófica, onde a filosofia
começa mais do que recomeça e “operar uma redução do patético e dar inicio a uma
antropologia que seja verdadeiramente filosófica, por meio da qual uma reflexão de estilo
transcendental, isto é, uma reflexão que parta não de mim mas do objeto diante de mim, e
daí remonte até ás suas condições de possibilidade”.6 Vai-se começar então, pelo poder
de conhecer, isto é, se o homem é desproporção, iremos ver como esta se manifesta.
Assim, a desproporção deve ser passada à realidade, para mostrar o porquê da
falibilidade, poder dar origem ao mal. Agora, o que era mistura e miséria para a
compreensão patética do homem, vai-se chamar síntese e o problema do intermediário
passará a ser o problema do terceiro termo, que Kant designou como imaginação
transcendental. É então, o teor do conceito de falibilidade, que tenta equalizar a
rigorosidade da reflexão à compreensão patética da miséria.

O patético da miséria

Na segunda parte deste capítulo, podemos entender que vários filósofos, como
Platão e Pascal, refletiam em livros paralelos sobre a questão do patético da miséria.
Assim, um progresso pode ser identificado como sendo um progresso no patético e na
pré-compreensão da miséria. No entanto, este progresso é feito no interior de símbolos,
figuras e imagens e, desta maneira, o pathos consegue aceder ao discurso (muthos).
Ricoeur diz então, que a miséria da filosofia é o mito. Platão apresenta então, uma
definição de alma: “Na verdade, é a própria situação da alma que é miserável. Na medida
4
RICOEUR, Paul. O Homem Falível. Edições 70, pp. 29.
5
RICOEUR, Paul. O Homem Falível. Edições 70, pp. 30.
6
RICOEUR, Paul. O Homem Falível. Edições 70, pp. 30.
4
em que é, por excelência, o ser do meio, ela não é a Ideia: quando muito é da raça das
Ideias, e aquilo que de mais próximo existe da Ideia. Mas também não é coisa perecível: é
o seu corpo que mais se assemelha ao corruptível. Ela é sobretudo o próprio movimento
do sensível para o inteligível; ela é anábase, a elevação para o ser. A sua miséria revela-
se no facto de, acima de tudo, ela se encontrar numa posição de embaraço e de procura”7,
por outras palavras, a alma não é posse, mas antes tendência “para” e tensão “para. A
alma é mista, tensão, “movimento de baixo para cima”, e não pode ser dita na linguagem
científica, apenas na linguagem do enredo e do mito.

Após uma referência A República de Platão, Platão diz que: “A alma aparece assim
como um campo de forças que sofre a dupla atração da razão, a qual é apelidada de
aquilo que ordena, e do desejo, que se caracteriza como aquilo que impede” 8, por outras
palavras, a própria alma é o que dá as ordens, mas também as impede. Platão, diz que a
tensão da alma vai ter uma pequena síntese no coração, pois ora vai estar do lado da
razão ora do lado do desejo. Para Platão, o coração é o núcleo da alma. Desta maneira,
somos considerados mistura e, é preciso um mito para contar a génese desta mistura.
Ricoeur diz que não é apenas pela sua anterioridade histórica que os mitos do Banquete e
do Fedro, se situam no topo de uma antropologia da falibilidade, mas também pelo
“carácter indiferenciado do tema da miséria que veiculam” 9. Estes mitos podem ser lidos,
ora como mitos de finitude, ora como mitos de culpabilidade. Deste modo, “A miséria é
esta desgraça indivisível que era narrada pelos mitos de mistura antes que a reflexão
propriamente ética a tenha convertido em corpo e em injustiça”10.

7
RICOEUR, Paul. O Homem Falível. Edições 70, pp. 33.
8
RICOEUR, Paul. O Homem Falível. Edições 70, pp. 34.
9
RICOEUR, Paul. O Homem Falível. Edições 70, pp. 35.
10
RICOEUR, Paul. O Homem Falível. EDIÇÕES 70, pp. 35.
5

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